sexta-feira, 27 de dezembro de 2019


Natal é vitalidade e inovação

Cesar Vanucci

“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel.”
(Compositor Assis Valente, na sugestiva canção “Anoiteceu”)


Natal, festa do amor total, encontra nas vozes de pensadores e poetas líricas interpretações.

Num despretensioso poemeto defini assim a mágica celebração: um poema de nazarena suavidade, um instante predestinado com timbre de eternidade, um cântico de amor pela humanidade, uma exortação solene à fraternidade, festa do amor total!

Na leitura de textos de autores de meu agrado andei recolhendo algumas anotações muito interessantes sobre o fascinante tema natalino. Ofereço-as como brinde de fim de ano, com sinceros votos de Boas Festas, ao culto e distinto leitorado.

Do escritor Pedro Nava: “Natal! Entram em recesso os ódios, os aborrecimentos, malquerenças e os que não se gostam fingem que esqueceram os agravos e os que se gostam servem-se do período para amabilidades – desde o presente caro à simples palavra de amizade e aos votos de paz na Terra.”

Do filósofo Juvenal Arduini: “Não se trata de calar o Natal festivo. Mas a consciência humana deveria reconhecer sempre o espaço sábio, para projetar o sentido cristão e o surto teológico transcendental, para manter o conteúdo da personalidade do Natal. (...) Natal é refletir para o presente e para superar saltos permanentes. É consistência infatigável (...) Natal é vitalidade, é exuberância, é crescimento, é inovação.”

De Vinicius de Moraes, no poema “Natal”: “A grande ocorrência / Que nos conta o sino / É que, na indigência / Nasceu um menino. (...) Muito tempo faz... / Mas ninguém olvida / Que é um dia de paz... / Porque fez-se a vida!”

Da poeta Yeda Prates Bernis (poema “Presépio moderno”): “Uma estrela guia / de laser / Na manjedoura / - mãos ao alto - / um menino. / Os animais / a vegetação / onde estão? / Três reis / e suas oferendas / de nêutrons.”

De Assis Valente, nome de realce da MPB (melodia “Anoiteceu”): “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...”

Do poeta Fernando Moreira Salles: “Hoje / calo o verso / com que engano / o poeta que me habita / e lembro / um menino / filho de carpinteiro / a quem busco / no rastro dos mísseis / na dor das calçadas / na noite indiferente. / É Natal / em toda parte / em parte alguma / catedrais do instante / que erguemos / sôfregos / nas valas comuns / da intolerância / e no rancor / que arde / em nossa fé. / É Natal / Dá-nos, menino, / ao menos esta noite / a tua mão.”

Do trovador Newton Vieira: “Feliz Natal, com certeza, / tu só verás, meu irmão, / se o pão que sobra em tua mesa / chegar às mesas sem pão.”

Trecho da crônica “No Presépio”, do livro “Filandras”, de Adélia Prado: “À meia noite o Menino vem, à meia-noite em ponto. Forro o cocho de palha. Ele vem, as coisas sabem, pois, estão pulsando, os carneiros de gesso, a estrela de purpurina, a lagoa feita de espelhos (...)”

Do poeta Waldemar Lopes: “A vinda do Menino a todos faz meninos.”

Do dramaturgo Nelson Rodrigues: “O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.”

Do poeta Ubirajara Franco (poema “Papai Noel”): “Bem-vindo, Papai Noel! Traduzem tuas barbas brancas a pureza das crianças. / Passos leves... leves... de mistério, colocando no portal meu presente de Natal. / Embora não sendo santo, és uma mentira linda, / que entre verdades amargas / sobrevive ainda (...)”

De Carlos Drummond de Andrade (“Versiprosa”): “Menino, peço-te a graça / de não fazer mais poema / de Natal. / Uns dois ou três, inda passa... / Industrializar o tema, / eis o mal.”


Natal nas vozes dos trovadores

Cesar Vanucci

“Não tendo Cristo por centro, / torna-se festa banal: / Quem não renasce por dentro / não comemora o Natal!
(Lacy José Raymundi)

A celebração natalina deste ano na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais correu por conta dos poetas. Em concorrida assembleia, de envolvente conteúdo humanístico, entremeada de belas interpretações musicais, os acadêmicos se revezaram na tribuna narrando sugestivos casos, declamando poemas e trovas, comentando candentes temas da atualidade tomando como mote a mensagem de fraternidade que a data máxima da cristandade inspira.

A programação cumprida, sob a competente coordenação das acadêmicas Maria Armanda Capelão, Maria Inês Chaves de Andrade e Tânia Mara Costa Leite, contou com participação ativa, entre outros, dos acadêmicos Elizabeth Rennó, Luiz Carlos Abritta, Auxiliadora de Carvalho e Lago, João Quintino, Maria Inês Marreco, Marilene Guzzela, José Alberto Barreto, Ângela Togeiro, Andrea Donadon Leal, Benedito Donadon Leal, Francisco Vieira Chagas, Gabriel Bicalho, Lucilia Cândida Sobrinho, Ismaília de Moura Nunes, Almira Guaracy Rebelo, Marzo Sette Torres, Altair Pinho, Sidnéia Nunes Guimarães e Maria de Lourdes Rabelo Villares. Exemplares de publicações contendo poemas e crônicas alusivos ao tema da comemoração, de autoria de associados da Amulmig, foram oferecidos aos presentes no andamento da calorosa confraternização transcorrida na Casa de São Francisco de Assis, também conhecida por Casa de JK.

As trovas natalinas vindas na sequência foram selecionadas por Luiz Carlos Abritta, presidente emérito da instituição, para leitura durante os trabalhos. Reproduzo-as aqui como um brinde aos leitores, ao desejar-lhes um Feliz Natal, cheio de amor e de paz.

- Foi na tal estrebaria,/simples, mas cheia de luz,/que nossa doce Maria/teve seu filho Jesus. (Luiz Carlos Abritta)

- Uma estrela, cintilando,/pára, junto à estrebaria./Maria reza chorando,/enquanto Jesus sorria. (Maria Natalina Jardim)

- No presépio natalino,/Mãe Maria e São José/contemplam Jesus Menino,/orando plenos de fé. (Conceição Piló)

- Vista o manto que lhe cobre/neste Natal, meu Jesus,/em toda criança pobre/e encha seu mundo de Luz! (Ivone Taglialegna Prado)

- De barro, um presépio lindo:/Maria de Nazaré/e um meigo Jesus dormindo/no colo de São José. (Conceição Almeida)

- Foge de mim a esperança/da estrela que apaga a luz,/ao lembrar que uma criança/tem, no destino, uma cruz! (Maria Dolores Paixão Lopes)

- Ao doce planger do sino,/na alegria triunfal,/recebamos Deus-Menino/nestas festas de Natal. (Felisbino Cassimiro Ribeiro)

- Vendo o mundo se prender/nas teias da insegurança,/o Natal nos vem trazer/o milagre da esperança! (Almira Guaracy Rebêlo)

- Com seu infinito amor,/o grande Deus me proteja./E que o Natal do Senhor/faça, de mim, Templo e Igreja. (Célia Maria Barbosa Rodrigues)

- Aproxima-se o Natal./Tocam sinos. Quanta luz!/Em cada lar há sinal/da presença de Jesus! (Edmilson Ferreira Macedo)

