sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Augusto Cesar e 

a liberdade de crença



Cesar Vanucci

“Ele apresentava acentuada preocupação por temática brasileira na programação.”
(Artur da Távola)

É provável que, neste acolhedor espaço do vibrante DC, nestes longos anos de enriquecedor contato, dia sim, dia não, religiosamente, com os leitores, já tenha surgido referência à admiração suscitada, ao tempo de ginasiano no Liceu do Triângulo Mineiro, Uberaba, pela erudição revelada na ação pedagógica do saudoso professor de Ciências José Peres, por sinal, excelente pianista. Eu considerava o máximo, sem intenção de trocadilho, as “máximas” com que ele enfeitava as dissertações. Guardo ainda hoje várias delas na memória velha de guerra. Revejo, saudosista, o momento em que ele - pronúncia enfática, sincronizada com a gesticulação denunciando pendor teatral não demonstrado, ao que saiba, em palco - proclama em sala de aula intrigante sentença: “Louvor em boca própria é vitupério!” Lembro-me de haver indagado: “Na boca de parente próximo, também?” Ele titubeou, mas acabou dizendo que sim.

Abuso à parte, que segundo o dicionário é a expressão branda de sinonímia para vitupério, animo-me com disposição a dar sequência aqui à louvação da obra executada, em sua peregrinação na pátria terrena, pelo saudoso mano Augusto Cesar Vanucci. Pelo que ele fez em vida não há como não classificar de justa a carinhosa manifestação de saudade que amigos, ex-colegas de ação profissional lhe prestaram no Teatro Vanucci, Rio de Janeiro, em ciclo de palestras seguidas de encenações teatrais, no findo mês de novembro, focalizando sua vitoriosa trajetória humana e profissional.

Ocupo-me agora de um trabalho que ele realizou, como líder carismático e cidadão possuidor de arraigadas convicções ecumênicas, em favor da liberdade de consciência e de crença. Recorro a esplêndido testemunho dado a respeito por ninguém mais, ninguém menos, do que Artur da Távola, influente jornalista e parlamentar já não mais entre nós. Oportuno anotar, antes desse testemunho acerca da atuação de Augusto Cesar em defesa dos valores humanísticos e espirituais sublinhados, o retrato que ele, Artur, fazia de meu irmão como ser humano e como exponencial figura na área da comunicação social e do entretenimento. “Um iluminado!” Assim o descrevia. Completava: “Sente-se na palavra de Augusto Cesar Vanucci comovente fé, vivida e exercida em tempos aparentemente impróprios, pois materialistas; e numa atividade, a artística, marcada por inusitadas expansões existenciais, busca de prazer e mergulho nas patologias contemporâneas como corajosa forma de viver os impasses, dores e esperanças de tempos agônicos.” (...) “Vanucci viveu realidades paralelas aparentemente estranhas entre si, mas particuladas: intensa ação como homem de televisão (um dos mais importantes, acrescento eu) e a atividade espiritual, marcada por contrição permanente, fé inabalável, tendo que conciliar em seu interior, as exigências do meio externo com recebimento de mensagens espirituais permanente.”

Artur da Távola assevera ainda haver acompanhado, de perto e de dentro, em análises diárias na televisão, o percurso de Augusto como diretor de programas, “completamente diferente dos demais”. Augusto “possuía estilo (que a televisão insiste em não permitir); apresentava acentuada preocupação por temática brasileira no conteúdo; buscava um formato para um show brasileiro de televisão e sempre encontrava alguma forma engenhosa de colocar matéria de natureza mística.” Levava ao ar programas sobre a paranormalidade e a espiritualidade sem sensacionalismo, acrescenta.

O papel desempenhado por Augusto Cesar nas lutas pela liberdade de crença entra agora no registro de Artur da Távola. Na Constituinte, magno momento da vida brasileira, Augusto ocupa a tribuna da Câmara. “Falou bonito, forte e comovente”, acusa o deputado Távola. Prossegue: “A Constituição não saiu exatamente como queríamos, mas foi aprovado, graças a emenda de minha autoria e por influência dele, Augusto, um texto que lá está, oxalá para sempre, o que garante a liberdade da prática religiosa. Diz o seguinte: “Artigo 5, inciso VI – É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.” Távola relembra ainda que o texto sofreu ameaça de uma restrição que entregava à polícia a possibilidade de impedir, em avaliação inevitavelmente subjetiva, “práticas religiosas que viessem a ser consideradas perigosas.” Explica: “A restrição abriria porta ao arbítrio. Qualquer autoridade poderia (...) impedir a plena liberdade de culto.” E arremata: “Derrubamos a restrição, graças a emenda minha em íntima articulação com Vanucci e outros.”


