sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Freud explica

Cesar Vanucci

“A homossexualidade não pode ser classificada como doença.”
(Sigmund Freud, num texto de 1935)

Este nosso minifúndio de papel - dia sim, dia não, ocupado por singelas ruminações e esfuziantes quimeras a respeito das coisas da vida - é hoje cedido a ninguém mais, ninguém menos do que Sigmund Freud. Isso ocorre por conta de incandescente polêmica nos domínios da assistência psicológica, derivada de recente decisão judicial.

Ao liberar profissionais da Psicologia para aplicarem “terapia de reversão sexual”, também conhecida pejorativamente por “processo de cura gay”, um magistrado do Distrito Federal desencadeou torrente de críticas resvalando questões de preconceito e direitos humanos, com repercussão até na ONU. A denominada “cura gay” é prática defendida por grupos religiosos fundamentalistas. Profissionais vinculados a tais correntes de pensamento postularam na Justiça o reconhecimento de “técnicas terapêuticas” que veem a homossexualidade como um “desvio da natureza”, um ato pecaminoso, demoníaco. A técnica contempla às vezes até exorcismo.

O Conselho Federal de Psicologia proíbe taxativamente o emprego daquilo que denomina de pseudoterapia. A “homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Nós a consideramos uma variante da função sexual”. Foi o que disse Freud em correspondência encaminhada a uma mãe que lhe pediu ajuda para o filho. Na mensagem, o “pai da psicanálise” anota que a terapia psicanalítica pode beneficiar alguém, mas não curá-lo, já que não se trata de uma doença. Sustenta ser “uma grande injustiça e crueldade perseguir a homossexualidade com se fosse um crime”. Tal postura é defendida pela Organização Mundial da Saúde, quando acentua que a sexualidade das pessoas pode abarcar variadas opções. “Não posso curá-lo porque você não está doente, nem fisicamente nem mentalmente: é o que se espera seja dito no consultório de psicologia a quem ali compareça em função de sua opção sexual”, acentua este organismo.

Na ONU, a sentença que liberou psicólogos para oferecer terapias de “reversão sexual”, foi apontada por Charles Radclif, chefe de “Igualdade e Não Discriminação do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos”, como um passo atrás. “É decepcionante ver o que aconteceu no Brasil. Trata-se de uma prática que a ONU condena”, afirmou, deplorando que alguns terapeutas, políticos e dirigentes religiosos continuem a explorar o emprego de certas terapias como se fossem “métodos de cura”, utilizando instrumentos de tortura, inclusive choques elétricos. O representante da ONU confessou-se “confiante de que, no longo prazo, vamos ver progresso. O Brasil não vai de uma hora pra outra sair de uma clara posição de liderança nessa temática para ir em outra direção.”

Já é tempo, a esta altura, de travar conhecimento com a integra do texto de Sigmund Freud, aludido no preâmbulo: 19 de abril de 1935. Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem. No entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis. Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”


Tratado de desarmamento nuclear

Cesar Vanucci

“As pessoas que falam em proscrever a bomba atômica estão enganadas: o que devia ser proscrito é a guerra.”
(Leslie Richard Groves, general americano, membro do “Projeto Mahattan”, que desenvolveu a primeira bomba atômica)


À hora em que se datilografa este texto, 42 países representados na ONU já apuseram assinaturas no “Tratado sobre a proibição de armas nucleares”. Para que possa entrar em vigor o documento carece ser referendado por, pelo menos, mais outros 8 países.

A proposta relativa à palpitante questão é de inspiração verde-amarela. Ponto para o Brasil. África do Sul, Áustria, México, Nigéria e Irlanda são os outros Estados que decidiram de pronto figurar, ao nosso lado, entre os signatários da medida. O texto final, elaborado há dois meses, proíbe os países membros da ONU desenvolverem, testar, produzir, adquirir, estocar armas nucleares, ou manter sob guarda qualquer outro dispositivo atômico com capacidade destrutiva.

Durante a 72ª Assembleia Geral da ONU, recém-realizada em Nova Iorque, ocorreu ato solene, presidido pelo Secretário Geral Antônio Guterres, para coleta de assinaturas do documento. A primeira assinatura foi a do presidente Michel Temer. Nos pronunciamentos feitos na ocasião foi lembrada e condenada a existência, espalhados por todos os continentes, de aproximadamente 15 mil artefatos atômicos. Ressaltou-se que essas armas apocalípticas colocam em risco permanente a paz mundial, ameaçando a própria sobrevivência do ser humano sobre a face deste planeta.

O distinto leitor está absolutamente certo ao imaginar que a Coréia do Norte, do “supremo líder” Kim Jong-un, não quer nem ouvir falar do tratado. Não está sozinha na enfurecida discordância. São muitos os estados membros da ONU que se recusam a admitir qualquer debate em torno do desarmamento nuclear. Eles, todos eles, são detentores de arsenais em condições de arrastar o mundo para o avassalador armagedom das profecias. Os Estados Unidos já declararam não ter intenção de assinar, ratificar ou jamais se tornar parte do acordo celebrado. Declaração recebida sem nenhum espanto.  O presidente Trump, personagem de gestos e linguagem destemperados, sente-se inteiramente à vontade no papel de clonar George Bush como “xerife mundial”. Indoutrodia, na tribuna da ONU, proferiu discurso considerado mundo afora de uma arrogância e agressividade incomuns. Sustentou, para estupefação geral, que os diálogos visando soluções multilaterais violam os interesses das nações.

O Reino Unido e a França, em comunicado conjunto, deixaram claro a disposição de fazer o mesmo. Da China e Rússia não se espera ajam diferentemente. E que ninguém se iluda, supondo não seja este também o posicionamento dos demais integrantes do “clube atômico”, Israel, Índia e Paquistão. A conferir, as posições da Alemanha, Canadá e do Japão, entre outros.

O Tratado alcançará, com certeza, o quórum exigido para promulgação pela ONU. Não deixa de traduzir, mesmo que apenas parcialmente, como bela e inalcançável utopia, anseio majoritário da sociedade humana. O que no sentimento mundial verdadeiramente se almeja, entretanto, é a proscrição, não apenas das armas nucleares, mas de todas as armas, de todas as guerras. As guerras, no dizer de Horácio, abominadas pelas mães.


