sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Esses geniais inventores

Cesar Vanucci *

“Meu primeiro professor
de aeronáutica foi Júlio Verne...”
(Alberto Santos Dumont, o “Pai da aviação”)

Em sucessivos capítulos, vamos ocupar este espaço com lances da vida de inventores brasileiros. Alguns, menos conhecidos, mas muito criativos, ligados a descobertas que ajudaram a mudar os rumos da história. Casos do paraibano Padre Azevedo, inventor (espoliado) da máquina de escrever, e do franco-brasileiro Hercules Florence, radicado em Campinas, criador da primeira máquina de tirar fotografias, por ele próprio batizada de “photografie” no ano de 1833.

No começo vamos concentrar-nos em inventores brasileiros mais conhecidos. Aqueles que deram ao mundo fabulosas máquinas de voar.

Bartolomeu de Gusmão foi o primeiro. Ganhou o espaço num balão inflado de ar. Santos Dumont tornou-se, deles, o mais célebre. Seu nome ficou imperecivelmente associado à história da conquista espacial.
Mas o que nem todo mundo sabe é da existência, ao longo do período que separa as realizações dos dois grandes inventores, de um número considerável de outros brasileiros empenhados na pesquisa e construção de engenhos que significaram propostas ousadas ligadas à aspiração humana, vinda do fundo dos tempos, de conquista do campo azul do céu. Falaremos deles adiante. Todos tiveram participação graduada em diferentes níveis de importância. Ajudaram de uma forma ou de outra a compor a saga da presença brasileira na história do domínio dos ares, elevada ao ponto culminante com o feito histórico, de ressonância universal, de Alberto Santos Dumont.

Foi aos 25 anos de idade que Santos Dumont, mineiro de Palmira, nascido em 20 de junho de 1873, um dos dez filhos de abastada família de fazendeiros, alcançou consagração como inventor. Em máquina que custou, a valores de agora, o equivalente a 76 mil reais, por ele totalmente concebida e construída, uma espécie de balão em forma de charuto, com controle de vôo manual, medindo vinte e cinco metros de comprimento, o inventor, diante de multidão extasiada, fez uma demonstração definitiva de que, contrariamente ao que, denotando ceticismo e despreparo, imaginavam alguns setores científicos apegados a valores ultrapassados, ao homem não estava vedada a capacidade de locomover-se no espaço. A mesma Paris que o aplaudiu, euforicamente, quando das evoluções precursoras do “Santos Dumont nº 1”, voltou a festejá-lo, num sem número de ocasiões, ao alçarem voo os outros numerosos engenhos que se sucederam ao primeiro teste aéreo.

O momento mais exitoso na vida deste homem, um dos mais fecundos inventores da história, aconteceu em 12 de novembro de 1906. O mundo tomou conhecimento, assombrado, sem capacidade para inferir desde logo as infindáveis perspectivas que se abriam, a partir daquele momento, à conquista do progresso e bem estar, que um brasileiro estava a realizar em Paris os primeiros vôos oficialmente controlados da história.

A utilização do mais pesado que o ar impunha-se como realidade tecnológica. Os monoplanos, lançados após a memorável experiência, consolidaram a reputação de Dumont como cientista. Num desses aparelhos, em 1909, voando a pouca altura sobre sebes e copas de árvores, conseguiu alcançar novo recorde de velocidade, desenvolvendo média de noventa e cinco quilômetros por hora, inconcebível nas concepções científicas dominantes.

No resto, a história de Santos Dumont é bem conhecida. Como Nobel, o grande brasileiro estava convencido de que os seus inventos viriam contribuir para afastar o espectro das guerras, já que notório o poder destruidor de que se revestiriam as máquinas voadoras, se empregadas em planos bélicos. A primeira Guerra Mundial trouxe-lhe malogro e sofrimento. Dumont percebeu que, a exemplo do que doloridamente acontecia com os objetivos em terra, suas convicções estavam sendo também submetidas, na prática, a devastadores bombardeios. As crises de neurastenia que costumavam acometê-lo se aguçaram, na volta ao Brasil, quando da revolução de 32. Nos céus de sua pátria, a máquina projetada para encurtar distâncias e aproximar os homens vinha sendo utilizada como instrumento de destruição.

Drama inexorável abateu-se sobre o espírito sensível do homem que deu asas ao semelhante e que ganhou consagração na memória mundial por força de seu idealismo, de seu gênio e grandeza d’alma.

Se vivo estivesse, ele poderia contemplar, décadas depois, outras facetas, estas de cunho positivo, da fabulosa conquista que proporcionou à humanidade. A navegação aérea intensa, estreitando caminhos e aproximando criaturas; os vôos tripulados além da atmosfera terrestre; os foguetes que deixam a Terra em busca do fascinante desconhecido sideral.
E imaginar que tudo isso começou mesmo, pra valer, naquele 12 de novembro de 1906, em Paris!

A seguir, um apanhado das glórias e desventuras vividas por Bartolomeu de Gusmão.



Glórias e desventuras de Gusmão

“Com que engenho te atreves, brasileiro...”
(Versos satíricos da imprensa portuguesa, criticando a ação vanguardeira de Bartolomeu de Gusmão na conquista do espaço)


O itinerário de Bartolomeu de Gusmão foi marcado por vivências doridas. Conheceu a glória. Foi impiedosamente alvejado pelo ódio, nascido do obscurantismo cultural e científico.

Ao reconhecerem-lhe o mérito criador, rodearam-no de honrarias. Essa convivência aconchegada com a celebridade durou pouco. O brilho ofuscante de sua inteligência incomodava figuras poderosas da Corte portuguesa.

O êxito de suas experiências só fez açular o ódio e a inveja. E a tal ponto, que não foi difícil a deflagração de campanhas difamatórias, onde a figura do inventor era equiparada à de feiticeiro, de pessoa comprometida com artes demoníacas.

Perseguido, coberto de escárnios, em dado instante despojado da proteção que Dom João V lhe assegurara de início, enfrentou as iras detonadas pela ignorância e incompetência. Seu nome entrou para um círculo de sombra, numa longa noite de silêncio e de trevas, estendida até a morte, no exílio em terras de Espanha, onde, paupérrimo, dilacerado pela ingratidão, foi acolhido pela compaixão de um irmão de hábito.

Amostra eloquente da ofensiva belicosa movida ao sábio brasileiro que ofereceu a Portugal um invento destinado a mudar a fisionomia do mundo, pode ser retirada dos versos satíricos com os quais a imprensa lisboeta o mimoseou, a propósito da seqüência de seus testes vitoriosos com balões.
“Com que engenho te atreves, brasileiro, / A voares no ar, sendo rasteiro./
Desejando ave ser, sem ser gaivota? / Melhor te fora, na região remota /
Onde nasceste, estar com siso inteiro!”

A “região remota” em que nasceu Bartolomeu (1585) era Santos. Seis dos irmãos se inclinaram também para a vida religiosa.
Homem de vasta cultura, tribuno consagrado, dominava vários idiomas. Dotado de sólida formação científica, chegou a capelão fidalgo na casa real. Paralelamente ao ministério sacerdotal, dedicou-se em Coimbra a experiências e construção de aparelhos e máquinas. Publicou inúmeros trabalhos científicos. Um deles continha explicações sobre os vários modos de esgotar sem gente os navios alagados. Em petição a Dom João V, abril de 1709, solicitando auxílio para o seu engenho voador, acenou com as possibilidades que se descortinavam à chegada da era dos vôos. Abaixo, trechos dessa petição.

“Diz o licenciado Bartolomeu Lourenço que ele tem descoberto um instrumento para andar pelo ar da mesma sorte que pela terra e pelo mar, com muito mais brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia, no qual instrumento se poderão levar os avisos de mais importância aos exércitos e terras mais remotas, quase ao mesmo tempo em que se resolvem: o que interessa a Vossa Majestade muito mais que a todos os outros príncipes, pela maior distância dos seus domínios; evitando-se, desta sorte, os desgovernos das conquistas, que provêm em grande parte de chegar tarde a notícia deles.

Além do que, poderá Vossa Majestade mandar vir todo o preciso delas mais brevemente e mais seguro; poderão os homens de negócio passar letras e cabedais a todas as praças sitiadas; poderão estas ser socorridas tanto de gente como de víveres e munições a todo o tempo, e tirarem-se delas as pessoas que quiserem, sem que o inimigo o possa impedir. Descobrir-se-ão as regiões mais vizinhas aos pólos do mundo, sendo da Nação portuguesa a glória deste descobrimento. Além das infinitas conveniências que mostrará o tempo.”

Ajuda concedida, em oito de agosto do mesmo ano, uma multidão presenciou e aplaudiu a elevação suave do aeróstato, a partir do pátio do castelo de São Jorge, o inventor a bordo. O engenho pousou, pouco depois, no Terreiro do Paço. Segundo o historiador Miguel Milano, a forma do aparelho correspondia à de um grande saco tetraédrico alongado numa das extremidades. Na parte inferior, suspensa, uma barquinha. Dali, o aeronauta manobrava um leme, do formato de pá. O balão era propelido por ar quente, ou um gás mais leve que o ar, possivelmente hidrogênio, embora o inventor, objetivando proteger a invenção, alegasse tratar-se de energia eletromagnética.

O infalível processo de revisão da história, confiado à posteridade, recolocou Bartolomeu de Gusmão em lugar de realce na galeria dos grandes nomes que, com a sua ação pioneira, ajudaram a construir a aventura humana.

Lápide afixada na Praça de Armas do Castelo São Jorge, em Lisboa, numa rua que traz o nome do inventor, estampa depoimento que consagra sua obra vanguardeira:

“A Bartolomeu Lourenço de Gusmão, ao sábio português ilustre, que primeiro que nenhum, realizou em 1709, a genial idéia do aero-navegar, elevando-se em balão na Praça de Armas do Castelo de São Jorge: - Honra, Renome, Glória.”


Vanguardeiros e anônimos


“Muitos brasileiros, no anonimato,
se preocuparam com os problemas da navegação aérea.”
(Roberto Pereira de Andrade, pesquisador e escritor)


A conquista dos ares, vista de enfoque exclusivamente brasileiro, aponta no período que medeia as presenças em cena do “Padre Voador” e do “Pai da Aviação” uma lista surpreendentemente extensa de idealistas que, acreditando na possibilidade do voo por meio de engenho aeronáutico, colocaram as habilidades técnicas que Deus lhes deu em favor da materialização dessa fascinante empreitada. O jornalista Romero Solha, no antigo “Diário da Tarde” de 26 de outubro de 1982, publicou sugestiva reportagem a respeito.
O escritor Roberto Pereira de Andrade, autor de trabalho considerado no gênero o mais completo já apresentado, introduz-nos por meio do livro “A construção aeronáutica no Brasil –1910/1976” no conhecimento de uma realidade para muita gente insuspeitada. Na esplêndida pesquisa é mostrado que o vôo humano tem ligação umbilical com a construção aeronáutica, embora esta última haja sido vista, na fase inaugural da aviação, como excêntrico artesanato. Na seqüência, alguns dos inventores listados no trabalho.

Acionada pelo escritor, a roda do tempo traz, em primeiro lugar, a figura do paraibano Marcos Barbosa. Suas experiências, com máquina que lembrava um planador, ocorreram em fins do século XIX. O inventor efetuou voos, planando pelas encostas das colinas, com a ajuda de asas de tela e de madeira.

A obstinação do alferes Paulino José de Almeida Nuro levou-o a projetar (em 1899) um monoplano, o “Jaburu voador”. Nem no Brasil, nem na França, encontrou receptividade. Comissão militar que avaliou o projeto concluiu pela sua inviabilidade.

Carlos Rostaing (1880-1941), outro obstinado. Patenteou no Rio, Paris e São Petersburgo a planta de um dirigível. O engenho foi descrito em janeiro de 1902 pela revista francesa “L Aerophile”.

