sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Pera lá, até em mandarim?

Cesar Vanucci

“É a nossa língua, o nosso modo normal de expressão,
a nossa língua literária e artística.”
(Rachel de Queiroz)

Mantenho em minha profissão de escriba uma relação com os leitores (no caso, poucos, mas reconhecidamente leais) que se inspira naquela máxima lojista de que o freguês está sempre com razão. Não vejo como ignorar solicitação de quem dispensa costumeiramente atenção às maltraçadas linhas aqui lançadas. Maria Thereza Quintella pediu-me reproduzisse uma crônica divulgada há cerca de doze anos. Atendo prazerosamente ao pedido.

Já disse, já repeti e voltarei a dizer quantas vezes achar necessário. O emprego de expressões estrangeiras para classificar coisas óbvias do cotidiano representa rematada panaquice. Prova de indigência intelectual. Pauperismo cívico e subserviência cultural. Querem saber mais? Frescuragem ampla, geral e irrestrita.

Incomoda pacas, ao cidadão comum, a poluição “sonora”, em não poucas ocasiões agregada à poluição visual, de certos painéis de rua – impropriamente chamados de “out doors” -, de panfletos – impropriamente apelidados de “folders” - traduzida em mensagens publicitárias onde as palavras utilizadas, habitualmente num inglês “morolés”, só guardam similitude com o idioma falado nas ruas por conta das letras do alfabeto.

Tem nada demais levantar com constância assunto tão momentoso. Carradas de razão assistiam a Napoleão quando proclamava, com a mão mergulhada no peito sob o dólmã medalhado, que a repetição é a melhor retórica. A repetição de um conceito, de uma ideia faz, muitas vezes, nascer a luz do entendimento. No reverso, como Joseph Goebbles, porta-voz do nazismo, demonstrou com odienta eficácia, serve também para fazer de uma mentira uma solene, posto que efêmera, “verdade”.

Para o cidadão comum constitui motivo de compreensível desassossego bater com os olhos, na vitrina de uma loja qualquer, com o anúncio em letras garrafais, coloridas, de um baita queima de mercadorias com aqueles indefectíveis “sale” e “off” concebidos com base em ruidosa macaquice. O mesmo a anotar naqueles casos em que se topa, nos lavatórios de restaurantes e botecos, com arrepiantes placas de “ladies” e “gentlemen”.

Quem resolver percorrer as ruas na tarefa de listar placas e letreiros irá se deparar, inexoravelmente, com uma pá de barbaridades vocabulares perpetradas por conta desse abestalhado modismo. São a perder de vista os registros fora dos trinques, distribuídos por tudo quanto é canto. Na capital mineira pude constatar que a grande concentração das extravagâncias, fruto de deslumbramento que garante aos autores direito a carteirinha de néscio irrecuperável, fica localizada na região sul. Provavelmente, pela impressão que se tem de ser o setor melhor apetrechado para o atendimento de demandas de consumo pretensamente requintadas e sofisticadas, ora, veja, pois... Já nas outras regiões o índice das censuráveis manifestações é consideravelmente menor. Taí, convenhamos, material de primeira água, manancial exuberante pra elaboração de uma tese sociológica em que se possa avaliar o grau de comprometimento de grupos e pessoas, de variadas categorias sociais, com os autênticos valores culturais brasileiros.

O mal-estar produzido por esse linguajar de importação, composto predominantemente de anglicismos, verbalizado em doses elevadas de pernosticismo, chega até as pessoas também pelo rádio, pela televisão, jornal, convites impressos. Quantas vezes, no dia-a-dia, o pedante procedimento não é praticado pertinho da gente? Vocábulos de nosso belo idioma - que é a própria pátria, segundo Monteiro Lobato -, dentro desse malfadado processo de macdonaldização linguística, são descerimoniosamente substituídos pelos intragáveis e incompreensíveis “inside”, “feelings”, “brunchs”, “coffee break”, “feedback” ; “book”, “paper” e por aí vai...