- A maior festa do mundo,/de âmbito universal,/tem um sentido profundo/nos festejos de Natal. (Geraldo Tavares Simões)

- Meu Natal não tem presente,/ceia farta, cores, luz.../Meu Natal é diferente:/meu Natal só tem Jesus. (João Quintino da Silva)

- As coisas simples, modestas,/encerram saber profundo./Nasceu sem plumas e festas/o maior Homem do mundo. (Lucy Sother Rocha)

- Belo Natal se aproxima,/vem trazendo ao mundo a Luz./Sigo, olhando para cima,/o Evangelho de Jesus. (Auxiliadora de Carvalho e Lago)

- Surge, ao longo dos meus dias,/Natal em cada segundo,/quando misturo alegrias/na esperança do meu mundo. (Rosa de Souza Soares)

- Que esta data abençoada/- é um desejo verdadeiro -/fique em nossa alma gravada,/seja Natal o ano inteiro! (Thereza Costa Val)

- Se todo o povo, irmanado,/em Cristianismo real,/amasse o irmão desprezado.../Seria sempre Natal! (Conceição Parreiras Abritta)

- Natal! Tantos já partiram,/deixando em silêncio a sala.../Quietos velhinhos suspiram,/só a saudade é quem fala. (Eva Reis)

- Estamos, Maria e eu,/comunicando a vocês:/nosso Menino nasceu./Nós, agora... somos três. (Lucy Sother Rocha)

- Papai Noel, vê se faz/do Natal um baluarte:/erga a “Bandeira da Paz”,/gravando “AMOR” no estandarte! (Ivone Taglialegna Prado)

- Natal trouxe vida nova/aos homens... novo destino,/a esperança se renova/junto ao berço de um Menino. (Zeni de Barros Lana)

- Diante o presépio, encantado,/vendo Jesus que dormia,/um menino, esfarrapado,/embevecido, sorria. (Conceição Parreiras Abritta)

- Um desejo verdadeiro/haja, entre nós, afinal:/ter no peito, o ano inteiro,/sentimento de Natal! (Thereza Costa Val).

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019


Aos leitores do Blog do Vanucci os votos de 
FELIZ NATAL e próspero ANO NOVO

O líder classista que acaba de partir

Cesar Vanucci

“Um cidadão de peso e medida.”
(Expressão ouvida de um panificador na missa de 7º dia de Danilo Savassi)

A gratidão é irmã gêmea do amor. Guardo este conceito no arquivo da memória desde os risonhos tempos da adolescência. Foi-me passado, na sala de aula, no antigo Liceu do Triângulo Mineiro, pelo professor José Peppe Junior, cidadão de invejável formação humanística, já não mais entre nós. O Liceu foi a planta de ensino embrionária da frondosa Universidade de Uberaba, criada pelo genial Mário Palmério.

Dia desses, a frase ressoou forte na mente, quando compartilhava, com os familiares enlutados, das emoções suscitadas pelas lembranças da vida e obra de Danilo Achiles Savassi, por ocasião da celebração da missa de 7º dia, em sua intenção, na Igreja da Santíssima Trindade, no bairro Gutierrez, Belo Horizonte. Imaginei, naqueles instantes, tomado de certeira convicção, que em nenhum estabelecimento ligado às atividades de produção e comercialização na faixa de atuação do Sindicato da Indústria de Panificação de Minas Gerais e da Associação Mineira de Panificação, a notícia da partida do ilustre personagem deixou de ser anotada com o mais sincero sentimento de pesar. Imaginei, também, que nessas mesmas horas, numerosos comentários se fizeram ouvir, em palavras encharcadas de carinho, simpatia e gratidão, sobre atos e decisões assumidos, em longa e fecunda trajetória, pelo líder classista e sindical de maiúscula projeção arrebatado ao nosso convívio.

Fiquei conhecendo Danilo nos idos de 65, ao transferir minha residência de Uberaba para Belo Horizonte. Eu era advogado do Sesi naquela encantadora cidade, acumulando esta função  com as de jornalista e professor. O saudoso Fábio de Araujo Motta, então presidente do Sistema Fiemg, aquinhoou-me com o honroso convite para assumir o cargo de Superintendente da instituição. Nele permaneci por todo o tempo das gestões do próprio Fábio, de Nansen Araujo e José Alencar Gomes da Silva. Na chegada a BH fui acolhido de forma bastante fraternal pelos ilustres integrantes do núcleo empresarial que, com descortino e competência, assessorava diretamente o presidente na condução dos destinos da valorosa entidade. Savassi fazia parte deste núcleo, que marcava presença constante no gabinete ocupado por Motta, de onde eram expedidas as diretrizes e ordens superiores para as febricitantes operações executadas pelos órgãos do Sistema: Sesi, Senai, Ciemg, Casfam, Iel, além dos sindicatos filiados, muitos deles com sede na Casa da Indústria.

Diretor tesoureiro da Fiemg, Danilo presidia, ainda, o sindicato patronal representativo da classe panaderil. Ele não ocultava o orgulho que sentia por pertencer à “nobre classe panaderil”. A expressão “panaderil” remete-me a uma cena de que fui testemunha ocular. Á guisa de provocação entre amigos um empresário de outro setor levantou dúvidas a respeito da legitimidade do vocábulo para classificar o segmento dos panificadores. Danilo, muito no seu estilo franco, tinha a resposta engatilhada na ponta da língua. Desfez, com exuberantes informações, o questionamento arguido. Deu-se ao luxo de citar trecho extraído de conto de autor português do século XIX onde o vocábulo “panaderil” havia sido empregado.

A causa classista em que empenhou talento, criatividade, capacidade empreendedora e poder de liderança, o empolgava. Era, pode-se dizer, uma de suas razões de viver. Sua sintonia com os companheiros de jornada, nos anseios comuns, nascidos do labor cotidiano dos panificadores, era perfeita, repleta de simpatia e afetividade. Porta-voz de fala vibrante dos pleitos e reivindicações grupais, ele revelou-se sempre, também, colega fraternal. Mostrava-se permanentemente disposto a dar apoio em horas dificultosas ou adversas. Sua proverbial solicitude e disposição para o diálogo, sua diligente atuação e prestimosidade, dele fizeram conselheiro intensamente demandado. Companheiros de empreitadas empresariais, colaboradores de órgãos do Sistema Fiemg procuravam-no, amiúde, para pedir sua intervenção na busca de soluções para problemas pessoais.

A padaria Savassi, de sua propriedade, que funcionou anos a fio em ponto estratégico numa parte nobre da paisagem belorizontina, tornou-se ponto de incrementada convergência popular. Transformou-se em reluzente referência, em símbolo marcante de ações comunitárias voltadas para atividades culturais, recreativas e comerciais. Acabou batizando oficialmente um dos mais charmosos e trepidantes pedaços de chão da geografia urbana da capital das Alterosas.

Repito aqui o que disse, na missa de 7º dia, à estimada viúva dona Naly e filhos, sobre o prateado amigo que acaba de “partir primeiro”, conforme a lírica definição camoniana: o esplêndido legado de Danilo, como dirigente classista, foi de molde a garantir eterna gratidão por parte de seus companheiros da classe “panaderil”.


