Cemig:
privatização fora de propósito
Cesar Vanucci
“O povo (...) vai ter energia
fornecida por uma empresa privada,
que vai piorar a qualidade do serviço e vai
cobrar mais caro”
(Engenheiro Aloisio Vasconcelos,
ex-diretor da Cemig”)
Razões
mais do que convincentes. Ousamos mesmo afirmar: irrespondíveis. À luz do bom
senso, do sagrado interesse público, das respeitáveis conveniências políticas,
sociais e econômicas, a pretendida privatização da Cemig é simplesmente
inaceitável.
A entrevista que o engenheiro Aloísio
Vasconcelos, ex- diretor da estatal de energia e ex-presidente das Centrais Elétricas
Brasileiras (Eletrobras), concedeu, a propósito da flamejante questão, ao “Diário
do Comércio”, edição de 18 de setembro passado, fundamenta impecavelmente o
estridente equivoco em que o governo de Minas Gerais labora, com estimulante
apoio de alguns setores da administração federal, ao colocar em andamento
conjunto de ações com o fito de transferir para grupos privados um bem público
valiosíssimo, de extraordinária importância estratégica para o Estado e para o
País.
Quem se der ao trabalho de ler, com a devida
atenção, os lúcidos argumentos alinhados no citado depoimento, chegará,
inapelavelmente, de forma serena e objetiva, à intransponível conclusão de que
a anunciada desestatização constitui, em termos definitivos e de forma irreplicável,
um baita de um péssimo negócio. Se chegar a ser efetivado, por algum
imperdoável descuido administrativo ou parlamentar, redundará numa operação
desastrada. Mais uma, por sinal, na encorpada lista das privatizações
desnecessárias. Privatizações impostas, como sabido, ao todo da sociedade, por
força de insensibilidade política associada à ambição desmesurada de
minoritários grupos de mercadores oportunistas.
Depois de indagar se o governo, “que é
passageiro e acaba daqui a 3 anos”, tem o direito de passar para terceiros um
patrimônio dessa magnitude, “que é de longo alcance e já tem quase 70 anos”,
Vasconcelos explica que, em apenas 2 anos, Minas Gerais terá condições de
receber em dividendos, como fruto das operações da Cemig, todo o dinheiro equivalente
ao valor a ser supostamente apurado nessa transação que a opinião pública
mineira maciçamente repudia. Nas considerações críticas levantadas pelo
engenheiro, reconhecido especialista na temática energética, é anotada também a
circunstância de que as empresas privadas de eletrificação se recusam,
invariavelmente, a participar de projetos sociais do gênero “Luz para todos”,
por não serem lucrativos. Com tal postura, impedem sejam levados às zonas
campestres os tão almejados benefícios da chamada “eletrificação rural”. Outra
contraindicação à privatização da Cemig, uma empresa de alta eficiência e
esplendida lucratividade, está configurada, segundo Aloísio Vasconcelos, na
constatação de que “as empresas privadas ou que foram privatizadas, todas elas,
sem uma única exceção, aumentaram o custo da energia após a privatização”. E,
ainda, o que é muito preocupante para a população mineira, “... tiveram uma
piora nos índices que medem a qualidade da energia”. Em Goiás, num caso recente
de privatização, a população sai às ruas, todos os dias, brigando e protestando.
A privatização, no episódio relativo ao vizinho Estado, favoreceu uma empresa
italiana. O entrevistado garante: “O povo de Minas Gerais, que aprova a Cemig
por 84% e 16%, vai passar a ter sua energia fornecida por uma empresa privada,
que vai piorar a qualidade do serviço e cobrar mais caro por isso. Isso é
inaceitável. A Cemig tem hoje 8,5 milhões de consumidores. Claro que não vão
ser ouvidos”.
O ex-diretor da Cemig e ex-presidente da
Eletrobras é ainda de opinião que a chance de vender a Cemig é mínima.
Primeiro, devido ao fato da esmagadora rejeição popular à despropositada ideia.
Segundo, pela contingência de que a Constituição estadual exige seja a
transferência aprovada em dupla votação na Assembleia Legislativa, com quorum
qualificado (50 deputados a favor). E, ainda assim, caso o Parlamento ceda a
pressões do governo, aprovando a privatização, a decisão final só poderá ser
adotada depois de um referendo popular.
Sabedores de que a tese da privatização não
encontra eco no seio da comunidade mineira, as forças empenhadas em levar a
cabo, a qualquer preço, a empreitada desestatizante, concentram todo esforço na
tentativa, agora, de persuadir os integrantes da Assembléia Legislativa a
alterarem o dispositivo constitucional que remete a decisão a escrutínio
público. Vasconcelos prognostica que, se esse absurdo prevalecer, a Cemig
acabará sendo adquirida, provavelmente, por uma estatal estrangeira, da China,
da Itália ou da França. Sem dúvida alguma, um contrassenso risível que
poderemos ser compelidos a engolir como consequência de deliberações políticas
inteiramente despojadas de sentimento nacional.
Por derradeiro, convidamos o leitor a por
tento em mais este outro argumento levantado na entrevista comentada. A
privatização da Cemig é desaconselhável por causa do controle sobre os rios.
“Para se ter uma idéia da importância do domínio dos rios, nos Estados Unidos,
as usinas que têm domínio do rio, como as do Tennessee, Chattanooga, são
administradas pelo Exército americano. Não é nem pela engenharia privada ou
estatal. São controladas militarmente por causa do domínio do rio”, esclarece
Vasconcelos.
Encurtando razões: diante de tudo quanto aqui
exposto, só mesmo o excesso de má vontade, de desconhecimento de causa e de
arrogância poderá tentar encontrar “sentido” na tese da privatização de uma
empresa com as características da Cemig. Fim de papo.