Indaoutrodia inteirei-me de um desconcertante conflito romântico provocado por essa onda abobalhada de estrangeirices que nos assola. Relato a história, alterando os nomes dos personagens. Hildo e Marion estavam de casório marcado. Proclamas publicados, igreja, florista, fotógrafo, canto coral, coquetel contratados, padrinhos convidados, viagem de núpcias paga, convites expedidos. Dias antes do badalado evento, a coisa melou. O noivo arrepiou carreira de repente. Não mais do que de repente. Provocou, naturalmente, uma pororoca de contrariedades e transtornos, disse-me-disse, fofocas, o diabo... Foram cobrar do moço explicação para o inusitado gesto. Mandando o constrangimento inicial às favas, ele resolveu contar tudo, tintim por tintim. Informou haver alertado a noiva, em repetidas oportunidades, sobre seu desagrado pessoal com relação às expressões de carinho, por ela – adepta fervorosa desse modismo ridículo - desovada aos berros, em instantes especiais de intimidade. O aborrecimento do noivo decorria, sobretudo, do fato de serem emoções transmitidas em versões estrangeiras. Tipo: “I love you”, “Je t'aime”, “Quiero te mucho”. Mas o que decretou mesmo a discórdia definitiva foi a fala de Marion no clímax do último encontro dos dois. Aos brados, ela sapecou uma frase esquisitíssima e, pelo que se ficou sabendo mais tarde, extraída do mandarim, idioma que a moça vem aprendendo com uma professora chinesa do prédio em que mora: “Uo ran ai mi”.

Segundo o Hildo, “o clima passou de verão primaveril brasileiro a espesso outono siberiano. O encantamento escorreu pelo ralo, a relação espatifou. “Uo ran ai mi”, no ápice de amorável colóquio, foi demais. Não deu pra segurar.”


Dois momentos culturais

Cesar Vanucci

“E fiquei a pensar na forma aguerrida com que  
Marley Duarte Costa se refere à emoção vital, o Amor.”
(Rogério Zola Santiago, jornalista)

Terça-feira, 20 de setembro de 2016. Dois primorosos momentos culturais numa mesma data. O primeiro deles ocorreu, na parte da tarde, na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (Amulmig). O segundo, na parte da noite, aconteceu na Academia Mineira de Letras.

A celebração do “Dia da Árvore” e o problema do “bulling” na vida escolar foram os temas de pauta da tradicional reunião quinzenal da Amulmig. O primeiro item foi focalizado pela acadêmica Lucília Cândida Sobrinho, numa alocução repassada de lirismo. Escorada em alentada experiência como educadora, a acadêmica Edelvais Campos Silva abordou, na sequência, a questão do assédio no meio estudantil. Com objetividade didática, lembrou que pelas proporções assumidas, a questão encerra peculiaridades de arrasadora patologia social.

Nos debates, acadêmicos e convidados acrescentaram informações valiosas, como fruto de reflexões e observações colhidas em suas áreas de atuação pessoal, às considerações expendidas pelas brilhantes expositoras. Chamaram atenção para a circunstância de que, continuamente, à nossa volta, quer seja contra a Natureza, quer seja contra o ser humano, são praticadas inomináveis violências.

O substancioso intercâmbio de ideias deixou evidenciado que, pela percepção dos debatedores, o “assédio” não é anomalia adstrita aos domínios escolares, ao contrário daquilo que um esquema midiático equivocado costuma sugerir. O “bulling” marca presença, sob múltiplas modalidades, no efervescente jogo das relações cotidianas. Suas raízes estão fincadas na intolerância, na ignorância, na fanatice fundamentalista, no sectarismo rançoso que orienta as ações de não poucos agrupamentos religiosos e falanges políticas. O racismo, as discriminações de raça, credo, gênero e estamento social, que tantos males provocam na convivência humana, são, ao lado de outros atos alarmantes, ruidosas manifestações da odienta prática.

Evocando a Natureza (em menção à comemoração do “Dia da Árvore”) como fonte matricial de celebração da vida, os debatedores recordaram ainda que as diversidades abundantes, dadivosas, existentes no meio ambiente, deveriam servir de inspiração permanente aos seres humanos para o exercício de práticas saudáveis de tolerância e respeito no relacionamento de uns com os outros.

O segundo momento cultural frisante teve por cenário, já foi dito, a Academia Mineira de Letras.

