sexta-feira, 27 de abril de 2018


Colecionador de frases

Cesar Vanucci

“Existe uma arte da citação.”
(Valéry Larbaud, anotado por Paulo Rónai 
em seu magnífico “Dicionário de Citações”)

Existe uma natural inclinação humana para colecionar coisas. E o intrigante (para muitos, fascinante) hábito da coleção é praticado de forma fervorosa pelos adeptos. O colecionador costuma cuidar com carinho singular, não perceptível em outros procedimentos de sua rotina de vida, dos objetos colecionados. Agarra-se, também, com entusiasmo às vezes frenético, às chances de poder ampliar, com constantes aquisições, o seu precioso acervo.

A lista de materiais, peças, coisas colecionadas é extensa e profusa, oferecendo surpresas incontáveis. Obras de arte, correspondentes a momentos culturais diferentes, animais raros ou comuns, veículos antigos, gravatas, caixas de fósforo, miniaturas de garrafas de bebida e de carros de corrida, peças de vestuário: a inclinação humana para montar coleções deixa a imaginação correr solta, a voar com o desembaraço de um condor nas alturas andinas. Um tipo de coleção que andou em grande moda no passado é a de selos. O irreverente Pitigrilli dizia, a respeito: no fundo mesmo, o que os colecionadores se esmeram em reunir não passam mesmo de amostras internacionais de escarros.

Este nosso papo introdutório de hoje é pra contar procês que eu também participo, não é de hoje, sem alardes, do nobre ofício de colecionador. Comecei a coleção adolescente. Não me desapartei dela, com o atravessar dos anos, apesar da coleta intermitente, não enquadrada em critérios rígidos de disciplina. Socorrendo-me de livros de citações, de anotações à mão, de registros datilografados ou digitados, de recortes de jornais e revistas, de muitas outras modalidades de impressos, acumulei razoável coletânea de frases. Adágios, ditos de efeito, axiomas, aforismos, máximas, sentenças, ditados, brocardos, versos, manifestações proferidas em tribunais ou entrevistas, expressões nascidas da saborosa linguagem das ruas.

O material reunido trata temas antigos ou atuais. Algumas citações conservam timbre de eternidade. Outras são de duração conceitual efêmera. Utilizo-as invariavelmente no preâmbulo de meus despretensiosos escritos, como estão em condições de atestar os 25 leais e assíduos leitores que inadvertidamente me acompanham há anos.

Valéry Larbaud falava, como lembra Paulo Rónai, da existência da “arte da citação”. Dizia que “Montaigne parecia possuí-la em grau supremo”. Tudo isso posto, achei de bom alvitre, como se costumava dizer em tempos de antanho, arrolar aqui algumas frases marcantes dessa coleção, embalando a expectativa de que delas possam emanar sabedoria e enlevo que aqueçam o espírito e o coração.

De início, frases que contemplam aspectos transcendentes da aventura humana. De Teilhard de Chardin (filósofo, teólogo, antropólogo, paleontólogo, arqueólogo, uma das cabeças pensantes iluminadas do século 20): “Na escala cósmica, só o fantástico tem probabilidade de ser real.(...) Na escala cósmica, as coisas não são tão fantásticas quanto a gente imagina, mas muito mais fantásticas de que a gente jamais conseguirá imaginar.” De Jacques Bergier e Louis Pauwells (geniais autores de “O despertar dos mágicos”): “O espírito humano é que nem o paraquedas. Só funciona quando aberto.” De William Shakespeare: “Há muitos mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia.” Do excelente poeta Raul de Leoni (“Luz Mediterrânea”): “O sentido da vida e o seu arcano é a aspiração de ser divino, no prazer de ser humano.” Do poeta (indiano) Rudyard Kipling, no célebre poema “Se” (tradução de Guilherme de Almeida): “Se podes conservar a fé, quando à tua volta, atribuindo-te a culpa, os outros a perderam. Se confiando em ti mesmo, aceitas sem revolta que duvidem de ti os que não te entenderam (...) És um homem!”. De Aldous Huxley, um pensador com visão plantada no universo e no futuro: “Habitamos uma ilhota perdida, num oceano infinito de inexplicabilidades.” Do evangelho cristão: “As coisas que hão de ser, já foram.” Da sabedoria chinesa: “O peixe é o último a saber que vive dentro d’água.” Da sabedoria germânica: “A serenidade está presente nas coisas que fazemos juntos.”


Vejam mais essas citações

Cesar Vanucci

“Onde do conceito há maior lacuna,
palavras surgirão na hora oportuna.”
(Goethe)

Alguns leitores dão o ar da graça a propósito das crônicas contendo frases e versos musicais selecionados por este desajeitado escriba. Entre eles, houve quem sugerisse, com entusiasmo e insistência, uma nova sequência de citações na mesma linha. Tá claro que não passa desapercebido a este neto dileto de dona Carlota que a sugestão traz implícita a manifestação de que os textos alheios agradam mais do que os escritos do titular da coluna. Querem saber duma coisa? Partilho do mesmo ponto de vista. Tanto assim que resolvi voltar à carga, satisfazendo o pessoal. Mais: prometo, mais na frente, repetir a dose.
As frases de hoje.

Do Presidente Getúlio Vargas, na famosa carta-testamento: “Saio da vida, para entrar na história.”

Do escritor Oto Lara Resende reportando-se às lembranças do passado: “Como a Terra aos olhos de Gagarin, o passado é azul. O passado de que a gente se lembra é ainda mais azul. Dói deliciosamente.”

Ainda sobre o passado. Provérbio russo: “Ter saudades do passado é correr atrás do vento.”

Sobre leis e salsichas. Fala de Bismark, o chamado “chanceler de ferro”: “Se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas!”