Mas, nada de ilusões. O documento – fácil adivinhar – não passará de uma manifestação de razoável efeito moral, mas de duvidosa eficácia prática. A história acumula decisões e resoluções sem conta, no âmbito da ONU, solenemente desrespeitadas por muita gente. Os palestinos, proscritos em sua própria terra, na tormentosa expectativa, de várias décadas, da configuração definitiva de sua pátria, conhecem a fundo esse nó górdio difícil de ser desatado.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Umas, depois outras

Cesar Vanucci

“O lema agora é outro: rouba e faz nada.”
(De uma indignada dona de casa)

u Mais pior”. Como dizia aquela indignada dona de casa, papeando com amigas na banca de verduras da feira: - Corrupção sempre houve. Mas o corrupto de hoje é “muito mais pior” do que o de outros tempos. O lema antigo do pessoal era “rouba, mas faz”. O lema agora é outro: “rouba e faz nada.”

u Prefeito de Betim. Não nos pegam de surpresa as informações circulantes nos bastidores políticos de que o nome do prefeito de Betim, Vittorio Medioli, tem  frequentado a lista de prováveis disputantes ao governo de Minas. Segundo consta, impressionados com sua atuação como gestor, alguns próceres andam ensaiando a possibilidade de lançar campanha com base num inusitado “Fora Medioli”, com o objetivo - ao contrário de outros movimentos de título assemelhado - de convencê-lo a deixar o mandato conquistado em 2016, para lançar-se a voo mais alto na administração pública. Considero, a propósito, oportuno reproduzir aqui trecho de artigo estampado neste espaço em 1º de novembro passado: “Falando ainda das eleições em Minas. Embora o fato não tenha sido até aqui, ao que saibamos, objeto de análises mais aprofundadas, este escriba é de parecer que num município da região metropolitana, Betim, ocorreu, certeiramente, o lance mais emblemático do que se pode apontar como demonstração da ardente expectativa comunitária por transformações político-administrativas essenciais. A escolha para Prefeito de um cidadão com a dimensão humanística de Vittorio Medioli, baita empreendedor, soa como algo diferente no cenário. Deverá atrair para aquele município, a partir de janeiro, segundo nossa percepção, atenções especiais da opinião pública e meios políticos.”

u Especulação. Em Uberaba, onde um mundão de gente conhece a fundo as manhas, artimanhas e façanhas do parceiro de travessuras do aventureiro transnacional Joesley Batista, vem sendo objeto de especulação nas ruas a hipótese de que as ações de  “arapongagem” do tal Ricardo Saud não hajam se limitado apenas às impactantes gravações já vindas a público.

u Pergunta da Marildinha. Marildinha, já contei aqui, é uma garota levada da breca, moradora num aglomerado do São Benedito. Antena sempre ligada, vive fazendo perguntas embaraçosas a respeito de coisas de que ouve adulto falar. Indoutrodia, na aula de história, após uma explicação da professora sobre o processo do “impedimento presidencial”, deixou cair a seguinte indagação: “Então, a despreparada Dilma Rousseff foi afastada do cargo pelo Congresso devido à acusação de praticar “pedaladas fiscais”, isso mesmo? Me diz aí: “Dá para comparar pedaladas com essas constantes derrapadas de seu sucessor? Hein?”

u Euforia econômica. Marildinha ainda. Vendo na televisão comentaristas econômicos anunciarem, com certa euforia no semblante, os recordes sucessivamente quebrados pela Bolsa de Valores, o resultado superavitário das vendas e compras de produtos no mercado externo, a perspectiva oficial de aporte de somas significativas com os leilões de ativos pertencentes ao patrimônio da União e os índices estrondosos de crescimento, mais uma vez, da rede de bancos, a garotinha do São Benedito, esfregando as mãos, esperança desenhada na face, perguntou pro seu Quitito, dono do açougue da rua: - Quer dizer, então, que o papai, o titio e os meus dois irmãos vão ser agora readmitidos nos empregos?

u Grama tiririca. Num belo poema sertanejo, de autoria (se a memória não tá a fim de trair) do genial Catulo da Paixão Cearense (“spalla” violonista da Sinfônica poética brasileira), topamos com magistral definição de “sodade” (saudade). E não é que trocando a suave expressão por repugnante palavra do vocabulário político destes tempos, a gente consegue também descrever o mal que vem carregando de aflições a vida brasileira? “Corrupção é como a grama tiririca, / que a gente pode “arrancá”, / “virá” de raiz pro ar, / mas “quá!” / Um fiapo escondido no torrão / “faiz” a peste “vicejá”...

u Violação de direitos. Nada traduz melhor os abusos impunemente praticados pelos planos de saúde do que as elevações abruptas e contundentes das faturas mensais “motivadas” por alterações na faixa etária dos usuários. As extorsões procedidas, sob olhares cúmplices da agência reguladora governamental, chegam a alcançar, nos casos dos mais idosos – pasmo dos pasmos! - cem por cento. O Juizado de Pequenas Causas tem dado, com frequência, ganho de causa aos que se insurgem contra essa violação dos direitos humanos e do estatuto dos idosos. Na segunda instância, as decisões têm sido, também, invariavelmente, ratificadas. As sentenças acabam sendo conduzidas, à vista de recursos protelatórios impetrados pelas operadoras, ao exame da Corte judicial superior, que parece não dispor de tempo suficiente para apreciar questão tão relevante para a comunidade. Tamanha morosidade na tramitação dos processos levanta clamor popular mais que justificado.


Sinalização copiosa e preocupante

Cesar Vanucci

“... uma administração afastada do dia a dia do brasileiro comum.”
(Mônica de Bolle, do “Instituto Millenium”, referindo-se ao governo brasileiro)

Aqui entre nós. Em reta e lisa verdade, não há como não temer os atos praticados pelo governo Temer (o trocadilho saiu sem querer). Mesmo com a credibilidade e a popularidade ao rés do chão, sob um bombardeio de arrasadoras denúncias, envolvendo sua atuação e a dos principais integrantes de seu séquito político e administrativo, o vice tornado titular na Presidência depois do impedimento de Dilma Rousseff vem acumulando um alentado acervo de decisões nada inspiradas ou equivocadas (numa avaliação sumamente condescendente), em colisão frontal com o sentimento nacional.

A sinalização a respeito é copiosa. É preciso aprender o significado dos sinais. O poeta Robert Frost convida-nos a manter os aparelhos de percepção pessoal constantemente ligados para entender os alertas repetidas vezes emitidos por atos irrefletidos do ser humano.

No caso das atitudes assumidas pelo supremo mandatário da Nação, existe um mundão de situações a deplorar. Na retórica palaciana, a mudança governamental procedida iria fazer a economia melhorar a olhos vistos. Nada disso aconteceu. A economia continua patinando. O número de brasileiros desempregados alcançou a cifra himalaiana de 23 milhões. A volta dos investimentos, que seria instantânea nas róseas perspectivas acenadas, converteu-se em ruidoso malogro. No primeiro trimestre deste ano, em sua 12ª queda sucessiva, a taxa de investimentos caiu, “apenasmente”, 3,7%. Técnicos do insuspeito “Instituto Millenium”, de manifesta orientação neoliberalista, são de parecer que o governo brasileiro chafurda-se numa brutal crise fiscal, sem saber patavina como dela se libertar. A crise decorre de um esquema gerencial consideravelmente “distanciado do dia a dia do brasileiro comum”. As mesmas fontes asseveram que a administração brasileira neste preciso momento é constituída “pela elite da elite”.