Em concorrida e prestigiada solenidade, a escritora e professora Marley Duarte Costa lançou o livro “O amor e o tempo em O Forte, de Adonias Filho”, uma apologia ao amor, na definição da conceituada professora Letícia Malard. No preâmbulo, a autora justifica o trabalho apresentado: “o amor antes de tudo, acima de tudo, além de tudo, em busca do eterno”.

Letícia Malard, Luiz Carlos Abritta, Carminha Ximenes, Rogério Zola Santiago, em aplaudidos depoimentos, exaltaram o valor da publicação, sublinhando a importância do amor como instrumento essencial no processo de construção humana. Este escriba também registrou, em singela fala, a forte impressão deixada em seu espírito pela leitura do ensaio de Marley sobre a obra do grande escritor baiano.

Festa de grande brilho intelectual, o lançamento do livro “O amor e o tempo” ofereceu a público numeroso, de elevada representatividade na vida cultural, a oportunidade de travar um contato mais próximo com uma autora que se notabilizou pela “forma aguerrida com que se refere a uma emoção vital, como o amor”, conforme inspirada análise do jornalista Rogério Zola Santiago, e que se revela, também, como fiz questão de registrar, apta a compor uma bela ode ao amor.   “Antes de tudo, do amor puro, espiritualizado, mítico, ancestral, apropriado do amor divino, enfim: amor ao Amor”, como registra magistralmente Letícia Malard.


“Orçamento Impositivo” questionado novamente

Cesar Vanucci

“Atenta contra os direitos fundamentais à vida e à saúde”.
(Trecho da ação proposta pela Procuradoria Geral da República junto ao STF, questionando emenda constitucional aprovado pelo Congresso)

A Procuradoria Geral da República enviou representação ao Supremo Tribunal Federal contestando o chamado “Orçamento Impositivo”. O questionamento diz respeito a uma emenda constitucional aprovada pelo Congresso e promulgada em março de 2015. Tal emenda obriga o Governo ao pagamento de verba do Orçamento da União para utilização pelos congressistas em seus redutos eleitorais. Por esse dispositivo, o Executivo é obrigado a destinar até 1,2% da receita corrente líquida do orçamento - soma dos recursos provenientes de tributos - em serviços e áreas de atividades indicados pelos próprios parlamentares.

Os leitores de boa memória haverão de se recordar que a candente questão foi objeto de ruidosa “queda de braço”, ano passado, entre o Governo Federal, então sob o comando de Dilma Rousseff, e o Congresso. Os congressistas insurgiram-se contra a disposição do Executivo em não acatar a emenda. O Planalto perdeu a parada e a derrota foi divulgada estridentemente, pelos meios midiáticos e comemorada esfuziantemente pelos adversários como uma prova a mais da inexistência de uma base governamental sólida de sustentação político-partidária.

Afora prever o pagamento das emendas parlamentares individuais, a PEC ora contestada pelo Ministério Público altera as regras de financiamento dos programas de saúde executados pela União. Fixando mínimo de 15% da receita para investimento em saúde em até quatro anos, o texto estipula aplicação das verbas de maneira escalonada, 13,2% no primeiro ano. A Procuradoria salienta que a determinação reduz o atual financiamento federal para ações assistenciais e serviços públicos de saúde, instituindo percentuais progressivos e retirando recursos provindos da exploração de petróleo da chamada “fonte adicional para a saúde”. Relembra, também, que tempos atrás um projeto de lei de iniciativa popular, englobando mais de dois milhões de assinaturas, propôs que da receita bruta da União fossem investidos 10% na área da saúde, mas que na emenda promulgada, objeto da ação do MPF, esse percentual incide sobre a receita líquida. Portanto, se adotada, essa norma de elevação progressiva poderá redundar em perdas de vinte bilhões para o sistema de saúde até o exercício de 2017. Isso não se justifica, já que o setor da saúde, vital no programa das políticas públicas sociais, carece ser fortalecido e não enfraquecido. E tem mais: padece, como sabido e notório, de sub financiamento crônico.

Outro ponto bastante criticado pela Procuradoria no pronunciamento feito à alta Corte da Justiça diz respeito à proposta, constante da emenda, de canalização dos recursos da exploração de petróleo e gás, como fonte adicional. Essa medida decretaria perda bilionária para o SUS, Sistema Único de Saúde. No entendimento do Ministério Público Federal, a emenda relativa ao “Orçamento Impositivo” atenta, resumindo razões, contra os direitos fundamentais à vida e à saúde e contra o princípio da vedação do retrocesso social. Alveja cláusulas pétreas da Constituição. Não atende aos interesses nacionais.


