sexta-feira, 29 de junho de 2018


Crime de lesa-humanidade

Cesar Vanucci

“Tô com saudade de você mamãe!”
(Garoto salvadorenho de 9 anos, no primeiro contato com a mãe depois de um  mês da separação de ambos promovida pelo serviço de imigração estadunidense)

Para muita gente no juízo perfeito a dúvida que persiste, quanto a sanidade mental de Donald Trump, fica cifrada apenas numa averiguação meticulosa sobre se ele costuma arremessar pedra em avião com a mão solta, ou se vale de uma atiradeira mode quê fazê-lo. São a perder de vista as evidências de que a cachola do supracitado cidadão comporta insuficiência de parafusos.

Entre renomados especialistas nos ramos psiquiátrico e psicológico há quem não hesite, instante sequer, a propósito das reações do cara, em sustentar o diagnóstico de doido varrido. Já outros estudiosos do comportamento humano mostram-se menos contundentes na avaliação. Mas, mesmo evitando declinar expressamente o grau extremado da desordem psíquica do dito cujo, ainda assim recorrem, nas análises, a expressões e metáforas que acabam soando em ouvidos mais atentos como sinônimas da palavra maluquice.

Em decisões, declarações, rompantes públicos, registros nas redes sociais, o dirigente do mais poderoso país do planeta, detentor do “direito” de poder acionar dispositivos com capacidade para produzir o armagedom dos pavores universais, documenta exuberantemente, ao vivo, um inequívoco caso clínico que espalha desassossego à pamparra. Os traços de paranoia, narcisismo e arrogância, notórios em sua personalidade, o destempero verbal municiado por inocultável obtusidade intelectual geram perplexidade e inquietação crescentes. Levantam expectativas sombrias quanto ao que possa vir a acontecer, de inesperado e impactante, como resultado de suas delirantes elucubrações.

É, pois, correta a associação do nome do homem a uma ameaça à segurança da humanidade. Naquela cabeça, adornada por penacho dourado apreciado pelos chargistas, reside claramente um baita perigo. A sinalização abundante de sua egolátrica perturbação compreende agravos, indistintamente, a adversários e companheiros. Indoutrodia, vimos como ele contribuiu eficientemente para o fiasco da reunião do G-7. Depois de haver aposto o chamegão no documento, retirou sem mais essa ou aquela a assinatura do comunicado consensualmente elaborado pelos participantes do certame. Diante de seus aturdidos pares, acusou o Primeiro Ministro do Canadá, Justin Trudau, de “fraco, desonesto e indigno dos tempos de Trump”. Algo simplesmente inusitado na crônica do relacionamento diplomático de aliados tradicionais.

Sair, sem maiores explicações, de acordos importantes para a causa da paz, inventar sanções econômicas em negócios com parceiros viraram moda em suas oscilantes interpretações do jogo político internacional. Ameaçar os outros com o arsenal destrutivo avassalador dos Estados Unidos é parte do repertório apresentado à plateia mundial, em sua ânsia de protagonismo como líder imperial supremo. As tensões trazidas com suas atitudes deixam terríveis sequelas. E nem é o caso de estender muito a lista dos infindáveis eventos de consequências nocivas irrompidos por culpa dos destemperos de Trump.

Concentremo-nos, portanto, apenas, por agora, em seu gesto apavorante mais recente. Exatamente, aquele caso da crueldade praticada contra criaturas indefesas com a alardeada política de imigração na base da “tolerância zero”. Mesmo entre os mais embrutecidos em termos de sensibilidade, não houve quem não recordasse o holocausto promovido pelo nazismo ao contemplar as cenas, mostradas na tevê, dos milhares de pais e filhos virulentamente separados e encaminhados a centros de detenção diferenciados. E o horror não parou aí! O destino de uns e outros ainda permanece incerto e não sabido. Recolhidos a verdadeiras jaulas, pais e filhos não conseguem se comunicar. Às vezes, por meses inteiros.

As pessoas providas de lucidez de espírito, sensibilidade social, solidariedade humana encontram dificuldade em compreender como algo tão hediondo possa ser perpetrado, conscientemente, em flagrante escárnio aos direitos humanos fundamentais, num país que tanto se ufana de seu estágio civilizatório! O crime de lesa-humanidade está mais que configurado nessa ação do governo Trump.

Doidice sim, mas existe, por trás de tudo, um método perverso de teor racista. Há adeptos do hitlerismo soltos na praça.



O dever de alertar

Cesar Vanucci

“Uma pessoa mentalmente instável, como o senhor Trump, 
não deve exercer competências presidenciais com poder de vida ou morte”.
(Judith Lewis Herman, de Harvard, e Bandy Lee, de Yale)

Confessando-se leitora assídua dos artigos deste desajeitado escriba, Maria Magdalena Fagundes Amaral, professora, manifesta plena concordância quanto aos conceitos expendidos no comentário passado, referente à cruel decisão do presidente Donald Trump segregando pais e filhos a pretexto de combater a imigração ilegal. Coloca-nos, ao mesmo tempo, a par do lançamento, ainda recentemente, nas livrarias dos Estados Unidos, do livro “O Perigoso Caso de Donald Trump” (“The Dangerous Case of Donald Trump”, título original). Adiciona a explicação de que a publicação já entrou no circuito das redes sociais.

Os autores, médicos psiquiatras, psicólogos, advogados, pensadores, terapeutas, analisam sob diversas facetas o perfil do atual mandatário de seu país. Chegam à conclusão, sem discrepância, de que o personagem em foco tem mesmo o “miolo mole”, como é de costume dizer-se na saborosa linguagem das ruas. “Coletivamente com nossos coautores, afirmamos peremptoriamente que uma pessoa mentalmente instável, como o senhor Trump, não deve exercer competências presidenciais com poder de vida ou morte”, pontuam no prefácio os especialistas em comportamento humano Judith Lewis Herman, da Universidade de Harvard, e Bandy Lee, da Universidade Yale. Lance Dods, também de Harvard, expressa que Trump revela traços sociopáticos, com perda persistente da realidade. Sua saúde mental constitui ameaça para os Estados Unidos e para o mundo. Esta, por sinal, a dedução a extrair dos ensaios e análises dos 27 autores da obra. Eles convergem no diagnóstico de que o cidadão mencionado ostenta sinais iniludíveis de doença mental.

