A Academia de Letras do Triângulo Mineiro, sediada em Uberaba, festejou seus 55 anos. Na ocasião, homenageou o Acadêmico Thomaz de Aquino Prata, decano da instituição.
Os flagrantes do evento foram enviados pela Acadêmica Marta Zednik.
Lembranças de Natal
(Publicado no Diário do Comércio, BH, no dia 3 de janeiro de 2003)
Cesar Vanucci
"Natal. Apagam-se as luzes. Acende-se a
esperança."
(Eva
Reis, poeta)
Acho uma baita falta de consideração e muito pouco
ético esse negócio das pessoas desencarnarem no Natal ou nas imediações do
Natal. Falar verdade, a observação se aplica também a outros instantes de
sublimação coletiva, como, por exemplo, vitória na Copa do Mundo. Horas assim
não se aprestam a adeuses doloridos, nem separações bruscas. Natal é celebração
de vida e não momento de partida. Suas evocações simbólicas falam
alvissareiramente de chegada e de permanência. Dependesse de minha vontade, o
governo editaria medida provisória proibindo, em caráter irrevogável, que as
pessoas morressem nesse dia. As lideranças partidárias no Congresso seriam convocadas
para aprovar a peremptória decisão com a mesma ligeireza com que, no apagar das
luzes da temporada parlamentar, votaram o indecoroso aumento dos próprios
subsídios.
Esse meu inconformismo com o
"encantamento" que acomete alguns no período de comemoração natalina
está associado à lembrança de um Natal da meninice. Um episódio que deixou
marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos, todos, na mais santa alegria,
para os festejos. Os semblantes eram dominados pela idéia da trégua, do
repouso, da confraternização em seu significado mais puro e autêntico. O
aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda patamar que permitisse
essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir, como símbolo natalino,
a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da sadia. De repente, o impacto
de uma ocorrência brutal. Vieram nos contar que um garotinho da vizinhança,
companheiro de inocentes estripulias, havia perdido a vida numa enchente de
córrego provocada por chuva forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para
absorver aquele aparente triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento
de celebração da vida em plenitude. O incidente, naquela precisa hora, não
passava de um tremendo contrassenso. Claro, que a rolagem dos anos trouxe a
explicação. Mas o sinal daquela brusca ruptura com a vida ficou.
De outro Natal da infância já trago lembrança doce
e terna. Meus pais, Antônio e Antônia, me levaram pelo braço pra ver as
prateleiras apinhadas de brinquedos da Livraria São Bento, na rua do
Comércio, Uberaba. Pelo que entendi, o
local era uma espécie de entreposto usado por Papai Noel para guardar os
presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas casas dos meninos de bom
comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas mãos de da. Sinhá Brasil,
gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono chegar, as mãos postas e a
alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o pedido ao velhinho do trenó.
Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o pequeno bilhar que desejava
receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava haver testemunhado a chegada
de Papai Noel no quarto, de madrugada,
pé ante pé, para fazer a entrega dos
presentes encomendados. As reverberações mágicas daquele precioso instante
estão presentes em todas as celebrações natalinas deste amigo de vocês. Que se
vale do grato ensejo para desejar-lhes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
O presépio de Carlota
Cesar Vanucci
"Natal
(...) industrializaram o tema, eis o mal."