O rombo projetado nas contas públicas só faz crescer a cada comunicado do Ministério da Fazenda. As projeções concernentes ao PIB, tanto a do exercício corrente, quanto a do período vindouro, não param de minguar. O buraco orçamentário é cada vez maior, pelo que se anuncia. Também vem sendo reiteradamente alardeado que escasseiam investimentos capazes de alavancar o crescimento econômico. O que vem sendo esquecido nos ditos oficiais é que este nosso país dispõe de potencialidades reconhecidamente incomparáveis para ampla gama de investimentos, que só não vêm sendo feitos no volume desejável pela simples razão de inexistirem confiabilidade, credibilidade, idoneidade, competência e criatividade na gestão dos negócios afetos ao alto comando gerencial do país. O que se está vendo são lideranças despreparadas, na contramão dos genuínos interesses brasileiros, desencadeando uma sequência espantosa de medidas sociais, econômicas, políticas e civicamente incompatíveis com as aspirações da sociedade.

Empenham-se em arrebanhar apoio parlamentar na base do “toma-lá-dá-cá”, na tentativa de blindarem-se contra as investidas da Procuradoria Geral da República. Desatinadamente, a toque de caixa, sem avaliações aprofundadas dos cruciais temas agendados, procuram enfiar goela abaixo, reformas que a opinião pública admite necessárias, mas que só têm chance de prosperar na base de um diálogo substancioso, clamorosamente sonegado.

Paralelamente a isso, numa mesma toada autocrática, avessas a qualquer modalidade de discussão positiva, deliberam, nas caladas, colocar em leilão que avilta os brios nacionalistas, ativos valiosos pertencentes ao patrimônio de riquezas do povo brasileiro. De repente, sem mais essa nem aquela, desconcertantemente, uma lista de empresas é colocada em hasta pública. Entre elas – ora, veja, pois! - a Casa da Moeda, a Eletrobrás, a Cemig. Vai por aí...


Como se tudo isso já não bastasse, elevando ainda mais o tom dos desvarios cometidos, as lideranças mencionadas resolveram também, não mais que de repente, promover leilão de um pedaço considerável da Amazônia, dando aviso prévio, em gesto inominável, a corporações estrangeiras interessadas nas riquezas da área. A reação da opinião pública, face ao decreto de descaracterização da Renca, foi de tal envergadura que forçou os autores da descabida medida a saírem a público para explicações, sem obviamente convencer ninguém, num novo exercício de contorcionismo retórico que reclama, naturalmente, nos mantenhamos vigilantes e atentos para que o atentado previsto não venha a se consumar mais na frente.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Deu a louca no mundo

Cesar Vanucci

“Basta um maluco para apertar o botão. Temos dois.”
(Nick Cohem, no “The Observer”)

O Iémen está localizado nos confins do mundo, num lugar em que Judas perdeu as botas. Açoitado por guerra civil que já dura três anos, alvo de uma intervenção militar estrangeira capitaneada pela Arábia Saudita, vê-se agora as voltas com apavorante crise humanitária provocada pela disseminação do cólera. Segundo denúncia da organização “Médicos Sem Fronteiras”, ganhadora recentemente de um “Nobel da Paz”, 9 mil pessoas estão sendo alvejadas a cada dia pelo insidioso mal. Os recursos canalizados pela comunidade internacional para socorro da população, calculada em 10 milhões, ou são considerados insuficientes para prover as necessidades, ou deixam de chegar aos postos de atendimento por causa dos conflitos em andamento. As consequências funestas de tudo isso estão traduzidas nas milhares de covas abertas, todos os dias, para acolher as inocentes vítimas do flagelo. Não se sabe até aqui de nenhum comunicado emitido por qualquer organização terrorista, conhecida ou por conhecer, assumindo responsabilidade por esse atentado hediondo contra a dignidade humana.

Em “The Observer”, o jornalista Nick Cohem assinala: “Basta um maluco para apertar o botão. Nós temos dois.” Não pode ser descartada assim, sem mais nem menos, confundida como mero ato paranoico, a partir dessa constatação, eventual previsão apocalíptica que venha a brotar das cumulativas aprontações procedidas pelos dois cidadãos supra apontados, os mais “graduados” de um apreciável contingente de malucos. O coreano Kim Jong-un e o americano Donald Trump, com suas reiteradas e arriscadas bravatices e (só de pensar, dá um calafrio gélido na espinha de qualquer mortal) seu acesso desembaraçado aos botões dos códigos nucleares, especializaram-se em espalhar sobressalto e apreensão à mancheia. A cada fala raivosa trazida a publico, vou te contar... Ambos andam flertando perigosamente a possibilidade de uma escaramuça bélica pra valer. Um conflito capaz de conduzir este maltratado planeta a uma inimaginável tragédia. Talvez definitiva.

Explique aí quem puder. O sinistro “Califado do terror”, baseado em áreas sírias, iraquianas e líbias com ramificações noutros países do Levante e da África, está sitiado por terra, mar e ar por forças militares poderosas, que têm ao dispor equipamentos bélicos sofisticadíssimos. Mas não dá provas de esmorecimento no propósito de espalhar o pavor e a selvageria. Essas circunstâncias todas somadas atordoam experimentados observadores. Difícil pacas entender essa tremenda confusão das arábias. Como interpretar o fato de não surgirem sinais de enfraquecimento na capacidade guerreira dessas coléricas falanges que deturpam a mensagem filosófica islâmica para “justificar” tenebrosas investidas contra a dignidade da vida? Afinal de contas, quem financia esses doidos ensandecidos? Como fazem eles para renovar seus arsenais? Por que meios chegam ás suas mãos os equipamentos utilizados nas batalhas?  Fica claro que se trata de material bélico produzido por uma indústria armamentista de alta tecnologia, a qual, evidentemente, não mantém complexos produtivos nas regiões sob o controle do Califado. Partindo da alucinada suposição de que os terroristas adquiram o material essencial a sua tresloucada aventura militar longe de seus domínios, como é que as encomendas chegam até eles? De onde sai a “nota preta” para a quitação das compras? Mais: de qual sistema bancário se valem os dirigentes do EI para fazer as operações financeiras que lhes permitam honrar os compromissos contraídos com os vendedores? Tem mais: de onde chega o combustível para acionar os tanques, carros de combate e outros veículos? Escuta aqui, não vale responder que o combustível estaria sendo obtido em refinarias que possam, eventualmente, continuar operando nas regiões ocupadas. Na hipótese de que a presumível fonte de suprimento de óleo esteja em tais refinarias, ainda restaria, à espera de resposta, implacável pergunta: o que impediria aviões, porta-aviões, drones dos exércitos sitiantes de paralisarem para valer as atividades dessas unidades processadoras de combustível? Hein? Não tem como fugir. Há coisas por demais obscuras e inextricáveis sobrepairando no ar nessa história da guerra promovida pelo e contra o terrorismo.

