O
carnaval que passou
Cesar Vanucci
“O carnaval è a única festa nacional que
consola a gente do calor,
da queda do mil-réis, da política, dos
programas de salvação pública...]”
(Ribeiro
Couto, 1898-1963, já naquela época)
O carnaval que eu vi foi ao vivo e em cores.
Isso mesmo, pela televisão. Os jornais ofereceram informes complementares para
o que, agora, em boa e leal verdade, faço questão de registrar.
Louve-se,
antes de tudo mais, a magnífica cobertura jornalística. “Imprecionante!” (deixa
com “c” mesmo, no padrão ortográfico adotado por uns tantos adeptos das
“teorias revisionistas contemporâneas”). A argúcia dos repórteres não deixou
escapar nadica de nada. O extraordinário espetáculo de euforia popular foi
retratado de forma estupenda. Quem pôde contemplá-lo, presencialmente ou à
distância, tomando por base tudo aquilo que andou pintando no pedaço, do
Oiapoque ao Chuí, não tem como fugir a uma inarredável constatação. O carnaval
brasileiro constitui, sem qualquer vislumbre de dúvida, a maior festa popular
deste planeta azul sacudido por permanentes sobressaltos.
Sei
não. Por isso peço “ajuda aos universitários”, no caso representados por
antropólogos, sociólogos e tarimbados foliões, para que confirmem ou discordem
da tese. Mas entendo, cá com os meus botões, que a folia momesca vivida nas
ruas brasileiras, neste ano da graça de 2020, suplantou nitidamente, em brilho
feérico e como projeção de política cultural, esplêndidos carnavais de anos
passados. Senti os indivíduos mais soltos, mais desinibidos, mais
descontraídos, mais donos de si, no meio das multidões. Encontrei uma prosaica
explicação, naturalmente brotada de meus apoucados conhecimentos de psicologia,
para o fato. Acossado, cotidianamente, no atacado e no varejo, por incontáveis
problemas, atormentado pela paralisia econômica, pelo ritmo pífio de
desenvolvimento, pelo desemprego em proporções cruéis, pela danada da
corrupção, pela falta de criatividade e iniciativa das lideranças em
conceberem, conforme ardentemente almejado pela opinião pública, projetos de
crescimento econômico e social a médio e longo prazos, o povão descobriu nas
ruas um desaguadouro ordeiro e eficiente de suas maltratadas emoções. Escolheu
o carnaval para catarse, para desafogo.
Usando
de muita inventividade, em grupos, blocos, carros alegóricos incríveis,
repletos de recados sociais e políticos altamente sugestivos, proclamou, às
vezes sutilmente e noutras vezes com bastante ênfase, esperança e crença
inabaláveis num Brasil mais justo, mais igual, mais fraterno, mais ecumênico,
onde a cultura popular e as diversidades comportamentais sejam olhadas com
respeito, como valores que enobrecem o espírito humano. A alegria espontânea
despejada nas ruas e praças, ao som da batucada, conectada com sátiras
bem-humoradas, envolventes cantorias, esfuziantes alegorias e sonoros refrões
de conotação social, econômica e política, traduziu de forma esplêndida – não
há como negar - o autêntico, o genuíno sentimento nacional.
Agora,
algumas considerações específicas a respeito do carnaval de rua de Belo
Horizonte. Cabe reconhecer, jubilosamente, que ele ganhou, de tempos a esta
parte, desvencilhando-se de algum marasmo antigo, notável pujança. Vem deixando
à mostra, em traços frisantes, o poder extraordinário da vontade popular quando
canalizada em empreitadas de interesse comum. Espelhando as emoções simples da
gente do povo, afastando-a por bons momentos de suas desditas, os folguedos
carnavalescos serviram, certeiramente, para reaquecer as atividades econômicas,
vinculadas ao comércio, ao turismo, à hospedaria. Mas, mais do que isso, as
manifestações de rua na Capital mineira, denotando esmero no planejamento e
organização, vale como encorajador exemplo para empreendimentos outros que
exijam conjugação de vontades, concatenação de esforços com vistas a
realizações voltadas para causas do bem comum. O Brasil anda bem precisado
disso, não é assim?