Quem poderia imaginar o líder abolicionista José do Patrocínio (1853-1905) envolvido, também, em meio às tormentas políticas, com o ofício de inventor? Pois é justamente ele, com colaboração de um engenheiro chamado Tiret, que projeta em 1900 um modelo de balão dirigível, batizado “Santa Cruz”. Isso em Paris, naquela ocasião, mais do que nunca, centro mundial da cultura. A morte do parceiro traz Patrocínio de volta ao Brasil sem que o experimento pudesse ser efetivado. O belo sonho que alimentou durante bom pedaço de sua existência esboroou-se. Por ocasião de seu falecimento a máquina – uma estrutura de alumínio, recoberta de tela – estava quase concluída. Seus herdeiros desmontaram-na.

Carlos Euler, carioca, nascido em 1863, engenheiro, diplomado em Zurique, publicou em 1903, no Rio, uma monografia expondo interessantes “Considerações sobre o voo mecânico”. Sua participação em inventos ficou confinada ao campo teórico.

Quem também assinalou presença nas tentativas das conquistas aéreas foi o amazonense João Autto de Magalhães Castro (1861/1926). Suas pesquisas tiveram caráter predominantemente teórico. Coube-lhe o mérito de haver projetado instrumentos de concepção avançada para a época. Entre eles, um dirigível provido de asas.

Paulista, Gastão Galhardo Madeira (1869/1942) obteve patente em 1880 de um projeto de dirigível e de um sistema de estabilizadores para monoplanos. Despertou a atenção dos construtores franceses Farman e Regy. O projeto veio a ser absorvido pela indústria Rotmanoff & Cia.

Júlio Cesar Ribeiro de Souza (1843-1887) paranaense, construiu, na Europa, três balões dirigíveis de formato alongado. O “Victoria”, o “Santa Maria de Belém” e o “Cruzeiro”. Multidões assistiram às muitas evoluções dos balões nos céus da capital francesa.

Leopoldo Ferreira da Silva, mineiro, nasceu em 1849. Em 1890, registrou na Alemanha patente para a construção de um dirigível de passageiros. No Rio, estruturou empresa com o propósito de explorar comercialmente o invento. Denominada “Cruzeiro do Sul”, a aeronave estava para ser lançada quando do falecimento do inventor. O projeto foi interrompido.

Cearense, Domingos José Nogueira (1848/1926) é outro dos brasileiros que, no anonimato, “se preocuparam com os problemas da navegação aérea”, conforme o escritor Pereira de Andrade. Estudos teóricos sobre a dirigibilidade dos balões garantem-lhe a citação do nome.

Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, outro pioneiro, perdeu a vida numa experiência aérea. Em 1894, construiu o balão “Bartolomeu de Gusmão”, em seus primeiros testes de navegação. Mais tarde, na França, empenhou-se na construção do dirigível “Pax”. Na manhã de 12 de maio de 1902, acompanhado do mecânico, ergueu vôo testando a estabilidade do aparelho. Uma fagulha de motor alcançou a carga de hidrogênio. A aeronave precipitou-se em chamas num logradouro parisiense.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O programa infantil e o poeta

Cesar Vanucci*

“Saudade é ser, depois de ter.”
(Guimarães Rosa)

O
“Programa Infantil” da PRE-5 era produzido, dirigido e apresentado por Altiva Glória Fonseca, uma mulher charmosa e inteligente, de presença destacada nas atividades culturais e assistenciais de Uberaba. Levado ao ar nas manhãs de domingo, com participação animada de público fiel, que lotava o assim chamado “salão grená” da emissora, atraia (nos anos 40) uma legião considerável de ouvintes. As atrações artísticas, garotos e garotas com inclinação para canto, declamação, esquetes, galvanizavam vibrantes torcidas, os orgulhosos pais da gurizada em plano de realce. Augusto Cesar Vanucci, Pedrinho Ricciopo, Neuza Papini, Nancy Pagano, Irmalda Dorça, Vicente de Paula Oliveira, Joel Andrade Loes, Walia Vieira, Zilma Buggiato Faria, este desajeitado locutor que vos fala eram, entre outros, integrantes do “elenco permanente” do programa. Os ensaios para as apresentações ocorriam nas tardes de sábado. O Regional da estação de rádio, dirigido pelo maestro João Tomé, artista de mão cheia, capaz de arrancar sons de tudo quanto era instrumento apesar da cegueira de nascença, cuidava com esmero do acompanhamento dos intérpretes, fazendo, se preciso, fundo para declamações. O conjunto compunha-se de piano, violão, cavaquinho, flauta, bateria e pandeiro.

As imagens de borbulhante júbilo daqueles anos dourados da meninice acodem-me com constância à memória velha de guerra. Indoutrodia, por ocasião da bela sessão solene que assinalou, no Auditório JK, na Cidade Administrativa, o momento culminante de celebração da “Semana Mundial do Serviço Leonístico”, neste ano de 2011, fui buscar no baú uma lembrança danada de terna do “Programa Infantil da E-5”. No pronunciamento que fiz na solenidade em questão citei versos de um poeta norte americano, Langston Hughes, assinalando que eles faziam parte de poema decorado na infância. Recuperei na hora meiga cena. A Altiva Glória Fonseca a passar-me uma tarefa, nas proximidades de um dia 13 de maio. O programa da semana seria todo voltado para manifestações lítero - musicais com foco temático na abolição da escravatura. A encomenda que recebi foi a de decorar o poema “Sou negro”, do poeta citado. Sob a zelosa supervisão de minha saudosa mãe Tonica, decorei pra nunca mais esquecer os versos recomendados, de suave sopro lírico e de dardejante conteúdo social. Bate-me forte, aqui e agora, a tentação de reproduzi-los para deleite dos leitores. Vai lá:
“Eu sou negro: / Negro como a noite é negra, / Negro como as profundezas d’África.
Fui escravo: / Cesar me disse para manter os degraus da sua porta limpos. / Eu engraxei as botas de Washington.
Fui operário: / Sob minhas mãos as pirâmides se ergueram. / Eu fiz a argamassa para a fábrica de algodão.
Fui cantor: / Durante todo o caminho da África até a Geórgia / Carreguei minhas canções de dor. / Criei o ragtime.
Fui vítima: / Os belgas cortaram minhas mãos no Congo. / Eles me lincham até hoje no Mississipi.
Eu sou Negro: / Negro como a noite é negra / Negro como as profundezas da minha África.”
Do poeta, nascido em 1º de fevereiro de 1902 e falecido em 22 de maio de 1967, fiquei sabendo mais tarde tratar-se de um inovador da arte literária, cioso de sua ancestralidade negra. Ativista social, romancista, dramaturgo, acabou firmando conceito como o mais importante poeta negro estadunidense. Um homem que soube transpor para a palavra os ritmos e a cadência da música de sua gente, notadamente o blues.
E quanto ao programa da E-5? Ele é capítulo de dias idos. Da aurora da vida, da infância querida, que os anos não trazem mais, de que fala Casimiro de Abreu. Converteu-se em saudade. Ou seja passou “a ser, depois de ter”, como diz Guimarães Rosa.



Verso e reverso

Cesar Vanucci*

“As ideologias radicais, não importa sua coloração, nem suas supostas e inflamadas discordâncias, são verso e reverso de uma mesma moeda”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

O fundamentalismo ultraconservador apavora tanto quanto o extremismo terrorista. Pode-se dizer mesmo que um e outro representam, na verdade, verso e reverso de uma mesma moeda. São expressões incendiárias de uma visão distorcida da realidade humana. Uma contrafação do sentido verdadeiro da vida. Agridem a consciência social. Alvejam os direitos elementares. Desprezam os sentimentos e emoções puros e espontâneos que regem a boa convivência comunitária. Geram deuses e ícones falsos. Abominam o diálogo entre contrários, instrumento de convergência que ajuda na construção de mundo melhor. Alimentam preconceitos aviltantes, racismo impiedoso, idiossincrasias incuráveis, ódios fratricidas, totalitarismos ferozes.

Espicham a tal ponto sua interpretação arcaica das coisas que passam a enxergar as conquistas do espírito, os avanços da ciência como blasfêmias heréticas. Chegam, não poucas vezes, a identificar riscos funestos à paz, à harmonia cotidiana, como agora acontece nos Estados Unidos, por obra e graça do chamado “Tea Party”, num simples anúncio de um atendimento de saúde universalizado; ou como ocorre, também neste justo instante, em certos países do mundo árabe intoxicados pelo radicalismo religioso, na mera aspiração das mulheres de desfrutarem do direito de acesso a uma carteira de habilitação de motorista.

Esse pessoal desvairado, pelos males que se revela capaz de aprontar, enche o mundo de medo. Ou seja, mesmo constituindo parcelas, embora aguerridas e atuantes, flagrantemente minoritárias no conjunto da sociedade, têm o “dom” de espalhar freneticamente por onde atuam o mais amaldiçoado dos instintos rasteiros, a nos valermos da definição do medo cunhada por Shakespeare.

Ÿ Martelo de novo, com carradas de razão, a tecla. Só no primeiro semestre deste ano, os quatro maiores bancos do País obtiveram, somados, lucros da ordem de R$ 22 bilhões e 900 milhões. Tais números, como de praxe, nessa espiral ascendente ininterrupta de resultados excepcionais que pontilha a trajetória do sistema bancário em nosso País, revelaram-se superiores aos do mesmo período do ano anterior, ficando assim distribuídos pelas organizações: Itaú, R$ 7.1 bi; Banco do Brasil, R$ 6.3 bi; Bradesco, R$ 5.4 bi; Santander, R$ 4.1 bi. A proverbial lucratividade do nosso operoso complexo bancário, incomparável com relação a qualquer outro país, traduzida nessa amostra de números correspondentes a apenas quatro instituições, suscita inapelavelmente uma indagação. À vista de toda essa dinheirama, não é o caso de se imaginar a instituição, por iniciativa do Governo, de um fundo para programas sociais relevantes com recursos derivados de tributação que incida sobre a lucratividade excessiva desse e de outros setores escandalosamente favorecidos pela política econômica vigente? Uma decisão dessas, corretíssima do ponto de vista político e social, não representaria uma forma de reforçar o caixa para a expansão de serviços essenciais nas áreas da saúde e educação?

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Confusão das arábias


Cesar Vanucci*

“A confusão era geral!”
(Relembrando dito famoso de Machado de Assis, em “Dom Casmurro”)



Depois dos primeiros e justificáveis instantes de euforia deu para perceber nitidamente no ar alguns sinais inquietantes de que a assim chamada “Primavera árabe”, confrontando reações domesticas e externas consideravelmente poderosas, tendia a perder fôlego. Esforços virulentos em favor da preservação de abomináveis hegemonias oligárquicas no plano doméstico, misturados com as costumeiras manipulações de bastidores engendradas pelos interesses geopolíticos e econômicos de sempre, começaram a colocar em xeque as propostas políticas liberalizantes despejadas nas ruas e praças pelo clamor popular.

As férreas reações às mudanças, mais ferozes numa região do que em outra, mas de qualquer maneira doridamente reais, trabalham obstinadamente no sentido de que o processo não possa avançar nos termos almejados pelas multidões. Chegam a ocasionar nalgumas paragens frustrantes retrocessos.

A Junta no Egito, composta de militares que ocuparam desde sempre postos chave no governo deposto, não parece mesmo disposta a abrir mão de sedimentados privilégios. Os impasses por aquelas bandas só fazem aprofundar. Os integrantes do comando militar empenham-se em assegurar prerrogativas que, de forma alguma, os resultados das recentes eleições admitem referendar. Muito antes, pelo contrario. E olhem que as eleições em pauta foram realizadas debaixo do rígido controle da Junta, com regras, como sabido, não totalmente amoldadas ao tradicional figurino democrático. Num clima atulhado de tensões, com a repressão policial arrastada ao auge, no melhor estilo da era Mubarak, os egípcios fardados não escondem o propósito de se perpetuarem como condestáveis tutores do regime. Propõem-se magnanimamente a exercer “poder moderador” paralelo no processo político. Nesse afã, indiferentes à mensagem das urnas, que apontam os verdadeiros dirigentes do país desejados pela sociedade, cuidam no momento de “designar” um “colégio de notáveis”, escolhidos a dedo para aconselhá-los em suas “patrióticas decisões” sobre questões de valor transcendental. Os crescentes temores acerca do que vem pintando no pedaço egípcio avolumam-se mais quando se tem presente a barbárie extremista, encorajada oficialmente, cometida contra minorias indefesas, como aconteceu no caso dos cristãos chacinados. Um caso que, estranhavelmente, não encontrou a ressonância apropriada por parte da grande mídia ocidental.