     
Farinha do mesmo saco

Cesar Vanucci

“As tribos fanáticas, em todas as áreas de atividade humana,
abominam as diversidades, a democracia e o ecumenismo.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Jogo rápido. Anote aí, pra responder em segundos: qual é mesmo a diferença entre um radical de direita, um radical de esquerda, um radical que ostente qualquer outro tipo de rótulo? Se você cravou “x” na alternativa que admite a inexistência de qualquer diferença, congratulações. Você acertou em cheio. Se, na sequência lhe indagarem qual a essência da doutrina de cada um e você responder que a do primeiro é “pregar o ódio pelo ódio” e a dos demais é o “inverso”, ou seja, “pregar o ódio pelo ódio”, parabéns outra vez. Você estará novamente, absolutamente certo.

Acontece que, no fundo, os radicalismos de quaisquer matizes são na origem, crença, filosofia, sentimento e objetivos perfeitamente idênticos. Não importa a diversidade de cultura, cor, raça, credo, ideologia, latitude, posicionamento na cena política. As diferenças são mera aparência. Tudo farinha do mesmo saco. Os invólucros recobrem conteúdo rigorosamente o mesmo.

Acessemos na memória a lembrança dos semblantes mostrados em fotos e filmes de alguns extremistas comprometidos com ações incendiárias. Os líderes da Al Qaeda e do Califado do Terror; os dirigentes do Boko Haran e da Ku Klux Klan; o supremacista branco que explodiu o edifício público em Oklahoma; os pilotos sauditas que lançaram os aviões contra as Torres Gêmeas; o autor do atentado contra o Papa João Paulo II; os caras que espalharam gás no metrô de Tóquio e os que metralharam jornalistas da revista satírica francesa; os indivíduos que decapitam, lançam bombas, esfaqueiam, arremetem veículos em alta velocidade nas ruas congestionadas, ceifando vidas inocentes; os genocidas dos Balcãs e de outras paragens onde o ódio campeia como porta-voz de interpretações doentias das regras da vida. Todos os envolvidos nesses atentados se parecem extraordinariamente. Independentemente da estatura, peso, idade, grau de instrução. São “poligêmeos” no jeito insano de encarar a vida e de confrontar belicosamente os semelhantes. Na ira ensandecida com que se referem aos seus feitos. No esgar sinistro que se lhes percorre o rosto, uma espécie de tatuagem sem fixação da marca, a exprimir o desejo de serem identificados como mocinhos justiceiros a serviço de uma vontade transcendente, sobreposta às regras humanas. Não poucos, entre os radicais, costumam dizer que cumprem missão divina. Procedem tal qual os pistoleiros de aluguel que jogam pra cima de Deus a culpa pelas mortes provocadas, atribuindo-se responsabilidade apenas pelos furos das balas. Os exemplos de violências contra os valores humanísticos que conferem dignidade à vida se acumulam também no capítulo execrável da reação colérica, volta e meia registrada, aqui, ali e acolá, às salutares práticas do ecumenismo e ideal democrático.

Em nome de Alá, com fúria capaz de fazer bramir de júbilo no túmulo os despojos de Torquemada, fanáticos ordenaram a perseguição a um poeta, acusando-o de blasfemar sobre temas sagrados. De nada valeu a retratação. Os extremistas continuam até hoje a persegui-lo pelos esconderijos da vida em que a Scotland Yard o enfurnou. No Alabama, radical religioso considera razoável linchamento de negro insubmisso. Organizações racistas procedem como se lhes tivesse sido passada procuração em cartório assinada embaixo Deus, com firma devidamente reconhecida, para executar estripulias em seu santo nome. E por aí vai...

O radicalismo é um vírus. Acompanha o homem há um bocado de tempo. Causa devastações nos organismos sociais. É responsável por diásporas, guetos, xenofobismos mórbidos, campos de concentração, extermínios em massa. Agasalha ressentidos, portadores de cargas de angustias pessoais em ponto de implosão, coagindo-os a falsos dilemas entre propostas extremadas, falsamente distanciadas em seus nefandos objetivos. Produz fanáticos e terroristas pra todo gosto. Estimula o surgimento de carreiristas políticos e religiosos empenhados em dar eco a idiossincrasias e manifestações hidrófobas que insultam a consciência humana.

É saudável perceber a existência de um vigoroso sentimento de repulsa coletiva mundial aos radicalismos, por mais poderosos que eles demonstrem ser. Na verdade, a maioria das pessoas abriga no coração a certeza de que é no exercício democrático e ecumênico que residem as fórmulas verdadeiras de promoção humana. Não nas lateralidades ideológicas incendiárias.



 Em defesa da soberania nacional

Nair Costa Muls*

Nada mais significativo do que a coincidência entre a inauguração do Auditório José Alencar Gomes da Silva, na Assembleia Legislativa do Estado, e o lançamento da Frente Parlamentar pela Soberania Nacional. José Alencar foi um grande empresário mineiro, que sabia defender com ardor os interesses de Minas Gerais e do Brasil. Presidente da Fiemg, vice-presidente da CNI, senador, fez da carreira política um espaço maior para o exercício de um de seus principais traços: a capacidade de articulação e a busca do consenso através do diálogo. Vice-presidente do governo Lula, desempenhou um papel importante na articulação entre o segmento empresarial e os trabalhadores. Assim, essa coincidência traz bons fluidos para o sucesso da defesa da soberania do País.

Pois, diante do desalento que se sente face à gravidade da crise política vivida pelo País, não deixa de ser uma esperança a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional. É importante frisar que o documento foi assinado por mais de 201 deputados e 18 senadores de vários partidos, o que supõe um grau bastante significativo de unanimidade face ao desastroso governo Temer. E não custa lembrar que “a soberania é o direito inalienável e a capacidade da sociedade brasileira de se organizar de acordo com sua história e características sociais para promover o desenvolvimento de todo o seu povo, de forma justa, próspera, democrática e fraterna “(item 3 do Manifesto pela Soberania Nacional).

