Religiões como sinais de Deus
Cesar Vanucci
“Importa evitar o fanatismo e o sectarismos religiosos”.
(Padre Juvenal Arduini, grande sociólogo, filósofo e teólogo)
Da convivência, de muitos anos, com o saudoso padre Juvenal Arduini guardo lembranças inesquecíveis. O brilhante sociólogo, teólogo, filósofo, orador eletrizante, foi um sábio que influenciou a vida de um bocado de gente.
Com o encantamento que sua trajetória pela pátria terrena e seu opulento legado cultural despertam em meu espírito, remexendo arquivos, revejo texto primoroso de sua lavra a respeito da convivência inter-religiosa.
Com vantagem claramente explícita para o leitor, acostumado a defrontar-se, neste acolhedor espaço, com minhas despretensiosas e utópicas reflexões sobre personagens e coisas do mundo, tomo a iniciativa de reproduzir o texto abaixo. Belo e atual, como vereis, o trabalho explica que o fanatismo e o sectarismo religiosos são capazes de produzir irreparáveis estragos no relacionamento comunitário.
“Atualmente temos uma visão mais abrangente e diferenciada em relação à humanidade. A compreensão multicultural inclui a pluralidade religiosa, pois ao lado das grandes religiões tradicionais, evidencia-se o surto das novas crenças.
A consciência desse fenômeno levou a humanidade a rever e a reformular suas atitudes perante as religiões. Hoje há consciência de que cada religião tem o direito de ser respeitada e o dever de respeitar as outras, já que não se pode admitir que determinada religião queira ser respeitada sem respeitar as demais.
As diversas religiões não são iguais e nem se equivalem, uma vez que, possuem conteúdos e significados diferentes e devem ser reconhecidas segundo suas identidades específicas para não sofrerem reducionismo. Deverão ser avaliadas objetivamente, sem preconceitos ou alteração de sentidos a fim de favorecê-las ou prejudicá-las.
É legítimo discordar de propostas religiosas, mas sem hostilizá-las. Até amigos discordam dos companheiros sem que isso constitua injúria. Um desacordo leal pode ser mais fraterno do que a concordância insincera. Apesar de suas diferenças, as religiões poderão encontrar-se e unirem suas intensas energias para o bem de todos os povos.
Importa evitar o fanatismo e o sectarismo religiosos. Estas são atitudes passionais que cegam as pessoas. Os fanáticos enxergam sua religião como a única a ter direito a existir e a impor-se. Por sua vez, o sectário vê a religião dos outros como anomalia a ser combatida e extirpada. Fanatismo e sectarismo produzem “guerras santas” que levam a perseguir religiões em nome do Deus da Paz. Nem sempre os interesses das religiões refletem o projeto de Deus. Pode acontecer que se invoque Deus para defender posições que contrariam seu plano de salvação. Seria salutar que as religiões se perguntassem se estão empenhadas em trabalhar pelo Reino de Deus ou pelo triunfo de ambições rasteiras.
As religiões procuram crescer e irradiar sua presença. O próprio Jesus enviou seus discípulos a anunciar o Evangelho ao mundo inteiro, mas para tal, há que agir com lealdade. Não se pode forçar a “conversão” de ninguém. O proselitismo arrecada adeptos. Converter-se é decisão pessoal e livre. Desse modo, atrair pessoas para uma religião por meio de chantagem é indecoroso. Arrebanhar fiéis com ameaça de castigo divino é terrorismo religioso. Dizer a enfermos e angustiados que só obterão cura e alívio se deixarem sua religião e passarem para outra é hediondo.
Buscamos a convivência madura entre as religiões. Convivência lúcida e dialogal que permita a cada pessoa manter e aprofundar sua Fé. Ao referir-se aos falsos profetas, Jesus aponta-nos hermenêutica evangélica sábia: “Pelos seus frutos os conhecereis...Toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore má dá maus frutos” (Mt 7,16-17). O valor de uma religião revela-se mais pela ortopráxis do que pela ortodoxia, mas pela prática coerente do que pela doutrina exata. É pelos bons frutos que produzirem para a humanidade que as religiões serão sinais do Deus da vida e do amor, da solidariedade e da paz”.