Flanelinhas e flanelões. Acompanhando a propaganda eleitoral gratuita pela televisão inteiramo-nos da preocupação dos candidatos com a atuação dos assim chamados “flanelinhas”, face à incidência de irregularidades praticadas nos espaços sob seu controle em áreas de estacionamento público. Os compromissos assumidos no sentido de regulamentar essa modalidade de prestação de serviço, de modo a coibir abusos, respondem – há clara percepção do fato – aos desejos da comunidade. Entendemos, todavia, que esse louvável interesse relativo à momentosa questão do estacionamento de veículos nos logradouros deveria se estender também, com a mesma firmeza de propósitos, à ação dos “flanelões”. Assim compreendidos os responsáveis pelos negócios correspondentes a numerosos pátios espalhados em pontos estratégicos da geografia urbana, pra guarda temporária de veículos. Devido à inexplicável complacência das autoridades competentes, privilegiados pela ausência de normas acauteladoras dos interesses superiores dos clientes, os “flanelões” praticam extorsões ininterruptas contra motoristas. Os preços cobrados no rendoso negócio por eles administrados, fixados a seu bel prazer, tornaram-se, há muito, pode-se dizer, um verdadeiro caso de polícia. Já está passando da hora de uma ação vigorosa no sentido de se colocar freio na descomedida ambição por lucro que baliza hoje essa atividade. Candidatos e órgãos fiscalizadores precisam se compenetrar do dever que lhes assiste de colocar o palpitante assunto em pauta nas discussões travadas sobre as aspirações da coletividade em favor do bem-estar social.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A arte lírica e 
popular do “Caffeine”

Cesar Vanucci

“É na arte que a gente se ultrapassa.”
(Simone de Beauvoir)

Quem viu, não teve como não se render incondicionalmente ao fascínio do espetáculo. Quem não viu, passou batido. Perdeu a chance de se deleitar com uma apresentação musical de raro esplendor. Não sei de muitas realizações do gênero, em palcos brasileiros ao longo dos anos, que se lhe possam equiparar.

O “Caffeine Trio na Era do Rádio”, encenado no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, Belo Horizonte, foi uma manifestação cultural arrebatante. Estrelada por conjunto vocal de coruscante brilho, provido de atributos abundantes para despertar encantamento, em qualquer lugar, em plateias ávidas por exibições artísticas requintadas.

O “Caffeine Trio” é um conjunto de cantoras com formação lírica. O grupo tem pleno domínio ainda, ostentando estilo todo seu, sublinhado por ricas modulações vocais, das técnicas brejeiras de interpretação da MPB. A moldura estética do show constitui outro ponto forte do trabalho artístico oferecido pelas esplêndidas intérpretes Carolina Rennó, Renata Vanucci e Silvia Klein. Brindando os espectadores com saboroso desfile de canções, as jovens, talentosas e belas cantoras criaram no teatro uma atmosfera de enfeitiçante magia, que projeta, ao mesmo tempo, refinamento erudito e exuberante alegria da autêntica arte popular. Esbanjando charme e com movimentação cênica que prende a atenção o tempo todo, o Trio consolida de vez seu prestígio e conceito no cenário artístico. Promovendo entretenimento de elevada qualidade, com tempero, cores e vibração bem brasileiros, revela-se apto a lançar audições fadadas a sucesso em qualquer parte. Nada a estranhar, por conseguinte, quanto às informações sobre o êxito alcançado em turnê empreendida, meses atrás, por cidades da Alemanha.

Relembrando os anos de ouro do rádio, o “Caffeine Trio” contou, nesse espetáculo patrocinado pelo Banco do Brasil, com o acompanhamento de excelente time de instrumentistas, integrado por Cláudio Faria, Guilherme Vincens, Pedro Cliveralli e Sérgio Rabelo. Valendo-se de primorosos arranjos vocais bolados por Avelar Júnior, dividiu o palco, por instantes, em diferentes dias, no desdobramento da série de shows, com alguns personagens de presença realçante no panorama da música popular brasileira. Maria Alcina, Arrigo Barnabé, Elza Soares e Alaíde Costa reavivaram, com a participação das jovens intérpretes, a memória afetiva musical das pessoas, em feéricas e emocionantes apresentações.