Albert Einstein explica, no popular, o que é a famosa “lei da relatividade”: “Você fica com a mulher amada por duas horas; parece que se passaram dois minutos. Você encosta o traseiro na chaleira quente por dois minutos; parece que se foram duas horas.” O genial cientista exprime ainda seu inconformismo com relação a essa nódoa na convivência humana chamada preconceito. “É menos difícil quebrar um átomo, do que quebrar um preconceito.”

O (polêmico) jornalista e escritor inglês Christopher Hitchens comenta a participação dos cidadãos na vida política: “Na Atenas antiga, surgiu uma palavra para designar aqueles que não desejavam participar da vida pública – “idiota”. A palavra só se tornaria um insulto mais tarde. Mas sempre considerei que qualquer um que deseje ficar completamente de fora da vida política é, de fato, um idiota – às vezes um idiota admirável.”

Acerca do pânico nas ruas dos dias de hoje, Luiz Fernando Veríssimo tem a dizer o que se segue: “Parece incrível que ainda se duvide que a guerra urbana no Rio de Janeiro tenha ligação direta com a louca demografia do lugar e que o Brasil está pagando, em horrores repetidos, por anos de descaso e exclusão.”

Duas frases atualíssimas do físico James Hansen, da Nasa, considerado um dos maiores especialistas em clima do mundo. A primeira: “As consequências do efeito estufa serão tão ou mais poderosas a longo prazo que a maior explosão atômica de que se tem notícia.” A segunda (baseada na ideia de se criar, para o clima, uma versão do famoso “relógio do apocalipse”, bolado por cientistas atômicos como um instrumento simbólico para indicar a proximidade da catástrofe nuclear e que hoje, em 2018, está a marcar dois minutos para a meia noite): “Se houvesse um “Relógio do Apocalipse Ecológico”, eu diria que faltam apenas dois minutos para uma catástrofe natural. É pouco, mas dá tempo. E a hora de mudar é agora.”

Vamos ceder a palavra, agora, ao amor.

De Sofocleto: “Amor eterno é o que dura enquanto existe.”

Henri de Régnier exprime-se de forma parecida: “O amor é eterno enquanto dura.” A deixa foi aproveitada por Vinicius de Moraes.

Mahatma Gandhi: “O amor é a força mais abstrata e também a mais pujante que há no mundo.”

Shakespeare: “Amor é dor que desatina sem doer.”

Por último, falemos dos sinais que a vida emite para todos. “Quantas vezes trovejou antes que Benjamin Franklin compreendesse o sinal? Quantas maçãs caíram na cabeça das pessoas antes que Isaac Newton compreendesse o sinal?” (Robert Frost, esplêndido poeta estadunidense).


Que versos mais lindos!

Cesar Vanucci

“Tu pisavas nos astros  distraída...”
(Orestes Barbosa, no clássico “Chão de estrelas”, 
composto em parceria com Silvio Caldas)

A crônica literária registra uma manifestação de Manuel Bandeira, que causou na época em que foi feita, anos atrás, grande surpresa e chegou a provocar, até mesmo, um certo clima polêmico. Indagado sobre quais seriam os mais belos versos da poesia brasileira, o grande vate, sem titubeios, respondeu: “Tu pisavas nos astros distraída.” A resposta colocou no foco das atenções um clássico da MPB, “Chão de estrelas”, de onde os versos apontados por Bandeira foram retirados. Conferiu, também, justo realce a um excelente poeta popular que não frequentava os salões acadêmicos mais refinados. Orestes Barbosa, coautor da melodia, ao lado do portentoso intérprete Sílvio Caldas.

Arrostando rançosos preconceitos com o veredito proferido, o autor de “Evocação do Recife” convidou-nos, de certa maneira, com a autoridade de inconteste conhecedor do fascinante oficio da versejação, a aprender extrair das canções populares brasileiras outros achados poéticos.

Partilhando dessa certeza de que a incomparável música popular feita no Brasil é um repositório de poesia da melhor qualidade resolvi, quando de minha passagem pela direção da Rede Minas de Televisão, abrir espaço especial num dos programas que criei (“Um livro aberto”, dedicado à temática literária) para interpretações musicais do cancioneiro nacional. O canto era acompanhado de comentários sobre os versos das composições.

Dentro dessa linha de raciocínio, resolvi também, em certo período, ampliar a tal coleção de frases com letras de melodias conservadas no carinho e enlevo pela memória das ruas.

Algumas delas. “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar; tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar.” (“A felicidade”, tema do filme “Orfeu negro”, Vinicius de Moraes e Tom Jobim).

“Mas que bobagem, as rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti...” (samba-canção “As rosas não falam”, de Cartola).

“Atire a primeira pedra, ai, ai, ai. Aquele que não sofreu por amor.” (“Atire a primeira pedra”, Mário Lago e Ataulfo Alves).

“Vê, estão voltando as flores. Vê, nessa manhã tão linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança, ainda” (marcha-rancho, “Estão voltando as flores”, Paulo Soledade).

“Quem nasce lá na vila, nem sequer vacila em abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo.” (“Feitiço da vila”, Vadico e Noel Rosa).

“Batuque é um privilégio, ninguém aprende samba no colégio.” (“Feitio de oração”, Noel Rosa e Vadico)

“Se a lua nasce por detrás da verde mata mais parece um sol de prata, prateando a solidão.” (“Luar do sertão”, toada, Catullo da Paixão Cearense).

“Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer.” (“Pra não dizer que não falei de flores”, Geraldo Vandré)

“O mundo é uma escola, onde a gente precisa aprender a ciência de viver, pra não sofrer.” (“Pra machucar meu coração”, Ary Barroso)

“Fazer samba não é contar piada, quem faz samba assim não é de nada; um bom samba é uma forma de oração, porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. (“Samba da bênção”, Vinicius e Baden Pawell).

“Ai! Que amar é se ir morrendo pela vida afora. É refletir na lágrima, um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu.” (Serenata do Adeus”, Vinicius de Moraes).

