Evocações do meu
passaporte (II)
Cesar Vanucci
“A
pechincha, entre nós, é uma arte”.
(Raful
Rasweh, comerciante indiano)
É tudo na base da pechincha.
Fazer compras na Índia é um maná, como se
costumava dizer em tempos de antigamente. Se os sacoleiros tupiniquins se
dessem conta das ofertas incrivelmente convidativas daquelas bandas, muitos
voos encomendados com o destino de Nova Iorque e Miami (hoje, por sinal, reduzidos
a pessoas com resistência de Hercules, com saco para enfrentar as barreiras
burocráticas e racistas montadas pela imigração estadunidense) seriam
deslocados para Nova Delhi, Calcutá e Bombaim. As agências teriam, nesse caso,
que se aparelhar para orientar os compradores na milenar prática da pechincha.
A pechincha adquire, nos domínios indianos,
prerrogativa de arte. Nem bem o freguês toca, disfarçadamente, uma mercadoria
na prateleira e já o vendedor, olhar de lince a acompanhar todas as suas
reações, dispara: - Dez dólares!
Vendedor e comprador passam para o enfrentamento a partir daí, ambos
sentados, o primeiro com os pés descalços no piso acolchoado da loja, que varia
em conforto na proporção da importância do artigo estocado. A aceitação pura e
simples da proposta sem revide pode deixar suspenso no ar um toque de
desconforto. Pechinchar é preciso. Faz parte da essência do negócio. Ignorar
esse pressuposto negocial pode soar como insulto. Numa transação conduzida
nesses conformes, o lance inicial acaba despencando. Caindo barbaridade. Com
mil dólares na carteira, o turista promove verdadeiro carnaval em matéria de
compras, sobretudo se seu interesse estiver fixado em tecidos, objetos
decorativos, ourivesaria. Um desses belíssimos tapetes que custa por aqui, nas
lojas do ramo, os “olhos da cara”, é adquirido lá, na fábrica ou loja, na
“bacia das almas”, que nem acontece, volta e meia, nos esquemas brasileiros
relacionados com as tais privatizações.
O arcabouço instalado para atender ao turismo cobra, em termos
brasileiros, preços bem razoáveis. Isso vale para hotelaria, transporte,
alimentação etecetera e tal.
Os vendedores ambulantes, os famosos camelôs,
são um capítulo à parte no comércio indiano. Atacam em bandos. Aprontam uma
tremenda duma algazarra à volta do cliente.
Arriscam propostas em tudo quanto é idioma, para ver se acertam o do
freguês. A este recomenda-se assumir, na incômoda circunstância, postura de
bonzo. Permanecer mudo e quedo que nem penedo. Cara fechada, “estilo nada sei,
nada vi, nada ouvi e rejeito papo”. As operações de compras, a preços sempre
atraentes, quando se deixa o ponto turístico visitado, acabam sendo fechadas
com o cliente já devidamente instalado em sua poltrona no ônibus. O guia dá uma
de intermediário nas propostas e contrapropostas derradeiras. Tudo faz parte do
show da vida indiana. Mas, num primeiro momento, quando a chusma de vendedores
irrompe à frente, no auge do desconforto, pode bater no espírito a ideia
incrível de que houve equívoco quanto à escolha do lugar da viagem. O melhor
teria sido talvez optar por uma biboca perdida nos cafundós do judas despojada
de qualquer tipo de atração não pela cidade indiana visitada. O mal-estar dura
pouco. Pela frente, explode muita coisa assombrosa pra ver, sentir e tocar. A
Índia proporciona, na verdade, um bombardeio sensorial que imprime na
imaginação duradouras e extasiantes imagens.
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