Pelo que se sabe, os clássicos do repertório da MPB apresentados pelo “Caffeine” nas audições no Centro Cultural do BB serão lançados em DVD e CD. É muito bom que isso aconteça. Os apreciadores de música passarão a dispor de interpretações magistrais, diria mesmo, antológicas, de algumas canções inesquecíveis guardadas no baú da memória.

Não resisto, por derradeiro, à tentação de fazer aqui ligeira associação de ideias do espetáculo citado com um musical anos atrás levado ao ar pela Globo, que valeu o primeiro “Emmy” conquistado por um artista brasileiro, meu saudoso mano Augusto Cesar Vanucci, então diretor da linha de shows da emissora. O musical em questão, “Arca de Noé – Vinicius para criança”, possuía um irresistível toque de fantasia infantil que, num que outro instante, cheguei a vislumbrar no “Caffeine Trio na Era do Rádio”. Mais um ponto para as meninas que tão bem sabem mesclar arte erudita e arte popular!

  
Todo mundo

Cesar Vanucci

“Vai ser um presente de Natal!”
(Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, anunciando
livro em que promete contar coisas sobre os bastidores políticos)


“Todo mundo”: esta a enfática resposta dada por Eduardo Cunha à pergunta de um repórter sobre quais seriam os personagens de destaque do livro que prometeu lançar contendo explosivas revelações sobre políticos brasileiros. A levar em conta numerosos episódios do passado, em que figurou como protagonista, bem como os métodos de ação costumeiramente empregados pelo ex-todo poderoso presidente da Câmara dos Deputados em sua agitada carreira, não constitui tarefa difícil profetizar que vem vindo chumbo grosso por aí...


Quando a metralhadora giratória (calibre ponto cem) desse cara entupido de ressentimentos, carregando volumosa carga de queixas quanto às “traições” de que teria sido “vítima inocente”, for acionada pra valer, vai ter “corre-corre” danado em tudo quanto é reduto partidário. Quem se aliou a ele e às suas maquiavélicas propostas de controle do poder – e, ao que parece, foi quase “todo mundo” – passará por maus pedaços. Vai ter que engolir, a contragosto, o pão que o tinhoso amassou. Recorrendo-se a uma expressão em voga no passado, as denúncias alusivas a malfeitos supostamente cometidos por integrantes das patotas frequentadas pelos delatores Delcidio Amaral e Sérgio Machado serão reduzidas, certeiramente, a “café pequeno” no momento em que forem disparados os “obuses”, com fatos verazes ou não – quem saberá dizer com certeza? – prometidos por esse “astucioso” estrategista de bastidores. Um indivíduo em que mundão de gente depositou a mais completa e irrestrita confiança, deixando-se emaranhar em pactos e composições nem sempre muito católicos...

Notícias chegadas constantemente de Brasília dão conta de um clima de apreensão bastante pronunciado quanto ao que possa ainda vir a pintar no pedaço, em função de atos e manobras articulados por Cunha. As preocupações não envolvem apenas numerosos integrantes da sigla partidária a que ele pertence. Até mesmo pela circunstância de o parlamentar recém-cassado sempre se considerar, sendo assim também reconhecido fora de suas hostes, um prócer extra partidário, um líder predestinado a voos mais altos em seu itinerário na vida pública. Notabilizou-se pela “competência”, ao “fazer amigos e influenciar pessoas”. Revelou-se sempre solícito no apoio assegurado tanto a gregos, quanto a troianos. Pode-se mesmo dizer, em tom xistoso, que se especializou, prevalecendo-se dos privilégios do acesso fácil às fontes arrecadadoras de recursos de empreiteiras inidôneas, em “praticar o bem, sem, desprendidamente, olhar a quem...”