Philip Zimbardo, psicólogo, sustenta com convicção, no trabalho que assina, ser Trump “a pessoa mais perigosa do mundo” (...), “líder poderoso de um país poderoso, que pode ordenar o lançamento de mísseis contra outro país por causa da aflição individual, ou aflição de membros de sua própria família”. O famoso escritor Noam Chomsky, a jornalista Gail Sheehy e o psiquiatra James Gilligan, da Universidade de Nova York, figuram entre os autores da obra. Compartilham com os demais a tese de que Trump projeta comportamento antissocial, narcisismo e tendência chauvinista mais que suficientes como recomendação a que seja removido do cargo ocupado. O citado Gilligan sustenta, em seu depoimento, que muitos colegas na área da psiquiatria revelam-se “tímidos” ao emitir impressões sobre a atuação do presidente norte-americano, por conta de uma regra profissional que considera falta de ética opinar sobre a saúde mental de figuras públicas. Acha, no entanto, que no caso reportado, os especialistas em comportamento humano que se dispuseram a vir a público estão se valendo daquilo que pode ser apropriadamente classificado como “o dever de avisar”. Ou seja, a responsabilidade afeta a uma pessoa, um médico, por exemplo, de precisar alertar, em determinadas circunstâncias, possíveis vítimas se alguém próximo representar perigo para todas elas.

Paralelamente ao lançamento do livro, grupo de 25 psiquiatras, vários deles autores dos ensaios e artigos da coletânea, promoveu na Universidade de Yale uma discussão aberta sobre a saúde mental de Donald Trump. Apontando uma combinação de diagnósticos, que deixam configurados os riscos que ele representa para o país e para o mundo, elaboraram documento indicando a conveniência de sua remoção da cadeira presidencial. Milhares de assinaturas já foram agregadas à petição em causa.

Tudo isto posto, tenho outra observação a fazer concernente ao tema. À hora em que compunha estes dizeres, na já sexagenária “remington” portátil da tenda de trabalho, intrigante interrogação perpassou-me pela cuca. Entrego-a aos leitores para reflexão. Que tipo mesmo de ação o governo dos Estados Unidos estaria desenvolvendo, nesta hora, na terra, ares e mares, na hipótese de que pais, mães e filhos de nacionalidade estadunidense se vissem, de repente, afastados uns dos outros em condições aviltantes, em plagas pertencentes aos chamados “países periféricos” (assim considerados nas estratégias geopolíticas da Casa Branca e do Pentágono), por determinação abrupta de um (outro) tresloucado governante qualquer, movido por chauvinismo, racismo ou algum impulso identicamente repulsivo?


sexta-feira, 22 de junho de 2018


Tiraram a alegria
 das arquibancadas...

Cesar Vanucci

“Se a alegria popular definhou a culpa cabe, por inteiro, 
à desastrosa condução dos negócios políticos e administrativos.”
(Domingos Justino Pinto, educador)

Cadê aquele festival colorido das bandeiras freneticamente agitadas nas ruas, praças e outros inesperados recantos? Cadê aquele mar de gente dos desfiles saudavelmente contaminados de ardor carnavalesco e de inspiração pode-se também dizer cívica?
As camisas verde-amarelas por que largadas em cabides ou gaveteiros nos guarda-roupas? Qual o motivo de as janelas das moradias e as fachadas de prédios deixarem de receber os adornos coloridos típicos de instantes celebrativos de forte emoção popular? Como explicar o silêncio ensurdecedor do foguetório e buzinaço que não está sendo ouvido? Que negócio estranho é esse de não mais conseguir-se escutar, pelo menos como pálida amostra da retumbância dos registros de antigamente, a envolvente cadência do batuque, o ronco resfolegante da cuíca, o brado vibrante do torcedor apaixonado, o silvo cortante do apito, o coral desafinado, mas soberbo, das interpretações de refrãos musicais que todo mundo aprendeu a entoar, outros ruídos pensantes variados, à guisa de celebração de qualquer coisa marcante sucedida durante as refregas futebolísticas? Por que não mais está sendo captado, com a intensidade de outros estrondosos momentos, aquele formidável alarido que a gente do povo espontaneamente compunha, em tempos de copa, e que era visto como uma saudável e inédita inclinação peculiarmente brasileira para democrática confraternidade social, deixando as pessoas de outras plagas espantadas e embevecidas?
Afinal de contas, o que andou pintando no pedaço para que, de uma hora pra outra, contrariando hábitos tradicionais arraigados e contendo impulso cultural poderoso, o País resolvesse manter-se neste instante, de um modo geral, na comparação com ocasiões pregressas marcadas por celebrações coletivas grandiosas, mudo e quedo que nem penedo?
Tem-se por certo que os 7 X 1 da Copa de 2014, por mais aguda que tenha sido a decepção cravada no espírito popular, não explicam por si só o arrefecimento do interesse com relação a um evento esportivo que, ao longo dos anos, sempre suscitou empolgação invulgar. Estudiosos do comportamento humano devem estar cuidando de inserir, em seus trabalhos de pesquisa, investigações sobre o que terá desencadeado certas reações agora detectadas na alma das ruas. Até algum tempo atrás, ninguém por certo imaginaria pudéssemos nos deparar com a circunstância de muitos torcedores de futebol serem capazes de escalar a composição dos ministros da Suprema Corte, embora confessando alguma dificuldade em declinar os nomes dos titulares do escrete brasileiro no torneio mundial.
Pode ser que aconteça, daqui a pouco, no correr dos jogos em andamento na Rússia, na almejada hipótese de que a seleção se mostre capaz de desfazer a impressão deixada na estreia, que essa perspectiva de quase apatia, ou de interesse limitado por uma competição que teve sempre o condão de galvanizar pra valer as atenções, venha a ser revertida. A chama do entusiasmo seria, assim, de repente, reacesa, prevalecendo até - quem sabe? - um epílogo que anunciasse a recuperação da hegemonia brasileira nos domínios do esporte das multidões. Oxalá “sesse” assim, como se diria no saboroso linguajar roceiro.
De qualquer modo, uma conclusão deflui implacavelmente de todos esses acontecimentos. A causa das características bizarras, escalafobéticas com as quais a opinião pública encara nossa participação na copa não é outra além dos desacertos políticos e administrativos oriundos do gerenciamento incompetente da coisa pública, sensivelmente agravados ultimamente, os malfeitos decorrentes da ação inescrupulosa de graduados com mandato, agentes públicos e empreiteiros inidôneos. Todos estes ingredientes indigestos são encontrados na raiz dessa desagradável alteração no estado de espírito da sociedade. A ganância do time do colarinho branco, com excesso de jogadas desarmoniosas no gramado político, andou roubando a alegria das arquibancadas.