(Carlos
Drummond de Andrade)
O
presépio da vó Carlota era um primor. O mais arrumado da rua, a nos louvarmos
na opinião dos vizinhos. Ocupava quase a metade da sala de visita. A mesa de
jantar, de razoável dimensão, recoberta de sacos de aniagem e papel pardo de
textura encorpada, servia de suporte. Já o guarda-louças do conjunto precisava
ser remanejado para um dos quartos, "mode" que não atrapalhar o
deslocamento dos interessados em apreciar a arte e engenho empregados na
montagem. Vovó Carlota preparava tudo no capricho. Despejava na empreitada o
mesmo ardente fervor que punha nas práticas de religiosidade que lhe conferiam,
no conceito de tanta gente, a fama de santa criatura. Ao longo de vários
decênios, diariamente, de manhãzinha, acompanhada das filhas Nenê e Luzia,
subia a ladeira que desembocava na bela Igreja, toda revestida de pedra
tapiocanga, de São Domingos, a fim de participar das missas dos dominicanos. A
cena ganhou carinhoso registro na memória uberabense. A tal ponto que acabou
sendo transposta por Mário Palmério para as páginas do "Chapadão do
Bugre". Antes de retornar à história do presépio, quero dizer algumas coisas
mais a respeito de minha avó paterna. Essa mulher maravilhosa, presepeira
criativa, amealhou em vida considerável crédito, embora humilde e pobre, pelas
muitas ações, executadas no anonimato, em favor dos desvalidos. Fez parte na
caminhada pela pátria terrena, sem dúvida, do mundo invejável dos corações
fervorosos, um tipo de gente que engrandece a espécie. Quando adolescente,
deslumbrado, descobri a poesia de Manoel Bandeira, deparei-me com texto que se
encaixa admiravelmente em seu perfil. É aquele em que o poeta fala da presença
na porta do céu de uma anciã carregada de dons. São Pedro, vendo-a, vai logo
dizendo: - Você não precisa pedir licença pra entrar!
Volto,
agora, ao presépio para explicar que aquela representação simbólica do Natal,
com seu mágico fascínio, respondia à aspiração de pessoas afeiçoadas a estilo
de vida singelo de comemorarem condignamente, no âmbito familiar, a data mais
significativa do calendário. Era desmontado depois do "dia de Reis".
A introdução das figuras centrais no cenário sagrado só acontecia depois da
célebre "missa do galo", na volta de vó Carlota da igreja. As efígies
dos reis magos e a decoração correspondente à reluzente "estrela de
Belém" iam sendo paulatinamente deslocados, a cada manhã, em sua trajetória
na direção da manjedoura, até o dia do encontro devocional histórico narrado
nas crônicas do comecinho cristão. No mais, a comemoração daqueles tempos, de
hábitos consumistas parcimoniosos, costumava abranger ainda, com todos
reunidos, a tradicional ceia ou, no dia seguinte, almoço na base de frango
recheado e arroz de forno. Sem libações alcoólicas, tá claro. E, também, na
parte do ritual atribuído à criançada, sobrava para cada qual a grata obrigação
de deixar os sapatos no presépio para que Papai Noel, quando a casa mergulhasse
em sono profundo, largasse os presentes trazidos na carruagem puxada por renas.
Tudo
diferente das comemorações destes tempos de hoje, de consumismo voraz, em que a
marquetagem cria, com frenética desenvoltura, espaços para erigir como símbolos
natalinos o peru da Sadia e o chester da Perdigão.
Uma
baita saudade!
Amor Total
Cesar Vanucci
“Ame até doer.”
(Madre Tereza de Calcutá)
Este
despretensioso poemeto foi cometido para recitação em coro. Resolvi, depois,
compartilhar as singelas emoções nele inseridas com os meus amigos. Seguem
junto meus votos de um Feliz Ano Novo
pra todos.
Natal, poema de nazarena suavidade; / Instante
predestinado com timbre de eternidade. / Festa do amor total! / Cântico de amor
pela humanidade. / Exortação solene à fraternidade. / Festa do amor total!
Mensagem que vem do fundo e do alto dos tempos, /
A enfrentar, galharda e objetivamente, os bons e os maus ventos. / Amor pelas
coisas e amor pelas criaturas, / Serena avaliação das glórias e desventuras...
Um cântico de amor total! / Amor pelo que foi,
/Pelo que é e será. / Quem ama compreenderá!
Cântico de fé e de confiança; / O amor gera
sempre a esperança. / Quem ama compreenderá!
Amor que salta da gente pros outros; / Amor que
procura compreender os humanos tormentos, / Os pequenos dramas e os terríveis
sofrimentos, / As tristezas dilacerantes e as aflições incuráveis. / Os
instantes de ternura que se foram, irrecuperáveis.
Amor que procura entender / Pessoas e coisas como
são. / E não como poderiam ser. / Quem ama compreenderá!