Na Síria, as coisas continuam postas daquele jeito que o diabo tanto aprecia. Matança bestial, já contabilizando mais de 5 mil vitimas, deixa escancarada a determinação insana da ditadura de Damasco em não ceder terreno, bem como a existência de uma implacável guerra civil de imprevisíveis consequências. A conflagração síria gera especulações de toda ordem. Não poucos estudiosos de política árabe crêem na possibilidade de que uma eventual sucessão do tirano Assad, tal qual ocorreu noutros paises árabes, possa não significar avanço qualquer em termos de conquistas democráticas.

A Líbia, inexplicavelmente ausente das primeiras páginas depois do trágico defenestramento do tristemente celebre Kadafi, já está sendo vista como mais uma encrenca emblemática. Os grupos heterogêneos que ascenderam ao comando andam até trocando tiros pelas ruas. A repressão aos adversários continua tão violenta quanto no passado. O precário governo instalado é partidário – Alá que cuide de proteger os humanistas e as mulheres árabes! - da inserção da “Sharia” na Constituição em preparo. Pra muita gente que conhece os meandros da enigmática política árabe, os inimigos de Kadafi, agora desempenhando papeis centrais no teatro dos acontecimentos, têm deixado à mostra, com os desvarios praticados, incontrolável pendor para manter íntegro seu legado de terror.

A confusão que varre os domínios árabes não fica confinada obviamente aos fatos comentados. Tema pra novo papo.




Bota confusão nisso



“Confusão: mistura desordenada de seres ou coisas;
mixórdia, misturada (...), bagunça.”
(Definição constante do Dicionário Houaiss)



As ambições insopitáveis das oligarquias enquistadas no poder e as ações tresloucadas dos grupos religiosos fanatizados explicam em grande parte a razão do mundo árabe viver em permanente e furibunda ebulição. Mas outros fatores de relevância, nem um tiquinho subestimáveis, têm também peso no rumo das coisas. Rumo e coisas sempre enigmáticos e imprevisíveis, em se tratando dos lugares de que se está a falar.

A política ambígua dos Estados Unidos na região, tão ambígua agora quanto foi na era Bush pra desalento dos que acreditaram no sopro renovador esperançosamente acenado na pregação do candidato Obama, é um desses fatores perturbantes. A política de manifesta intolerância do governo israelita, sempre sensível às pressões do grupo ortodoxo radical integrante da coalizão de forças que comanda o pais, é outro complicador realçante no conturbado cenário.

Os dois paises contrapõem-se de forma insensata ao ponto de vista da grande maioria das nações com assento na ONU. Deram-se as mãos, valendo-se de expedientes os mais ridículos, para obstaculizar o reconhecimento do Estado da Palestina. Uma resolução política corretíssima, aguardada há décadas. E não apenas, compreensivelmente, pelos cidadãos palestinos, mas por toda a opinião pública mundial. Por homens e mulheres de boa vontade apoderados da lúcida certeza de que a conquista da paz ardentemente almejada no conflituoso território passa, obrigatoriamente, em primeiro lugar, por essa histórica decisão. E como se não bastassem os pronunciamentos descabidos, vociferados na tribuna, as chancelarias de ambos paises anunciam, pirracentamente, a disposição de retirar apoio financeiro às atividades da Unesco pela “insultuosa“ acolhida dada a uma representação palestina.

Enquanto tais posicionamentos despropositados são adotados, Tel Aviv autoriza, na marra, a construção de novos núcleos de moradias destinadas a grupos israelenses em áreas pertencentes à futura pátria palestina. Desrespeita, novamente, pactos internacionais, fazendo ouvidos moucos aos protestos universais suscitados pelas apropriações indébitas das terras. Confia, obviamente, pela undécima vez, nas “costas quentes” garantidas pelo poderoso aliado americano. Não liga a mínima à circunstância de seus atos agregarem um complicador a mais nos entendimentos em prol da paz no Oriente Médio. Paz essa, mencione-se de passagem, já “celebrada” um punhado de vezes, com concessão até de Prêmio Nobel aos que a “promoveram”, como o distinto leitor haverá de se lembrar ...

E eis que surge agora um outro episódio emblemático, envolvendo governantes israelenses, no bojo de informação trazida ao conhecimento público pela grande mídia, mas sem pormenores explicativos essenciais. Em troca da libertação de um jovem soldado em poder de extremistas árabes, mais de mil, entre 5 mil palestinos encarcerados e tidos como inimigos do Estado do Israel, deixaram a prisão. As negociações para a libertação foram processadas diretamente com o “Hamas”, sem qualquer interferência da Autoridade Palestina. E isso aconteceu, sintomaticamente, no justo momento em que os dirigentes da “Al Fatah”, base da sustentação legal do governo palestino, compareciam à ONU, pleiteando um assento permanente para a Palestina na organização. Muita gente não conseguiu entender as razões das conversações havidas envolverem apenas o pessoal do “Hamas”. Afinal de contas, esse pessoal tem sido volta e meia apontado, pelo Israel e pelos EUA, como virulento grupo terrorista, vinculado à sinistra “Al Qaeda”. É visto, também, como adversário passional da “Al Fatah”. À conta desse suspeitoso currículo tem sido considerado um interlocutor ilegítimo em quaisquer discussões ligadas às candentes questões do Oriente Médio. Por que, cargas d’água, então, resolveram chamar o “Hamas” para negociar troca de prisioneiros? Observadores qualificados perceberam nesse inusitado procedimento uma jogada maquiavélica urdida com o intuito de desqualificar as ações da Autoridade Palestina em sua busca de reconhecimento universal.

O episódio oferece mais dados instigantes. Cuidemos de anotá-los. O coordenador pelo “Hamas” dos entendimentos com as autoridades de Israel, um clérigo de nome Yussef, encontrava-se até recentemente na prisão. Foi colocado em liberdade com o fito de conduzir as conversações. Repórteres da televisão portuguesa, conforme mostrado em interessante reportagem no “Globo News”, descobriram que o filho mais velho desse clérigo, de nome Mussab, agia no interior da organização terrorista comandada pelo pai como um agente do serviço secreto israelense. Por causa disso, teve que recorrer a asilo político nos Estados Unidos. Em minhas leituras assíduas de jornais e acompanhamento de boletins televisivos nada havia lido, visto ou escutado a respeito desses itens antes de tomar conhecimento da surpreendente reportagem. Vamos, venhamos e convenhamos: não há como deixar de classificar, no mínimo, de estranho o silêncio da grande mídia com relação ao assunto.

No artigo passado – lembra-se o leitor? – falamos de confusões das arábias. Bota confusão nisso.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Mídia, Chevron e Petrobras


Cesar Vanucci*

“Não faltará rigor nessa apuração!”
(Ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, a propósito
do vazamento de óleo da plataforma da “Chevron”)


Houve-se bem o Governo Brasileiro em ordenar sejam interrompidas, por tempo indeterminado, as operações da Chevron no Brasil. A quarta maior petroleira do mundo pisou feio na bola no episódio do vazamento de óleo no Campo do Frade, na Bacia de Campos. Recorreu a trapaças inimagináveis na construção de sua interpretação dos fatos. Foi longe demais da conta na marota tentativa de engazopamento da opinião pública em que se lançou, começando pelo Parlamento e órgãos de fiscalização.

Favorecida pelo incompreensível e, pode-se dizer mesmo, cúmplice comedimento de parte influente da mídia na divulgação da grave ocorrência ambiental, a empresa norte-americana fez de tudo para ocultar as verdadeiras proporções do incidente. Tratava-se, garantiu, de vazamento provocado por “uma rachadura no solo do oceano”. Um “fenômeno perfeitamente natural”, ousou afirmar. A versão pinoquiana foi reduzida a estilhaços em curto espaço de tempo. A alegação, constatou-se, não passava de embuste, deboche puro.

As informações liberadas a respeito de colossal mobilização de recursos extraordinários que estaria promovendo, objetivando conter o vazamento foram desmentidas, uma a uma. A petroleira sustentou haver requisitado, de imediato, 17 embarcações para as operações de emergência. Mentira. Naquela fase dos trabalhos, deslocou para o local do desastre um único navio. Ao anunciar um plano emergencial de abandono do poço que vinha sendo perfurado, sonegou outro dado fundamental: não dispunha dos equipamentos necessários à execução do plano com a rapidez exigida. O equipamento teve que ser trazido de fora. Só entrou em funcionamento algum tempo depois, sem que os órgãos competentes tivessem sido devidamente notificados de sua chegada. Disso resultou o retardamento de providencias consideradas essenciais. As tapeações da Chevron chegaram ao ápice do atrevimento quando mandou confeccionar um vídeo com imagens adulteradas do incidente. A intenção de, uma vez mais, ludibriar a boa fé alheia ficou manifesta. As cenas editadas “provavam” que a dimensão do desastre ambiental havia sido sensivelmente menor.

Coube a diligentes oficiais da Policia Federal deixar exposta ainda mais a arrogância e impertinência da empresa. A ação policial comprovou a utilização na área pesquisada, na Bacia de Campos, de uma sonda com capacidade para perfurações além de sete mil metros. O fato evidenciou que a petroleira infringiu também, clamorosamente, regras pactuadas quanto às suas atribuições na prospecção que lhe foi confiada. Na verdade, as camadas de petróleo na região explorada podem ser alcançadas a profundidades que tornam dispensáveis sondas desse porte. A ação levada a termo escondia o propósito de facilitar à Chevron acesso, de forma ilegal, clandestina, à camada de pré-sal. Acesso esse não cogitado na outorga de prospecção concedida.

Não há, pois, usando de franqueza, como calar a estranheza diante da tonitruante constatação de que essas coisas todas, de suma gravidade, não conseguiram, apesar dos sinais e indícios abundantes e pertubadores, atrair com a intensidade desejável as atenções da grande mídia. Pergunta-se, então, com certa inquietação quanto a natureza das respostas que possam ser colhidas: e se no lugar ocupado pela estrangeira Chevron, como ré que é de crime bem configurado contra o interesse público, contra o interesse nacional, estivesse colocada a brasileiríssima Petrobras? A cobertura das ocorrências gravíssimas na bacia de Campos teria sido tão controlada, tão parcimoniosa, quanto a que foi dada, no tocante à candente questão, por quase todos os nossos grandes veículos de comunicação? Hein?



Ano aziago para o futebol


“Os últimos serão os mineiros!”
(Gracejo, com jeito de prognóstico, posto a circular nas redes
sociais, a propósito do desempenho do futebol de Minas)

Vexame geral, roçando a tragédia. Um dos três clubes despencou logo de cara ribanceira abaixo. Os demais – sabe lá Deus como – escaparam por um triz do rebaixamento. A coisa andou tão feia por período exageradamente prolongado que muita gente passou a aceitar, resignadamente, como prognostico irremovível um dito em tom de gracejo posto a circular nas redes sociais: “os últimos serão os mineiros” ...

Para os torcedores do América o sofrimento estendeu-se praticamente por todas as rodadas. Os torcedores do Atlético “curtiram” sufoco a maior parte do tempo. A angustia dos cruzeirenses só se desfez, de forma inesperada, na vigésima quinta hora. A goleada implacável aplicada no arquiinimigo, na derradeira e decisiva disputa, rendeu compensações, mas não ocultou jeito maneira a mediocridade da campanha encetada. A expressão mediocridade cai, também, como luva para definir o desempenho do Atlético. Aliás, a posição na tabela dos dois principais clubes do Estado diz tudo e mais alguma coisa. Distanciados um do outro por apenas dois pontos, “desfrutaram”, ambos, a amarga sensação de figurar, com méritos irretorquíveis, na rabeira dos 16 classificados.