Todo corpo deve ser templo

Cesar Vanucci

Quando tudo dói, a dor não é física!”
(Roberta França, geriatra)

Acontece sempre. Grandes conquistas civilizatórias, brotadas da portentosa engenhosidade do ser humano, costumam trazer no bojo perturbadores efeitos colaterais. A internet, tomando um exemplo, documenta impecavelmente a tese. Contribuindo esplendidamente para a elevação a níveis inimagináveis do conforto e do bem-estar social, abre perspectivas, paralelamente, para um bocado de situações sumamente desagradáveis.

Facilita ao assim chamado “idiota da aldeia” acesso a um sistema de som, de alcance ilimitado, para propagação de asneiras prejudiciais ao relacionamento comunitário. Cria ensancha oportunosa – como se costumava dizer em tempos de antigamente – para o uso impróprio, inoportuno e maldoso de palavras e ideias de conteúdo mentiroso e impactante que acabam se alastrando com impetuosidade de grama tiririca. Dá chance a gente inescrupulosa, radical, fanatizada, ressentida, obcecada por doentias paixões, para alvejar impunemente a dignidade e a reputação alheias. Todas essas mazelas são de fácil constatação por parte de quem mantenha o hábito de navegar pelas postagens das chamadas redes.

Do que, todavia, pretendemos mesmo tratar, no papo de hoje deste desajeitado escriba, incorrigível buscador de quimeras, com o culto leitorado, é de uma outra faceta, dentre as inúmeras de cunho positivo existentes no complexo eletrônico de comunicação. Nas redes sociais deparamo-nos, também, alvissareiramente, com mensagens, recados, depoimentos, conceitos, orientações, de características amenas e singelas, que concorrem para enobrecer o espírito humano. Funcionam, igualmente, como estímulo poderoso a práticas edificantes.

O texto vindo na sequência, de autoria da geriatra Roberta França, do Rio de Janeiro, por nós extraído da internet com o fito de preencher o espaço que nos está afeto nesta página de reflexões, constitui amostra loquaz do benfazejo compartilhamento de ideias que as redes estão em perfeitas condições de propiciar visando a causa da construção humana e a difusão de valores que tornem a aventura da vida digna de ser vivida. Façam bom proveito, senhoras e senhores!

“Quando ainda era acadêmica ouvi de um professor algo que nunca esqueci "quando tudo dói a dor não é física"... Talvez eu não tenha dimensionado naquele instante a grandeza desse diálogo. Hoje geriatra, vivenciando diariamente a rotina dos meus pacientes, vejo o quanto esse olhar me abriu para compreender cada um que chega com dores por todo corpo; muitas vezes não sabendo nem por onde começar ou sequer explicar como acontece. Ouço com atenção às queixas de dores de cabeça, no estômago, musculares, ósseas, palpitações, náuseas, coceiras... Depois faço apenas uma pergunta "o que está realmente acontecendo com você?” Após um minuto de hesitação e até espanto, a maioria cai num choro convulso e doloroso. Deixo o choro libertador acontecer e então no lugar das queixas álgicas ouço término de relações, perdas de pessoas queridas, problemas financeiros, medos, angústias e ansiedades. Novamente lembro - me da frase "quando tudo dói a dor não é física"... Não é! A dor é na alma...Tudo que nos faz mal e guardamos, por um mecanismo de defesa, vai sair de alguma forma... muitas vezes em forma de doença! É nosso corpo físico gritando pelo resgate da nossa alma... É nosso corpo nos confrontando com nosso eu... É nosso corpo nos mostrando o que não vai bem... É nosso corpo dizendo "olhe pra você" As vezes é difícil compreender e até acreditar nisso. Normal! Estamos tão mentais, tão obcecados pela objetividade que só mesmo adoecendo, doendo, machucando é que paramos para valorizar nossas sensações e nos perceber... Ninguém gosta de sentir dor, ninguém quer adoecer, todo mundo teme se machucar... Alertas! Quantos alertas nosso corpo precisa nos enviar para olharmos pra ele, de verdade! Sejamos mais atentos, gentis e cuidadosos com nosso corpo. Sejamos mais atentos, generosos e amorosos com nossa alma. Toda dor é real, / Toda dor é tratável, / Todo corpo deve ser templo, / Toda alma deve ser leve.”


Você em Equilíbrio - Orestes Debossan


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

As minas dos tremores e dos temores

Cesar Vanucci

“O receio de que a sirene soe de repente tira o sossego da gente”.
(De um morador de Congonhas do Campo)

Mas que horror, Santo Deus! Ver ressuscitados, volta e meia, temores provocados por tremores nas minas onde se processa predatória exploração das incomensuráveis jazidas minerais do rico subsolo das Gerais! Quando é que cessará o terrível pesadelo que alveja, impiedosamente, a tranquilidade dos lares de milhares de pessoas residentes nessas áreas de risco? O que vai ser preciso fazer, em termos de tecnologia avançada, para espantar de vez as apavorantes perspectivas de rupturas letais dos diques de contenção dos rejeitos? Como é que fica, de outra parte, esta flamejante questão das responsabilidades técnicas e de gestão administrativa diante das irreparáveis perdas comunitárias? Perdas originárias de obras de represamento mal concebidas e que podem se esfacelar, como já aconteceu, eliminando vidas preciosas e destruindo cenários exuberantes de vida? Refletir sobre tudo isso, sobre delitos ambientais perpetrados em função de desmesuradas ambições por ganhos, é imprescindível. Quando pouco para acautelar respeitáveis interesses coletivos nas liberações de empreendimentos com implicações no meio ambiente.

Tremor de magnitude de 3,2 na escala Richter, com epicentro em Belo Vale, região central das Alterosas, território povoado de barragens de duvidosa segurança, gerou no último dia 26 de novembro compreensível pânico. Outra vez mais. Milhares de moradores da histórica Congonhas do Campo reviveram dramáticos momentos de sobressalto. O abalo sísmico mobilizou o pessoal da Defesa Civil. Nasceu daí expressa recomendação às empresas de exploração mineral com atuação na área para que reforçassem o monitoramento de todas as estruturas de rejeitos de minério das cercanias. O indesejável evento permitiu fosse relembrado algo assaz desconfortável: neste ano de 2019 já foram registrados naquelas bandas 43 tremores (bota tremor nisso!), sendo que o de agora, dentre eles, ganhou destaque por ter sido o de mais forte intensidade.

Está claro que a peremptória manifestação dos setores técnicos incumbidos do monitoramento, no sentido de que tudo estaria sob controle, não foi de molde a desfazer a intranquilidade. A barragem conhecida por “Casa de Pedra”, pra ficar no exemplo mais frisante, pertencente à CSN Mineração, com 50 milhões de metros cúbicos de mortíferos resíduos, localizada a apenas 300 metros de bairros residenciais, acha-se enquadrada em matéria de riscos na assim denominada “classe 6”. No tocante a danos potenciais, trata-se da classificação mais elevada. Não há que ignorar, por outro lado, que sua estrutura vem acusando problemas de estabilidade desde 2013.

Os registros de que o abalo mencionado foi “moderado”, podendo vir a ser acompanhado de outros, as chamadas “réplicas”, mas (ora, veja, pois!) “com grau inferior ao do primeiro (abalo)”, não arrefecem, obviamente, os temores gerais quanto aos tremores constantes. Inevitável, aqui, tétrica associação de ideias. Em Mariana, duas horas antes do Fundão despencar, foram detectados também alguns abalos sísmicos. Só que... menores na escala Richter (2,6)!