Segundo o deputado Patrus Ananias, secretário-geral da Frente, o caráter pedagógico do movimento é um de seus principais pilares e, por isso mesmo, a proposta da Frente será discutida em todas as regiões do País com os diferentes segmentos do povo brasileiro, juventude, movimentos sociais, Igrejas, Câmaras Municipais, universidades, movimentos sindicais entre outros, com o objetivo de responder a uma pergunta básica: que Brasil queremos? Assim, quem sabe teremos algo a comemorar em 2022, aos 200 anos de nossa Independência?…

De qualquer forma, não se pode calar diante do desmonte do País: direitos e conquistas sociais, educação, ciência e pesquisa, saúde, recursos naturais, hidrelétricas, Petrobras, Eletrobras, Base de Alcântara e outras estatais, pré-sal, satélites de baixa altitude para o controle da comunicação interna, a maior reserva ecológica do mundo, a Amazônia, tudo está sendo vendido na bacia das almas para o capital estrangeiro, sob pressão do capital financeiro internacional, dominado pelos princípios do neoliberalismo, como ressaltaram os deputados Patrus Ananias e Celso Pansera, secretário-executivo e membro do colegiado executivo, respectivamente.

O senador Requião (PMDB-PR) foi claro na apresentação dos objetivos da Frente: compromisso com a defesa da soberania nacional, com o nacionalismo e com o desenvolvimento socioeconômico do País. Presidente da Frente, Requião apontou com clareza os interesses do capital financeiro internacional (“... a maior ameaça à soberania brasileira”), que tem conseguido dominar, através do financiamento privado, as forças políticas também na Europa? destruindo o Estado do bem-estar social,  transferindo o poder econômico para os bancos centrais, enfraquecendo os partidos e lá também promovendo a precarização do trabalho e a desqualificação do papel dos sindicatos.

No caso brasileiro, lembra o senador, Temer é apenas uma figura considerada como capaz de levar à frente o projeto de interesse do capital financeiro. Segundo Requião, o documento “A Ponte para o Futuro”, documento defendido pelo PMDB, nada mais é do que uma repetição do programa Thatcher, que, é bom lembrar, acabou com a tranquilidade europeia. De autoria do economista Marcos Lisboa, segue a linha do Consenso de Washington (desregulação, privatização, terceirização, competição e ou entrada do capital privado nos serviços públicos (saúde, educação, planos de saúde, por exemplo), ou seja, como querem os grandes, o Brasil deve ser o celeiro do mundo, o grande fornecedor de produtos agrícolas e recursos minerais a baixos preços; deve abrir ao capital internacional as terras brasileiras e os recursos naturais brasileiros, as estatais (Eletrobras, Petrobras, Casa da Moeda). Ademais, busca uma tecnologia avançada, que faz parte do modelo, mas leva ao desemprego. E não se pode aplicar no Brasil o modelo chinês de trabalho semiescravo, lembra Requião, pois aqui as conquistas sociais já vividas não permitirão tamanho retrocesso.

Lembra ainda que os Estados Unidos se recuperaram da crise de 1929, através do New Deal, de Roosevelt, que reconhecia o papel do Estado ? que gradualmente tomou as feições do estado do bem-estar social?  na recuperação da economia norte-americana, preservando a liberdade e as conquistas sociais e possibilitando a qualificação do trabalhador/especialização, a rentabilidade das empresas, a redução da carga horária do trabalhador e o aumento do salário; e, consequentemente, maior produção, preços melhores, maior demanda e melhores resultados também para o capital. Ao mesmo tempo, ao lado do aumento dos impostos pagos pelos mais ricos, o desenvolvimento dos serviços públicos, o pleno emprego e combate à fome foram conquistas importantes. O governo Temer faz justamente o contrário, ressalta Requião: a política de juros altos encarece o crédito e afeta a demanda; a precarização do trabalho impede o consumo; a mercantilização ou privatização dos serviços públicos (energia, água, ferrovias, saúde, educação, estradas e prisões.. e até mesmo bancos) destrói as bases da soberania do País. E mais: o sistema financeiro não só tem lucros exorbitantes, como tem amplo controle das políticas do Estado.

Segundo a Frente, há que se frear essa loucura entreguista, que só alcançará como resultado a derrocada da saúde e da educação públicas, o aumento da pobreza, a devastação do meio ambiente, além da privatização generalizada e perda da soberania nacional. E tudo isso, como consequência da ação de um governo que tem apenas 6% de aprovação junto à população, e, portanto, cuja autoridade e legitimidade são questionadas pelos outros 94% dos brasileiros. O liberalismo falhou na Europa e o Brasil caminha para o mesmo fracasso, afirma Requião.

O senador se apoia ainda no Papa Francisco quando este diz que não se pode servir a dois senhores: Deus e Manon  (E é bom lembrar que Manon não significa diabo; significa, pura e simplesmente, dinheiro). O capital pode ser positivo, ajunta, quando gera empregos, se submete? e é controlado? aos interesses e objetivos nacionais, possibilita a inovação da tecnologia, sem, no entanto, causar desemprego; quando investe no crescimento da indústria para o bem-estar e maior conforto das pessoas e quando paga um salário justo.

A renúncia a certos direitos invioláveis, tais como o direito de organizar seu Estado e sua sociedade de forma a promover o desenvolvimento, é inadmissível, diz Requião, lembrando a missão do Congresso Nacional e o seu dever de garantir a soberania, o desenvolvimento e a independência nacional.

Os eixos principais da ação proposta da Frente Parlamentar, segundo o seu manifesto são a defesa da exploração eficiente dos recursos naturais, entre eles o petróleo, para a promoção do desenvolvimento; da construção de uma infraestrutura capaz de promover o desenvolvimento; da contribuição da agricultura para a alimentação do povo e as exportações;  do capital produtivo nacional e de um sistema de crédito que tenha como objetivo seu fortalecimento; do emprego e do salário do trabalhador brasileiro; de um sistema tributário mais justo; de Forças Armadas capazes de defender nossa soberania; de uma política externa independente.

Confiando na força e na importância dessa Frente Parlamentar Mista pela Defesa da Soberania Nacional, auguramos o maior sucesso possível na sua discussão com a população brasileira e com os diferentes setores da sociedade organizada, de modo a se chegar a um referendum, que possa, inclusive, sustar as privatizações em curso e retomar o projeto do Brasil que queremos.

* Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Ato solerte e impatriótico

Cesar Vanucci

“Uma vergonha esse leilão da Amazônia.”
(Gisele Bundchen, abrindo o coro de vozes contra  o decreto que descaracteriza importante reserva estratégica )

Aqui dentro, muita perplexidade e indignação. No estrangeiro, naqueles redutos freneticamente engajados na conspiração contra a soberania brasileira no que concerne ao dadivoso território da Amazônia, feérica exultação.

O decreto do governo brasileiro extinguindo a Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), com o alegado objetivo de atrair “novos investimentos” para o setor de mineração, pegou de surpresa apenas os brasileiros. Lá fora, de posse já há meses de “informações altamente privilegiadas”, transmitidas – por mais inacreditável que isso possa soar – por fontes governamentais, grandes corporações internacionais vinculadas ao setor do minério, babando de contentamento, já estavam carecas de saber da solerte e impatriótica manobra...