Que o futebol praticado pelos atletas em campo situou-se abaixo da critica ninguém põe em duvida. Mas manda a verdade dizer que a responsabilidade por tão assustadores desacertos não pode ser largada a débito exclusivo dos jogadores. Pegue-se o caso do Cruzeiro como exemplo. O time, no principio da temporada, era apontado por todo mundo como real candidato ao titulo. Vindo de espetacular campanha na “Libertadores”, quando a perda do titulo na final só aconteceu por um desses caprichosos acasos brotados, de quando em vez, ao arrepio da lógica, nos excitantes e inextricáveis domínios do “esporte de multidões”, lançou-se de repente, para espanto geral, num processo de desconstrução perversa de tudo aquilo que estava montado e vinha dando certo. Já no meio do primeiro turno todo mundo se perguntava sobre o que estava a suceder com um time que a crônica esportiva chegara a apontar como o único no mundo em condições de se nivelar em brilho técnico com o Barcelona, de Leonel Messi. Ficou claro, de forma avassaladora, que houve um incompreensível desgaste técnico da equipe, provocado por fatores extra-campo.

O Atlético, a seu turno, em que pese a ebulição permanente produzida pelas dispendiosas contratações de técnicos e craques, continuou a desempenhar o papel a que, resignadamente, se afeiçoou de tempos pra cá, no palco dos espetáculos. O papel de despretensioso coadjuvante, em desacordo, gritantemente, com os feitos esportivos doutros tempos.

O desempenho pífio dos times em campo não esgota, tá claro, as explicações a respeito da lastimável circunstância de o ano de 2011 haver sido o pior pro futebol mineiro na era pós Mineirão. Nossos clubes carecem hoje – está na cara – de administrações mais competentes. Reclamam lideranças com maior capacidade de ação e poder de voz na política do futebol. Omissões deploráveis, renúncia inaceitável de direitos, acomodações diante de fatos injustificáveis acarretaram – como não? - danos pesados à credibilidade do futebol mineiro. Isso tem sido a razão de parte ponderável da torcida estar sendo arrastada, a contragosto, ao desalento. Muita coisa relevante que rolou fora do campo influiu marcantemente na desastrada performance dentro de campo. Uma conjugação de variados fatos compôs o contexto negativo em que o futebol mineiro se inseriu. Planejamentos inadequados no que concerne às obras do Mineirão, relativas à Copa de 2014, e do estádio do Sete, sem relação com a Copa, atacadas simultaneamente, privaram os clubes e a torcida de arena apropriada para sediar as competições na Capital, por considerável espaço de tempo. Inequívocos, os prejuízos. Uma outra medida que concorreu fortemente para arrefecer o entusiasmo popular quanto ás disputas foi a incrível decisão de se impor “torcida única” nos estádios distantes que passaram a acolher os clássicos. O saudoso Stanislau Ponte Preta dificilmente deixaria de arrolar essa decisão no seu famoso Febeapá. A “contribuição” da emissora que detém o controle das transmissões por televisão dos jogos, para o descrédito do futebol mineiro foi também “preciosa”. Essa de vedar, por interesse comercial, o acesso do telespectador, nos canais abertos, aos jogos dos times de sua predileção, substituindo-os por partidas, até do exterior, sem qualquer poder de atração para o torcedor, vamos e convenhamos, é de lascar o cano... Não é assim mesmo que como se costumava dizer em tempos de antigamente? Nada de surpresas, por conseguinte, distinto leitor, tendo em vista essa fase atual de descrédito do futebol mineiro, quanto a um outro desconcertante episódio registrado na última rodada do Brasileirão. Para os dez clássicos regionais disputados, nenhum árbitro mineiro foi escalado. Nem mesmo como gandula, ora, veja, pois ...

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Homenagem a Francelino

Cesar Vanucci*

“A repetição é a melhor retórica”
(Napoleão Bonaparte)

Num encontro de congraçamento que reuniu representantes de dezenas de instituições culturais, a Federação das Academias de Letras e Cultura de Minas homenageou, dia 14 de dezembro, no Automóvel Clube/BH, o ex-Governador Francelino Pereira. Designado pelo Presidente da entidade, escritor Aloísio Garcia, dirigi ao homenageado a saudação reproduzida na sequência.

“O que tenho para dizer, em boa e leal verdade, a respeito do cidadão no foco desta carinhosa celebração constitui um somatório de edificantes informações. Todas do conhecimento, certeiramente, não apenas dos que se acham neste recinto, como também de um mundão de gente lá fora, Uns e outros convencidos, por óbvios motivos, de que Francelino Pereira é um cara que faz parte do mundo invejável dos corações fervorosos. Um ser humano que sabe das coisas. Que vive com intensidade e sabedoria os lances de cada momento da fascinante aventura humana. Alguém que compreende perfeitamente, nas ações executadas, qual o dever primordial do ser humano. Qual seja, ser apenas, unicamente e suficientemente, ele mesmo, e mais ninguém, como propõe Ibsen, pela fala do personagem Peer Gynt, em “A comédia do amor”.

Tem importância não, por conseguinte, que as palavras endereçadas ao ilustre patrício, mineiro nascido no Piauí, um mestre na interlocução política, que aprendeu a introjetar nas palavras energia, generosidade, idealismo e sonhos, sintonizado sempre com o sentimento nacional; tem importância não, repita-se, que estas singelas palavras repitam registros já feitos, conceitos já expendidos, certamente com brilhantismo que me seria impossível reproduzir, nas outras numerosíssimas ocasiões em que Francelino Pereira foi merecidamente festejado. A repetição é a melhor retórica, como proclamava Napoleão. A melhor forma, talvez, de garantir a fixação na memória das ruas de figuras e feitos realçantes na história da construção humana.

O chão percorrido por Francelino se entrelaça, por largo espaço de tempo, com o chão de Minas Gerais. Chão a perder de vista. Chão áspero desbravado com indômita vontade por alguém predestinado a desempenhar missão relevante na história. Chão que, a partir de Angical, nas lonjuras piauienses, se encomprida pelas vastidões montanhosas do país das Gerais. Avança, ao depois, pelos chapadões sem fim do Planalto Central. Embica, adiante, por tudo quanto é canto do deslumbrante continente brasileiro. Chão palmilhado por Francelino Pereira. Um homem que se encantou, desde cedo, com a nobreza da ação política, abraçando-a como ideal de vida inteira, cobrindo percurso extenso, pontuado de cintilações.

Pouco tempo atrás, os jornalistas Kao Martins, Paulino Assunção e Sebastião Martins, ancorados em esplêndido trabalho de pesquisa, compuseram essa bela trajetória do “menino, jovem e adulto que teve a audácia de sonhar um sonho impossível, a determinação de persegui-lo e – contra todas as previsões e evidências – realizá-lo integralmente”. O livro “O chão de Minas”, que na verdade fala do chão de Francelino, ocupa-se de uma saga inspiradora. E que saga! Descreve, com riqueza de pormenores, trazendo um numero sem conta de revelações inéditas, os caminhos trilhados por esse cidadão nascido no Piauí, mas mineiríssimo quanto os que mais o sejam, que por meio século afora desempenhou papéis de magnitude no palco dos acontecimentos. O pano de fundo da jornada projeta pedaço de tempo de forte impacto na história brasileira. Tempo sacudido por turbulências ideológicas, entrechoques ferozes, emoções arrebatadas. Por clamorosas perdas de direitos essenciais, em instantes trevosos. E, em momentos posteriores, tempo também marcado, recompensadoramente, pela reconquista preciosa do regime democrático, com seus valores e imperfeições humanos, mas com suas insuplantáveis vantagens sobre quaisquer outras formas de governos. Como Vereador, Deputado Federal, dirigente partidário, Governador de Estado e Senador, Francelino viveu intensamente a ebulição desse processo histórico carregado de transformações.

Cuidou de escrever com lisura ética, espírito público, bom senso, disposição progressista, o capítulo correspondente à sua participação. Bem dotado intelectualmente, hábil e conciliador, construiu pontes de relacionamento com correligionários e adversários, nas diferentes correntes políticas. Essas ligações se revelariam extremamente valiosas em horas cruciais. Dono de sólida formação humanística, com seu jeito de ser afável, simples e descontraído, ele nunca se desapegou nas culminâncias do poder, de hábitos que lhe garantiram, vida pública adentro, apreço e admiração em todos os segmentos da comunidade. Eu sei que, nos tempos de Governador, Francelino costumava tomar do telefone para mensagens pessoais que, não poucas vezes, surpreendiam o contatado. Bate-me aqui, na memória, historinha que ouvi contar. A esposa de um executivo atende, na manhã de um domingo, o telefone e diz com voz meio desconfiada para o marido: - Tem alguém aí dizendo que é o Governador. Quer falar com você. Cumprimentá-lo pelo aniversário. Tou achando que é mais uma brincadeira de seu irmão... Era brincadeira, não.

Há episódios pouco conhecidos na atuação do homenageado que só fazem enriquecer-lhe a lenda pessoal, colocando à prova sua vocação cívica. Um deles: frente a frente com Costa e Silva, que o convidou para encontro no palácio presidencial, Francelino recusou-se a seguir a orientação dada pelo Governo no caso da pretendida cassação do mandato do Deputado Márcio Moreira Alves. Seu nome, por conta disso, chegou a ser incluído numa lista de cassações elaborada pouco depois da edição do dolorosamente célebre AI-5. Misteriosos desígnios impediram fosse a violência consumada. Adiante, Francelino empenhou-se de corpo e alma, como era costume dizer-se em tempos antigos, na batalha pela almejada distensão política, à hora da transição do regime autoritário para o estado de direito. Em todas as funções exercidas, primando-se sempre pela austeridade, deixou evidenciada singular capacidade empreendedora. Atos marcantes de sua trepidante movimentação política anotam que ele sempre fez uso correto e harmonioso, nas intervenções e articulações, de uma boa dose de energia e outra de jeito.

Tomando posse, por força de significativa contribuição cultural, na Academia Mineira de Letras, confessou sua enternecida paixão por Minas: “Nesta terra construí minha vida e meu destino. (...) A esse espírito e a essa alma mineira dediquei toda a minha vida e o melhor da minha capacidade.” Pura verdade.

A trajetória pessoal de Francelino documenta magistralmente tudo isso. Sua disposição para servir, sua vida e obra, vinculadas à história do desenvolvimento político, econômico e social de Minas, com benfazejos reflexos no plano nacional, asseguram-lhe lugar na galeria dos grandes vultos mineiros que, nas ultimas décadas, tanto contribuíram para que o Brasil pudesse cumprir em plenitude sua indesviável vocação de grandeza”.



Revendo um filme maldito

Cesar Vanucci *

“ Os vícios de outrora são os costumes de hoje”
(Sêneca)

De princípio, uma baita curiosidade. Ao depois, certa surpresa, quase derivando para aturdimento. Junto, sorrisos e, pra arrematar, irrefreável riso. Correu assim, sem tirar nem por, o meu reencontro agora com um filme visto com mistura de deleite e sobressalto há mais de meio século. Minha Nossa Senhora da Abadia D’Água Suja, como os costumes se alteram no cotidiano da vida!

Noite dessas, revi na telinha o “ Les Amants”, de Louis Malle, filme apontado como “maldito” quando do lançamento em 1958. Recordo-me bem, vasculhando a jeito as ladeiras da memória, da pororoca de registros desairosos que a fita acumulou em curto período de projeção. A fúria do ultra puritanismo foi de tal monta que as autoridades competentes, de um governo (JK) considerado o mais aberto a manifestações culturais de vanguarda que o País ao longo de sua história já havia experimentado, não tiveram outra alternativa senão a de proibirem a exibição nos cinemas. Uma leve insinuação de cena erótica supostamente nunca dantes mostrada deu origem às reações. Nas portas das salas de projeção fileiras de pessoas de mãos dadas, algumas carregando terços, exprimiam sua zanga com relação àquela obra blasfema, herética, demoníaca, que agredia, segundo se propagou, a moral, os bons costumes, os valores familiares e religiosos mais sagrados. Em púlpitos, tribunas, colunas de jornais essas reações coléricas também explodiam. Apreciadores de cinema que ousaram, naqueles momentos turbulentos, desafiar o veto dos autoproclamados censores de plantão, assistindo ao filme no curto espaço de tempo em que em foi mantido em cartaz, eram mimoseados com ensurdecedores apupos. Colocaram-se sob ameaça mesmo de constrangimentos físicos. O Chefe de Polícia, que detinha poderes quase equivalentes aos de um Ministro militar, veio a público para assegurar sua total disposição de resolver a pendência, se preciso na marra, caso tardasse a sair a decisão judicial desfazendo aquela pouca vergonha.