Esse quadro perturbante relacionado com as descomunais crateras de rejeitos espalhadas por aí, fazendo reféns do desassossego imensas coletividades, deixa suspensas no ar martirizantes interrogações. Vai dar, nalgum instante, para os indefesos e perplexos cidadãos que vivem nas áreas afetadas por riscos tão terrificantes dormirem tranquilos com um barulhão desse tamanho? A mesma impactante pergunta, já aí soando como um libelo acusatório, carece ser igualmente formulada com referência àqueles que, em diferenciadas circunstâncias, se deixaram emaranhar por decisões danosas e imprevidentes, quer como gestores de negócios altamente rendosos, quer como técnicos, nas práticas predatórias levadas a cabo na região sob ameaça? Será que vai dar pra eles dormirem com peso tão avolumado na consciência?

Dados e palavras pra lá de chocantes

Cesar Vanucci

“Mulher só ganha salário maior que
 homem caso ela seja branca e ele negro”.
(Constatação do IBGE)

Mais do que meramente espantoso, ou simplesmente psicodélico. Os conceitos emitidos, em ampla divulgação jornalística, pelo recém-empossado presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão integrante da Secretaria Especial da Cultura do governo central, roçam as fimbrias da insanidade. Sérgio Nascimento de Camargo, hoje à testa da instituição responsável pela promoção dos valores da cultura afro-brasileira, profere, com fervorosa convicção talibanista, despautérios do gênero abaixo enfileirados.

“Não existe no Brasil racismo real”. A escravidão foi “benéfica para os descendentes”. O movimento negro carece ser “extinto”. Impõe-se a eliminação do “feriado da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro”. Referindo-se, com palavreado pejorativo, a personalidades negras, como o casal de atores Thais Araújo e Lázaro Ramos, bem como a ex-vereadora Marielle Franco, vítima de hediondo atentado praticado por milicianos cariocas, ainda por ser devidamente esclarecido em todas as suas penumbrosas circunstâncias, o cara sugere “o Congo como destino de toda essa gente”. Acrescenta: “E que fiquem por lá!” O compositor e intérprete Martinho da Vila, outro nome artístico de peso na alça de mira do dirigente da “Palmares”, é também alguém que, segundo ele, deveria “ser mandado para o Congo”, por ser um “vagabundo”. A respeito de Marielle Franco, ele assevera ainda que a jovem assassinada “não era negra”. E, sim, um “exemplo do que os negros não devem ser”...

Fica evidenciado que surto demencial desse porte induz a misericordioso pedido, em favor do declarante, de intercessão a Nossa Senhora da Abadia d’Água Suja, Santa Padroeira de Romaria, aprazível recanto plantado lá nos Chapadões do Triângulo Mineiro.

Enquanto o absurdo rola, o noticiário nosso de cada dia persiste em apontar, em estridentes manchetes, dados chocantes da questão racial, baita problema enfrentado pela nossa sociedade. Fixemos a atenção nalguns deles. Com a palavra o IBGE. O montante dos salários atribuídos aos negros – maioria da população – representa, na verdade, 58% do volume salarial percebido pelos brancos. Se o rendimento entre brancos e negros fosse igual, muito mais dinheiro seria posto a circular. A riqueza coletiva se expandiria.  O PIB ficaria bem maior. A igualdade de renda, resultante de eventual eliminação desse item do tormentoso preconceito racial, contribuiria para acréscimo considerável dos recursos financeiros a serem aplicados no desenvolvimento. A estimativa é de que o resultado seria superior a 210 bilhões.

As revelações da sequência provêem, igualmente, do IBGE. Assalariados brancos dispõem renda 54% superior, em média, comparativamente, a assalariados pretos. Tal diferencial permanece praticamente estável ao longo de muitos e muitos anos. Embora signifiquem 58% da população brasileira, os negros, além da notória desvantagem detectada nas condições de trabalho remunerado, são afetados, no panorama da vida comunitária, pelos piores indicadores sociais. Assim ocorre no tocante a moradia, escolaridade, acesso a bens e serviços. Acham-se bem mais vulneráveis à violência, sendo ainda molestados pela baixa representatividade na distribuição de cargos executivos. A renda média mensal do brasileiro branco, seja ele trabalhador formal ou informal, é de 2.796 reais. Entre os pretos e pardos cai para 1.608 reais. Noutras palavras: para cada mil reais carreados a alguém de pele clara no mercado de trabalho canaliza-se, desproporcionalmente, 575 reais aos de pele não clara.

Tem mais informação desnorteante: da mistura da desigualdade social com discriminação racial e machismo desponta o injusto quadro de rendimentos abaixo configurado. Para cada parcela de mil reais auferida por homem branco corresponde um quinhão de 758 oferecido a mulheres brancas, 561 para homens pretos ou pardos e 444 para mulheres pretas ou pardas. Na ocupação de funções gerenciais, 70% das vagas são reservadas a brancos. Outra referência perturbadora nos levantamentos sociais do IBGE está ligada ao fato de que, conquanto constituam mais da metade da força de trabalho (55%), os negros arcam com o ônus de compor, na realidade, dois terços (66%) do exorbitante contingente de 14 milhões, segundo estimativas, de desempregados e de pessoas lançadas em atividades de ganho precário.

Por derradeiro, mais essa estarrecedora comprovação, indicativa de como o racismo e o machismo, de mãos dadas, contribuem para o abismo salarial existente no Brasil, tolhendo o nosso crescimento econômico. Mulher só ganha salário maior que homem quando ela é branca e ele é negro. Ou seja: “ela” recebe 27% a menos do que “ele”, a um só tempo que o cidadão negro ganha 73,88% abaixo do cidadão branco. Tá danado!



Todo corpo deve ser templo

Cesar Vanucci

Quando tudo dói, a dor não é física!”
(Roberta França, geriatra)

Acontece sempre. Grandes conquistas civilizatórias, brotadas da portentosa engenhosidade do ser humano, costumam trazer no bojo perturbadores efeitos colaterais. A internet, tomando um exemplo, documenta impecavelmente a tese. Contribuindo esplendidamente para a elevação a níveis inimagináveis do conforto e do bem-estar social, abre perspectivas, paralelamente, para um bocado de situações sumamente desagradáveis.

Facilita ao assim chamado “idiota da aldeia” acesso a um sistema de som, de alcance ilimitado, para propagação de asneiras prejudiciais ao relacionamento comunitário. Cria ensancha oportunosa – como se costumava dizer em tempos de antigamente – para o uso impróprio, inoportuno e maldoso de palavras e ideias de conteúdo mentiroso e impactante que acabam se alastrando com impetuosidade de grama tiririca. Dá chance a gente inescrupulosa, radical, fanatizada, ressentida, obcecada por doentias paixões, para alvejar impunemente a dignidade e a reputação alheias. Todas essas mazelas são de fácil constatação por parte de quem mantenha o hábito de navegar pelas postagens das chamadas redes.