Amor que soma e fortalece. / E não subtrai e
entorpece. / Visão compreensiva das humanas deficiências e imperfeições... /
Aquele indivíduo sugado pelo desalento. / Aquele outro, embriagado pelas
ambições... / O enfermo desenganado. / O menor desamparado. / O chefe
prepotente, / O empregado indolente, / O servidor negligente, / O grã-fino insolente, / O moço inconsequente, / O orgulho de gente / Que não é
como toda gente...
Não esquecer as pessoas amargas e solitárias, /
As criaturas amenas e solidárias. / Os homens e as mulheres com carência afetiva,
/ A mulher que, como esposa, se sentiu um dia Amélia, / A infeliz que da
prostituição se tornou cativa...
O rapazinho esquisito, / A mocinha desajustada, /
O pai que, de madrugada, / Espera pelo filho, insone e aflito.
Amor que envolve amigos e inimigos / E que se dá
a todos os seres vivos. Sempre e sempre, interpretação caridosa e serena do
cenário humano. / O jovem revoltado, / O político ultrapassado, / O servidor
burocratizado, / O boêmio, desconsolado e sem rumo, / que vagueia só pela
madrugada.
O irmão oprimido e desesperançado, / O favelado
humilhado, / O individuo fanatizado.
Compreensão para com essa mocidade de veste
berrante, / De som estridente, / Que se intitula pra frente...
Compreensão também diante da geração que se
recusa a aceitar o comportamento jovem do presente...
Solidariedade para o que crê nas coisas em que
acreditamos. / Tolerância absoluta para o que acredita fervorosamente em coisas
das quais descremos.
Amor sem ranço e sem preconceito, / Que dê a
todos o direito / De se intitularem irmãos...
Irmão cristão, irmão budista... / ... de se
intitularem irmãos / Irmão palestino, irmão judeu... / ... de se intitularem
irmãos / Irmão atleticano, irmão cruzeirense... / ... de se intitularem irmãos
/ A se darem as mãos / Para se intitularem irmãos...
Acolhimento à mãe solteira, / Protegendo-a dos
que a picham, em atitude zombeteira. / Benevolência para com o profissional
fracassado que não fez carreira.
Aplicação de critérios de justiça e caridade na
análise da postura daquele que feriu enganando / E daquele que maltratou
negando / Do que machucou informando e do que magoou sonegando informação.
Amor sem conta. / Amor que conta. / Amor que se
dá conta / Da palavra terna com feitio de oração. / Do gesto desprendido com jeito
de doação.
Amor por toda a criatura, / A desprovida de
ternura / E a cheia de candura. / Visão apaixonada do mundo do trabalho.
O idealizador da espaçonave, / O varredor de rua,
/ O pesquisador em laboratório /
E o cidadão que trata feridas em ambulatório /
O bombeiro
que conserta esgoto – que profissão nem sempre é questão de gosto.
Amor que procure compreender/Pessoas e coisas
como são,/
E não como poderiam ser. / Como são... /
E não como poderiam ser.
De tudo sobra a certeza de que o importante na
vida / É entender o sentido deste recado: / O Amor total, / Mensagem definitiva
do Natal!
(Este magnífico texto está sendo encaminhado
por Carlos Alberto Teixeira de Oliveira aos seus amigos)
No momento em que desce sobre o mundo o
espírito do Natal, que é o espírito da própria Infância,
é com emoção que me dirijo ao povo brasileiro - pedindo-lhe duas coisas
essenciais: paciência e esperança.
Sei que paciência não lhe faltou até agora;
sei que vivemos com os olhos fitos num dia melhor
e que esse dia melhor tem custado a chegar. Mas posso dizer que ele se aproxima
e que a luz da
esperança não ilumina um deserto, e sim um país que, para ser dos mais fortes e
seguros, não necessita
de outra coisa que não seja encontrarem os seus dirigentes e o povo, o caminho
que conduz à
realidade. Temos a possibilidade de ser uma grande nação, e sê-lo-emos. Quero
dizer, neste comovente
dia de hoje, que o trecho mais dificil da caminhada do Brasil já foi vencido.