No inevitável acerto de contas a ser firmado com a Justiça, admitida a hipótese de querer livrar a cara, ou amenizar a culpa no cartório, ele acabará inevitavelmente por botar a “boca no trombone”. Já deixou manifesto tal propósito em vociferações repletas de mágoa despejadas no ar. Nelas, alvejou companheiros que, em seu modo de entender, deixaram-no ao desabrigo no instante crucial do ocaso parlamentar. “Houve muita hipocrisia. Não há razão para eu manter convivência com um governo que me cassou”, sustenta, com fervor, acrescentando que “a guerra está só começando”. Parte daí para anunciar que no livro serão relatados pormenores “das reuniões, dos diálogos, tudo (sobre o processo de impeachment), doa a quem doer”. O lançamento da publicação está previsto para o fim do ano. “Vai ser um presente de Natal!” assegura, deixando subentendido que o “brinde” contemplará “todo mundo”. Não carece maior esforço de imaginação estimar que Eduardo Cunha delate, monte versões, enrede um bocado de viventes com relatos reais ou (quem poderá garantir?) fantasiosos, alvejando, além de excelências já carimbadas nas investigações sobre mutretas e maracutaias, outros cidadãos por agora mantidos acima de suspeita...

Esperar pra conferir.


Adeus ao 
Jornalista Fabiano Fidelis

Cesar Vanucci

“Minha morte nasceu, quando eu nasci.”
(Mário Quintana, poeta)


Socorre-me a memória velha de guerra para anotar que o fraternal relacionamento mantido com o saudoso Fabiano de Freitas Fidelis remonta ao final dos anos 50. Começou na redação do “Correio Católico” (“A pena é mais poderosa que a espada”), um diário destemido, com mais de dez mil assinantes, quantitativo extraordinário para a época. Esse jornal viveu coerentemente o slogan adotado. Concorreu significativamente para a formação de uma consciência comunitária de crítica social aprimorada na vida regional. A redação, bem como a oficina de impressão, funcionava em prédio contiguo à catedral da Arquidiocese, local que hoje abriga uma unidade educacional.

Sempre que vinha de Brasília para visitar parentes e amigos em Uberaba, Fabiano dava uma chegadinha no “Correio” para dois dedos de prosa com os colegas de profissão. O intercâmbio de ideias girava em torno de coisas relacionadas com a atividade que tanto fascínio despertou, vida em fora, tanto no seu, como no meu espírito: o jornalismo. Certa feita, ele presenteou-me com uma apostila sobre publicidade e relações públicas. Dela extraí valiosos subsídios para aulas ministradas, como titular das cadeiras de Técnica de Redação e Publicidade, na Faculdade de Ciências e Letras Santo Tomaz de Aquino, das Irmãs Dominicanas. Essa passagem permite lembrar-me que as valorosas educadoras foram pioneiras em Minas Gerais na implantação de curso universitário na área da Comunicação.

Deu pra perceber em Fabiano, desde aquela época, inteligência vivaz, capacidade criativa e arrojo empreendedor. Tais atributos afloravam de forma exuberante no que dizia, divulgava e fazia. Ele botava nas palavras e projetos de vida, como ficou caracterizado em fecunda trajetória profissional, ardor, vibração e combatividade característicos daquelas levas precursoras de brasileiros que assumiram a empreitada do povoamento de Brasília, nos primeiros tempos da estupenda e épica proeza histórica nascida dos sonhos do incomparável estadista JK.

Isso aí. O chamado “espírito de Brasília” palpitava nas ações e reações de Fidelis. E tanto isso é verdade que ele, em certo momento, abrindo veredas novas na caminhada humana e profissional, já exercendo relevantes encargos na esfera da comunicação social brasiliense, resolveu bancar a circulação de dois jornais na capital da República. Essa iniciativa marcou o ponto de partida de sua ação empresarial, desdobrada, anos após, na fundação do vibrante “Jornal de Uberaba”, onde Fabiano pontificou também com iniciativas vanguardeiras. Ele concebeu jornal com a cara da cidade que lhe empresta o nome. Adaptando um conceito do dramaturgo Arthur Miller, “um jornal onde a cidade fala com seus botões”. Tudo isso ancorado em sua crença na nobreza da profissão e no talento, tato e vivacidade que soube imprimir nas tarefas abraçadas.