“Nesta viola eu canto e gemo de verdade; cada toada representa uma sodade.” (“Tristeza do Jeca”, toada, Angelino de Oliveira).

“Tu és, de Deus a soberana flor. Tu és de Deus a criação, que em todo o coração sepultas o amor, o riso, a fé e a dor em sândalos olentes.” (“Rosa”, valsa, Alfredo Vianna, o Pixinguinha).

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito...” (“O mar”, Dorival Caymmi).

“Você que só ganha pra juntar. O que é que há? Diz pra mim, o que é que há? Você vai ver um dia em que fria vai entrar. Por cima uma laje, embaixo a escuridão. É fogo, irmão; é fogo, irmão.” (“Testamento”, Vinicius e Toquinho).


A magia da palavra

Cesar Vanucci

“As frases feitas são a companhia cooperativa do espírito.”
(Machado de Assis)

Atento ao fato de que o conhecimento da força das palavras é imprescindível no conhecimento do ser humano, conforme sustentava Confúcio, estou retomando hoje a prazerosa tarefa de enfileirar frases que andei anotando como achados verbais preciosos. A exemplo das que foram anteriormente lançadas neste acolhedor espaço, as frases de agora traduzem sentimentos, emoções, ideias, reflexões que têm muito a ver com a construção humana. Com as visões que temos do significado da existência.

Pra começar, aqui estão alguns pensamentos relativos ao mais inevitável dos fenômenos que acompanham nossa caminhada pela terra dos homens, a morte. De Fernando Pessoa: “A morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto.” De Camões: “As pessoas não morrem, partem primeiro.” De Richard Bach: “Existe um jeito simples de saber se está cumprida a missão de alguém. Se está vivo, não está.” De Guimarães Rosa: “A gente morre para provar que viveu.” Woody Allen: “Não que esteja com medo de morrer. Apenas não queria estar lá quando isso acontecesse.”

Peço a atenção do distinto leitor, em seguida, para uma definição irretocável de saudade, Supunha, até indoutrodia, que o verso alinhado abaixo, extraído de saboroso poema sertanejo, fosse da lavra do magnífico Catulo da Paixão Cearense, incontestavelmente “primeiro violão” da sinfônica brasileira de poetas. Mas ouvindo, com o enlevo costumeiro, o Rolando Boldrin declamar o poema, em seu apreciado programa na TV Cultura, inteirei-me de estar incorrendo em ledo engano. Por não haver conseguido anotar o nome do verdadeiro autor na hora, deixo aqui, um tanto constrangido, de mencioná-lo, partindo logo para a citada definição de saudade. Ei-la: “Sodade é como a grama tiririca, que a gente pode arrancá, virá de raiz pro ar, mas qua! Um fiapo escondido no torrão faz a peste vicejá.”

Registro, em seguida, outra esplêndida definição, esta relativa à expressão confiança. Algo, cá pra nós, que a esperança em dias melhores pra todo mundo, ardentemente cultivada pelas criaturas de boa-vontade em todas as latitudes, aponta como chave mestra para uma convivência humana ideal. O autor é ninguém mais, ninguém menos, do que o poetaço Tiago de Mello: “O homem deve confiar no homem, como a palmeira confia no vento, o vento confia no ar e o ar confia no campo azul do céu.” Da santa Tereza de Calcutá chega este conselho impecável acerca de um vocábulo fundamental no processo de edificação de vida solidária, fraternal e harmoniosa, o amor: “Ame até doer!” A frase da madre remete a um texto lapidar retirado do evangelho de João: “Quem não ama o próximo, que vê, como poderá amar a Deus, que não vê?” Nessa mesma linha ainda. Do poeta, professor e desembargador Lauro Fontoura, de saudosa memória: “Galileia, o luar põe alegorias brancas no cabelo do Mestre. A noite desce como uma bênção. Para os lados de Hebron, a distância se afuma num fundo bíblico de searas. Cristo apanha a seus pés uma criança leprosa. Ergue-a a altura da fronte e beija-lhe a boca. O pequeno, levantando as pálpebras ingênuas e pousando o olhar triste na doçura doirada dos olhos divinos, perguntou: - A tua religião, ó Rabi, cura as minhas feridas?”

As frases agregadas na sequência contemplam a importância, para o exercício da cidadania e para o cultivo do sentimento nacional, do idioma pátrio: “A pátria é o idioma”, acentua o fabuloso Monteiro Lobato. Eça de Queiróz, outro luminar da literatura portuguesa, sobe o tom: “Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.”

As definições que se seguem são sobre cultura. “Quando ouço alguém falar em cultura, puxo do meu revólver.” A frase, tão ao gosto do radicalismo empedernido, é atribuída a Hermann Goring, integrante da sinistra cúpula nazista. O pensador francês Louis Pauwells, coautor de “O despertar dos mágicos”, bolou, em contraposição, essa outra frase: “Quando me falam em revólver, puxo logo a minha cultura.”

Acerca do direito humano à liberdade de opinião, Voltaire produziu uma frase primorosa, utilizada como lema num dos programas (“Vice-versa”) que criei em minha passagem pela direção da Rede Minas de Televisão: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” Minha nossa! Vejam só quão oportuna se mostra esta frase, com seu fragor de sensatez e bom senso, nesta hora de preconceitos e intolerâncias tão descomedidos!

sexta-feira, 20 de abril de 2018

CONVITE AOS AMIGOS DO BLOG







Crimes da mala

Cesar Vanucci

“O que não falta, hoje, na vida pública, é mala sem alça...”
(Comentário de uma senhora na fila do banco)

A desnorteante história do ex-deputado e ex-assessor especial da Presidência da República indiciado por haver sido pilhado com a mão na cumbuca conduzindo mala, não se sabe bem com ou sem alça, contendo bufunfa de origem identificada e de destino sabido, levou este desajeitado escriba a vasculhar, outra vez, guardados do baú, trazendo a furo versões antigas daquilo que era, então, conhecido no jargão dos periódicos como “crime da mala”. O comentário reprisado na sequência saiu publicado há um tempão, conservando – dá pra ver – frescor de atualidade.