Lions de Contagem inaugura sede



O Lions de Contagem, o mais jovem clube da jurisdição do Distrito LC-4 de Lions, inaugurou no último dia 20 de junho sua sede, localizada no Bairro Água Branca. A Governadora do Distrito, Maria das Graças Amaral, participou do evento, que reuniu numerosos representantes da comunidade leonística, além de outros ilustres convidados, com destaque para integrantes do Lions BH Inconfidência, clube padrinho do Lions de Contagem.
Na ocasião, foi implantado o Leo Clube vinculado ao clube de Contagem. Momento de grande emoção constituiu a inauguração do Espaço Cultural “Walmir Costa”, de saudosa memória, pai do empresário Lúcio Costa, presidente da “Suggar”, grande incentivador de empreendimentos culturais.
O Lions de Contagem é presidido pela professora Francimara das Graças Batista.
As fotos abaixo reproduzidas foram colhidas pelo economista Alvimar Peres da Cunha, membro do Lions Inconfidência.










Conforme prometido, vamos reproduzir aqui o texto "A carta das Madalenas de Minas para Francisco", complemento da reportagem estampada na revista “Ecológico”, edição de nº 107, de abril de 2018, da jornalista Déa Januzzi 
sob o título "Dentro de cada mulher há uma Madalena."


A Carta das Madalenas de 
Minas para Francisco

Perdoe-nos, Francisco, por chegar assim tão de repente, sem cerimônia, chamando-te pelo nome. Não dá para te nomear de Sumo Pontífice ou Sua Santidade. Pois és o Papa do século XXI, um revolucionário como Jesus. Perdoe-nos por te comparar a Jesus. Mas tu, Papa Francisco, também chegaste com simplicidade, compaixão, ternura e gentileza para redimir as mulheres de todas as culpas católicas, que foram pregadas na cruz de suas vidas. Para rever o rastro de machismo que contaminou a Igreja. Tu és o papa da alegria, da fraternidade, do perdão e da esperança. Vens curando todas as nossas feridas ancestrais abertas por um mundo masculino autoritário e inflexível, que diminuiu, baniu, pisoteou, enclausurou, incendiou, excluiu, maltratou e infernizou o feminino.
Tu és o papa que devolveste o poder às mulheres, assim como fizeste com Maria Madalena, elevando-a ao posto de “a apóstola dos apóstolos”. Dando um lugar de honra à Madalena e às mulheres neste mundo atual, tão caótico. Tu és o mensageiro de um novo mundo, sem distinção de gênero, de raça, ou entre pobres e ricos. Tu és o exemplo de como devemos respeitar a Mãe Terra e também a natureza interior de cada mulher.
Aqui, deste front feminino, que fica em Moeda, Minas Gerais, Brasil, 39 mulheres encontraram um jeito especial de mostrar gratidão a um papa que aboliu preconceitos e absolveu as mães solteiras declarando: “Mãe não é estado civil. Mãe é mãe e pronto”. Um jeito de agradecer a um papa que parou de excomungar as mulheres que praticaram aborto em algum momento difícil de suas vidas. Um papa que fala coisas assim: “A mulher é que dá harmonia ao lar. Não está aqui para lavar louças”.
Tu és muito mais a Igreja de Maria Madalena do que a de Pedro. Tu és a Igreja do cuidado essencial, que não guerreia, mas acolhe, comunga e compartilha. A Igreja sem penitências e martírios desnecessários, sem os pesados grilhões de dogmas ultrapassados. Sem o peso da Inquisição.
Tu és a Igreja dos dias atuais, mais leve e livre.  A Igreja do coletivo e não do individualismo. Uma igreja sem pecados cometidos, sem culpa, sem demônios e sem o fogo do inferno, pois só tu sabes que o inferno é aqui, como tens sentenciado aos quatro cantos.
Foi pensando em ti, Papa Francisco, que 39 mulheres mineiras bordaram um manto em sua homenagem. A jornada de cura dessas mulheres foi longa como a de Maria Madalena, em busca do autocuidado, da delicadeza, mas sem vacilo, sem medo, com a ousadia que só as mulheres têm. Guiadas pela espiritualidade de Magdala Guedes, sob a inspiração de Maria Madalena, elas bordaram o manto que agora chega em tuas mãos com as linhas e cores do feminino ressuscitado por tu.
Um presente bordado com as cicatrizes da alma feminina, para anunciar o amanhecer de um novo tempo. Unidas, essas mulheres lhe dão graças: “Bendito Francisco!”


sexta-feira, 15 de junho de 2018


Umas e outras

Cesar Vanucci

“MDB, uma Arca de Noé”.
(Jânio Quadros)

Mais um. O recolhimento recente ao xilindró de um bando numeroso de doleiros implicados em ruidosas ações mafiosas vem gerando compreensível expectativa. No ver de abalizados analistas da conjuntura política e financeira, os desdobramentos da operação investigatória deflagrada contém potencial explosivo capaz de fazer estremecer novamente a vida nacional. Indoutrodia, em sua apreciada coluna, Élio Gáspari informava que as revelações prestes a virem à tona – desta feita, segundo ele, sem a patota do PT por perto, envolvendo, todavia, elementos das cúpulas do PSDB e, de novo, do MDB – são de deixar a Lava Jato no chinelo, minha Nossa Senhora da Abadia da Água Suja!

A rede de doleiros encarcerados, ao que se divulgou, compõe ousado sistema paralelo de lavagem de dinheiro de origem delituosa, beneficiando figurões de tudo quanto é naipe. Controlado eletronicamente do Uruguai, o sistema de fraudes de diferentes matizes, anos a fio executado, teria girado, só entre 2010 e 2016, a astronômica soma de 5,6 bilhões de reais, mais ou menos 1 milhão de reais/dia. O senador Roberto Requião, ex-governador do Paraná, deixando enunciado certo ceticismo quanto ao rumo das investigações, recorda que o caso objeto de apurações no momento guarda similitude com o célebre “escândalo do Banestado (Banco do Estado do Paraná)”. A maracutaia em questão envolveu, anos atrás, um mundão de personagens. Celebridades “acima de qualquer suspeita”, providas de capacidade suficiente para, em atendimento a conveniências espúrias, conseguiram estabelecer a duradoura cortina de fumaça que recobre o caso.