Do que, todavia, pretendemos mesmo tratar, no papo de hoje deste desajeitado escriba, incorrigível buscador de quimeras, com o culto leitorado, é de uma outra faceta, dentre as inúmeras de cunho positivo existentes no complexo eletrônico de comunicação. Nas redes sociais deparamo-nos, também, alvissareiramente, com mensagens, recados, depoimentos, conceitos, orientações, de características amenas e singelas, que concorrem para enobrecer o espírito humano. Funcionam, igualmente, como estímulo poderoso a práticas edificantes.

O texto vindo na sequência, de autoria da geriatra Roberta França, do Rio de Janeiro, por nós extraído da internet com o fito de preencher o espaço que nos está afeto nesta página de reflexões, constitui amostra loquaz do benfazejo compartilhamento de ideias que as redes estão em perfeitas condições de propiciar visando a causa da construção humana e a difusão de valores que tornem a aventura da vida digna de ser vivida. Façam bom proveito, senhoras e senhores!

“Quando ainda era acadêmica ouvi de um professor algo que nunca esqueci "quando tudo dói a dor não é física"... Talvez eu não tenha dimensionado naquele instante a grandeza desse diálogo. Hoje geriatra, vivenciando diariamente a rotina dos meus pacientes, vejo o quanto esse olhar me abriu para compreender cada um que chega com dores por todo corpo; muitas vezes não sabendo nem por onde começar ou sequer explicar como acontece. Ouço com atenção às queixas de dores de cabeça, no estômago, musculares, ósseas, palpitações, náuseas, coceiras... Depois faço apenas uma pergunta "o que está realmente acontecendo com você?” Após um minuto de hesitação e até espanto, a maioria cai num choro convulso e doloroso. Deixo o choro libertador acontecer e então no lugar das queixas álgicas ouço término de relações, perdas de pessoas queridas, problemas financeiros, medos, angústias e ansiedades. Novamente lembro - me da frase "quando tudo dói a dor não é física"... Não é! A dor é na alma...Tudo que nos faz mal e guardamos, por um mecanismo de defesa, vai sair de alguma forma... muitas vezes em forma de doença! É nosso corpo físico gritando pelo resgate da nossa alma... É nosso corpo nos confrontando com nosso eu... É nosso corpo nos mostrando o que não vai bem... É nosso corpo dizendo "olhe pra você" As vezes é difícil compreender e até acreditar nisso. Normal! Estamos tão mentais, tão obcecados pela objetividade que só mesmo adoecendo, doendo, machucando é que paramos para valorizar nossas sensações e nos perceber... Ninguém gosta de sentir dor, ninguém quer adoecer, todo mundo teme se machucar... Alertas! Quantos alertas nosso corpo precisa nos enviar para olharmos pra ele, de verdade! Sejamos mais atentos, gentis e cuidadosos com nosso corpo. Sejamos mais atentos, generosos e amorosos com nossa alma. Toda dor é real, / Toda dor é tratável, / Todo corpo deve ser templo, / Toda alma deve ser leve.”



sexta-feira, 6 de dezembro de 2019


Humanidade, uma só raça

Cesar Vanucci

"Afinal de contas, só existe uma raça: a humanidade."
(George Moore)

Dizíamos no comentário passado que o recado de Zumbi dos Palmares, cuja história é relembrada na “Semana da Consciência Negra”, convida a sociedade brasileira a uma séria reflexão. O que remete, como também já falado, à imperiosa necessidade de se procurar conhecer, nas exatas proporções, os problemas com características às vezes tormentosas enfrentados nestes nossos imensos pagos por patrícios de origem afro.

O escritor estadunidense Richard Wright sustenta não existir propriamente um problema negro, mas apenas um problema branco. Vamos um bocadinho além. Não existe problema negro, nem branco, nem judaico, nem indígena, nada disso. O que existe é um baita problema do ser humano. Que terá de ser resolvido por brancos e negros, por todo mundo, afinal, já que se trata de um problema de todos. A realidade brasileira deve ser exposta transparentemente, conscientemente, mesmo comportando registros amargos e machucaduras de nada fácil cicatrização. Há que se promover, com boa fé, com enfoque humanístico e sensibilidade social, empenhado esforço na busca das soluções corretas.para uma convivência comunitária fraternal. Habituamo-nos, por vício comportamental, na análise do candente tema, a aceitar e propagar, como verdade dogmática, conceitos elaborados em forma de repetitivos clichês mentais. Talvez como forma inconsciente de aliviar culpas e de pulverizar as cotas de responsabilidade de indivíduos e de grupos.

Questionamentos relevantes emergem de uma avaliação que não se contenta mais com abordagens periféricas do tema. Será que neste nosso Brasil lindo, abençoado por Deus, “pátria do Evangelho”, como proclamam respeitáveis correntes espiritualistas, não existe mesmo discriminação? Os negros, por estas bandas, desfrutam mesmo de oportunidades iguais às dos brancos no mundo do trabalho, no ambiente universitário, no acesso aos benefícios sociais? Será que todos estamos inteiramente à vontade para responder afirmativamente, com convicção, contemplando com visão crítica o cenário social e profissional, a essas e outras inúmeras desassossegantes indagações? Vai surgir fatalmente alguém, apoderado de reta intenção, para explicar que os incômodos sinais de preconceito são, por aqui, menos aflitivos, talvez, que os detectados em outros países. Mas, mesmo que assim seja, a observação não elimina a intolerância implícita ou explícita que caracteriza anômalos e perversos procedimentos volta e meia detectados.

Recorro a uma historieta, pinçada numa lista estridente e numerosa, que tenho na conta de emblemática. Anos atrás, o principal clube recreativo de importante município do interior convidou, para exibição e homenagem, o time de basquete do Palmeiras, que acabara de conquistar o título sul-americano. A estrela do time, cestinha da competição, era um negro conhecido pelo nome de guerra de Rosa Branco. Recepção calorosa foi prestada aos visitantes. Na quadra, tudo correu nos conformes. Torcida em clima de delírio, música, faixas, ovações. Na hora do baile de gala, uma decisão apavorante. Todos os atletas estavam convidados, menos dois. O astro Rosa Branco, por não sê-lo, e um outro colega, pela mesma razão. Quer dizer, por razão nenhuma. O assunto ganhou polêmica. Tomei parte ativa nela. Botei pra fora santo inconformismo, como cidadão e jornalista, diante do insano procedimento. Solidarizei-me de pronto, publicamente, com as vítimas do abjeto ato preconceituoso e constatei, um tanto desconcertado, que elas, as próprias vítimas, se sentiram, de certo modo, surpreendidas com o meu gesto. Fato revelador de um processo alienante de conformismo e resignação. Os dirigentes e atletas brancos do Palmeiras engoliram caladinhos a desfeita. Alguns dias depois, saindo de uma entrevista radiofônica, fui procurado pelo diretor de um outro clube do lugar. Trouxe-me alentadora palavra de apoio, para na sequência, sem se impressionar com meu estado de perplexidade, perpetrar esta escandalosa revelação:
- Sabe, o pessoal do clube rival agiu mal. Devia fazer como nós fazemos. As pessoas de cor não são barradas na porta. O que não podem é sair dançando pelo salão...

Revendo o incrível episódio, ponho-me a matutar cá com os meus botões se a nossa aventura cotidiana não anda salpicada de cenas e gestos aparentemente inofensivos e amenos que escondem condutas parecidas com as dos dirigentes dos clubes?  E que estão, chocante e obviamente, em desarmonia com valores essenciais da cultura civilizatória.