Creio chegada a hora de fornecer ao distinto público, sobretudo aos que não viram “ Les amants”, algumas informações acerca da fita. Drama francês, como já dito, dirigido por Louis Malle, expoente da chamada “Nouvelle Vague”, e estrelado pela fascinante Jeanne Moreau, com Alairr Cunn, Jean-Mare Bory e Judith Magre nos demais papéis de realce, o filme, rodado em preto e branco, narra a história de uma relação amorosa extraconjugal. Do ponto de vista estético e das interpretações é uma obra, ainda hoje, digna de louvor, o que explica o “Leão de Ouro” conquistado no Festival de Veneza, um dos muitos prêmios que conseguiu arrebatar.

A “cena escandalosa”, de cunho amoroso, que provocou a ira santa levada às ruas pode ser apontada hoje, em comparação com as cenas de qualquer filme romântico exibido em vesperais infantis, como uma singela referência pudica enquadrada na mais edulcorada concepção de relacionamento afetivo bolada na literatura de madame Delly. Oportuno relembrar, como outro indicador da atmosfera puritana então vigente, que à mesma época uma reação nesse mesmo tresloucado figurino cercou também outro filme, este brasileiro, “O Padre e a moça”, de Joaquim Pedro de Andrade.

Depois de haver revisto “Les Amants”, tantos anos decorridos, sinto-me tentado, com absoluta tranqüilidade de espírito, a registrar aqui uma sincera recomendação. Em eventual seleção de fitas visando proporcionar saudável entretenimento a religiosas reclusas, sugiro, respeitosamente, às dignas e zelosas Superioras das congregações que refuguem produções fílmicas românticas produzidas nestes confusos tempos atuais, substituindo-as por sessões corridas dessa terna e lírica criação artística de Louis Malle, por seu conteúdo mais edificante.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Histórias de Natal

Cesar Vanucci*

“A expansão prodigiosa do mundo atual
dá ao mistério do Natal uma dimensão nova.”
(Jacques Joew)


Acho uma baita falta de consideração e muito pouco ético esse negócio das pessoas desencarnarem no Natal ou nas imediações do Natal. Falar verdade, a observação se aplica também a outros instantes de sublimação coletiva, como, por exemplo, vitória na Copa do Mundo. Horas assim não se aprestam a adeuses doloridos, nem separações bruscas. Natal é celebração de vida e não momento de partida. Suas evocações simbólicas falam alvissareiramente de chegada e de permanência. Dependesse de minha vontade, o governo editaria medida provisória proibindo, em caráter irrevogável, que as pessoas morressem nesse dia. As lideranças partidárias no Congresso seriam convocadas para aprovar a peremptória decisão com a mesma ligeireza com que, no apagar das luzes da temporada parlamentar, costumam votar indecorosas vantagens pecuniárias.

Esse meu inconformismo com o "encantamento" que acomete alguns no período de comemoração natalina está associado à lembrança de um Natal da meninice. Um episódio que deixou marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos, todos, na mais santa alegria, para os festejos. Os semblantes eram dominados pela idéia da trégua, do repouso, da confraternização em seu significado mais puro e autêntico. O aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda patamar que permitisse essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir, como símbolo natalino, a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da sadia. De repente, o impacto de uma ocorrência brutal. Vieram nos contar que um garotinho da vizinhança, companheiro de inocentes estripulias, havia perdido a vida numa enchente de córrego provocada por chuva forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para absorver aquele aparente triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento de celebração da vida em plenitude. O incidente, naquela precisa hora, não passava de um tremendo contra-senso. Claro, que a rolagem dos anos trouxe a explicação. Mas o sinal daquela brusca ruptura com a vida ficou.

De outro Natal da infância já trago lembrança doce e terna. Meus pais, Antonio e Antonia, me levaram pelo braço pra ver as prateleiras apinhadas de brinquedos da Livraria São Bento, na rua do Comércio, Uberaba. Pelo que entendi, o local era uma espécie de entreposto usado por Papai Noel para guardar os presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas casas dos meninos de bom comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas mãos de da. Sinhá Brasil, gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono chegar, as mãos postas e a alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o pedido ao velhinho do trenó. Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o pequeno bilhar que desejava receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava haver testemunhado a chegada de Papai Noel no quarto, de madrugada, pé ante pé, para fazer a entrega dos presentes encomendados. As reverberações mágicas daquele precioso instante estão presentes em todas as celebrações natalinas deste amigo de vocês. Que se vale do grato ensejo para desejar-lhes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.



AMOR TOTAL


“Ame até doer.”
(Madre Teresa de Calcutá)


Este despretensioso poemeto foi cometido para recitação em coro. Resolvi, depois, compartilhar as singelas emoções nele inseridas com os meus 25 assíduos e benevolentes leitores. Seguem junto meus votos de um Feliz Natal pra todos.

Natal, poema de nazarena suavidade; / Instante predestinado com timbre de eternidade. / Festa do amor total! / Cântico de amor pela humanidade. / Exortação solene à fraternidade. / Festa do amor total!

Mensagem que vem do fundo e do alto dos tempos, / A enfrentar, galharda e objetivamente, os bons e os maus ventos. / Amor pelas coisas e amor pelas criaturas, / Serena avaliação das glórias e desventuras.

Um cântico de amor total! / Amor pelo que foi, /Pelo que é e será. / Quem ama compreenderá!

Cântico de fé e de confiança; / O amor gera sempre a esperança. / Quem ama compreenderá!

Amor que salta da gente pros outros; / Amor que procura compreender os humanos tormentos, / Os pequenos dramas e os terríveis sofrimentos, / As tristezas dilacerantes e as aflições incuráveis. / Os instantes de ternura que se foram, irrecuperáveis.

Amor que procura entender / Pessoas e coisas como são. / E não como poderiam ser. / Quem ama compreenderá!

Amor que soma e fortalece. / E não subtrai e entorpece. / Visão compreensiva das humanas deficiências e imperfeições... / Aquele indivíduo sugado pelo desalento. / Aquele outro, embriagado pelas ambições... / O enfermo desenganado. / O menor desamparado. / O chefe prepotente, / O empregado indolente, / O servidor negligente, / O granfino insolente, / O moço inconseqüente, / O orgulho de gente / Que não é como toda gente...

Não esquecer as pessoas amargas e solitárias, / As criaturas amenas e solidárias. / Os homens e as mulheres com carência afetiva, / A mulher que, como esposa, se sentiu um dia Amélia, / A infeliz que da prostituição se tornou cativa...

O rapazinho esquisito, / A mocinha desajustada, / O pai que, de madrugada, / Espera pelo filho, insone e aflito.

Amor que envolve amigos e inimigos / E que se dá a todos os seres vivos.

Sempre e sempre, interpretação caridosa e serena do cenário humano. / O jovem revoltado, / O político ultrapassado, / O servidor burocratizado, / O boêmio, desconsolado e sem rumo, / que vagueia só pela madrugada.

O irmão oprimido e desesperançado, / O favelado humilhado, / O individuo fanatizado.

Compreensão para com essa mocidade de veste berrante, / De som estridente, / Que se intitula pra frente...

Compreensão também diante da geração que se recusa a aceitar o comportamento jovem do presente...

Solidariedade para o que crê nas coisas em que acreditamos. / Tolerância absoluta para o que acredita fervorosamente em coisas das quais descremos.

Amor sem ranço e sem preconceito, / Que dê a todos o direito / De se intitularem irmãos...

Irmão cristão, irmão budista... / ... de se intitularem irmãos / Irmão palestino, irmão judeu... / ... de se intitularem irmãos / Irmão atleticano, irmão cruzeirense... / ... de se intitularem irmãos / A se darem as mãos, / Para se intitularem irmãos...

Acolhimento à mãe solteira, / Protegendo-a dos que a picham, em atitude zombeteira. / Benevolência para com o profissional fracassado que não fez carreira.

Aplicação de critérios de justiça e caridade na análise da postura daquele que feriu enganando / E daquele que maltratou negando / Do que machucou informando e do que magoou sonegando informação.

Amor sem conta. / Amor que conta. / Amor que se dá conta / Da palavra terna com feitio de oração. / Do gesto desprendido com jeito de doação.

Amor por toda a criatura, / A desprovida de ternura / E a cheia de candura. / Visão apaixonada do mundo do trabalho.

O idealizador da espaçonave, / O varredor de rua, / O pesquisador em laboratório / E o cidadão que trata feridas em ambulatório / O bombeiro que conserta esgoto – que profissão nem sempre é questão de gosto

Amor que procure compreender / Pessoas e coisas como são, / E não como poderiam ser. / Como são... / E não como poderiam ser.

De tudo sobra a certeza de que o importante na vida / É entender o sentido deste recado: / O Amor total, / Mensagem definitiva do Natal!


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Conspiração do amor

Cesar Vanucci *

“A palavra, uma vez lançada, voa irrevogável.”
(Horácio, epístolas)

Recebi a terna mensagem de pessoas queridas. Apreciei um bocado, como tenho certeza que o distinto leitor irá também apreciar, o que me foi transmitido e agora entrego à apreciação dos que me honram habitualmente com sua leitura. Não se trata, é óbvio, de recado passado com fito de proselitismo de qualquer coloração. Com proposta de tedioso dogmatismo. Trata-se, sim, de um tipo especial de palavra, impregnada de humanismo que, uma vez lançada, como diz Horácio em suas epístolas, “voa irrevogável”. Transfigura-se em pura magia. Apodera-se do coração e passa a reger a alma, como no entendimento de Ronsard.

Comprometi-me, comigo mesmo, a passar adiante a mensagem. Ela é endereçada a homens de boa vontade. Gente que mantém permanentemente acesa a esperança na construção de um mundo melhor dentro desta nossa conturbada pátria terrena.

”Na superfície da terra, exatamente agora, há guerra e violência e tudo parece negro.
Mas, simultaneamente, algo silencioso, calmo e oculto, vem acontecendo e certas pessoas estão sendo chamadas por uma idéia grandiosa.
Uma revolução silenciosa está se instalando de dentro para fora. De baixo para cima.
É uma operação global. Uma conspiração espiritual.
Há células dessa operação em cada nação do planeta.
Vocês não vão nos assistir na TV.
Nem ler sobre nós nos jornais.
Nem ouvir nossas palavras nos rádios.
Não buscamos a glória.
Não usamos uniformes.
Chegamos em diversas formas e tamanhos diferentes.
Temos costumes e cores diferentes.
A maioria trabalha anonimamente.
Silenciosamente trabalhamos fora de cena.
Em cada cultura do mundo.
Nas grandes e pequenas cidades, em suas montanhas e vales.
Nas fazendas, vilas, tribos e ilhas remotas.
Você talvez cruze conosco nas ruas.
E nem perceba...
Seguimos disfarçados.
Ficamos atrás da cena.
E não nos importamos com quem ganha os louros do resultado, e sim, que se realize o trabalho.
De vez em quando nos encontramos pelas ruas.
Trocamos olhares de reconhecimento e seguimos nosso caminho.
Durante o dia muitos se disfarçam em seus empregos normais.
Mas, à noite, por atrás de nossas aparências, o verdadeiro trabalho se inicia.
Alguns nos chamam de Exército da Consciência.
Lentamente estamos construindo um novo mundo.
Com o poder de nossos corações e mentes.
Seguimos com alegria e paixão.
Nossas ordens nos chegam da Inteligência Espiritual.
Estamos jogando bombas suaves de amor sem que ninguém note; poemas, abraços, músicas, fotos, filmes, palavras carinhosas, meditações e preces, danças, ativismo social, sites, blogs, atos de bondade...
Expressamos-nos de uma forma única e pessoal.
Com nossos talentos e dons.
Visando a mudança que queremos ver no mundo.
Essa é a força que move nossos corações.
Sabemos que essa é a única forma de conseguir realizar a transformação.
Sabemos que no silêncio e humildade temos o poder de todos os oceanos juntos.
Nosso trabalho é lento e meticuloso.
Como na formação das montanhas.
O amor será a religião do século 21.
Sem pré-requisitos de grau de educação.
Sem exigir um conhecimento excepcional para se chegar à almejada compreensão.
Porque nasce da inteligência do coração.
Escondida pela eternidade no pulso evolucionário de todo ser humano.
Seja, você também, a mudança que quer ver, em seu íntimo, acontecer no mundo.
Ninguém pode fazer esse trabalho por você.
Nós estamos recrutando. Talvez você se junte a nós.
Ou talvez já tenha até se unido. Todos são bem-vindos. A porta está aberta. Com amor e muita luz.”