MDB. Dia desses, no aeroporto, à espera de voo, dileto amigo com muitos anos de frutífera militância nas hostes emedebistas relembrou, em animada roda onde se comentava a imprevisibilidade dos acontecimentos na esfera política, uma curiosa fala de Jânio Quadros. Reportando-se ao “balaio de gato” em que se transformou o MDB do saudoso Ulysses Guimarães, de bom pedaço de tempo pra cá, o controvertido e temperamental ex-Presidente da República assim classificou essa sigla: “Uma Arca de Noé, com todos os animais conhecidos de Noé e outros animais que Noé jamais conheceu, com uma diferença: sem Noé na arca”.

Veredictos sinistros. A CIA acaba de liberar outras estarrecedoras informações sobre o trevoso período do autoritarismo militar no Brasil. Segundo o que veio a lume, no governo Geisel, a cúpula dirigente tomou a si, por razoável período de tempo, o “sagrado direito” de definir quem, entre prisioneiros políticos sob a custódia do Estado, “merecia” ser eliminado, considerado seu “grau de periculosidade”. Os “solenes veredictos” dos todo-poderosos reinantes tiraram de circulação, “para o bem geral da Nação”, um bocado de gente. Mais de uma centena, com toda certeza. Isso aí!

Aplicativos. Papeando com motoristas de aplicativos durante corridas praticamente diárias, acumulamos informações que nos levam a poder traçar o perfil básico dessa categoria de profissionais. São, em boa parte, cidadãos de formação universitária, que se viram, hora para outra, escorraçados do mercado de trabalho, sem chance imediata de reabsorção devido à queda no índice de aproveitamento de mão de obra. Algo que todo mundo tá careca de saber, exceção feita aos porta-vozes do desacreditado governo central. Foram dispensados dos empregos ou ficaram sem trabalho em razão do fechamento das empresas em que atuavam. As circunstâncias apontadas remetem à inarredável conclusão de que os serviços de transporte implantados, de pouco tempo para cá, via aplicativos, severamente criticados por alguns e acolhidos com entusiasmo pela maioria da população, cumprem – como não? – relevante função social.


Ia ser diferente, ia...

Cesar Vanucci

“Recordar é viver...”
(Provérbio popular)

Foi assim. Num certo momento, tradicionais aliados de Dilma Rousseff, umbilicalmente ligados a ela e seu partido num punhado de vitoriosas campanhas eleitorais, e adversários viscerais da mesma personagem entenderam de se dar as mãos, compondo poderosa aliança com o objetivo de afasta-la do poder. Acusaram-na, entre outras coisas, de arrogante no relacionamento político; de despreparada na condução dos negócios públicos; de complacente, se não conivente, com atos de corrupção de atuantes correligionários; de useira e vezeira na prática das assim chamadas “pedaladas fiscais”. As tais “pedaladas”, por sinal, representaram o gatilho jurídico que decretou sua saída da Presidência.

Consumado o impedimento pelo Congresso, a coalizão de forças triunfante comunicou solenemente que, dali pra frente, tudo seria diferente. Uma nova e redentora era estava sendo implantada. Róseos cenários se descortinavam no horizonte. Jactando-se de possuírem ilibada reputação, os novos detentores das decisões político-administrativas comprometeram-se, com pompa e alarde, a estancar, pra todo sempre, amém, a abominável corrupção. A sociedade – asseveraram – não mais encontraria razões pra se constranger com indecentes arranjos e barganhas parlamentares. Registros desse tipo seriam, felizmente, largados pra trás. Nada de casuísmos e fisiologismos com vistas a aprovações, a toque de caixa, de medidas ajustáveis a conveniências espúrias. Não mais seriam vistas, com certeza, nas telas televisivas, aquelas deprimentes imagens de achaques explícitos, tipo dinheiro transportado em malas, grana de origem estranha depositada em cofres, ou amontoada em caixas de papelão. Não, nada disso voltaria a ocorrer envolvendo figuras conspícuas das esferas mandatárias.

De outra parte, a deflagração de arrojado projeto, o “da volta dos 20 anos em 2”, asseguraria – como não! - a acalentada retomada, em ritmo acelerado, do crescimento econômico. Deixou-se claro também que os extorsivos juros onzenários, melhor dizendo, bancários, até que enfim, desabariam. Não mais constituiriam entrave, nó de estrangulamento na trilha empreendedorista das criativas forças de produção da riqueza nacional. E – Deus louvado! - as chocantes taxas de desemprego também seriam reduzidas. Sobraria mais dindim na algibeira de todos. A um só tempo que os preços dos alimentos e serviços básicos manter-se-iam estáveis. Os gastos estrondosos com mordomias e privilégios de milhares de marajás (fontes confiáveis estimam que somem perto de 50 mil, consideradas todas as faixas de servidores dos diferentes Poderes) seriam exemplarmente contidos. E o que não dizer do notável incremento a ser introduzido nos atendimentos sociais, prioritariamente nas áreas da saúde, educação e moradia?

Quanto ao exagero das pastas ministeriais, alvo de críticas na mídia, tribunas e palanques, a solução estava engatilhada. Previa-se pra já a eliminação e fusão de alguns ministérios. Mais: a titularidade de todos eles seria confiada exclusivamente a “notáveis”. Cortando, enfim, as amarras de um passado “de podridão moral e falta de ética”, conforme enfatizado, o emergente comando da Nação optou, “no momento da saneadora ruptura”, pela adoção de uma política administrativa diferente, moderna na concepção e eficaz nos resultados. Prometeu zelar intransigentemente, com denodo e escrúpulo, até o final da missão, pelos sagrados interesses da soberania nacional.

Tudo quanto anotado remete-nos a uma inquestionável conclusão. As vozes mais lúcidas do pensamento nacional, conectadas com as autênticas causas brasileiras, e a arguta opinião das ruas mostram-se definitivamente convencidas – e até mesmo a crédula “velhinha de Taubaté”, emblemática personagem das esplêndidas crônicas do Veríssimo, já anda “meio desconfiada” - do naufrágio da embarcação fretada para conduzir ao decantado porto seguro a carga dos compromissos mudancistas trombeteados. O barco foi posto a pique no sorvedouro dos jatos d’água diluvianos da demagogia desvairada, das contradições contundentes entre o dito e o feito, da reconhecida ausência de vocação para o nobre exercício da vida pública dos elementos que compõem o núcleo central do poder.



Dentro de cada mulher 
há uma Madalena

Este sugestivo trabalho de reportagem, assinado pela jornalista Déa Januzzi, 
foi estampado na revista “Ecológico”, edição de nº 107, de abril de 2018.