Com toda certeza, é preciso ouvir um pouco mais o recado de Zumbi. E de Luther King. E de Nelson Mandela. De todos os magníficos personagens, daqui de dentro e lá de fora, que batalham incansavelmente contra a discriminação racial, apontando o racismo como blasfemo atentado à dignidade do ser humano.


O racismo se vale, também, de sutilezas

Cesar Vanucci

“Sou negro, como é negra a noite. Sou negro como as profundezas d’África”.
(Langston Hughes, poeta negro estadunidense)

O preconceito racial sorrateiro, camuflado pela sutileza de um gesto aparentemente prestativo e cortês, como dói! No restaurante de luxo, retornando à mesa depois de servir-se das iguarias de um opulento cardápio, Almerinda, loura de olhos azuis, socióloga de profissão, é abordada pelo vizinho da mesa ao lado. Em tom cúmplice ele denuncia: - “Tome cuidado com aquele crioulo ali. Ele “tava” de olho na sua bolsa. Como percebeu que eu acompanhava seus movimentos, deu uma disfarçada e afastou-se. Não sei como um lugar refinado como este permite a entrada de gente dessa laia”. Saindo do sério, Almerinda sapecou poucas e boas pra cima do “solícito” denunciante: - “Acontece que aquele crioulo suspeito, professor, é simplesmente meu marido. Pai dos meus dois filhos, aqui ao lado.”

Adiante. Em aeroportos dos Estados Unidos e europeus os guardas alfandegários costumam estabelecer pelo olhar, carregado de desconfiança, uma triagem prévia dos passageiros desembarcados. As pessoas claras desfrutam do privilégio de tratamento especial, com a garantia de circulação rápida pelos guichês, direito a mesuras e acenos cordiais. Quando chega a vez do grupo dos amorenados, das pessoas de tez escura, ou de aparência oriental, desvanece-se o sorriso amável, substituído por polidez glacial e trique-triques que fazem a glória da rotina burocrática. As fisionomias passam a lembrar, então, os semblantes crispados dos costumeiramente mal-humorados guardas russos de fronteira escalados para conferirem passaportes, revistar passageiros e bagagens.

Desloquemos, na sequência, o holofote das atenções para outro cenário. Cá está, na tevê americana, um soberbo trabalho de investigação jornalística. Interessados em apurar tendências no comportamento das ruas, experimentados repórteres postam-se numa movimentadíssima avenida de Nova Iorque. Na calçada, acompanhados em todos seus movimentos pelas câmeras, um negro e um branco disputam, aos brados, fazendo uso de toda a gesticulação a que têm direito, os olhares dos motoristas que trafegam pela via entupida de carros. A totalidade dos motoristas, entre eles alguns negros, faz questão de ignorar por completo a ruidosa encenação do preto, posicionado alguns metros à frente do branco. Rendem-se, incondicionalmente, à opção de atender ao passageiro de pele clara.

Os repórteres não se dão por satisfeitos e resolvem apelar para novo esquema. Trocam o branco e o negro de posições. Os carros de praça (como é que fomos deixar substituir expressão tão saborosa pela feiosa denominação de táxi?) da leva seguinte, não vacilam: atendem, pressurosos, todos eles, à chamada do cidadão claro. Fica evidenciado, de forma irrespondível, não se tratar, positivamente, de uma simples questão de melhor visibilidade ambiente, à média distância. Na sequência, os participantes do teste são oficialmente apresentados. O negro é ator famoso, ganhador de “Oscar”. O branco, um cara que já passou por condenação judicial.

Já a historieta a seguir não foi vivida em Berlim, Viena, ou Pretória. Nem em Nova Iorque. É coisa nossa mesmo. Em encantador e importante burgo do interior, um cidadão em ascensão política recebe a visita de dirigentes e benfeitores do clube de maior projeção na vida citadina. Os visitantes explicam logo a que vêm. Querem fazer do anfitrião presidente do clube. Por causa de seus méritos pessoais, sua visão social e coisa e loisa. Desvanecido, ele aceita a indicação, anunciando planos, bem recebidos pelos demais. Pede permissão para um registro a mais: gostaria de franquear o acesso ao quadro de sócios, em sua gestão, de pessoas da comunidade negra. O que acontece na continuidade é espantoso. Depois eu conto, como costumava dizer, em idos tempos, o colunista Jacinto de Thormes. Ou seria o igualmente festejado Ibrahim Sued?


O racismo é repulsivo


Cesar Vanucci


"Todos os homens nasceram iguais, exceto os pretos...”
(Abrahão Lincoln, na condenação ao racismo)

Como nas fitas em série do passado, ou nas novelas do presente, contemos, em rápidas pinceladas, como terminou o capítulo anterior deste relato sobre racismo. Falávamos do convite formulado, com toda pompa, ao líder comunitário em ascensão, naquele próspero burgo do interior, para assumir a presidência do principal clube local. Ele aceitou sensibilizado e com vivo entusiasmo a honrosa convocação. Aplausos entusiásticos e fraternais palminhas nas costas coroaram o acordo. Na palavra de agradecimento, anunciando seus planos, o futuro presidente deixou registrada a disposição de franquear a pessoas da comunidade negra o acesso às dependências do clube. O relato no textículo anterior parou nesse ponto.

Seguindo em frente. Baixou, então, naquela hora, silêncio de tumba etrusca. O gelo só foi quebrado quando o garçom de plantão retirou, do balde, outras pedras de gelo para abastecer os copos do pessoal com nova rodada do legítimo. Tudo ficou, então, nestes termos: convite feito, convite aceito, a reunião chegou ao desfecho almejado.

Algumas semanas passadas, o cidadão solenemente convidado a ser presidente do clube, com o terno de gala para a posse já encomendado, tomou ciência, atônito, pela imprensa, de que as eleições em questão haviam sido antecipadas. E mais: seu nome não figurava, nem como suplente de vogal, na chapa única sufragada pela assembléia de sócios e referendada pelo conselho de notáveis da agremiação.

Oportuno anotar. A indiferença e distanciamento que tanta gente faz questão de manter com relação a absurdidades desse gênero explicam a razão de serem numerosos, no cotidiano, essas atordoantes ocorrências de injuria racial. Do tipo, por exemplo, abaixo descrito. Indoutrodia, as redes sociais divulgaram um anúncio sobre vagas de emprego para cuidadora de idosos, contendo dois “requisitos essenciais”: as candidatas não poderiam ser negras, nem gordas... A “oferta” era para dez profissionais, cinco para cada turno de trabalho. Especialistas em temática mística, conhecidos deste desajeitado escriba, asseguraram-lhe que o próprio São Benedito, tão meigo e carismático, lá nas paragens celestiais onde vela permanentemente pelos destinos da desvairada humanidade, ao ser notificado do abjeto fato, deixou-se tomar, por fugidios instantes, da mais santa ira...