Do que andaram certeiramente cuidando, nesse espaço de tempo previamente prodigalizado, foi das competentes “articulações negociais” com quem de direito, mode quê poderem se habilitar à exploração das colossais jazidas da reserva amazônica, atendendo naturalmente a  conveniências que, como de costume, passarão ao largo dos interesses nacionais em sua plenitude.

Bastante compreensível, à vista da zorra praticada, as vigorosas reações de protesto e inconformismo ouvidas Brasil afora com alusão à medida adotada. Como já se tornou praxe no governo Temer - o mais desacreditado e impopular da história republicana -, deliberações vitais para o país vêm sendo tomadas sem as cautelas  indispensáveis dos diálogos e debates frutíferos com aqueles segmentos da sociedade afeiçoados técnica, politica, econômica e socialmente com as palpitantes questões em foco. É simplesmente inacreditável imaginar que um assunto como esse da Renca - implicando na descaracterização de uma reserva estratégica numa região que é alvo permanente da cobiça estrangeira, abrangendo fatia territorial repleta de riquezas pertencentes ao patrimônio nacional de tamanho equivalente ao Espírito Santo, maior ainda do que a Dinamarca inteira – esteja sendo tratado de forma tão irresponsável, com flagrante desrespeito ao sentimento nacional!

A área afetada é riquíssima em ouro e outros minérios de importância crucial no projeto de crescimento econômico e social de nosso país. Estendendo-se por quase 4 milhões de hectares, abriga verdadeiros tesouros ecológicos, representando um ponto de referência fundamental no processo de proteção ambiental. Qualquer providência concernente à implantação de atividades exploratórias nesse pedaço de chão há que ser subordinada a preceitos rigorosamente compatibilizados com estratégias políticas e militares exclusivamente brasileiras. Um decreto como esse, tirado suspeitosamente, sem mais nem menos, de repente, da cartola, sem o precedente de estudos amplos, gerais e irrestritos por parte de especialistas comprometidos com as genuínas causas de construção do progresso brasileiro, não pode deixar de ser rechaçado pela consciência cívica. Encontra plena justificativa, portanto, a indignação que vem suscitando, a partir das manifestações de figuras de projeção no mundo artístico com histórico de engajamento em causas ecológicas. A modelo Gisele Bundchen foi muito inspirada quando classificou o decreto de “vergonha”, um passo dado na direção de leiloar a Amazônia. A cantora Ivete Sangalo também falou por todos nós, ao lançar o desabafo de que “chega uma hora que a gente não aguenta e dá aquele grito”. O seu brado de protesto foi ouvido com a mesma simpatia das manifestações de Cauã Raymond, Luciano Huck e outros mais, que reconheceram na decisão governamental “uma ameaça de retrocesso”, “uma brincadeira imperdoável com o patrimônio do povo brasileiro”.

Fala-se agora que, no Congresso Nacional alguns parlamentares cogitam fixar urgência e prioridade para discussão do caso. Seria extremamente desejável que eles conseguissem vislumbrar aí oportunidade de ouro para que o Legislativo, forçando o governo Temer a revogar o malsinado decreto, se recomponha, nesta hora, com o sentimento popular. Faça prevalecer, usando de suas prerrogativas, aquilo que o bom senso e o civismo apontam como o caminho a ser trilhado na nevrálgica e candente questão da Renca.


O cotidiano político 
em notas ligeiras

Cesar Vanucci

“Governabilidade é o nome que se dá à compra 
de  apoio parlamentar para aprovar a agenda de um governo.”
(Jornalista Nirlando Beirão, numa definição 
bem humorada sobre o momento político)

“A Lava Jato é imparável.” Foi o que asseverou a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, durante o fórum “Mitos e fatos – Justiça brasileira”, realizado em São Paulo. Mesmo levando em conta a credibilidade e o respeito que a Ministra desfruta perante a opinião pública, por ser exatamente quem é, não há como resistir à tentação de fazer uma pergunta, depois de ouvir sua declaração. A indagação irrompe naturalmente do aturdimento causado pelas escancaradas articulações (noturnas e diurnas) procedidas com o fito de desativar saneadora operação, envolvendo cidadãos graduados, até nos trasanteontens do tempo, considerados acima de qualquer suspeita: - A senhora jura, Ministra?

Com toda aquela panca estilosa, lembrando empertigado mordomo britânico ( personagem estandardizado em filmes), com que se apresenta diante das câmeras para pronunciamentos, o presidente Michel Temer garantiu, em exposição feita para plateia de banqueiros, que “o governo fez em 17 meses o que não foi feito em 20 anos.” Se vivo estivesse, o irreverente Stanislaw Ponte Preta certeiramente não titubearia, fração de segundo sequer, em incluir a jactância presidencial no famoso “Febeapa” (Festival de Besteiras que Assola o País).

As gafes geográficas cometidas no exercício de mandatos presidenciais constituem iguarias saboreadas pelo jornalismo. Isso vale tanto para detentores do poder estrangeiros, quanto para dirigentes tupiniquins. Quando visitou o Brasil, Ronald Reagan registrou, na descida do avião, o imensurável prazer que dele se apoderou ao pisar pela primeira vez o solo da Bolívia. O despropósito desovado levou criativa agência de publicidade, ato incontinente, a “homenageá-lo” com calorosa mensagem de boas vindas ao “Primeiro Ministro do Canadá”. Donald Trump é outro que vive aprontando confusões indicativas de seu desconhecimento da geografia, pra não dizer naturalmente de sua enciclopédica ignorância a respeito de tudo. Já aqui no Brasil o noticiário se divertiu à pamparra com as constantes “claudicadas” de Lula e Dilma. A vez agora é de Temer. Aqui estão situações, todas recentes, protagonizadas pelo dito cujo. Ao brindar, num ágape no Itamaraty, o chefe de estado paraguaio, Horácio Cartes, nosso dirigente supremo referiu-se a Portugal ao designar o país do visitante. Na Noruega, Temer anotou satisfação em estar na Suécia. Na Rússia, chamou o país de “República Socialista Federativa Soviética”, denominação abolida desde a glasnost e a perestroika em 1991. Repetiu a dose, ao comentar encontros mantidos com empresários russos, rotulados em sua fala como “empresários soviéticos”.