Nos tempos em que o Dodô jogava no Andaraí e o lendário Cafunga operava prodígios no gol do Atlético, as ruas de nossas cidades não ofereciam, nem de leve, sinais da habitual turbulência dos dias de agora. A despreocupação das pessoas, haurida na trivial amenidade dos relacionamentos, chegava a tal ponto que as famílias convencionavam largar a chave da porta da casa sob o tapete, ou no parapeito da janela, ou em meio às folhagens do vaso do alpendre, de maneira a favorecer notívagos retardatários. Acontecia, muitas vezes, até das portas da rua “dormirem destrancadas”, como se costumava, então, dizer. E, via de regra, sem consequências pessoais ou patrimoniais a deplorar.

Provêm de época assim os primeiros registros, de que se guarda lembrança, dos célebres “crimes da mala”. As características e conotações das transgressões penais catalogadas nessa denominação eram outras. Bastante diferenciadas das ilicitudes praticadas hoje sob o mesmo rótulo. Além do mais, conquanto impactantes, eram raras. Todas as vezes que as páginas policiais, em tom sensacionalista, colocavam o distinto público leitor a par da ocorrência de um “crime da mala”, tinha-se como certo que uma tragédia com muito sangue derramado, de natureza passional ou motivada por sórdida vingança, começara a ser investigada, ou acabara de ser desvendada. Muitas dessas ocorrências, no geral envoltas em denso e intrigante mistério, perpetradas com requintes de crueldade – já que as malas encerravam despojos de vítimas esquartejadas – exigiam de experientes detetives trepidantes ações, no melhor estilo sherloqueano. Repórteres argutos eram postos a acompanhar, pari passu, os acontecimentos. Mantinham a opinião pública, como se faz nos folhetins de novela, devidamente informada de todos os capítulos das diligências policiais concentradas na elucidação da história. No final, os impiedosos autores das cruéis matanças acabavam sendo sempre descobertos, pagando no xilindró pelo “crime da mala”.

O “crime da mala” tomou configuração nova nos tempos atuais. O conteúdo da mala não é mais aquele dos tempos de antanho, partes anatômicas de inocentes, vítimas de violência originada de ódio irracional ou mórbidas paixões. Mas, de qualquer maneira, face à contundência das revelações nauseantes da crônica política recente, não deixa de representar, simbolicamente, um registro de que, nalgum lugar, nalgum instante fatídico, por conta de ações irresponsáveis, procedeu-se ao esquartejamento dos melhores sonhos e das heroicas esperanças de muita gente. Gente, no caso, boa, generosa, ordeira, crédula, que vive, por um lado, apostando confiante, o tempo todo, na vocação de grandeza do país. Gente que, por outro lado, apoderada de inconformismo e indignação, tem sido alvejada com constância, em seus direitos de cidadania, por manobras desastrosas de uma minoria despreparada e inidônea, alçada inadvertidamente, nas atividades públicas e privadas, a funções com relevante poder de decisão.

Os pacotes de cédulas encontrados nas malas ou pendurados em cuecas, a nos valermos das constatações vindas a lume, foram montados com doações generosas de fontes estatais e privadas, como “corretagem” de operações clandestinas, ou ainda como fruto de superfaturamentos. Destinam-se a engordar contas particulares, ou a financiar o caixa dois eleitoral, abominado por todo mundo, mas praticado intensamente, como todos estão carecas de saber, por um pessoal que jura abominá-lo. Esses pacotes remetem a mazelas que a opinião pública almeja ver extirpadas pra sempre da vida nacional. Essas mazelas atendem pelos nomes de corrupção, suborno, chantagem, extorsão, hipocrisia e rótulos outros, de odor fétido equivalente.

Machucam pacas!


Falemos, agora, 
do turismo doméstico

Cesar Vanucci

“Turista – Pessoa que viaja por diversão 
ou recreio dentro ou fora do país.”
(Dicionário do Aurélio)

Retomamos a temática turística, reproduzindo outro texto, de muitos anos atrás, que conserva ainda, como se verá, frescor de atualidade.

A decantada paisagem brasileira, incomparável sob variados aspectos na avaliação de gente do ramo turístico, permanece ausente dos roteiros mais frequentados pelos interessados no desfrute das emoções que as viagens a recantos especiais do globo têm o condão de proporcionar. Para que se tenha uma ideia do que ocorre é bom anotar esta revelação, não sei se agregada aos relatos insólitos do saudoso Jack Palance no “Acredite se quiser”: o volume de turistas estrangeiros que, todos os anos, toma o rumo do Uruguai é superior ao que demanda o território brasileiro. O registro se aplica a outras dezenas de países. Haverá quem consiga compreender coisa assim?

Mas os problemas relacionados com o inadequado aproveitamento das nossas potencialidades não ficam circunscritos a esse inacreditável desvio de rota do turismo internacional, fruto de desconhecimento de causa dos estrangeiros e de confessa incompetência brasileira na colocação lá fora dos esplêndidos produtos que o país oferece nesse particular. Nossa incapacidade para produzir resultados satisfatórios está exuberantemente evidenciada no insuficiente fluxo do turismo doméstico.

O brasileiro não sabe aproveitar quase nada das dádivas da Natureza que lhe são próximas. É mais receptivo a um apelo pra visitar Aruba do que a um convite para percorrer as miríades de praias, cheias de encantos, que se espicham pelas nossas franjas litorâneas. É capaz de atravessar meio mundo, pagando antecipadamente pelo passeio, para visitar o litoral escandinavo, e descobrir, atônito, que as nesgas de areia e os penhascos acinzentados onde a lourice dinamarquesa ou sueca se bronzeia não resistem a qualquer confronto nem mesmo com as praias das bordas do São Francisco.