Relatos que tais, de certo modo até brandos diante do que realmente costuma rolar por aí, retratam flagrantes da imperdoável postura racista adotada por tantos em tantas partes. Ela é tão ou mais hedionda quanto outras manifestações que a intolerância tem por hábito gerar, através dos tempos, como reflexo do egoísmo e ambição de grupos e pessoas empenhados em fomentarem discórdias e danificar a convivência entre os integrantes da espécie. Num mundo regido pelas leis da sabedoria universal, em que os direitos humanos fossem vivenciados na plenitude, não haveria, por certo, condições propícias para práticas discriminatórias que alvejassem a mulher, a criança de rua, o índio, as minorias étnicas e religiosas, mais nuns lugares, menos noutros, mas, afinal de contas, em todos os rincões da sofrida pátria terrena. O genocídio de que foram alvo os judeus na era nazista, fruto do racismo, é exemplo frisante da insensatez que domina os procedimentos fanatizados de um mundão de pessoas. E nem é o caso de tentar combater e justificar o racismo com a adoção do racismo, como fazem, deploravelmente, alguns judeus, sobretudo com relação aos palestinos, e, até mesmo alguns negros. Racismo é racismo, ponto final. Algo totalmente repulsivo, não importa a “motivação” e a origem.

Essas coisas carecem ser ditas e repetidas como estímulo a que se fortaleça, na consciência das ruas, a resistência cívica e moral à intolerância e ao preconceito.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Celebrando o Dia da Consciência Negra

Cesar Vanucci

“Mas não se trata de raças, senão das variedades
de uma mesma raça, de uma mesma espécie...”
(Anatole France)

A cena, de fascinante simbolismo, ficou gravada na memória velha de guerra. Na entrevista na agência de empregos, preenchendo convencional questionário, a jovem negra, de altivo semblante, anota no quesito “raça” a expressão “humana”. Recusa-se, com polidez, mas firmeza, a alterar o registro feito, contrariando a insistente alegação do funcionário do atendimento de que estaria ocorrendo, no caso, uma quebra do protocolo burocrático.

Noutro lance, numa repartição de Registro Civil, o artista famoso confronta, com serena, mas inflexível determinação, objeção levantada por alguém, do lado de dentro do balcão, a respeito do nome dado à filha. “Sim, senhor. Este o nome de minha filha: Preta. Preta é um nome tão lindo quanto, por exemplo, Clara.”

Estes dois emblemáticos episódios remetem este desajeitado escriba, incorrigível caçador de quimeras, a evocar o “Recado de Zumbi”. Repetir o recado é preciso. Sobretudo em instantes confusos como os de agora, em que a intolerância racial se revela contundente, escancarada ou dissimulada. É só por tento no noticiário nosso de cada dia.

De tempos distantes chegam até nós, nesta hora, o clamor e a ânsia de liberdade de Palmares. A lendária figura de Zumbi se introduz nas atenções populares, em sua grandeza épica, carregando sonhos e esperanças de libertação. São sentimentos válidos não apenas para aquele momento vivido e sofrido do holocausto negro, em que o abençoado irredentismo do herói da raça cravou presença na história. Aproveitam a todos os instantes, épocas e lugares onde a insanidade encontra terreno propício para cultivar o germe da divisão dos homens pela cor e pela etnia.

A mensagem de Zumbi, tradicionalmente relembrada nas comemorações da "Semana da Consciência Negra", é de ofuscante atualidade. Aborrece o desvario radical, as posturas acomodadas, as reações hipócritas. As atitudes cotidianas que asseguram, em tantas partes e setores deste planeta azul, a cobrança implacável e interminável de um tributo de dor e humilhação às pessoas de epiderme escura. Contra elas, em nome de ostensiva ou encapuzada, mas sempre despropositada e falsa supremacia racial, são colocadas em movimento, mais exacerbadas aqui, mais brandas ali, as engrenagens do ódio, da ignorância e da opressão e, também, da indiferença e da omissão, que conseguem às vezes magoar e ferir tanto quanto.

Sendo de conteúdo universal, dizendo respeito a uma questão de essência no capítulo dos direitos fundamentais do ser humano, o recado de Zumbi dos Palmares foi feito para alcançar todos aqueles territórios do Atlas Geográfico em que se pratica discriminação, em que se cultiva racismo. Serve de reforço no combate ao segregacionismo em que se acha empenhada a poderosa sociedade democrática do país do saudoso Martin Luther King. Experimentando alívio diante dos bons resultados já alcançados e alguma expectativa quanto aos futuros desdobramentos, acompanha as evoluções no processo de integração conduzido na origem pelo sempre lembrado Nelson Mandella na África do Sul. Alenta e encoraja grupos minoritários perseguidos e ultrajados em largas extensões deste mundo de Deus onde o diabo costuma plantar seus indesejáveis enclaves. Confronta clima permanente e dolorido de desconfiança, a partir das inquirições e revistas de bagagens diferenciadas nos postos alfandegários, com que são recebidos em países da Europa e nos Estados Unidos turistas e imigrantes negros ou de outros segmentos discriminados. O recado de Zumbi convida a comunidade a uma séria reflexão. O que remete logo à necessidade de se conhecer nas exatas proporções os problemas enfrentados, nestes nossos pagos, pelos descendentes africanos.

Poderemos voltar a falar disso posteriormente. Mas, antes, que tal ligar os aparelhos de reflexão para anotar este impecável conceito de Anatole France a respeito do assunto? Assim falou o mestre: “Na maioria das vezes é tão difícil distinguir num povo as raças que o compõem como seguir no curso de um rio os riachos que nele se jogaram. E que é uma raça? Há realmente raças humanas? Vejo que há homens brancos, homens vermelhos, homens amarelos e homens negros. Mas não se trata de raças, senão das variedades de uma mesma raça, de uma mesma espécie, que formam entre eles uniões fecundas e se misturam constantemente.”

Coisas para se comer rezando


Cesar Vanucci

“Que pena que isto não seja pecado!”
(Exclamação de uma princesa italiana,
citada por Stendhal, ao saborear uma taça de sorvete)


Como todo cara normal, de bem com a vida, sou fissurado em sorvete, pipoca e chocolate. Estou até a fim de requerer patente de um processo que bolei para saborear, “conjuntamente juntas”, essas iguarias. Não receio nem um tiquinho possa a divulgação de tão sacrílega prática gastronômica atrair admoestações e censuras de abalizados endocrinologistas ou empertigados donos de passarelas. Garanto, em reta e lisa verdade, tratar-se de receita subtraída do cardápio domingueiro do Olimpo. Coisa pra se comer, genuflexo, rezando.

Qualquer vivente interessado em se apoderar dessa dádiva dos deuses deve observar o procedimento indicado. Pegue, primeiro, algumas bolas de sorvete cremoso, despejando-as numa terrina. Ao depois, lance uma calda achocolatada sobre o sorvete. Ninguém irá reparar se, nessa fase da preparação da receita, fraquejando diante da tentação de mergulhar o dedo indicador na calda, levá-lo disfarçadamente à boca. Numa tigela de bom tamanho coloque, em seguida, a pipoca. De sal e caramelada, doses harmoniosamente iguais. O recomendável, na sequência, é carregar tudo para canto isolado da casa. Lugarzinho provido de aparelho de som, onde possam ser ouvidas, como fundo musical, composições (de preferência orquestradas) de Villa Lobos, Ary Barroso e Tom Jobim.

