600 mil
“E pensar que,
há pouco tempo, as manchetes
bradavam “que
horror” pelas 100 mil vidas ceifadas!”
(Domingos Justino Pinto)
Quando os nossos mortos pela Covid-19 chegaram aos 100 mil, as manchetes, exprimindo o sentimento das ruas, utilizaram a expressão “horror” para definir o que vinha sucedendo na pátria amada naquele instante. Numa praia carioca, as vítimas foram pranteadas numa cena de forte simbolismo. Todos nos recordamos de que as 100 cruzes plantadas no local foram alvo de vandalismo, numa demonstração de boçalidade talibanista, que deploravelmente, tomando feições variadas, se repetiria em numerosas ocasiões.
Chegamos, agora, melhor dizendo, ultrapassamos agora os 600 mil casos fatais. Que expressão extrair do vocabulário para traduzir a dolorosa situação? Quinto país mais populoso, com 2,4% dos habitantes do planeta, “respondemos”, chocantemente, por mais de 12% dos óbitos assinalados nas estatísticas. Nos macabros registros do flagelo, “nossa” média de casos é 5 vezes superior à média universal. Colocamo-nos em indigesto segundo lugar na classificação geral dos países em volume de mortos e infectados, superados, apenas, pelos Estados Unidos e na “dianteira” de países como a Índia, a Rússia e a China.
A quantidade de vidas arrebatadas, em poucos
meses, ao convívio das famílias brasileiras equivale ao número de habitantes de
Uberlândia, segunda cidade em população de Minas Gerais.
O relato da história da pandemia no Brasil é muito impactante. A CPI do Senado municiou a opinião pública com informações cruelmente reveladoras. Os estudiosos das políticas públicas de saúde, o mundo da ciência, representado por médicos, infectologistas, agentes de saúde são unanimes em assegurar, com fervorosa convicção e profunda indignação, que os casos fatais e os de pessoas infectadas poderiam ter sido bem menores, não fossem os atos falhos cometidos em demasia pelos encarregados institucionalmente da condução do processo de enfrentamento da tragédia. Revelaram tibieza, foram morosos na adoção das medidas preventivas, negligentes em procedimentos básicos. À incapacidade operacional ainda se juntou o indesculpável negacionismo científico evidenciado em decisões tomadas ao arrepio do bom-senso e da respeitabilidade profissional. Uma pergunta perturbadora fica entalada na garganta da gente do povo: Quantas vidas preciosas poderiam ter sido salvas se a atuação dos órgãos competentes não houvesse enveredado por rumos equivocados, mais do que isso, por caminhos desastrados?
O relatório da CPI do Senado, enfeixado em mais de 1000 páginas, vai provocar, obviamente, agitação e discussões políticas bastante acesas. Há de se esperar de todos os protagonistas, acusadores, acusados, investigadores, investigados, serenidade e senso de justiça, de modo a assegurar que os desdobramentos permaneçam rigorosamente sintonizados com os ditames institucionais.
De outra parte, faz-se imperioso que fatos e providências constitucionais decorrentes da CPI possam seguir o seu curso normal, não criando empecilhos à retomada do desenvolvimento. A inflação, o desemprego, a estagnação de negócios, a inexistência de projetos que abram frentes de trabalho, compõem, nesta hora, uma encrenca social e econômica de proporções. As lideranças precisam demonstrar disposição para o diálogo e para o trabalho conjugado que aponte as saídas para as crises. Com as invejáveis potencialidades que ostenta nosso país não pode continuar registrando, com ou sem pandemia, os índices ridículos de crescimento que o colocam em incômoda classificação na lista dos chamados países emergentes. O lugar que lhe está reservado no concerto das Nações é bem outro. E isso depende de lideranças clarividentes, boas ideias, bons projetos, trabalho, muito trabalho. Coisas que contrastam significativamente com o que anda rolando hoje no pedaço.