Estão faltando ações inteligentes, criativas, que saibam mostrar o Brasil, sobretudo, aos brasileiros. Nossa população representa clientela colossal. Equiparável, em número, aos habitantes reunidos do México, Canadá e países da América Central. Criar condições para que ela possa se deslocar, em programas de lazer, dentro das próprias fronteiras, é tão ou mais importante até do que incluir os atrativos turísticos existentes nas rotas regulares das operadoras mundiais de turismo.

E é seguramente mais fácil. Pena que não seja mais barato. Aí, justamente, é que a porca torce o rabo, como se dizia em tempos antigos. Os preços praticados no Brasil para se fazer turismo doméstico são de arrepiar. Não adianta nosso céu ter mais estrelas, nossas praias mais dunas e mais ondas, nossas grutas mais imponência, nosso verão mais luminosidade, nossas matas mais verdor e cascatas, nossas águas termais mais poderes medicinais, nada disso adianta se os custos de dormida, alimentação e deslocamentos aéreos se colocam acima dos padrões internacionais. O espírito irreverente das ruas captou toda a incongruência da situação quando pôs pra circular aquela piada de que o turista brasileiro de menores recursos costuma visitar Miami, o de classe média viaja pra Europa e o de classe abastada sai de férias para o nordeste. Os números dos pacotes de viagem conferem visos de verdade a essa historieta. Folheando edições de jornais estrangeiros e brasileiros deparamo-nos com realidades surpreendentes. Um final de semana de três dias num hotel de nível superior em Nova Iorque, Roma ou Londres, compreendendo voo, traslados, pernoites, é ofertado por menos de quinhentos dólares. Será que com o mesmo dinheiro no bolso alguém conseguirá passar o fim de semana, nos conformes turísticos, no Rio de Janeiro? Os preços dos hotéis, da alimentação, das companhias aéreas, deixam longe os valores cobrados em países que aprenderam a fazer do turismo um bom negócio na obtenção de divisas.

Recentemente, um conhecido resolveu alterar a rota prevista em seu bilhete aéreo, de Helsinque a São Paulo, acrescentando paradas em Estocolmo e Oslo. Pagou pela mudança exatamente 21 (vinte e um) dólares. Duas semanas depois, precisou ir ao Triângulo Mineiro. Preço da passagem: quase quinhentos dólares.

Não é mole dormir com um ronco de motor desses.





MARIELLE FRANCO EMUDECEU...? NÃO !

 Wenceslau Teixeira Madeira *

Prezado jornalista Cesar Vanucci, Sentirei imensas saudades dessa coluna quando não puder vê-la mais. Verdades verdadeiras são narradas com saber e com extrema fidelidade e qualidade literata, os acontecimentos do dia a dia. Lembrei-me do grande Vanucci, seu irmão, caso estivesse, aliás, como ainda está pairando no fascinante Rio de Janeiro a observar, lamentando, as mazelas locais, tanto na política quanto na violência. Em sua homenagem, a ele a você, transmito a minha indignação contra a violenta e recente morte de dois cariocas.

Num carro, Marielle Franco emudeceu, / Junto com ela seu motorista, Logo após, dar uma entrevista ! / Naquele triste dia, senti um tranco, / Que abalou meu coração! / abala, / abala, / abala, / abala / abala / abala / abala / abala / abala / Abalaram  os corações  de todos nós, / Será mesmo que Marielle ficou sem voz ? / Não ! / Milhões de balas não fariam Marielle calar! / O corpo, sim, desaparece, mas, a voz fica a ecoar /
Porque o espírito ninguém pode matar! / Mas, afinal o que representava ela? / s fracos e os oprimidos da favela! / Só? / Não! / No Rio, representava seus eleitores / E seus incontáveis admiradores; / Defensora Incansável e destemida / Daqueles de menos sorte na vida, / Da LGBT, do afro-brasileiros, artistas, / Só não defendia bandidos e terroristas! /

Indaga o povo, - quem matou a ativista? / Milicianos, corruptos e os violentos? Xi... cuidado tiroteio, mais tiroteio! / Virgem santa, bala perdida, de onde veio? / Alerta geral! / Passou raspando, mais um caiu no chão. / Tiro certeiro bem no coração. / Mais uma bala perdida / E tomba no solo mais uma inocente vida! / Ninguém sabe de onde veio! / Ninguém sabe, de onde o tiro partiu / Ninguém viu. / Nem o Governo Federal! / Apelaremos, então, para quem, neste Brasil! / Para um ente sobrenatural? / Não! / Para o nosso Deus Celestial! / AMÉM.

De Nova Lima, para BH, / Para o Vanucci advogado. / Do Wenceslau, indignado. / Contra a hipocrisia nacional.//

P.S.: Coincidência ou não, abri o jornal, que recebi neste instante, o Diário do Comércio abrindo imediatamente na segunda página, como sempre faço, e li atentamente a “Que versos mais lindos!” Li rapidamente e admirei essa maravilhosa crônica. Gervásio Horta, grande compositor destas Minas Gerais havia me falado e não prestei a devida atenção, que a melhor poesia e composição, para ele, era de Orestes Barbosa e Silvio Caldas. Ficava em dúvidas mas, agora, lendo sua crônica tenho convicção de que é a melhor, mesmo. É claro, sem desmerecer as outras.”

* wenceslau@sachacalmon.com.br


sexta-feira, 13 de abril de 2018

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Lula, mito e réu

Cesar Vanucci

“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.”
(Provérbio português)

Vejo Lula com culpa no cartório. Mas, espera lá, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, como prudentemente  aconselha a antiga sabedoria. Incandescente controvérsia, impregnada de passionalismo, circunda a história do mito tornado réu. Ou seja, do Lula endeusado por muitos e demonizado por outros.