É ou não é? Essa convocação no sentido de uma poderosa aglutinação de vontades; as “bombas suaves de amor” que ativistas sociais bem intencionados se dispõem a lançar nessa proposição conspiratória humanística e espiritual de se refazer o mundo pelo amor, tudo traz a tempos de hoje uma verdade verdadeira que é de todas as épocas: a serenidade de Deus está presente nas coisas que fazemos juntos. Isso aí.



Construção de vida


“É o meu novo namorido.”
(Madame apresentando companheiro na roda de amigas)

Assim, desde que o mundo é mundo. Em flagrantes triviais do dia-a-dia vão sendo esculpidos modelos de comportamento que passam, a partir de um momento qualquer, a ser adotados pela espécie humana. Em boa parte das vezes, mergulhada até o gorgomilo nas preocupações do cotidiano, a gente não se dá conta do que costuma rolar ao redor. Não toma tento de que vários lances banais, ao alcance do olhar, quase imperceptíveis, ajudam a compor nosso futuro proceder. Deles derivam o esboço de padrões, o delineamento de ações, a antecipação de reações, inusitadas muitas delas, aparentemente incompreensíveis, a serem incorporadas pelo controvertido bicho-homem na lida da convivência.

Os episódios abaixo falam coisas curiosas a respeito desse modelo de construção de vida.

Pela janela indiscreta do escritório, sentindo-se um tanto Jimmy Stewart em filme de Hitchcock, desliza o olhar solto, curiosidade indefinida, pela avenida movimentada. Um pormenor de somenos, dominante na vestimenta feminina lá fora, traz à tona, do fundo da memória, um punhado de cenas marcantes testemunhadas na infância já distante. Revê a jovem vizinha, simpática, charmosa, uma explosão ambulante de vitalidade, que passou, num dado instante, a ser abertamente hostilizada pelos adultos, até os próprios parentes, por ousar, em gesto vanguardeiro, lá pros idos de 50, sair de calça comprida em suas andanças pelas ruas. Garota atrevida, aquela! Não se dando por satisfeita, entendeu ainda, num acúmulo imperdoável de extravagâncias, de beber cerveja e fumar – imaginem só o tamanho da insolência! - em público. As reiteradas transgressões da ordem instituída valeu-lhe, naturalmente, estardalhante desprezo de grupos sociais influentes. Grupos esses, como de se imaginar, saudavelmente empenhados em desencorajar, com flamejantes advertências, em nome dos bons costumes e do recato feminil, moçoilas em flor com inclinações perversas para agirem com descaramento em locais públicos frequentados por famílias decentes.

As cenas incríveis desse passado relativamente próximo afloram, impetuosas, diante de uma evidência prosaica. As centenas de mulheres focalizadas com a teleobjetiva do olhar, em circulação na avenida, deslocando-se daqui pra lá e de lá pra cá, todas, sem exceção estão trajando calças compridas, jeans na quase totalidade. E, parte delas, denotando a mais completa naturalidade, sem constrangimentos e sentimento de culpa, carregam um cigarro preso aos lábios ou nos dedos das mãos. Com companheiro do escritório, ele solta inevitável comentário: “E pensar que aquela multidão feminina lá embaixo, nem de leve suspeita que, ainda outro dia, algumas mulheres audaciosas pagaram preço alto em intolerância, discriminação, humilhações, para que pudesse prevalecer, pra todo o mundo, o direito elementar de sair de casa com roupa mais apropriada ao seu perfil!”

Adiante. No (vá lá) “cyber cafe”, a professora de 40 anos matraqueia animadamente o computador, em pesquisa da escola. Interrompe a faina, de súbito, meio desconcertada, sem saber bem o que fazer a partir dali. Volta-se, o olhar interrogativo, pro filho menor que, ao lado, tudo acompanha. O guri, 11 anos, deixa cair uma proposta: -“Acesse a wikipedia.” A mulher retoma a tarefa, mas torna a empacar. Com um menear da cabeça, que nem fazem os indianos da novela, confessa-se sem condições de seguir em frente. O filho, então, propõe: “- Deixa eu tentar.” Ato contínuo, desaloja a mãe, aboleta-se no assento e assume, impávido colosso, o teclado do aparelho, com desembaraço e familiaridade de um Artur Moreira Lima num concerto de piano. Em fração de minutos dá por finda a operação. Imprime e passa o texto às mãos da emocionada genitora. (Entre parênteses. A expressão genitora remete a uma tirada cheia de verve do talentoso escritor, tribuno, jornalista e controvertido político Carlos Lacerda: “Mãe é mãe, genitora é a sua, progenitora é a avó.”)

Em frente. No boteco badalado, uma madame vistosa, recendendo a perfume de butique de luxo, traz a tiracolo um rapazote. Aparenta metade de sua idade. Ostentando traços de euforia no semblante de maquiage bem cuidada, apresenta o mancebo na roda de amigas. Resume a apresentação numa frase: “- Meu novo namorido.” Quer dizer, alguém mais do que um simples namorado. Mais, até mesmo, do que noivo de tempos antigos. Menos um tiquinho, talvez por falta de papel passado em cartório, do que marido. Namorido. Ora, veja, pois!

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Assim caminha a humanidade

CesarVanucci *

“Não existe guerra inevitável,
o que existe é falha de sabedoria.”
(Bonar Law)

Em artigo recente, falamos da fábula de dinheiro que, a começar pelas chamadas grandes potências, o mundo gasta na aquisição de equipamentos de guerra. Não considerados os valores de elevada monta, correspondentes às transações clandestinas, garantidoras do suprimento bélico dos intermináveis conflitos sustentados por guerrilheiros, terroristas e grupos armados dissidentes em numerosos pontos do planeta, os dispêndios globais a esse titulo absorvem cerca de 2.4% da riqueza mundial. Atordoa – mais do que isso, machuca fundo – saber que com soma menor é perfeitamente possível estabelecer-se o controle das emissões de dióxido de carbono que dão origem ao mortífero “efeito estufa”, ameaça bem tangível de uma catástrofe planetária.

Pelos cálculos dos cientistas, aplicando-se dois por cento do PIB mundial o mundo conseguiria desvencilhar-se dos apavorantes riscos do aquecimento global. Com fatia ainda menor da riqueza mundial é possível também mudar, para bem melhor, os padrões de conforto de enormes contingentes humanos marginalizados. Viventes que padecem, em diferentes latitudes do globo, das agruras de uma condição de vida abjeta, abaixo da linha de pobreza.

A constatação que emerge desse raciocínio é cruel. Ninguém em pleno juízo ignora que à coletividade humana é oferecida a possibilidade de optar pela utilização adequada e sensata dos recursos amealhados à conta do esforço produtivo de seus integrantes. Por que cargas d’água, então, as decisões tomadas pelas lideranças mundiais, no emprego dessa riqueza fabulosa, patrimônio comum da humanidade, contemplam exatamente, como no caso dos armamentos, realidades contrapostas ao bem estar da sociedade? Com certeira certeza, egoísmo, arrogância, práticas distorcidas de governança, despojadas de humanismo e de valores éticos - que sustentam ambições hegemônicas desvairadas -, fanatice fundamentalista política e religiosa de diversificados matizes constituem as fontes de inspiração dessas decisões malévolas, desapartadas do bom senso. E, também, desapartadas por completo, em que pesem as exaltações farisaicas, das crenças solidárias alegadamente cultuadas em tudo quanto é canto do mundo.

Concentrando o foco das atenções nos avanços tecnológicos de hoje, concebemos esperançosos a viabilidade de que possam eles, em algum momento, ser colocados ao inteiro dispor do bem estar social. Sentimo-nos chocados e amargurados, por conseguinte, quando confrontamos no noticiário as aventuras belicistas que os “senhores da guerra” apresentam, aqui e ali, como “respostas” às divergências humanas. O planeta, é sabido de todos, nunca conheceu verdadeiramente a paz. Imaginava-se, candidamente, que após a segunda guerra mundial a impetuosidade belicosa do gênero humano seria, finalmente, contida. Chegou-se até a pensar que “essa praga da humanidade, a guerra”, como definido por George Washington, pudesse vir a ser extinta da face da Terra. Ledo engano. Tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes. E, na verdade, haja quartel pra estocar o volume descomunal dos instrumentos de destruição! A cada dia mais sofisticados, esses instrumentos não param de ser produzidos. E adquiridos.

A impostura das grandes lideranças mundiais – que não abrem mão do “direito” auto-outorgado de acionar o gatilho dos conflitos em circunstâncias de sua estrita conveniência –, com suas conclamações frequentes em prol da paz, produz volta e meia fatos contundentes. Os fatos anulam os efeitos das palavras de concórdia. Prega-se o desarmamento, mas nada é feito, realmente, no sentido da redução dos arsenais. Pelo contrário, eles são sempre expandidos. Defende-se a proscrição da bomba atômica. Propõe-se a proibição das bombas de desintegração, das minas terrestres, das armas bacteriológicas, tudo na base da fajutice, da mais deslavada hipocrisia. Quem tem, não se desfaz, jeito maneira, do material estocado. Quem ainda não o tem enfrenta censuras e sanções até obtê-lo.

E assim, por ínvias trilhas, continua caminhando a humanidade, proteja-nos Deus!