O filme empodera uma personagem até então obscura da bíblia. Foi o que confirmaram 39 mulheres do interior de Minas após assistirem ao polêmico filme “Maria Madalena”, de Garth Davis.

Com direito a pipoca, caixa de chocolate língua de gato, a companhia e os comentários de Magdala Ferreira Guedes (você verá que o nome dela não é mera coincidência), assisti ao filme “Maria Madalena”, de Garth Davis, que vem balançando as estruturas do catolicismo tradicional. No caminho para ver o longa-metragem no cinema, pensava nas aulas de religião dos colégios católicos da minha infância, onde Madalena, considerada prostituta, só não foi apedrejada porque Jesus Cristo interferiu e disse: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.
Mais do que a história de violência contra uma mulher tida como pecadora, jamais me esqueci desta frase que me seguiu na infância, adolescência, passando pela vida adulta e até hoje, no crepúsculo da existência. A Maria Madalena de antigamente era pecadora, mas sempre corri para resgatar, em mim e nas mulheres em geral, a outra imagem. Uma Madalena revolucionária, companheira de Cristo, uma mulher simples e gentil, mas forte, que não seguia as ordens estabelecidas da época. Aquela que também levou a mensagem de Cristo pelo mundo, foi testemunha da sua crucificação e ressurreição.
Antes de ver o filme que liberta Maria Madalena das feridas ancestrais, do pecado, da culpa e da tirania do mundo masculino, conheci Magui – como Magdala Guedes é chamada – e desde 2005 reúne mulheres em busca da cura dessas feridas históricas, desses preconceitos e dos grilhões da religião. Isso acontece em meio à natureza preservada do Sítio Sertãozinho, em Moeda (MG), a 45 km de Belo Horizonte. É onde elas dançam, cantam, conversam e se restauram.
Magui sabia que Maria Madalena, assim como todas as mulheres, carregava o peso da cruz sozinha, banida da bíblia e de sua verdadeira história, que era preciso resgatar a imagem de Maria Madalena e buscar o sagrado que há no feminino. E, claro, também no masculino até então inflexível.
Enquanto seguia para o cinema, lembrei-me de um tempo em que fazia acupuntura com a terapeuta Josefina, indicada por Magui. Após meses de sessões e de cura, ela me perguntou por que eu, como mulher, não era tão gentil e poética como os meus textos. Paralisei com o questionamento e descobri que, na época, para entrar no mundo do trabalho, tive que simbolicamente me transformar em um soldado, com  botas e coturnos, para me impor, para lutar por um lugar igualitário com os homens.
Na minha infância sequer poderia mastigar a hóstia na hora da comunhão. Tinha medo que ela sangrasse. Era um horror. Parei de ir à missa.
Encontrei-me com Magui na porta do cinema. Ela ia assistir ao filme pela terceira vez. Era como se fosse coautora da película, como se dirigisse a própria vida.
Estudiosa de ervas medicinais, Magui vive em comunhão com a sua natureza de mulher, esposa e mãe, no seu refúgio rural e terapêutico. É conhecida também pelo Ritual do Pão, que ela realiza há mais de 20 anos, colocando intenções na massa.  Mas a jornada “De volta para casa” com as Madalenas começou no seu aniversário de 60 anos, em Israel, onde foi visitar o filho mais velho que então morava lá. Hoje, aos 67, ela conta que, ao entrar numa loja para comprar um livro chamou sua atenção um de capa vermelha, escrito em letras douradas “A vida de Maria Madalena”.
Em quatro dias, ela leu o livro de 700 páginas, onde estava escrito “Dentro de cada mulher vive uma Madalena”. A partir daí, Magui começou a convidar as mulheres que conhecia para uma jornada de cura do feminino marginalizado. Foram 70 mulheres que viveram na pele de Madalena por quase 12 anos, e hoje estão em paz consigo mesmas, unidas por uma nova aliança.
Magui me chama a atenção  antes para uma passagem do filme: “A gentileza, a cumplicidade, a comunicação de Maria Madalena com Jesus por meio de olhares. A coragem sustentada pela fé”. A cena de Maria, mãe de Jesus, que se encontra com Madalena, também é de arrepiar: “Você ama meu filho? O que Deus te pediu? Ele deve ter pedido muito. Se você ama meu filho deve estar preparada para perdê-lo como eu”.
Uma cena real nos chama a atenção. Uma senhora de cabelos brancos se retira do cinema no meio da sessão. Não aguentou a nova imagem mostrada de Maria Madalena. Acostumou-se com a Madalena endemoniada da Bíblia. Magui se entristece com a retirada da senhora. Sabe que até o Papa Francisco a redimiu e a colocou num lugar de honra, chamando-a de “a apóstola dos apóstolos”. E foi em homenagem ao Papa Francisco que 39 mulheres – e um homem, o economista Sérgio da Luz Moreira – resolveram bordar um panô, que será entregue a Francisco e cuja mensageira será uma freira. Ela entregará o pano decorativo, com 2,20 metros de largura por 1,30 de comprimento nas mãos do Papa, no Vaticano. Junto vai uma carta que foi traduzida para o espanhol, língua de origem de Francisco.
Quem coordenou o panô foi Cláudia Martins, de 53 anos, uma das 70 Madalenas que fez a jornada “De volta para Casa”. Ela é do primeiro grupo de Magui, de 2005, e exímia bordadeira. Por mais de um ano, ela conduziu os bordados com capricho e devoção. Antes, selecionou as várias faces e nomes de Nossa Senhora para o sorteio entre os participantes. E cada um bordou a sua santa.
Cláudia tirou Nossa Senhora Aparecida. “O bordado mudou a minha vida. Tenho que falar em antes e depois dele. Ao alinhavar o bordado, ia conversando com Nossa Senhora Aparecida. Era uma oração e a paz ia fluindo dentro de mim.” Ela esteve presente também na estreia do filme de Maria Madalena, numa sessão especial junto com as outras “madalenas”. Conforme combinado, compareceram em peso, com seus mantos e capuzes. E também com direito a flores de cor rosa, símbolo do cuidado essencial e de cura.  
O filme termina e pressinto que sempre levei Madalena na alma. Uma frase me sopra aos ouvidos: “Por mais Madalenas no mundo”.