Reconhecer que ele haja cometido atos falhos, suscetíveis de condenação, não significa admitir que a relevante obra de inclusão social levada a cabo em seu governo mereça ser encoberta pelas brumas do esquecimento. Sua trajetória na vida pública projeta incontáveis atos meritórios. São de bom tamanho as realizações voltadas para a causa da ascensão social, mesmo que na avaliação do trabalho empreendido feita por adeptos incorra-se, por vezes, em exageros. Noutra vertente da análise comunitária alusiva a Lula aparecem elementos influentes a, visivelmente, focarem seus defeitos com lentes de aumento.

Volto à sabedoria dos antigos para lembrar que costuma colher tempestade quem semeia vento. Pode-se aplicar o conceito, de certa maneira, a Lula. Ele não conseguiu desvencilhar-se - omitindo-se, numa benevolente avaliação - das teias maquiavélicas de um sistema implementado, não é de hoje, por vilões engravatados. Gente da pesada. Recrutada nas fileiras de empreiteiros inescrupulosos, agentes públicos inidôneos e mafiosos políticos. Dono de forte carisma, aguçada sensibilidade social, o ex-presidente, não cabe dúvida, soube conquistar a simpatia de extensas camadas da população. Isso explica a apreciável base de sustentação política ostentada nessa hora da penosa adversidade que enfrenta à conta dos erros cometidos. Padece, sob outro ângulo, de tenaz rejeição, que adquire em muitos momentos timbre rancoroso, da parte de ponderáveis segmentos. É aí identificado como personagem central das engrenagens de corrupção, vastamente disseminadas, que o sentimento nacional obviamente abomina.

As narrativas, de lado a lado, acerca do alentado currículo do personagem pecam, não raras vezes, pela exorbitância. Seja no capítulo das louvações, seja no item das críticas. Para adversários, ele desponta no cenário como vilão-mor. Para os admiradores trata-se de um grande ídolo. Ídolo ele também se sente. A tal ponto que, em arroubos retóricos, andou ousando mesmo dizer coisas desse gênero: “Desafio alguém apontar algum brasileiro mais honesto do que eu!”

Análise serena e objetiva dos acontecimentos que ora galvanizam o interesse das ruas – deixadas à parte as reações extremadas -, permite sejam levantadas a propósito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual contexto político brasileiro, entre outras, algumas constatações dignas de especial atenção: 1. Lula errou, está sendo legalmente punido; 2. São numerosos os militantes políticos, de diferentes siglas, vários deles no campo adversário, comprovadamente envolvidos nas investigações em curso, sob suspeição de haverem praticado irregularidades até mais graves do que as imputadas a ele, aguardando ainda na fila competentes ações jurídico-legais mais expeditas; 3. A tramitação dos processos referentes a Lula vem se desenrolando em ritmo consideravelmente mais célere do que o observado noutros casos de políticos graduados implicados em operações fraudulentas; 4. É indisfarçável, na percepção dos que se dão a tarefa de acompanhar as apurações das tramoias detectadas pela operação Lava Jato e a divulgação dos lances correspondentes, a tendência de alguns grupos, órgãos da grande mídia incluídos, de dispensarem “tratamento diferenciado”, “prioritário”, às situações e circunstâncias onde o nome de Lula aparece, comparativamente às situações em que os denunciados são integrantes de outras legendas partidárias; 5. Afigura-se mais que provável, a serem levadas em conta as sucessivas pesquisas eleitorais, que o ex-presidente irá exercer, a esta altura já não mais como candidato, influência marcante no processo das próximas escolhas eleitorais; 6. A opinião pública mostra-se sumamente desejosa de que as apurações em andamento, no saudável combate à corrupção, cheguem logo a termo, com o devido equacionamento das dúvidas que sobrepairam sobre a interpretação das leis e a culpabilidade de todas as pessoas cujos nomes frequentam continuamente as manchetes. 7. É bom que se diga, por derradeiro, que as mentes mais lúcidas da sociedade brasileira veem com inocultável desagrado os “vazamentos seletivos” volta e meia vindos a furo, com as costumeiras desculpas dos poderes competentes de nada saberem sobre a origem desses atos ilegais.



As belezas deste país tropical

Cesar Vanucci

“Moro num país tropical, abençoado por Deus...”
(De uma canção de Jorge Ben)

O compromisso de desova assídua de textos para o bate-papo com o distinto leitorado conduz, às vezes, este desajeitado escriba de quiméricas divagações, em instantes “apertados de costura”, a se valer de matérias do baú. Baú este que conserva zelosamente arquivados, por dona Clelia, secretária, artigos saídos ao longo de seis décadas. Interessante observar o frescor de atualidade de alguns deles. Veja, por exemplo, a crônica escolhida para ocupar hoje este espaço.

Homem de peso e medida. Sereno, bem plantado na profissão, inteligência aguda provida de bons conhecimentos gerais e vivência humanística. Marcante a presença de tio Nhô no cenário familiar de minha juventude. Amigos e conhecidos, agarrados à esperança de receberem ajuda capaz de eliminar estados de angústia, procuravam-no para colóquios fraternais. Eram acolhidos num ambiente que lembrava confessionário. Sob os impactos das aflições alheias, ele deixava escapar, de vez em sempre, uma observação engatilhada na ponta da língua: “Tentar entender direitinho certas coisas dá uma canseira dos diabos”.

As questões levantadas eram, geralmente, de solução óbvia. O que escapulia à compreensão dos autores das consultas. Tio Nhô, com paternal solicitude, ensinando o caminho das pedras, lançava mão da frase famosa, empregada como uma espécie de bordão nas interpretações dos fatos.