Avaliação de Desempenho

“Você pode exceder todas as expectativas, mas sua
avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”
(Moral da história aqui relatada)

Deliro de montão com historinhas criativas, dessas que uma multidão de ignotos viventes bota pra circular nas ondas da Internet. Penso que a eles, os autores das historinhas, se deva conceder, por causa da inventiva posta airosamente à prova, reconhecimento e simpatia. Essa turma espalha informações, conhecimento, estimula reflexões, entretém o espírito. Contrapõe-se, com talento e disposições positivas, à enxurrada de manifestações malsãs que o fabuloso e mágico instrumento de comunicação à distância vê- se forçado, também, tantas vezes, a acolher.
Vários leitores destas maltraçadas já se deram conta dessa enlevante reação que me trazem os casos singulares, hilários, edificantes, inesperadamente recolhidos em suas pescarias pelo ilimitado oceano internáutico. Daí a razão de, volta e meia, este espaço veicular um que outro texto diferente, de procedência geralmente não identificada, aportado em meu endereço eletrônico. Caso da lapidar historinha, cujo título aqui aproveito, encaminhada por Jamil Mattar, companheiro de jornadas profissionais, funcionário graduado dos quadros da Prefeitura de Belo Horizonte.
“O dono de um açougue foi surpreendido pela entrada de um cão em seu estabelecimento. Enxotou-o, mas o cão, impassível, sem latidos, procedendo como se nada de extraordinário houvesse ocorrido, voltou logo em seguida.
O açougueiro pensou em espantá-lo outra vez, mas reparou que o cão trazia um bilhete preso na boca. Pegou o bilhete e leu: “- Pode mandar-me, pelo portador, 12 salsichas e uma perna de carneiro, por favor?”
O cão carregava, também, dinheiro na boca. Uma nota de 50. O açougueiro recolheu o dinheiro, enfiou as salsichas e a perna de carneiro num saco e colocou tudo na boca do cão, junto com o troco, em notas e moedas num envelope. O bicho desceu em marcha cadenciada a rua. Chegando ao cruzamento, depositou o saco no chão, pulou e apertou o botão mode que fazer o sinal passar pra verde. O açougueiro ficou realmente embasbacado. Como já estivesse praticamente no fim do expediente, resolveu fechar a loja e seguir o cão. O cachorro atravessou a rua até uma parada de ônibus, sempre com o açougueiro no encalço. Esperou, pacientemente, saco preso à boca, que o sinal fechasse para atravessar. Na parada, o cão sentou-se no banco, no aguardo da condução. Quando o primeiro ônibus chegou, foi até a frente, conferiu o número e voltou pro seu lugar. Outro ônibus chegou, o cão tornou a olhar, constatando que se tratava do coletivo certo. O açougueiro, boquiaberto, acompanhava tudo. Viu quando, mais adiante, em pé nas duas patas traseiras, o animal apertou o botão para parar o ônibus. Tudo isso com as compras penduradas na boca.
Cão e açougueiro saltaram juntos do coletivo. Caminharam um pouco, até que o cão parou diante de uma casa, deixando as compras no passeio. Em seguida, afastou-se um pouco, correu pra frente, lançando-se contra a porta. Repetiu o procedimento, mas ninguém, lá dentro, deu sinal de vida. Contornou, ao depois, a casa, pulando um muro baixo. Acercou-se da janela e danou a bater com a cabeça no vidro. Fez isso várias vezes. Voltou para a porta. Foi quando, de repente, um cara enorme, abrindo a porta, começou a espancar o bicho.
O açougueiro, perturbado com a cena, correu em direção ao homem, tentando impedí-lo de maltratar o cão, e dizendo: - “Deus do céu, ó cara, o que é que você tá fazendo? O seu cão é um gênio!” O homem respondeu de pronto, mal humorado: “Um gênio, como? Esta já é a segunda vez, só nesta semana, que este cão estúpido se esquece da chave!”.
Moral da história? Você pode excedertodas as expectativas, mas a sua avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Horror na Tanzânia


Cesar Vanucci *


“Eu decidi fazer alguma coisa.”
(Peter Ash, canadense, dirigente de uma ong
que vem denunciando o extermínio de albinos no leste-africano)

A estupidez, a superstição, a selvageria deram-se as mãos na Tanzânia, um país africano que frequenta as manchetes como palco de constantes tragédias, para produzir uma inimaginável história de terror.

Os albinos, ou seja, seres humanos portadores de anomalia congênita caracterizada pela ausência total ou parcial de pigmento da pele, dos pêlos, da íris e da coróide, vêm sendo, em certas regiões daquele país, caçados e massacrados. Partes dos corpos retalhados são vendidas para indivíduos obviamente insanos. Indivíduos que acreditam sejam os albinos, por conta da singularidade genética, detentores de poderes mágicos. Poderes capazes de influenciar o destino das pessoas. Eles, albinos, passam assim, inacreditavelmente, a ser equiparados a alguns animais inferiores, também perseguidos e abatidos com o intuito de extração de componentes anatômicos considerados de “excepcional qualidade” na produção de “preparados miraculosos”. Tais “preparados” são tidos e havidos, em redutos dominados pela ignorância e superstição doentia, como “infalíveis” na solução de graves padecimentos físicos e psicológicos. Proporcionam “ainda”, ajuda eficaz na superação de aflitivos problemas financeiros. E por aí vai...

As proporções assumidas pelo extermínio sistemático de albinos na Tanzânia levaram o empresário, ex-pastor religioso canadense, Peter Ash, ele próprio albino, a constituir uma ong empenhada no objetivo de fazer chegar ao conhecimento mundial as atrocidades e de sensibilizar o governo daquele país do leste africano a assumir uma posição vigorosa contra a revoltante e aterradora situação. A Tanzânia, de acordo com as estimativas da ong – a “Under the same sun”, em tradução, “Sob o mesmo sol” -, possui uma população de 170 mil albinos.

No leste-africano, o chamado albinismo apresenta incidência mais elevada do que em outros lugares do planeta. Admite-se que, para cada três mil bebês, um nasça albino. Os criminosos responsáveis pelo sequestro e trucidamento das indefesas vítimas nessa conspiração hedionda contra os direitos humanos agem às claras. Apostam na impunidade. Nenhum dos quase 200 indivíduos já acusados oficialmente de pertencerem a gangues “especializadas” na “caça” a albinos foi até agora submetido a julgamento. Jornalistas britânicos que estiveram na Tanzânia colhendo informações sobre o que vem acontecendo apuraram que os bandidos, portando entre outras armas facões afiados, invadem residências de albinos, executando as vítimas na frente dos próprios familiares. Retalham, alí mesmo, os corpos, carregando as partes que interessam ao apavorante “negócio”. Um repórter conta que, diante de seu “manifesto interesse” pela aquisição de “material mágico”, foi-lhe oferecido o cadáver de um albino pela “módica” soma de três mil e seiscentos reais...

Os sequestradores dão preferência a pessoas jovens. Cortam pernas, braços, cabeças e genitálias. Retiram pele e órgãos. Escalpelam. Recolhem sangue das vítimas. Propagam, junto à “clientela” em potencial, que a “mercadoria” à venda torna as pessoas que se disponham a adquirí-la mais prósperas e mais bem protegidas dos maus agouros. A gama de “produtos” oferecidos é ampla. Poções com sangue, sapatos feitos de pele, amuletos de ossos, redes de pesca com fios de cabelo humano entrelaçados às tiras de nylon, por aí. Um horror sem tamanho!

A ong que trouxe a si a tarefa de revelar ao mundo essa descomunal ignomínia está convencida de que as autoridades da Tanzânia não dispensam atenção alguma à palpitante questão, apesar das reiteradas manifestações do presidente do país de que irá atuar com extremo rigor na repressão às gangues. Muitos agentes de polícia, assevera a ong, acobertam as atividades criminosas, quando não fazem parte dos grupos de extermínio. Bota horror nisso!



Saneamento em regra


Poucas coisas conseguem aterrorizar tanto o cidadão
pacato quanto o conluio de bandidos com maus policiais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

São episódios, ambos, que deixam o Poder Público muito mal em sua política de combate ao crime organizado. Num deles, tragédia de certo modo anunciada, que coloca em xeque a apregoada pacificação dos conflagrados morros cariocas, desassombrada representante da Justiça, Patrícia Acioli, foi eliminada por uma gangue fardada, chefiada por ninguém mais, ninguém menos, do que o próprio comandante de uma unidade da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

Noutro episódio, que ofereceu prenúncios de tragédia similar à da juíza, prestes a se consumar, cidadão com mandato parlamentar em curso, no mesmíssimo território fluminense, viu-se forçado a optar pela aceitação de um convite da Anistia Internacional para deixar o País por algum tempo, com familiares, mode que proteger-se das ferozes ameaças de grupos milicianos. Só nos últimos meses somaram 27 os atos de intimidação disparados contra o deputado em questão, Marcelo Freixo. Autor da CPI que mapeou o atemorizante sistema de milícias implantado no Rio de Janeiro, compostas predominantemente de policiais militares e civis, Freixo recorreu à Secretaria de Segurança Pública, à cata de proteção permanente. Tornou-se, no dizer do próprio titular da pasta, o cidadão mais bem protegido de todos os tempos nos rincões cariocas. Circunstância que ele não nega, ressalvando, entretanto, não mais conseguir conviver com as ameaças, e afirmando, enfaticamente, que o problema das milícias, que aumentaram de 170 para 300 em três anos, não pode ser considerado um problema exclusivamente seu. O parlamentar explicou, antes de embarcar para o exterior com destino por óbvias razões ignorado, que o grande debate da vida fluminense na atualidade é o enfrentamento das milícias. Os milicianos, vinculados a corporações encarregadas institucionalmente de “garantir o sossego e a ordem”, já torturaram jornalistas, extorquiram, mataram, inclusive uma magistrada, e ameaçam, agora, a vida de um parlamentar, sem que ações concretas – segundo ele - sejam tomadas, por quem de direito, no sentido de eliminar-se o braço econômico e territorial de que se valem nas sortidas criminosas que tanta intranqüilidade e temores espalham.

Para o parlamentar, nada é feito. Pior: por conta do que classifica de “cinismo oficial”, finge-se que o problema gravíssimo das atuantes milícias, que disputam, na marra, o controle de aglomerados com as quadrilhas de traficantes dos morros, não existe. “Minha saída do País é um protesto”, afiança.

Esses registros atordoantes reafirmam a certeza de que o contundente problema da insegurança urbana no Rio de Janeiro, com ou sem unidades pacificadoras, ou o emprego (ou não) de forças militares federais, tem que passar, inexoravelmente, na busca da solução ardentemente almejada pela sociedade, por um saneamento em regra do aparelho policial carioca. Sem a extirpação de todos os componentes dessa aterrorizante engrenagem o Rio de Janeiro continuará a ser, para imenso desgosto nacional, uma referência incômoda na crônica dos atentados contra a vida e o patrimônio.

A gravidade da situação atinge tal proporção que a opinião pública tende a admitir como verdadeira a alegação feita pelo “inimigo público” Nem – recentemente capturado depois de tentativa de suborno repelida com toda dignidade pelo grupo de policiais decentes que localizou seu paradeiro – de que só na Rocinha o tráfico destina 50 por cento de seus ganhos à chamada “banda podre” da polícia carioca.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

As grandes potências


Cesar Vanucci *

“Toda grande potência troça dos demais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

As grandes potências são contra a bomba. Dos outros. Possuem estocados artefatos nucleares suficientes para destruir a galáxia inteira. Falam, de vez em quando, até em colocar em órbita permanente no espaço sideral, em caráter naturalmente “preventivo", satélites equipados com suas armas de devastação definitiva. Continuam a desbravar os assustadores domínios bélicos da energia atômica, patrocinando experiências nunca interrompidas, apesar dos propósitos de não beligerância proclamados em exasperante retórica. Viram bicho, vociferam ameaças de fazer estremecer céus e terras quando um país não pertencente ao seu fechadíssimo clube, dá mostras de querer "quebrar a paz e a harmonia mundiais", que elas, as grandes potências, tão bem têm sabido preservar, sabe lá Deus como. Entenda-se como tentativa de ruptura com a paz, tranquilidade e harmonia reinantes neste nosso planeta qualquer iniciativa que leve à construção de uma bomba como aquelas que reduziram a pó as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki. As grandes potências fazem sempre questão, em seu alardeado apego à paz, de deixar consignada sua posição contrária à bomba. Dos outros.

As grandes potências manifestam-se contrárias também às armas bacteriológicas e quaisquer outras armas que provoquem a destruição em massa de vidas e patrimônios. Armas dos outros, bem entendido. No que lhes diz particularmente respeito, têm na conta de um direito de outorga divina o armazenamento, em silos subterrâneos, de milhões de frascos com toda sorte de vírus mortíferos. Tão mortíferos que podem, a umas poucas aplicações na atmosfera, em reservatórios de água, em locais de grande concentração, varrer da face da terra, em curtíssima fração de tempo, toda manifestação de vida humana.

As grandes potências, em passado não muito distante, demonstraram não ser favoráveis à derrubada de aviões clandestinos que eventualmente possam cruzar o espaço aéreo dos territórios nacionais. Dos outros. Fizeram saber, na ocasião, por intermédio de suas chancelarias, que lhes aborreceria imaginar nações emergentes, como (por exemplo) o Brasil, a aporem sua concordância num pacto internacional favorável ao abate de aeronaves que violassem sua soberania. Por conta dessa recomendação das grandes potências, o Brasil (por exemplo) colocou-se, anos a fio, até uma ruptura com o abuso tomada no governo FHC, na condição de impotente espectador diante do fato perturbador de aviões de diferentes procedências, transportando drogas, contrabando, produtos de pirataria ecológica, a singrarem de lado para outro os céus da Amazônia. Onde, aliás, sem permissão oficial, andou circulando, também, algum tempo atrás, todo desenvolto, com “direito” a aterrissagem e tudo mais, sem pedido oficial prévio de pouso, um avião de transporte militar francês conduzindo oficiais de alta patente para negociar resgate de reféns com guerrilheiros colombianos. Depois da intolerável façanha, diante de protesto formal do Itamarati, a chancelaria do “Champs Elysées” formulou pedido de esfarrapada desculpa.