Testemunhos e

episódios sugestivos


Cesar Vanucci

“Distribuiu esperança apaixonadamente. Tudo com força e bondade.”
(Borjalo)

Eva Tudor, a grande atriz que recentemente, quase centenária, passou a não mais ser vista, por já haver transposto a curva da estrada - indesviável para todos os mortais -, como descrito num poema de Fernando Pessoa, no começo de sua refulgente carreira, anos 40, encenou uma peça no Cine Teatro Royal, Uberaba. A produção do espetáculo viu-se compelida a convocar às pressas, por imposição do enredo, como ator improvisado, para rápida passagem no palco, um garoto com menos de 10 anos. Mano Augusto Cesar o escolhido. Essa participação na trama protagonizada por artistas de renome vindos da capital, a “Cidade Maravilhosa, de encantos mil, coração do meu Brasil”, rendeu-lhe o primeiro cachê artístico.

Ninguém envolvido na improvisada cena, engendrada pelo caprichoso destino, seria capaz de imaginar, naquele instante, que a atriz e o guri, muitas décadas transcorridas na marcha da vida, figuras já consagradas no mundo fascinante do entretenimento cultural, se reencontrariam em atividades cotidianas como fraternais amigos. Não sei dizer ao certo se o episódio ora narrado chegou a aflorar algum dia nos bate-papos de Eva e Augusto, no extenso período de uma convivência profissional pontilhada por admiração e simpatia recíprocas. O que sei muito bem é que Eva Tudor fez questão de anotar um depoimento extremamente carinhoso a respeito do colega, quando de sua partida em 30 de novembro de 1992. Suas as palavras seguintes: “Pela fama, o nome Vanucci já inspirava fé. Foi uma dádiva de Deus conhecê-lo. Tenho certeza de que, onde estiver, ele estará brilhando com sua luz própria. E olhando por nós.” O que sei também dizer, valendo-me de guardados familiares, é que são bastante numerosos os testemunhos de episódios sugestivos, guardando a mesma tonalidade afetuosa e terna, transmitidos em diferentes ocasiões por alguns personagens exponenciais do cenário artístico brasileiro a respeito da trajetória pessoal e profissional de Augusto Cesar.

Como prometido a amigos e colegas do mesmo, responsáveis pela promoção, no Rio de Janeiro, no ciclo de palestras mencionado em meus mais recentes artigos, sirvo-me agora deste acolhedor espaço para, prazerosamente, anotar algumas dessas manifestações. É Bibi Ferreira, primeira dama do teatro (ouvi certa feita, numa entrevista na tevê, a magnífica Fernanda Montenegro admitir isso), quem conta: “Um dia, o Vanucci esteve aqui em casa. Levei-o ao meu quarto para ver um quadro, ele levou um susto e perguntou, por quê? Disse-lhe: porque você é um grande amigo, porque está e estará sempre no meu coração e na minha lembrança. A surpresa de Vanucci foi porque no meu quarto eu tinha mandado emoldurar uma foto colorida dele, arrancada de uma revista, colocando-a sobre minha escrivaninha. Nós éramos dois grandes amigos. É só isso.”

Para J.B. de Oliveira Sobrinho, o Boni, “Augusto Cesar Vanucci foi realmente especial. Foi a pessoa mais carinhosa com quem já trabalhei. Um ser humano iluminado, pleno de amor e paz, pronto para distribuir afeto e ajudar material e especialmente a todos, sem distinção (...) jamais será esquecido.” Segundo Borjalo, “Augusto era chuva, cachoeira, fogo, terra, água, vento. Tinha o vento forte que varre, tinha a brisa que beija, o fogo que queima e purifica, o fogo que aquece (...) Distribuiu esperança apaixonadamente. Fazia tudo com força e bondade.”

A palavra está agora com a apreciada atriz Beth Faria: “Em horas difíceis da minha vida, foi um amigo maravilhoso que me deu a mão. (...) Em 1978, fizemos juntos, na TV Globo, o musical “Brasil Pandeiro”, um programa mensal lindo.” (...) “Por causa desse programa fizemos algumas viagens com o corpo de baile da TV onde tivemos oportunidade de firmar nossa amizade.” (...) “Para mim, Augusto virou um anjo, uma estrela.”

“Augusto Cesar foi um pedaço de céu que caiu na terra. No meio artístico poucos souberam (ou conseguiram) ter sua grandeza e bondade. Sua competência e humildade, seu talento e seu coração magnânimo.” Este trecho é de um texto de Chico Anísio. Na palavra de Agildo Ribeiro, “a figura extra notável” do amigo de dezenas de anos gerou um pensamento que sempre acompanha o aplaudido comediante: “Eu convivia com um santo e não sabia”. Dercy Gonçalves, considerava “fácil trabalhar com o querido Vanucci, um cara iluminado e cheio de talento.” Por ela amado, “principalmente por entender minhas broncas”.

Se o espaço comportasse, poderia alongar ainda mais os registros trazidos sobre Augusto Cesar, dentro desta mesma linha de apreço e reconhecimento profissional, por outras personalidades de relevo nas áreas cultural e espiritual da vida brasileira. Entre outros, Roberto Carlos, Roberto Marinho, João Jorge Saad, Aloyzio Legey, Guio Moraes, Paulo Figueiredo, Mário Lúcio Vaz, Chico Xavier, Divaldo Franco.


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