Não há razão para
desesperanças, nem para descrenças. Tendo de atender aos interesses do futuro
da nossa pátria, pedimos
à geração presente algum esforço e sacrifício; mas temos certeza de que vamos
penetrar numa
era nova. Podemos orgulhar-nos de não termos sido obrigados a recorrer a nenhuma
espécie de constrangimento,
enfrentamos horas ameaçadoras sem que um só instante a liberdade do homem, de qualquer um, tenha sido reduzida ou suspensa.
Neste
dia, é bom que os brasileiros, que festejam o seu Natal em não importa que
sítio do imenso
território nacional, se lembrem de que são seres humanos independentes e que
ninguém tem o
direito de reduzi-los a silêncio ou fazê-los renegar a sua crença, esconder o
seu Deus, o mesmo Deus
hoje Recém-Nascido que desde a alvorada da nacionalidade vem velando pelo
Brasil.
A conquista da prosperidade e do conforto para
todos impõe trabalhos novos, e aproveito a oportunidade
para acentuar a noção de que a grandeza do Brasil é obra do seu povo, é uma
tarefa coletiva,
a que todos devem dar o seu apoio.
Desejo, neste momento, como fiz nos anos
passados - e agora mais do que nunca quando atinge
o seu termo a minha administração - pedir aos meus patrícios em geral, e aos
meus amigos em
particular, que trabalhem cada vez mais pela unidade e pela paz em nosso país.
Temos um objetivo comum - que a nação
brasileira prospere, solidifique-se e vença as suas lutas.
Não há nenhum interesse maior do que o da
justiça e da paz. Sem justiça e sem paz não lograremos
vencer nem afirmar-nos como nação civilizada.
Somos e desejamos continuar uma nação cristã.
Ser uma nação fiel ao espírito que o Natal
encarna exige estarmos vigilantes contra os que tentam
intrigar uns povos contra os outros, contra os que julgam impossível a
convivência entre doutrinas
e ideias opostas.
Ser uma nação cristã nos dias que correm e
considerar a injustiça social o que ela é realmente, um grande pecado contra o Cristo. Não é cristã
a nação indiferente à miséria, ao subdesenvolvimento com todo o seu cortejo de horrores.
Se queremos ser dignos de Cristo, temos de
lutar contra o aviltamento da pessoa humana pelo
pauperismo e contra a ofensa aos seres nossos semelhantes pela perseguição
racial.
Estamos
certos que na crise do mundo nada há que parece decisivo, que não possa ser solucionado dentro dos ensinamentos de Jesus
Cristo. A experiência, as próprias amarguras e as decepções autorizam a concluir que a fonte de
todo o mal do nosso tempo tem sua origem no afastamento
do ideal do cristianismo.
Nada se disse ainda tão certo e tão lúcido
como a afirmação que o nosso mundo ocidental depende
de uma retomada de fé. Mais do que os engenhos mortíferos, é a fé em Deus que
preservará os
homens livres.
Presidente da República de um pais cristão,
considero-me intérprete das aspirações de seu povo
generoso ao voltar-me em espirito para o humilde sitio em que nasceu o Salvador
do mundo, pedindo-lhe
que atente para esta hora difícil do
mundo e em que tão grandes perigos atravessa a humanidade.
Que a poesia do Natal penetre em nossas almas
e nos traga um novo alento, que nos permita enfrentar
a força de negação, hoje mais intensa do que nunca.
Só a Esperança em Cristo e a Fidelidade aos
Seus ensinamentos hão de proteger com eficiência a nossa Pátria e ao mundo que devemos
preservar da volta ao paganismo e da tirania negativista.
(Mensagem de
Natal transmitida pela “Voz do Brasil "' para toda a Nação Brasileira, já em 24 de dezembro de I 960 ao final do último ano do mandato presidencial. Esta
mensagem, além de outros 250 diferentes discursos proferidos durante os anos na Presidência da República constarão do novo livro intitulado JUSCELINO
KUBITSCHEK - Mensagens à Nação Brasileira de
autoria de Carlos Alberto Teixeira
de Oliveira - que circulará em breve)