O talentoso jornalista mineiro Nirlando Beirão, herdeiro do nome de seu ilustre pai, empresário que marcou época como dirigente classista, define de forma bem humorada o que vem a ser “governabilidade” no conceito de manjados representantes da fauna politiqueira: “É o nome que se dá à compra de apoio parlamentar para aprovar agenda de governo. Claro que, quando o fazemos, preferimos usar um eufemismo. Dizemos: articular coligações em torno de um projeto patriótico. Você conseguiu? Parabéns, você é um governante de aguda sensibilidade, negociador de fino trato. Seu adversário fez o mesmo? Denuncie a falta de escrúpulos, a atroz barganha de princípios por conveniências, da honradez pela ambição. Já se o seu adversário de recusou a entrar no mercado de congressistas de aluguel, acuse-o de ser politicamente incompetente, incapaz de assegurar a governabilidade.”


Participando de um evento em São Paulo, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da operação Lava Jato, afirmou: “Tenho para mim que encontros fora da agenda não são ideais para nenhuma situação de um funcionário público. Nós mesmos, no dia da votação do impeachment (Dilma Rousseff), fomos convidados a comparecer ao Palácio do Jaburu à noite e nos recusamos.” Não há como deixar de associar tão sensata observação às notícias concernentes a visitas não devidamente agendadas, ao Jaburu, nas caladas da noite, por agentes públicos influentes, como nos casos do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo, e da futura Procuradora Geral, Raquel Dodge.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Mexeram com os 
brios dos mineiros

Cesar Vanucci

“Estamos unidos no propósito de defender o patrimônio de Minas Gerais.”
(Trecho da Carta aberta em defesa das usinas da Cemig, subscrita pelas lideranças mineiras)

Minas Gerais dá nesta hora uma soberba demonstração de unidade de pensamento em torno de uma magna questão ligada a respeitáveis interesses econômicos e sociais comunitários. O pacto celebrado por suas lideranças políticas e representativas dos segmentos produtivos, com o propósito de defender o patrimônio de conquistas construído pela Cemig ao longo de sua trajetória de 65 anos de fecundas realizações, exalta nossos foros de cidadania. Exprime espírito de civilidade e sensibilidade política, ao enunciar que desavenças partidárias estão sendo momentaneamente deixadas de lado em prol de uma conjugação de vontades poderosa. Uma junção de esforços que fornece condições propícias para enfrentamento, com altivez e vigor, dos graves problemas gerados pela intransigência e incompetência do Governo central, outra vez mais flagrado em notórias dificuldades de entendimento quanto à forma correta de conduzir os negócios nacionais no rumo do progresso e do desenvolvimento.

A “Carta aberta em defesa das usinas da Cemig”, traduzindo clamor geral da sociedade mineira, representada pelo Governo do Estado, Prefeituras de 500 municípios, bancadas parlamentares da Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados e Senado da República, associações, sindicatos, entidades de classe e movimentos sociais, denuncia que a Cemig corre o risco de perder algumas de suas maiores usinas. Recusando-se a pagar essa conta, é sublinhado, os mineiros opõem-se com veemência a que isso venha a acontecer.

No documento citado clama-se do Governo Federal que respeite os contratos assinados e busque um acordo para renovação das concessões. De forma didática são alinhados os itens que embasam a justa pretensão da sociedade mineira. Vale a pena insistir na propagação desses argumentos. Minas não pode aceitar que sua vitoriosa estatal energética seja desfalcada das usinas de Jaguara, São Simão e Miranda por um bocado de razões. Ei-las: 1) Quem pagará a conta, afinal, seremos nós, consumidores: 2) O valor da conta de energia sofrerá reajustes, pesando em nosso bolso e afetando a vida de milhares de famílias; 3) A Cemig, hoje a maior geradora de energia do país, perderá aproximadamente 50% de sua capacidade de geração; 4) Isso resultará em drástica redução de investimentos, tanto em relação à empresa quanto ao Estado; 5) Tudo isso poderá prejudicar a qualidade no fornecimento de energia e também afetará a geração de emprego e renda em Minas Gerais; 6) O patrimônio da Cemig foi construído com o nosso trabalho, com o nosso suor, o trabalho e o suor dos mineiros; 7) Não é justo que um patrimônio de todos os mineiros seja usado para pagar uma conta que não é nossa.

A conta de que se fala é a dos desequilíbrios de caixa da União, provocados, como sabido até nos reinos mineral e vegetal, por incapacidade gerencial e por outros fatores revoltantes. Fatores esses indicativos de ações produzidas por administrações impopulares, desacreditadas e consideravelmente distanciadas do dia a dia do brasileiro comum. E, pela mesma forma, desvinculadas das aspirações sociais generosas que brotam do sentimento das ruas.

Na expectativa de que o bom senso e a justiça acabem prevalecendo, nalgum instante, nas tratativas em andamento, o País das Gerais deixa claramente estampada a disposição de levar às derradeiras consequências, nas instâncias próprias, seu inconformismo com o tratamento que se lhe está sendo dispensado.

Como já foi dito, mexer com a Cemig é mexer com os brios dos mineiros.

Debaixo do Amazonas 
tem outro rio

Cesar Vanucci

“Você sabe que há um rio que corre debaixo do Amazonas? Não é um aquífero.”
(Alice Spindola, escritora, poeta, acadêmica)

Quem me chamou a atenção para o intrigante assunto foi a respeitada escritora Alice Spindola. Comentando, com lisonjeiras referências, a série de artigos que vem sendo estampada neste acolhedor espaço sobre a momentosa questão da cobiça estrangeira pelas riquezas armazenadas no dadivoso solo e subsolo da brasileiríssima Amazônia, ela colocou a seguinte indagação: “Você sabe que há um rio que corre debaixo do Amazonas?” Aditou sugestiva informação: “Não é um aquífero. Este rio desagua no Atlântico”.

Nos papos que travamos posteriormente a respeito, a acadêmica Alice Spindola, que se confessa amante dos rios, estudiosa das águas do mundo, sendo ainda autora de uma sequência de livros sobre rios do mundo, retratados em prosa sugestiva e versos inspirados, ofereceu-me abundante material informativo acerca de um grande rio que corre debaixo do rio Amazonas a uma profundidade de 4 mil metros. Sobre minha culta interlocutora faço questão de também registrar tratar-se de alguém celebrado como figura de realçante presença no círculo dos poetas ibero-americanos.

Antes de brindar meu atento leitorado com as informações colhidas no enriquecedor diálogo, anoto para conhecimento do mesmo os títulos de alguns dos livros da alentada obra de Spindola: “Araguaia – Rio&Alma de Goiás”; “Loire - poema fluvial da França”; “Vou pelo rio Tornes”; “Bajo el Zumo del Tempio”, que também fala sobre o rio Tornes. Seja acrescida a informação de que a escritora conserva inéditos, para lançamento adiante, livros sobre os rios Amazonas, Araguari e Napo. Este último, rio formador do Amazonas. Cabe anotar também que em seu trabalho intelectual, viajando muito e promovendo acuradas pesquisas, a escritora estabeleceu substanciosos contatos com ribeirinhos, mode que coletar dados específicos sobre os fluxos fluviais focalizados.