As grandes potências declaram-se sempre, além do mais, contrárias a violentação do meio ambiente. Quando praticada pelos outros. É claro. Costumam recusar-se, na parte que se lhes toca, a botar em prática, mesmo quando as subscrevam, resoluções que forcem seu parque industrial a reduzir a carga de poluentes despejada na atmosfera, causa principal do constante adelgaçamento da camada de ozônio.

As grandes potências são contra ainda os subsídios agrícolas e outras formas de protecionismo mercadológico. Dos outros. No plano doméstico, deitam e rolam com relação aos mesmíssimos procedimentos que, farisaicamente, condenam em ações alheias. Não se enrubescem em adotar, no tocante às ações dos outros, ferozes represálias.

Conclusão a extrair dos fatos. As grandes potências estão contra. Os outros.



Um artista gigantesco


“Precisamos de afeição e doçura.”
(Charles Chaplin)

Charles Chaplin não foi apenas grande, ele foi gigantesco. É o que constata – fico sabendo pela “Wikipédia” – o escritor estadunidense Martins Sieff ao comentar livro que focaliza a vida do criador do imortal Carlitos.

Alçado à categoria dos cineastas do time titular desde o cinema mudo, onde usou e abusou com talento e originalidade dos recursos da mímica na chamada “comédia pastelão”, Chaplin encantou, enterneceu e arrebatou multidões. Alguns dos filmes que produziu e interpretou - caso, por exemplo, de “Luzes da Cidade” - conseguiu mesclar imagens e lirismo num grau de intensidade quase impossível de ser reproduzido em qualquer tipo de entretenimento, por mais criativo e refinado que possa ser.

Sua contribuição ao desenvolvimento do cinema, como produtor, diretor, autor, ator, empresário (ele bancava seus filmes) valeu-lhe prêmios e condecorações que, bem provavelmente, ninguém do ramo, depois dele, jamais conseguiu alcançar. Falecido aos 88 anos, em 1977, tornou-se personagem lendário na história cultural do planeta.

Menos conhecidas de que suas obras cinematográficas, suas citações e registros literários ajudam a compor-lhe o perfil de homem sábio, genial, sensível aos dramas humanos.

Aqui estão algumas amostras de sua interpretação das coisas da vida.

Sobre a humildade: “Pensamos demasiadamente / Sentimos muito pouco / Necessitamos mais de humildade / Que de máquinas. / Mais de bondade e ternura / Que de inteligência. / Sem isso, / A vida se tornará violenta e / Tudo se perderá.”

Sobre o homem: “Conhecer o homem – esta é a base de todo o sucesso.”

Assunto importante: “O assunto mais importante do mundo pode ser simplificado até ao ponto em que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Isso é – ou deveria ser – a mais elevada forma de arte.”

Sobre a vida: “A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.”

Sobre a felicidade: “Não preciso me drogar para ser um gênio. Não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz.”

Uma proposta de reformulação do ciclo da vida (recentemente um outro cineasta lançou curioso filme em que o personagem, a exemplo do que é colocado linhas abaixo por Chaplin, nasce idoso e vai se tornando mais jovem à medida que o tempo rola): “A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?”

Sobre o relacionamento humano: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.”

Nada é permanente: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Nada é permanente nesse mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas. A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.”

Pecado e virtude: “Creio que o pecado é realmente um mistério tão grande como a virtude.”

Sobre a beleza: “A beleza existe em tudo – tanto no bem como no mal. Mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.”

Homens e máquinas: “”Não sois máquinas! Homens é o que sois!”

Humanidade: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”

O melhor autor: “O tempo é o melhor autor. Sempre encontra um final perfeito. Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre.”

A busca do céu: “Se não consegues entender que o céu deve estar dentro de ti, é inútil buscá-lo acima das nuvens e ao lado das estrelas. Por mais que tenhas errado e erres, para ti haverá sempre esperança, enquanto te envergonhares de teus erros.”

(cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Histórias de quadrinhos


Cesar Vanucci *

“Nocivo alimento mental proporcionado
à infância e à juventude.”
(Vivaldo Coaracy, numa critica,
nos anos 50, aos quadrinhos)

Meninos, eu vi. Ninguém me contou. Eu é que vi. Deu-se nos distantes tempos da meninice. A escola primária ficava perto de casa. As sacolas para carregar livro, caderno, lápis, borracha, régua e apontador eram submetidas, dia sim, outro também, a revistas executadas no capricho pelas diligentes ajudantes da secretaria, com seu olhar inquisidor e disposição nada complacente.

Tais revistas colocavam sob dardejante mira – o trocadilho no caso vem pronto – “revistas inconvenientes”. Publicações que adultos cônscios de seus sagrados deveres, guardiões impertérritos dos valores familiares, catalogavam na conta de atentatórias à moral e aos bons costumes. Material vulgar, despojado de mérito literário, subversivo do ponto de vista pedagógico e cultural, na abalizada e inquestionada avaliação da zelosa diretora e conspícuos integrantes do abalizado corpo docente do estabelecimento. Desenhos e textos nocivos que desestimulavam os jovens a desenvolverem o gosto pela leitura, o saudável hábito da frequência aos livros.

Agravando tudo, a opinião inquestionada dos eméritos educadores batia com a de extremosos pais e a de doutos representantes do Juizado de Menores. Os comissários do Juizado, geralmente voluntários, orientados pelo titular da Vara, costumavam, até mesmo, de quando em vez, em sortidas moralizantes, aplaudidas pela comunidade, visitar bancas de venda, com o meritório propósito de impedir o repasse a menores das extravagantes publicações, que tanto mal disseminavam pela aí. Ler ou ter sob posse um gibi era coisa inominável, deletéria, malsã. A restrição severa fazia da “infração” pecado mortal, a ser expungido da consciência pesada dos garotos enredados nos “delitos” com manifestações sinceras de arrependimento, se possível, no confessionário.

Meninos, eu vi. Vi, muitas vezes, escolar pego no flagra com histórias de quadrinhos na sacola a receber exemplar punição pela gravíssima falta cometida. Revistinha apreendida, na sala da diretora, o guri ouvia, cabisbaixo, severa admoestação. Se configurada reincidência, era convidado a estender a mão para receber os impactos doridos da temível palmatória. O castigo podia comportar outra alternativa. Quinhentas ou mil linhas depois das aulas. Uma repetição interminável, no caderno, de frase contendo o solene compromisso de nunca mais incidir no abominável erro.

Rememorando esses lances desconcertantes, relacionados com o absurdo preconceito vigente, muitas décadas atrás, quanto aos quadrinhos, sinto até um certo embaraço em acrescer ao relato feito outra cabulosa revelação, pertinente a ocorrências das quais fui também testemunha, com estes olhos que um dia a terra vai comer (só que, dependendo de minha exclusiva vontade, daqui um tempão). Gibis arrancados das mãos e pastas da petizada devorados por “saneadoras” labaredas no pátio da escola, debaixo de gáudio inquisitorial, para não sobrar dúvida alguma quanto à influência daninha que essa modalidade marginal de comunicação exercia no inocente espírito infantil.

Tão efervescentes relembranças chegam por causa de mais um FIQ. Festival Internacional de Quadrinhos, evento realizado sempre com absoluto sucesso, na capital das Gerais. Reconhecido como o maior evento de quadrinhos da América Latina, com convidados de todas as partes do mundo, contando com o patrocínio da Fundação de Cultura e ilustres parceiros. A programação abrange, a cada versão, exposições, oficinas, palestras, debates, mostras de filmes e, obviamente, enorme e esplêndida feira de quadrinhos. Na realidade, o que se vê e se aplaude nessa iniciativa cultural é uma explosão feérica de talento, criatividade e arte. Uma demonstração exuberante da importância do quadrinho como expressão nobre da cultura popular.

E os contestadores, daqueles tempos, das histórias em quadrinhos, que consideravam o gênero um processo terrorista destinado a abalar os alicerces da cultura e da inteligência humana? E aqueles que viam nos cosmonautas do gibi, singrando o campo azul do céu em suas espaçonaves, atiçando a imaginação infantil e devassando os horizontes insuspeitados do porvir, um símbolo repulsivo de degradação cultural? Será que algum dia qualquer, mais pra frente, tiveram consciência de terem estado presos a fossilizados paradigmas culturais, à uma acanhada percepção dos fenômenos sociais, que impediam compreendessem a extraordinária revolução que se processava debaixo de seu vesgo olhar de censura e desconfiança? Será que entenderam, nalgum momento, que as historietas tão bem boladas de Flash Gordon, para ficar num único exemplo de “herói dos quadrinhos”, tanto quanto os livros de astronomia, ajudaram a escancarar nossa visão para os prodígios da vastidão cósmica? Fizeram desabrochar as potencialidades da mente com relação a achados tecnológicos assombrosos?

As fogueiras acesas com gibis, as machucaduras produzidas pelas palmatórias, as cansativas e exasperantes linhas, as admoestações com toque policialesco não conseguiram, visto está e o FIQ comprova isso, sofrear os avanços humanos, em matéria de interpretação da vida, propostos pelas fascinantes histórias em quadrinhos. Isso aí!



O que querem os Professores



“Grevista é alguém que deixa,
às vezes, de trabalhar para poder trabalhar.”
(Julio Camargo)

Houve considerável esforço, com o prestimoso concurso de boa parte da mídia, em se rotular de “política” a recente greve dos professores da Rede Estadual de Educação.

O movimento, com extensão de quase três meses e repercussões marcantes em todas as áreas da comunidade, agregou compreensivelmente expressivos apoios políticos, em todos os partidos por sinal, mas não foi inequivocamente uma “greve política”, na caracterização depreciativa incorretamente propagada. O que a incalculável multidão composta de profissionais da educação, concentrada diariamente nas imediações do Parlamento Mineiro, cuidou de transmitir às autoridades e à sociedade foi seu justificável inconformismo diante do tratamento injusto que se lhe tem sido dispensado ao longo dos anos em razão de uma política remuneratória que faz questão solene de ignorar direitos elementares e que, arrogantemente, menoscaba até decisões transitadas em julgado. Diante da incompreensível resistência dos setores competentes em se sentarem à mesa para as negociações recomendáveis, à categoria não sobrou outra alternativa senão a da paralisação das aulas, com todas as consequências desagradáveis daí advindas. Ninguém de bom senso ousará por certo classificar de extravagante ou absurda a pretensão dos educadores. O que simplesmente almejam é se verem contemplados com salários que respeitem o piso fixado pela Suprema Corte, ou com estipêndios (vá lá!) equivalentes, pelo menos, aos de outras respeitáveis categorias do serviço público. Soldados da PM em início de carreira, pra ficar num exemplo.

A providencial intervenção de parlamentares, conscientes da extensão e gravidade do problema e da legitimidade das reivindicações trazidas pelos agentes da Educação, recolocou a candente questão nos trilhos certos. Fica-se a esperar agora, com as portas finalmente abertas ao diálogo, instrumento democrático importantíssimo na construção de convergências, infelizmente desprezado a princípio pelo Governo, que se chegue logo, nos entendimentos em curso ao tão almejado desfecho dessa situação. Um desfecho que implicará inapelavelmente, a prevalecerem o bom senso e a consciência social, no reconhecimento das postulações da classe, que outra coisa não significam além de um brado carregado de expectativa e esperança em favor da dignidade profissional.

Estou sendo posto a par, no momento preciso em que estas considerações são encaminhadas à publicação, de uma inesperada contramarcha nas negociações entre as partes. Faço votos para que o impasse seja o mais rapidamente possível contornado, de maneira a ficarem resguardados todos os respeitáveis interesses colocados em jogo nessa momentosa questão.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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