Tentar entender direitinho certas coisas dá, realmente, canseira. Pensando bem, a frase se aplica a várias situações desconcertantes e confusas de nossa realidade. Tome-se, por exemplo, o caso das clamorosas insuficiências, em criatividade e ação, detectadas nas políticas brasileiras de turismo. Entender o porquê das coisas rolarem do jeito que rolam dá, efetivamente, canseira. Não há como poder explicar a causa de nosso país não figurar no topo das preferências dos turistas que se extasiam com as belezas das regiões tropicais. Os cenários mais deslumbrantes, sob esse aspecto – que deveriam representar forte estímulo na definição dos rumos dos fluxos turísticos - estão localizados aqui mesmo, nesta nossa vastidão continental de oito milhões de quilômetros quadrados. Ou até mais um bocadinho, depois do que andou sendo feito, há anos, no Rio, com o aterro na praia do Flamengo.

São a perder de vista as porções propícias ao lazer existentes neste pedaço de chão, abençoado por Deus e bonito pela própria natureza. O que está exposto ao olhar, com prodigalidade que chega a configurar esbanjamento na obra da Criação, é mais do que suficiente para garantir catapultagem certeira do país à condição de potência turística. Para que isso se faça real, são precisos bons projetos e, seguramente, vontade política. Artigos, deploravelmente, em escassez no estoque. As informações disponíveis são chocantes. A fatia brasileira de participação no bolo turístico é ridícula. Evitemos citar exemplos de países como França e Espanha, que aprenderam, como ninguém, a extrair do turismo substanciosa fonte de divisas. O confronto, por aí, é atordoante. Mais desconsolador ainda é tomar tento dos números relativos aos fluxos turísticos de países como o México, de regiões como as do Caribe, ou de ilhas como Mallorca. Essa ilhota espanhola, antigo porto pesqueiro, população de 800 mil, segundo estatísticas de poucos anos atrás, recebia volume de turistas superior ao do contingente de estrangeiros que demandava o continente brasileiro em suas opções de viagem. Como é que pode?

Nosso litoral é composto do mais belo conjunto de praias de que se tem notícia. Paisagens que põem no chinelo lugares famosos da moda. O turismo ecológico encontra na Amazônia, no Pantanal e noutros lugares os recantos mais bem aquinhoados que se possa desejar. Outros fatores, como centros urbanos dotados de boa infraestrutura, bons aeroportos, fazem do Brasil um país naturalmente vocacionado para o turismo. Por que cargas d’água, então, as coisas não funcionam a contento? Resposta inevitável: ausência de políticas de turismo bem implementadas, escoradas em marquetagem inteligente. A abertura dos cassinos seria uma boa. Nenhum país de realce no plano turístico esteve ou está a fim de proibir jogo. Apenas o Brasil, com sua proibição de mentirinha para modalidades rendosas de apostas.

O tema remete-nos à certeza de que têm sido também pouco producentes os esforços no sentido da sensibilização da freguesia doméstica, numérica e economicamente expressiva. Milhões de patrícios deixam o país à cata de emoções que poderiam perfeitamente ser aqui mesmo encontradas. Está faltando marquetagem imaginosa no pedaço.


sexta-feira, 6 de abril de 2018

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A erupção das falsas notícias

Cesar Vanucci

“Há loucura, mas há método nela.”
(Shakespeare)

A erupção, pode-se dizer vulcânica, das incandescentes falsidades que andam enxameando as redes sociais é fruto, no mais das vezes, de ódio exacerbado, crassa ignorância, intolerâncias e preconceitos dilacerantes. Mas o que mais intriga, chegando até mesmo a amargurar as pessoas de juízo perfeito, providas de bom senso, sentimento nacional e sensibilidade social, não são bem as propagadas sandices propriamente ditas. E, sim, a estarrecedora constatação de serem numerosos, bem mais numerosos do que o admissível, os setores aparentemente alfabetizados em termos de práticas cidadãs e de conhecimento político a absorverem, sem grandes questionamentos, o besteirol alardeado, urdido com inocultáveis intuitos maquiavélicos e maniqueístas.

As chamadas “fake news” são repassadas adiante sem qualquer avaliação crítica. Ressoam, absurdamente, em muitos ambientes, como se fossem verdades incontestes. Na fanatice de uns e outros, ganham conotação dogmática, cruz credo! Contaminam a atividade comunitária, ao espalharem-se com velocidade de grama tiririca. As características malsãs desse fenômeno, registrado na fascinante esfera da comunicação célere, clamam por uma reflexão mais aprofundada das lideranças, dos formadores de opinião. No salutar sentido de proteger o sagrado interesse coletivo, projeta-se como extremamente necessário um estudo urgente, bem articulado, por gente realmente capacitada a analisar as consequências por inteiro da momentosa questão. Afigura-se indispensável a criação de salvaguardas legais, harmonizadas com os preceitos democráticos, que anteponham óbices eficazes à ação insidiosa em marcha. O que grupelhos minoritários e rancorosos estampam rotineiramente nas redes sociais não espelha o genuíno sentimento da sociedade brasileira. Em esforço diuturno condenável, esses radicais empenham-se em disseminar informações destituídas de fundamento com o indisfarçável objetivo de semear a confusão nos espíritos das criaturas desavisadas. O que anda acontecendo, aqui (e lá fora, também), em matéria de divulgação deturpada, impregnada de perversidade, remete a inglórios momentos da história. Goebbels, um dos artífices do nazismo, dizia que a mentira repetida acaba virando verdade. O sinistro Adolf Hitler, em “Minha Luta”, referenda, lugubremente, o insano conceito de seu fiel “aspençada”: “As grandes massas do povo (...) são mais facilmente vitimadas por uma mentira grande, do que por uma mentira pequena.”

Tem muito nego por aí deitando e rolando na internet, a emitir, com suas interpretações e versões mentirosas, certificado pessoal de haver captado com exatidão as aberrações conceituais hitleristas.