A “Carta das Madalenas de Minas para Francisco”, citada na reportagem aqui reproduzida será publicada na edição vindoura do “Blog do Vanucci”.

sexta-feira, 8 de junho de 2018


Insensibilidade e negligência decretaram a crise

Cesar Vanucci

“Esqueceram-se do fundamental: dialogar.”
(Paulo Sérgio Ribeiro da Silva, empresário)

Sem abrir mão, hora nenhuma, da sebosa empáfia com a qual seus despreparados porta-vozes se comunicam com a aturdida opinião pública, no afã de explicar a “odisseia da volta dos 20 anos em 2”, o governo Michel Temer dá provas contínuas de desbordantes insensibilidade social e inapetência gerencial. Isso sem falar da atordoante ausência do sentimento nacional em decisões vitais para o futuro deste país de prodigiosas potencialidades clamorosamente desperdiçadas pela inoperância político-administrativa.

Essa história da crise deflagrada pelas sucessivas e extorsivas majorações nos preços dos combustíveis fez o termômetro que mede o desassossego coletivo atingir índices extremos, insuportáveis, gerando imprevisíveis efeitos em cascata. Mesmo sabendo que bom senso e disposição para o diálogo constituam atributos negligenciados no comportamento habitual dos atuais detentores do poder, não podemos fugir ao dever de bradar, alto e bom som, que as saídas para o problemaço posto exigem negociações mais que urgentes. A sociedade tem o direito de aguardar das lideranças que se posicionem, sem vacilações, tergiversações, à volta de uma mesa de debates para troca de opiniões e informações capazes de por cobro à indesejável situação enfrentada pela Nação inteira. O sagrado interesse público – é imprescindível que disso se aperceba a tecnoburocracia que fincou fundas raízes em áreas do serviço público, Petrobras incluída - sobrepõe-se a quaisquer outras conveniências. As regras mercadológicas têm que ser relegadas a plano subalterno quando sobrevenha o risco de colisão com o bem-estar social. A política econômica e social, os procedimentos dos organismos vinculados à administração governamental, têm que ficar sempre subordinados às necessidades comunitárias. Sem essa de confundir as marchas. Não é, inequivocamente, o país, de dimensão continental, que terá de se deixar subjugar, inapelavelmente, permanentemente, às diretrizes nocivas de políticas econômicas equivocadas. Aos peagadês da equipe econômica, que se ufanam da desastrada “política racional” executada nos preços dos combustíveis, faltou um mínimo de sensibilidade para entender o óbvio ululante: a elevação, em curtíssimo espaço de tempo, de 60 por cento no custo do combustível, arremessaria o país fatalmente a uma condição de quase caos. A economia popular foi alvejada de forma contundente e destrambelhada.

Nada a objetar quanto a busca de fórmulas adequadas para a desejada estabilização da economia interna da estatal do petróleo. O que não se faz admissível, entretanto, é que os custos resultantes das definições gerenciais tomadas recaiam sobre os ombros, já carregados em demasia, da população. É de boa retórica a repetição: o interesse coletivo sobrepaira sempre às conveniências de outra ordem. Lição ditada pela sabedoria humana carece ser absorvida por especialistas em altas finanças e negócios públicos: a economia é meio e não um fim em si mesma. Meio para se atingir um fim, sempre social. Esta a diretriz correta a ser escrupulosamente seguida num processo saudável de construção desenvolvimentista.

No caso que desembocou na assim chamada “greve dos caminhoneiros”, com a conivência do Governo e omissão do Parlamento, ocorreu flagrante desprezo, por parte dos executivos da Petrobras – outra vez mais, exclame-se –, às normas de bom senso que devem reger a administração dos negócios públicos. Ou seja, negócios que afetam uma população de mais de 200 milhões de brasileiros.

A bagunça implantada reclama reflexão, serenidade e discernimento nas tratativas, agilidade nas decisões. Um pouco de humildade nas falas oficiais afigura-se igualmente recomendável. Até mesmo porque, em razão da paralização do transporte de mercadorias, poderá ocorrer alguma dificuldade na reposição dos estoques de óleo de peroba, produto de uso tradicionalmente indicado para azeitar cara de pau.

Por derradeiro, anota-se um fato com sabor de novidade, merecedor da atenção dos analistas da conjuntura brasileira: a presença de força nova, com nada subestimável capacidade de mobilização, no cenário. Os caminhoneiros, em articulações bem sucedidas, obtiveram certamente maior eficácia do que alguns outros agrupamentos políticos e sociais no esforço de atrair olhares para suas bandeiras.


JK e o 
reencontro com o Brasil

Cesar Vanucci

“Uma mensagem de esperança!”
(Gláucia Nasser, a propósito do espetáculo musical dedicado a JK)

O espetáculo teatral “JK: Um reencontro com o Brasil” projetou, em música, prosa e verso de nível artístico requintado, um pedaço precioso da envolvente história do mais fascinante personagem da cena política brasileira dos tempos modernos. Deu pra perceber nitidamente, na reação entusiástica da plateia presente ao teatro do Sesiminas em Belo Horizonte, o imenso respeito, admiração, gratidão e saudade que a vida e a obra do Nonô de Diamantina suscitam na alma popular.  

Ninguém ignora, por certo, em toda a vastidão do território nacional, que essa veneração persiste há décadas. E, nesta precisa hora, quando a Nação, a contragosto, vê-se sacudida por tensões agudas, por acontecimentos frustrantes geradores de compreensível indignação, por decisões políticas fundamentais impregnadas de nauseante negação do sentimento nacional, essa manifestação de reverência se faz mais agigantada ainda.

As altissonantes lembranças da progressista “Era JK”, de contaminante euforia nos lares e nas ruas, são postas, constantemente nalgum lugar, em confronto com o acabrunhante momento administrativo vivido por nosso fabuloso país. As relembranças da vitalidade produtiva assombrosa dos chamados “anos dourados” escancaram o tremendo despreparo, a atordoante negligência e falta de sensibilidade social das lideranças políticas em evidência na atualidade, carentes de ideias e arrojo capazes de conduzirem o Brasil no rumo de sua indesviável vocação de grandeza.

Gláucia Nasser, mineira de Patos de Minas, dirigente da Fundação “Brasil Meu Amor”, é a principal figura da equipe responsável pela montagem da peça “JK: Um reencontro com o Brasil”. Excepcional cantora, com desenvoltura no palco indicativa de arrebatante talento, explica que o intuito do espetáculo é proporcionar aos espectadores uma viagem pelos caminhos de superação percorridos por Juscelino e tantos outros cidadãos comprometidos com a tarefa de fazer do Brasil uma referência maiúscula no Atlas universal. “Transmitimos uma mensagem de esperança que conecte cada pessoa com a autêntica alma do Brasil, relembrando a fé, a alegria de ser brasileiro e a confiança de que nosso país pode ser o melhor lugar do mundo”, sublinha a estrela do musical.