Falemos agora do rio desconhecido de quase todo mundo. Não se trata de um rio subterrâneo, que corra por enorme túnel nas profundezas da terra. Em sua caminhada na direção do Atlântico, conforme afiançam os geólogos responsáveis pela fascinante descoberta, ele se infiltra nas rochas sedimentares. Foi localizado a partir de análises de dados geológicos referentes a poços de grande profundidade abertos pela Petrobras nas décadas de 1970 e 1980. Em vez do petróleo procurado, os geofísicos acabaram topando com um descomunal rio subterrâneo. O maior do mundo. Vejam só, o maior do mundo em suas características, circulando justamente debaixo do maior rio visível do mundo, o nosso portentoso Amazonas.

A equipe do Observatório Nacional engajada na pesquisa resolveu batizar de rio Hamza a caudal subterrânea localizada. A denominação homenageou o geofísico e hidrogeólogo indiano Valiya Mannathal Hamza, que assessorado pela geóloga brasileira Elizabeth Pimentel coordenou o grupo.

O trabalho identificou um volumoso movimento de águas subterrâneas em profundidades de até 4 quilômetros sob as bacias sedimentares dos rios Acre, Solimões, Amazonas, Marajó e Barreirinhas. Mas o rio subterrâneo poderá se estender ainda por outras áreas, de vez que os poços profundos perfurados pela Petrobras cobrem apenas parte da descomunal região amazônica. O rio subterrâneo corre do oeste para o leste a partir da região do Acre. Passa pelas bacias dos demais rios citados despejando-se no oceano nas adjacências da foz do Amazonas.

Os dados geofísicos levantados apontam um diferencial grande no sistema de vazão dos rios superpostos. A vazão média do Amazonas é estimada em cerca de 133 mil metros cúbicos por segundo. Já a vazão do Hamza é estimada em 3.090 metros por segundo. Embora pareça pouco em relação ao Amazonas, esse volume de água revela-se superior – cabe consignar, à guisa de comparação – à vazão média do nosso rio São Francisco.

As conclusões da pesquisa produziram forte impacto nos meios científicos, dando margem a alguns questionamentos por parte de outros geólogos. A controvérsia aberta sugere a retomada do assunto em artigo vindouro.


De volta ao rio 
embaixo do Amazonas

Cesar Vanucci

“A vazão do Hamza é superior às vazões do São Francisco e Tietê.”
(Afirmação dos geólogos responsáveis pela descoberta do rio subterrâneo)

O anúncio acerca da existência do rio subterrâneo embaixo do rio Amazonas, descoberto numa pesquisa promovida por equipe de geólogos do Observatório Nacional em 2011, assunto focado no comentário anterior, desencadeou naquela  ocasião acesa controvérsia. Pouco depois da comunicação oficial a respeito, transmitida no 12º Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, alguns técnicos da Federação Brasileira de Geólogos trouxeram a público observações críticas ao trabalho apresentado. Sustentando a impropriedade do emprego da expressão “rio” para classificar o fluxo de água descrito, o referido grupo acentuou que a pesquisa como um todo não é absurda, mas que as conclusões oferecidas seriam de algum modo precipitadas.

Na contraposição às alegações contidas no trabalho dos geólogos Valiya Hamza, Elizabeth Pimentel e demais componentes da equipe do Observatório Nacional, os críticos afirmaram que chamar de rio o fluxo de água indicado é o mesmo que dizer “que uma caneta em forma de lápis é um lápis e não uma caneta”, o que lesionaria “conceitos arraigados nas geociências”. O fluxo de água subterrâneo detectado, segundo ainda os contestadores, é lento. Sua velocidade mostra-se  infinitamente menor que a do rio Amazonas.

Mas, isso - redarguiram enfaticamente os autores da descoberta – não constituiria motivo para não chamar de “rio” a caudal apontada na pesquisa. “Não existe definição na ciência para a velocidade máxima ou mínima de um rio”, na maneira de ver do geólogo Valiya Hamza. Acrescenta ele: “Inclusive no Brasil, existem rios com velocidade inferior àquela detectada, como o rio do Sono, no Tocantins. Além disso, o nosso rio tem um fluxo de 3.900 metros cúbicos por segundo, muito grande se comparado ao do rio São Francisco, por exemplo”.

Na avaliação dos cientistas do Observatório Nacional, o emprego do termo “rio” é, por conseguinte, mais do que adequado, uma vez que, além do rio a que estamos acostumados, que corre na superfície, dois outros tipos de rio são reconhecidos pela Geologia: o subterrâneo e o atmosférico. Eles embasam sua tese em argumentos que descrevem características especiais oferecidas pelo rio subterrâneo embaixo do Amazonas, rio esse, como já explicado, batizado de Hamza em homenagem ao coordenador da equipe responsável pela descoberta. Mesmo contendo apenas 2% do volume da vazão média do rio Amazonas (estimada em 133 mil metros cúbicos de água por segundo), a força do Hamza, com vazão de mais de 3 mil metros cúbicos por segundo – assinala-se também - é superior à de dois outros rios relevantes no sistema fluvial brasileiro. O São Francisco, que atravessa Minas e o Nordeste, beneficiando calculadamente 13 milhões de pessoas, cuja vazão é de 2,7 mil metros cúbicos por segundo. O Tietê, em São Paulo, que acusa vazão de pouco mais de 1 mil metros cúbicos por segundo, quando de calha cheia. Para os pesquisadores existe ainda outra explicação simples para a suposta lentidão do fluxo subterrâneo. Em terra, a água movimenta-se sobre a calha do rio como um líquido que escorre sobre a superfície. Nas profundezas, não há túnel por onde a água possa escorrer. A caudal vai pouco a pouco vencendo a resistência de sedimentos que atuam como gigantesca esponja. O líquido vai se ajeitando nos poros da rocha até ser despejado no mar.


Controvérsia científica à parte, esse rio embaixo do rio Amazonas, o de maior extensão do mundo nessa peculiaridade, é uma em meio à enormidade das exuberantes amostras das oferendas com que a Natureza dadivosamente cumulou o Brasil nessa parte de seu território chamada Amazônia, onde estão concentradas as maiores riquezas minerais, vegetais e hidrográficas deste nosso conturbado planeta azul. Um portentoso pedaço de chão, como sabido não é de hoje, vorazmente cobiçado por gringos com inclinações coloniais de diferentes sotaques.

A SAGA LANDELL MOURA

Eleições, primeiro turno.

*Cesar Vanucci “A eficiência da Justiça Eleitoral permitiu que o brasileiro fosse dormir no domingo já sabedor dos nomes dos eleitos.” (...