Um amigo meu, bem identificado no que diz e escreve pelo posicionamento crítico com relação às lideranças políticas e siglas partidárias, sem exceção alguma, conta-me uma historinha surreal que serve como magistral amostra da enxurrada de insanidades despejadas na internet. De um cidadão bem posto na vida pública, que já exerceu cargos relevantes, seu conhecido de longa data, recebeu postagem contendo “incrível denúncia”. A mensagem dava conta de que “a pensão de valor mais elevado paga pela Previdência Social favorece, ninguém mais, ninguém menos, do que a viúva de Che Guevara” tendo sido “concedida” pelo governo passado.

O destinatário da mensagem colocou, naturalmente, em dúvida a alegação. Sustentou que coisa assim, tão absurda, não passaria desapercebida às redes de televisão e imprensa de modo geral. Ficou de queixo caído com a réplica do propagador da denúncia. A observação que fez foi assim rebatida: “Deixe de ser ingênuo, companheiro. Só você não está sabendo  que as televisões, as rádios e os jornais receberam dinheiro dos grandes empreiteiros, por ordem do José Dirceu, para esconder os fatos graves que andam acontecendo.” Nada mais foi dito e, obviamente, nem foi perguntado. O kafkiano diálogo parou aí.

Só mesmo Shakespeare pra explicar, talvez, os desatinos cometidos nas redes: “É loucura, mas há método nela.”

Mais um bocado de 
indagações intrigantes


“É impossível saber o porquê de tudo. Mas pra muita 
coisa existem respostas que não podem deixar de ser dadas.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Como dito anteriormente, neste mundo do bom Deus em que o tinhoso costuma plantar barraco, semeando confusão e discórdia pra valer, as inexplicabilidades abundam. Perguntas brotadas da aflição e aturdimento das ruas sobrepairam suspensas no ar, na ausência de respostas convincentes. Mal comparando, as perguntas, em circunstâncias que tais, soam com o fragor de tempestade, a um só passo que as respostas têm o embalo de mero chuvisco causador de constipação. Recorrendo a mais uma metáfora: o volume das perguntas sugere rio caudaloso. O das respostas dadas, pequeno riacho.

A tremenda insuficiência de informações, de esclarecimentos ardentemente almejados decorre, em grande parte – é o óbvio ululante – da proverbial ignorância humana com relação ao colosso de coisas que permeia a conturbada aventura da vida na pátria terrena. Mas decorre, também, em menor escala naturalmente, de outros variados e significativos fatores. Há respostas sonegadas por conveniências políticas, econômicas, culturais, sociais. Conveniências, assinale-se de passagem, não poucas vezes espúrias. Há (e como há!) o sibilino comportamento de pessoas, grupos, corporações, de diferentes matizes, morbidamente empenhados em falsear a realidade dos fatos.  E, a partir daí, compor versões deturpadas para fins de divulgação. Há um mundão de gente, posando de “sabichões”, de “proprietários da verdade”, navegando nas mesmas fétidas águas da adulteração dos registros cotidianos ou históricos, que finge entender dos assuntos, arvorando-se, sem pudor algum, a emitir explicações na base do “lero-lero”. Desprovidas de fundamento, logicamente.

Estas considerações nos estimulam a alinhar, outra vez mais, novos “porquês” sobre situações que intrigam e amofinam o cidadão do povo.

A Embraer é uma empresa brasileira internacionalmente aclamada como polo de tecnologia avançadíssima, na área da aeronavegação. De tempos a esta parte, personagens ligados ao governo central vêm sustentando, de forma obsessiva e, igualmente, suspeitosa, a necessidade de desnacionalizá-la. Revela-se muito forte, também, a disposição dos mesmíssimos personagens em proceder, de idêntica forma, no tocante à Eletrobras, outra referência importantíssima na estrutura desenvolvimentista nacional. Indaga-se: por quê todo esse incontrolável afã em torno de empreitadas sabidamente rechaçadas pela consciência cívica das ruas e pelo sentimento nacional?

A Justiça tem proferido, com frequência, decisões contrárias ao ganancioso sistema de saúde privada, no que diz respeito à indecente duplicação do valor das mensalidades dos usuários, quando estes se abeiram dos sessenta anos de idade. As decisões deixam claramente documentado que, assim agindo, os planos de saúde agridem acintosamente os direitos humanos e o estatuto dos idosos. Derrotadas nas Instâncias inferiores, as empresas vêm interpondo recurso atrás de recurso procrastinatórios, arremessando a análise decisiva para outra esfera. Indagação que se recusa a calar: Será que já não chegou a hora de os poderes mais elevados da Justiça definirem, vez por todas, com um saneador veredito, tão tormentosa questão? Por quê não o fazem?

O influente complexo midiático, televisivo e impresso, que tanto se ufana em proclamar sua reta intenção e isenção nas abordagens da avalancha de maracutaias que assola o país, costuma manter-se reticente, quando não inteiramente mudo e quedo que nem penedo, numa situação muito bem caracterizada. É quando irrompem denúncias, que se vão fazendo constantes, tanto quanto já aconteceu com outras siglas partidárias comprometidas nos desvios e propinas, implicando eminentes próceres tucanos da Paulicéia. Por quê isso acontece?

O Presidente da República e a Presidente do Supremo Tribunal Federal omitiram, nas respectivas agendas de compromissos oficiais, o registro de encontro reservado que mantiveram, com ligação, presume-se, aos palpitantes acontecimentos políticos da atualidade. O episódio, como não poderia deixar de ser, foi recebido como muita estranheza, se não com perplexidade. O regramento institucional republicano e democrático desaconselha procedimento com essa conotação singular. Por quê isso aconteceu?


A SAGA LANDELL MOURA

Uma mulher rodeada de palavras

                             *Cesar Vanucci “Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “M...