Fabiano teve, como sabido, participação ativa na vida comunitária. Deixou suas pegadas nela impressas. Exerceu galhardamente a missão que lhe tocou na peregrinação pela pátria terrena. Valho-me de uma explicação de Richard Bach sobre o sentido oculto da caminhada da existência como fecho deste comentário, uma singela mensagem de saudade ao companheiro que partiu antes de nós: “Existe um jeito simples de saber se está cumprida a missão de alguém. Se está vivo, não está.”


sexta-feira, 16 de setembro de 2016







Um novo clangor de emoções

Cesar Vanucci

“O Brasil é o país das realizações impossíveis!”
(Carlos Nuzman, presidente do Comitê Paralímpico
Brasileiro, na abertura dos Jogos Paralímpicos)


O Brasil repetiu a dose. Extrapolou de montão. Extasiou o mundo com uma festa inaugural sem similitude na crônica dos Jogos Paralímpicos.

O que bilhões de pessoas, em todos os continentes, puderam contemplar, via televisão, foi algo soberbo, de indescritível beleza. Um bombardeio sensorial tão deslumbrante que não nos acode, aqui, na busca de definição exata para o que foi mostrado, nenhuma outra expressão além da empregada, certa feita, obviamente noutro contexto, pelo genial Ary Barroso: clangor de emoções! Isso mesmo, sem tirar nem por: o pontapé inicial da Paralimpíada foi precisamente um clangor de emoções.

Bolado com engenho artístico, talento poético, utilização adequada de tecnologia visual de ponta, o espetáculo consistiu num desfile de emoção atrás de emoção, do começo ao fim. Pôs à prova, outra vez mais, a capacidade brasileira em promover empreendimentos de magnitude de dimensão internacional. A programação das competições, na sequência, marcadas por incomum brilhantismo, reafirmou o elevado grau de competência existente entre nós para formatar projetos culturais e esportivos capazes de polarizar a atenção e despertar a paixão das multidões.

A abertura da Paralimpíada transmitiu recados de pronunciado conteúdo humanístico e gravou imagens duradouras na memória popular. Vale a pena relembrar algumas dessas imagens. O salto acrobático inacreditável do cadeirante na descida vertiginosa da rampa. A performance primorosa da belíssima modelo de pernas mecânicas, “contracenando” com o robô. A esfuziante roda de samba, conduzida por bambas do batuque carioca, lembrando simbolicamente que a roda é instrumento essencial no processo civilizatório e de extrema utilidade na locomoção de pessoas portadoras de necessidades especiais. A magistral execução do Hino Nacional pelo maestro João Carlos Martins, um exemplo admirável de superação humana no mundo das artes. O quebra-cabeça formado com fotos dos atletas, configurando ao final da esplendorosa montagem um coração pulsante contendo como mensagem o sentimento do mundo. As modulações coreográficas arrebatantes compondo símbolos e aspectos frisantes das rotinas de vida dos abnegados participantes das competições. O deslocamento decidido do atleta na cadeira de rodas pela escadaria íngreme em busca de espaço que lhe favorecesse acesso ao topo, no desfrute de um legítimo direito.

Junto com essas e muitas outras também envolventes imagens, foram propagadas mensagens de celebração da vida; de respeito às diversidades que recheiam a aventura humana; de estimulante apoio ao esforço de todos quantos se empenham na superação das adversidades geradas pelo jogo da vida; de exaltação dos direitos fundamentais; de convocação universal a práticas do solidarismo social e de acatamento pleno às diferenças que permeiam a convivência comunitária.

Não faltaram até mesmo, em meio à festividade, quando das falas dos organizadores dos Jogos, tendo como alvo o presidente Michel Temer, presente à cerimônia em atitude deliberadamente discreta, manifestações democráticas de inconformismo popular com referência às posições políticas governamentais. Apupos intensos foram ouvidos à hora em que os oradores aludiram à colaboração recebida dos Poderes Públicos. Como todos os demais recados transmitidos, tais manifestações fazem jus, naturalmente, a reflexões.

Em suma, como bem sublinhou o presidente do comitê organizador, Carlos Nuzman, o Brasil fez ver ao mundo, mais uma vez, que é mesmo o País das realizações impossíveis.