Composto o repousante cenário, com todos os apetrechos descritos ao alcance das mãos, o jeito, agora, é curtir, com a máxima intensidade, o mágico instante. fazê-lo na base da degustação lenta, esvaziando com a colher e com a mão, alternadamente, o conteúdo dos dois recipientes.  O privilegiado momento assegura a certeza de que o Yuri Gagarin tinha razão: a terra é mesmo azul. E dentro dela não há lugar, jeito maneira, para guerras, fanatice fundamentalista, Donald Trump, corrupção, preço exorbitante de remédio, tráfico de drogas, violência urbana, atentados à cultura, preconceitos de toda ordem e as mil e uma outras mazelas de nosso maltratado cotidiano.

Estou convencido de que essa compulsiva predileção por sorvete, pipoca e chocolate, em meu caso específico, é mal incurável de nascença. Tem a ver com o DNA. Admito, também, que foi atiçada pacas, na infância e adolescência, por inexplicável veto formal – nascido de implicância descabida – aplicado nos cinemas ao ato inocente de se comer pipoca ou se tomar sorvete durante as projeções. O espectador flagrado em delito era convidado, com aspereza, pelo lanterninha, a retirar-se do recinto. O rígido código das proibições previa a possibilidade de se barrar vexatoriamente o acesso do infrator a futuras sessões, pela extrema gravidade do delito praticado.

Como os frequentadores de cinema de hoje estão em condições de atestar, a mudança foi radical. Para melhor. O freguês está autorizado a levar pro escurinho do cinema pacotes descomunais de pipoca, adquiridos em balcões contíguos aos guichês onde se vendem os ingressos. Pode se empanturrar também com sorvete e chocolate, no andamento do filme, se isso for de seu especial agrado. Aos encarregados pela manutenção da ordem pouco se lhes dá, igualmente, nos dias de hoje, que casaizinhos enamorados repitam, com ardência que muitas vezes suplanta as cenas da tela, os efervescentes colóquios amorosos da trama projetada. Algo bem diferente daqueles tempos passados, onde beijo roubado ou consentido, detectado pelo zeloso lanterninha, era anotado no livro de ocorrências sobre atos desrespeitosos às posturas morais vigentes como um pecado mortal, sem remissão.

Voltando ao sorvete. Vez em quando saio por aí, louvado nalguma dica, à cata de um novo tipo de produto surgido na praça. Num desses feéricos e coloridos templos da vida moderna, de intermináveis e atrativas ofertas, chamados shoppings, onde todos exercitamos fervorosamente nossa insaciável devoção consumista, travo conhecimento com invenções de moda inusitadas, nesse particular. Na onda de babaquice que nos assola, o sorvete já não é mais só sabor. Vira também dissabor. Tudo por causa dos apelidos que resolveram aplicar-lhe em diferentes pontos de venda. Num deles sorvete é mac qualquer coisa. Noutro, é sorbete. Noutro ainda, gelato. Com preços variáveis entre R$ 2,50 a R$ 15,00 a bola, os produtos, forçoso reconhecer, são deliciosos. Difícil de digerir são os apelidos. Frescurice vocabular em alto grau. Melhor dizendo, tendo em vista do que se trata, no mais baixo grau de temperatura.



UMA TOCANTE HOMENAGEM FILIAL

No percurso de passamento do pai querido, olhar apaixonado da filha Maria Inês Chaves de Andrade, secretária da Amulmig.

08.11 - Data de falecimento

A história tem vida própria, eu sei. E soube disto no exato momento em que o entendimento em mim se sedimentou porque sou só erosão. Aprendera a ter fé. Pois, muito antes de saber do Pai soube de chamá-lo assim, porque criança sabe muito antes de mais nada e ninguém que Ele está ali. Então, de repente, o Pai chama o pai e o abrupto é a gente dizer para a criança interior da gente que eles, afinal, não são os mesmos. Logo para ela que aprendera que  Ele era imortal. Quem? Pai não morre nunca, ensinou-lhe o pai, é eterno. Sorte a minha, pensava a menina pensamento de criança, sem entender direito embora Direito fosse entender depois, porque quando ela cresceu e virou mulher, ele já era mesmo imortal e ela esqueceu de os distinguir.  Ser filha de Deus nunca foi fácil, como agora Ele quer que eu entenda, definitivamente, que ele não é Ele. Então, entendi que dói muito quando deus morre. Agora, tudo que aprendi com ele sobre Ele reverberou em mim, em tom grave, tão agudo seja o instante em que a fé purga de tanta convicção. Deus e meu deus se convergiram para que a integridade dialetizasse e imagem e semelhança perfizessem um ser humano ante quem me prostro reverente. Prof. Doutor Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo, a  história  tem vida própria, pai, a que o Pai diz que é seu epílogo aqui por agora e a gente nem sugeriu instante. Mas, é que esta criança interior que é minha, esta que levada nunca se deixa levada pelo que não quer, tem uma fé inarredável na divindade do ser humano porque passei toda uma vida, convivendo com a sua humanidade, pai, e continuarei acreditando em si na perpetuidade dessa sua essência tanta a pressinta recendente em toda sua família humana de Pai Nosso.  Muito obrigada, então, papai, por toda dádiva de tê-lo sempre presente. Dia do meu aniversário/2019.

9.11 - Primeiro dia seguinte aos seguintes dias sem primado

Enluto


Estar de luto...  A falta dele é substantivo que verbaliza demanda de mim, tão primeira pessoa seja nesta hora, não havendo ninguém que me acompanhe sofrida, mesmo que me aperceba doutros sofrimentos em meu entorno por conta dele também.

Eu luto e meu luto. Minha alma é breu e luz, possa vestir preto enquanto busque a Deus, adeus não tenha aprendido a dar sem Ele – vá com Deus, fique ainda, seja a única companhia possível porque toda solidariedade, de repente, é nada se tudo é ausência e só.
Por isso, solidão, tão sólida seja a partida, esfarelando-se a integridade da menina até então. Toda solidez foi desmoralizada ante a grandeza da lacuna dele que me precipitou ao solo. Sofrimento solo é isso. Experiência singular de precipício, escalavrada a alma, lavrada mesmo às escâncaras tão exposta às intempéries e destemperos fique.
Ela perdeu o pai e o Pai a acolhe para que a mulher chegue inteira para o enfrentamento da dor da menina. Inesinha de tanta fé está febril porque só nela reconhece o amálgama dos destinos na tessitura dos desígnios de Deus.


Possa escutar-me, ouço-me no limite de toda solidariedade que me disponha a acolher, receba todos os beijos, e abraços, e afetos que me deem. Mas o silêncio remanesce histérico e de braços abertos me crucifico em cada um como tenha sido em você. E só o Cristo em mim reconhece o propósito da história dos homens.

Meu sujeito na primeira pessoa que sou conjuga em mim sentimento e solidão e eu luto.
Ensimesma-se toda pessoa e sei que luto, também: minha mãe, luto; seus amigos, luto; todos os filhos, luto e seus irmãos com os meus, luto.
O imperativo se imputa imperador - impera a dor acima de tudo porque luto eu e a mim me impondo lutar tão inarredável seja o enlutar - o eu de cada um e o luto em si lutado.
Como estou, meu amado?!
Pois, em luto...

A SAGA LANDELL MOURA

Uma mulher rodeada de palavras

                             *Cesar Vanucci “Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “M...