Entrelaçando boa música (obras consagradas de nossa incomparável mpb) e artes cênicas de aprimorado padrão, numa experiência visual e sonora empolgante, a encenação trazida a Minas, na excursão que faz por todos os Estados, arrancou aplausos frenéticos. “Emoção demais da conta!” – comentou em voz alta alguém numa poltrona próxima à minha, resumindo numa frase o estado de espírito dominante na plateia. Os espectadores compreenderam muito bem que o tributo prestado, no belo espetáculo (patrocinado pelo Sesi) à memória do inesquecível estadista encerra o claro sentido de resgate de um instante épico na vida brasileira. Um período de realizações fecundas em nosso processo evolutivo. A epopeia da implantação de Brasília (em tempo inferior a 4 anos, feito sem paralelo nos registros mundiais), a interiorização acelerada do desenvolvimento, a criação de infraestruturas logísticas que mudaram a face do país-continente, tudo isso e um mundão de outras coisas importantíssimas abriram nossos olhos para as potencialidades e virtualidades que nos credenciam a ambicionar no enredo civilizatório um protagonismo  vanguardeiro.

O que foi teatralizado da história de JK mostrou, em cenas de rico colorido humano e artístico, um caleidoscópio do labor da gente brasileira, de seu talento, de sua poesia, da dadivosa paisagem natural deste país abençoado por Deus e bonito por natureza. Sob a direção musical de Paulinho Dáfilin, a estrela Gláucia foi acompanhada em suas interpretações por excelentes instrumentistas: Guiza (violões e guitarra), Fernando Nunes (baixo), Thiago Gomes (bateria), Leandrinho Vieira e Chrys Galante (percussão), Jonas Moncaio (violoncelo), Pedro Cunha (teclados e acordeão) e Paulo Dáfilin (violões). Apresentação impecável.

O reencontro com JK e com o Brasil genuinamente brasileiro fez todo mundo sentir que, nalgum momento, vão acabar brotando no pedaço, sim senhor, as condições ideais para que a brava gente brasileira consiga superar as adversidades e os desafios do presente e cuidar logo, como se andou fazendo no tempo de JK, da invasão do futuro.


sexta-feira, 1 de junho de 2018


A propósito dos direitos femininos


Cesar Vanucci
  
“Tirante a mulher, o resto é paisagem.”
(Dante Milano, poeta) 

Numa terna cena de infância, extraída do baú das recordações, vejo desenhado o perfil da primeira líder feminista de cuja existência tomei conhecimento. Era uma moça de seus 30 anos, dona de semblante extremamente simpático e de corpo bem proporcionado. Trescalava obstinação pelos poros. A gesticulação exuberante, herança napolitana, nela reforçava as palavras ditas em tom de voz quase cantante. Durante um tempão, já adulto, alimentei sem poder concretizar o desejo de manter com ela um dedo de prosa. Até hoje carrego dúvida que um bom papo poderia certamente desfazer. Teve ela, a qualquer tempo, exata percepção do significado precursor dos gestos e ações publicamente assumidos?

Todas as tardes, eu a avistava descendo a ladeira que dava num campo de futebol improvisado, onde a garotada tocava suas peladas movidas a bola de pano, brigas inofensivas e um que outro palavrão, punido às vezes com chinelada. A sensação era de que Verlaine encontrara naquele gracioso desfile vespertino inspiração para os versos: “Quando ela anda, eu diria que ela dança”. Pontualidade parecia atributo todo seu. Havia quem acertasse o relógio à sua passagem. Era o momento em que as janelas das redondezas se fechavam estrepitosamente, em sinal de zanga mal contida. Murmurações e olhares recriminatórios acompanhavam-lhe a trajetória por detrás das venezianas, até que escapulisse por completo do raio de visão do falso puritanismo entocaiado. Tudo compunha clima de excitante e novelesco mistério que aguçava demais da conta a cabeça da gente.
Por que as coisas rolavam daquela maneira? O que nossa heroína andava aprontando a fim de provocar tanto transtorno?

Preparem-se os eventuais leitores destas mal datilografadas para um baita impacto. Nossa intrigante personagem, apenas e simplesmente, foi a mulher que primeiro ousou, naquela aprazível cidade do interior, na cara e na valentia, fumar em público. Ousou mais – “imaginem só o descaramento!” -: foi também a primeira mulher a andar de calça comprida pelas ruas, num desafio aberto aos padrões predominantes em matéria de "veste recatada". Tais lembranças, de simbólico surrealismo, arrancando dos mais jovens, com toda certeza, estardalhantes risadas, acodem-me sempre que alguma questão ligada aos direitos femininos ganha destaque no debate comunitário.

Ponho-me a imaginar que discussões a respeito do tema, consistentes em afirmações de cidadania, tenham o mérito de abrir efetivas condições para a quebra de novos elos na gigantesca engrenagem que aprisiona a mulher, em extensas áreas geográficas, sociais, profissionais e culturais, a figurinos de concepção morbidamente machista. Mas quantas manifestações se farão necessárias ainda, ao longo dos anos, para facilitar à mulher o acesso por inteiro a direitos naturais, independentemente de sexo, inerentes à condição humana? Poder-se-á argumentar que esses são, na verdade, direitos não desfrutados na integralidade pela grande maioria dos seres humanos. Perfeito. Mas não há também como negar que a força invasora masculina chegou primeiro e se apoderou dos melhores pedaços nos espaços liberados. 

  
Paradigmas engessados no tempo

Cesar Vanucci

"O palpite de uma mulher é muito
 mais preciso que a certeza de um homem."
(Rudyard Kipling)

Embora estejam sendo significativos os avanços em conquistas associadas ao desenvolvimento pessoal da mulher, fruto da expansão da consciência coletiva quanto à verdadeira natureza do papel que toca a cada cidadão desempenhar no fascinante e complexo jogo da vida, existe ainda por aí um oceano inteiro de problemas a ser navegado na busca de soluções compatíveis com a dignidade humana. É gente que não acaba mais, homens e mulheres, a proceder no dia-a-dia que nem se fosse o pessoal lá da rua de minha meninice (história narrada no artigo anterior). As janelas prosseguem hermeticamente trancadas e figuras espectrais estão ainda a acompanhar, com desconfiança, por detrás dos reposteiros e venezianas, à luz mortiça dos candelabros e candeeiros, o esfuziante processo que corre solto lá fora em favor da emancipação feminina.

