Freud explica
Cesar Vanucci
“A
homossexualidade não pode ser classificada como doença.”
(Sigmund Freud, num texto de 1935)
Este nosso minifúndio de papel - dia
sim, dia não, ocupado por singelas ruminações e esfuziantes quimeras a respeito
das coisas da vida - é hoje cedido a ninguém mais, ninguém menos do que Sigmund
Freud. Isso ocorre por conta de incandescente polêmica nos domínios da
assistência psicológica, derivada de recente decisão judicial.
Ao liberar profissionais da Psicologia
para aplicarem “terapia de reversão sexual”, também conhecida pejorativamente
por “processo de cura gay”, um magistrado do Distrito Federal desencadeou
torrente de críticas resvalando questões de preconceito e direitos humanos, com
repercussão até na ONU. A denominada “cura gay” é prática defendida por grupos
religiosos fundamentalistas. Profissionais vinculados a tais correntes de
pensamento postularam na Justiça o reconhecimento de “técnicas terapêuticas”
que veem a homossexualidade como um “desvio da natureza”, um ato pecaminoso,
demoníaco. A técnica contempla às vezes até exorcismo.
O Conselho Federal de Psicologia proíbe
taxativamente o emprego daquilo que denomina de pseudoterapia. A
“homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Nós a consideramos uma
variante da função sexual”. Foi o que disse Freud em correspondência
encaminhada a uma mãe que lhe pediu ajuda para o filho. Na mensagem, o “pai da
psicanálise” anota que a terapia psicanalítica pode beneficiar alguém, mas não
curá-lo, já que não se trata de uma doença. Sustenta ser “uma grande injustiça
e crueldade perseguir a homossexualidade com se fosse um crime”. Tal postura é
defendida pela Organização Mundial da Saúde, quando acentua que a sexualidade
das pessoas pode abarcar variadas opções. “Não posso curá-lo porque você não
está doente, nem fisicamente nem mentalmente: é o que se espera seja dito no
consultório de psicologia a quem ali compareça em função de sua opção sexual”,
acentua este organismo.
Na ONU, a sentença que liberou
psicólogos para oferecer terapias de “reversão sexual”, foi apontada por Charles
Radclif, chefe de “Igualdade e Não Discriminação do Escritório do Alto Comissariado
para os Direitos Humanos”, como um passo atrás. “É decepcionante ver o que
aconteceu no Brasil. Trata-se de uma prática que a ONU condena”, afirmou,
deplorando que alguns terapeutas, políticos e dirigentes religiosos continuem a
explorar o emprego de certas terapias como se fossem “métodos de cura”,
utilizando instrumentos de tortura, inclusive choques elétricos. O
representante da ONU confessou-se “confiante de que, no longo prazo, vamos ver
progresso. O Brasil não vai de uma hora pra outra sair de uma clara posição de
liderança nessa temática para ir em outra direção.”
Já é tempo, a esta altura, de travar
conhecimento com a integra do texto de Sigmund Freud, aludido no preâmbulo: “19 de abril de 1935. Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é
homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não
mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe
perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não
representa uma vantagem. No entanto, também não existem motivos para se envergonhar
dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser
qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função
sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens
de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre
eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel
Ângelo, Leonardo da Vinci etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade,
perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na
minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis. Ao me
perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma
tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade,
visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que,
em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos
desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo
homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão
fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem
possibilidade de determinar o resultado do tratamento.A análise pode fazer
outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por
causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a
análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência,
independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”
Tratado de desarmamento nuclear
Cesar Vanucci
“As pessoas que
falam em proscrever a bomba atômica estão enganadas: o que devia ser proscrito
é a guerra.”
(Leslie Richard Groves, general
americano, membro do “Projeto Mahattan”, que desenvolveu a primeira bomba atômica)
À hora em que se datilografa este
texto, 42 países representados na ONU já apuseram assinaturas no “Tratado sobre
a proibição de armas nucleares”. Para que possa entrar em vigor o documento
carece ser referendado por, pelo menos, mais outros 8 países.
A proposta relativa à palpitante
questão é de inspiração verde-amarela. Ponto para o Brasil. África do Sul,
Áustria, México, Nigéria e Irlanda são os outros Estados que decidiram de
pronto figurar, ao nosso lado, entre os signatários da medida. O texto final,
elaborado há dois meses, proíbe os países membros da ONU desenvolverem, testar,
produzir, adquirir, estocar armas nucleares, ou manter sob guarda qualquer
outro dispositivo atômico com capacidade destrutiva.
Durante a 72ª Assembleia Geral da
ONU, recém-realizada em Nova Iorque, ocorreu ato solene, presidido pelo
Secretário Geral Antônio Guterres, para coleta de assinaturas do documento. A
primeira assinatura foi a do presidente Michel Temer. Nos pronunciamentos feitos
na ocasião foi lembrada e condenada a existência, espalhados por todos os
continentes, de aproximadamente 15 mil artefatos atômicos. Ressaltou-se que
essas armas apocalípticas colocam em risco permanente a paz mundial, ameaçando
a própria sobrevivência do ser humano sobre a face deste planeta.
O distinto leitor está absolutamente
certo ao imaginar que a Coréia do Norte, do “supremo líder” Kim Jong-un, não
quer nem ouvir falar do tratado. Não está sozinha na enfurecida discordância. São
muitos os estados membros da ONU que se recusam a admitir qualquer debate em
torno do desarmamento nuclear. Eles, todos eles, são detentores de arsenais em
condições de arrastar o mundo para o avassalador armagedom das profecias. Os
Estados Unidos já declararam não ter intenção de assinar, ratificar ou jamais se
tornar parte do acordo celebrado. Declaração recebida sem nenhum espanto. O presidente Trump, personagem de gestos e
linguagem destemperados, sente-se inteiramente à vontade no papel de clonar
George Bush como “xerife mundial”. Indoutrodia, na tribuna da ONU, proferiu
discurso considerado mundo afora de uma arrogância e agressividade incomuns.
Sustentou, para estupefação geral, que os diálogos visando soluções
multilaterais violam os interesses das nações.
O Reino Unido e a França, em
comunicado conjunto, deixaram claro a disposição de fazer o mesmo. Da China e
Rússia não se espera ajam diferentemente. E que ninguém se iluda, supondo não
seja este também o posicionamento dos demais integrantes do “clube atômico”,
Israel, Índia e Paquistão. A conferir, as posições da Alemanha, Canadá e do
Japão, entre outros.
O Tratado alcançará, com certeza, o
quórum exigido para promulgação pela ONU. Não deixa de traduzir, mesmo que
apenas parcialmente, como bela e inalcançável utopia, anseio majoritário da
sociedade humana. O que no sentimento mundial verdadeiramente se almeja,
entretanto, é a proscrição, não apenas das armas nucleares, mas de todas as
armas, de todas as guerras. As guerras, no dizer de Horácio, abominadas pelas
mães.
Mas, nada de ilusões. O documento –
fácil adivinhar – não passará de uma manifestação de razoável efeito moral, mas
de duvidosa eficácia prática. A história acumula decisões e resoluções sem
conta, no âmbito da ONU, solenemente desrespeitadas por muita gente. Os
palestinos, proscritos em sua própria terra, na tormentosa expectativa, de
várias décadas, da configuração definitiva de sua pátria, conhecem a fundo esse
nó górdio difícil de ser desatado.