Essa gente faz ouvidos moucos a justos clamores nascidos do inconformismo, da inteligência e da sensibilidade diante dos paradigmas rígidos bolados pelo farisaísmo, pelo talebanismo no campo das ideias, na avaliação do comportamento da mulher. São paradigmas engessados no tempo. Para os retrógrados têm a mesma inexpugnável consistência das muralhas incas de Sacsayhuaman. O pessoal não consegue enxergar que são paradigmas irremediavelmente condenados pela doença letal de uma “certeza” trazida de momento obscurantista, soterrado na caminhada da história.

A briga pela derrubada de tais paradigmas é braba, longa, barulhenta. São ainda fortes os ecos de certas palavras de ordem procedentes de eras remotas, sintetizadas na frase padrão “lugar de mulher é em casa”. Os preconceitos vigorantes apresentam, entre nós, em muitos lugares, é bem verdade, efeitos atenuados em matéria de violentação à personalidade, se comparados com as inacreditáveis situações vividas em tempos antigos e em outros rincões de nossa própria época. Mas conservam vestígios culturais rançosos, daquelas épocas absurdas em que algumas coletividades eram forçadas a absorver, em suas regras de vida e crenças, a ideia, por exemplo, de que a mulher não possuía alma. Ou de que, no plano dos sagrados deveres conjugais, como amorosa e dedicada companheira, devesse se preparar para fazer jus ao prêmio máximo da loteca dos deuses, consentindo em que a enterrassem viva com os pertences e despojos do pranteado marido, senhor seu amo, quando de sua (dele) partida desta para melhor.

Todos estamos seguros de que provêm de uma visualização desfocada da realidade, mesclada com flagrante injustiça social, os escandalosos problemas trazidos, volta e meia, a debate nos frequentes e necessários conclaves organizados com o objetivo de fortalecer a valorização do papel feminino no contexto social. O desfile de absurdos é composto de revelações estonteantes. Abarcam desde inacreditáveis práticas escravagistas, processos de mutilação sexual, aceitos em nome de princípios religiosos, até inaceitáveis restrições no acesso ao mercado de trabalho a cargos e a promoções idênticos aos que são concedidos aos homens. Isso, sem falar na participação restrita nas decisões políticas e, também, nas limitações de ações nos campos técnico e científico e desfrute de bens educacionais. E por aí vai...




Uma questão crucial

Cesar Vanucci


"Pois a mulher é a grande educadora do homem."
(Anatole France)


Os registros estatísticos dão conta de que mesmo em países tidos como desenvolvidos, caso, por exemplo, do Japão, os salários mostram-se desiguais entre homem e mulher. A média da remuneração da mulher situa-se abaixo da metade da média da remuneração do homem. As possibilidades de ingresso em empregos, nesse mesmo tipo de confronto, eram até recentemente de 61% no Japão, 58% na Holanda e 16% nos países árabes. Estudo recente revela que, no Brasil, as mulheres negras recebem, em média, a metade dos salários atribuídos aos homens negros. Os quais, por sua vez, recebem a metade dos salários conferidos aos homens brancos. Quer dizer, o mercado de trabalho garante-lhes a metade da metade...

Sabe-se mais: de 1,2 bilhão de pessoas que, no decênio passado, viviam em estado de pobreza absoluta (renda anual inferior a 370 dólares), 70% eram mulheres.

Outro levantamento esclarecedor diz respeito às chances de participação feminina no poder das decisões. As mulheres ocupavam, no final do século passado, apenas 20% dos cargos administrativos, 6% dos cargos de direção, algo equivalente aos chamados postos ministeriais. Tem mais: meio milhão de mulheres (99% do chamado terceiro mundo) morriam, anualmente, de acordo ainda com as estatísticas, vitimadas por patologias vinculadas à maternidade.

Não há como ignorar, por outro lado, o tratamento diferenciado, de modo geral desrespeitoso, com que a mídia, de modo geral, acionada por preconceitos milenares dominantes no inconsciente coletivo, se ocupa das coisas da mulher, em geral. O fato trivial de uma mulher que, no exercício de função pública, resolva assumir ostensivamente um caso afetivo é de molde a suscitar um turbilhão noticioso, que vou te contar...

Está na cara que os dados focalizados nesta sequência de comentários não esgotam o temário difícil e, sob incontáveis aspectos, doloroso da problemática enfrentada pela mulher. Mas eles se incumbem de projetar as perturbadoras circunstâncias que envolvem a questão, prioritária no processo da promoção humana. O Banco Mundial anota algo muito importante e que permanece no olvido da maior parte dos viventes, homens ou mulheres: “A desigualdade entre os sexos paralisa a produtividade e dificulta o crescimento econômico”.

É de toda oportunidade salientar, de outra parte, que, antes de serem problemas da mulher, as questões que impedem ou dificultam, em tantas partes do globo e em tantas esferas de atividade, a ascensão feminina na sociedade, são problemas cruciais do ser humano. De todos os seres humanos, em todos os continentes, independentemente de sua nacionalidade, etnia, credo religioso, ideologia política ou formação cultural. Quanto mais convicções individuais de sentido renovador puderem se reunir à volta de constatações óbvias como essas, maiores se tornarão as possibilidades de podermos, algum dia, todos juntos, construir um mundo melhor. Um mundo melhor para mulheres, homens, crianças, adultos, negros, brancos, amarelos, árabes, judeus, sãos, enfermos, cristãos, budistas, maometanos, pobres, ricos, remediados e excluídos. Tudo está relacionado com tudo.

Fique, aqui, por derradeiro, uma confissão pessoal. Carrego comigo, não é de hoje, uma instigante sensação. Ponho-me, às vezes, diante das vicissitudes impostas à mulher no longo curso da história humana, a imaginar que poderá ter sido armada, lá em cima, na hora do juízo final, para os viventes que sintam dificuldades em reconhecer a igualdade em direitos do homem e da mulher, uma desnorteante surpresa. Na hora da inevitável prestação de contas pelos atos aqui praticados, Deus revelar-se mulher. Negra.

A SAGA LANDELL MOURA

Privatização que não deu certo

    *Cesar Vanucci “Inadmissível! O apagão deixou SP às escuras por uma semana inteira” (Domingos Justino Pinto, educador)   Os ha...