Aquarius, o filme

Cesar Vanucci

“Cinema de qualidade, uma pérola no meio de produções duvidosas.”
(Marcello Azorino, no “Observatório do Cinema”)


Vendo “Aquarius”, repetiu-se comigo algo que apreciava muito fazer diante de filmes de excepcional valor artístico, nos tempos de cinemeiro inveterado: permaneci firme na poltrona da sala de exibição “mode quê” poder assistir a “segunda sessão”. Asseguro, em reta e lisa verdade, que “Aquarius” é filme de encher os olhos. Digno de ser visto mais de uma vez.

Pena não tenha sido escolhido para representar o Brasil na disputa pelo título de “melhor filme estrangeiro” na premiação do “Oscar”. Para muita gente ligada ao cinema nacional, a não escolha, injusta a mais não poder, decorreu de uma represália do Governo, via Ministério da Cultura. As autoridades competentes não conseguiram, jeito maneira, absorver a ruidosa manifestação contrária ao impeachment de Dilma Rousseff, com faixas e cartazes de “Fora Temer”, que os diretores, atores e produtores promoveram por ocasião do lançamento da fita no “Festival de Cannes”.

Indicado pelo comitê promotor do evento, ao lado de outras 20 películas, para concorrer à “Palma de Ouro” na mostra francesa, “Aquarius” acabou entrando com impetuosidade no circuito mundial a partir de maio, com projeções programadas para dezenas de países. Ao término de sua primeira semana de exibição, em setembro, nas telas brasileiras chegou a contabilizar volume de espectadores só superado, até então, pela fita “Os Dez Mandamentos”. Inscrito em vários outros festivais internacionais, recebendo indicações para “melhor filme” e “melhor atriz” (Sônia Braga) arrematou um monte de prêmios em Amsterdã, Lima, Jerusalém, e Sidney. Vem arrancando, lá fora e aqui dentro, entusiásticos aplausos do público e enaltecedoras referências da crítica especializada. A famosa publicação “Cahiers du Cinéma” relacionou-o entre os dez mais aguardados celuloides da temporada. O “Metacritic”, que calcula uma média aritmética ponderada na análise das críticas e, depois, atribui nota de zero a cem às películas mais elogiadas, conferiu a “Aquarius” uma nota 85, indicativa de “aclamação universal”. O jornal inglês “The Guardian” conferiu-lhe pontuação máxima. O crítico Peter Bradohaw assinalou “tratar-se de um rico e detalhado estudo de personagem, envolvendo o espectador na vida e mente de sua imperiosa protagonista, Clara, interpretada com domínio por Sônia Braga”, num “retrato densamente observado e soberbamente bem escrito de uma mulher de mais idade”.

Na revista de espetáculos “Variety”, o crítico Jay Weissberg entoa loas à obra. Escreveu: “Estrelando a incomparável Sônia Braga como uma viúva abastada, que tenta segurar com as duas mãos seu apartamento contra as pressões dos compradores, “Aquarius” é um estudo de personagem, bem como uma meditação perspicaz sobre a transitoriedade desnecessária do lugar e de como o espaço físico elide com a nossa identidade”. No “Observatório do Cinema” é dito por Marcello Azolino que o filme é bastante maduro “com uma protagonista complexa, elenco de apoio inspiradíssimo e um roteiro que garante excelentes diálogos”. O comentário reconhece ainda que a produção, dirigida por Kleber Mendonça Filho, com cenas rodadas em Recife, “é cinema de qualidade, uma pérola no meio de produções duvidosas, bebendo inspirações “no cinemão europeu, com seus simbolismos, pausas contemplativas nos diálogos e a carência de respostas muitas vezes”.

Na verdade, bastante singelo, conquanto envolvente, o enredo de “Aquarius” concede a Sônia Braga a chance de compor uma interpretação primorosa, raramente vista nas telas.

O desempenho da estrela brasileira, dona de currículo que inclui atuações marcantes em “Gabriela” e “Dona Flor e seus dois maridos”, parece-me digno de um “Oscar”. Clara, a personagem, é uma jornalista sessentona aposentada. Muito apegada ao apartamento onde passou boa parte da vida, recusa-se obstinadamente a vendê-lo aos dirigentes de uma construtora interessada em demolir o prédio para implantar arranha-céu mais moderno no local. Alegando razões sentimentais, enfrenta pressões de toda sorte, inclusive domésticas, para que mude de ideia. Os lances de seu cotidiano, de seus conflitos existenciais, mostrados de maneira terna, capturam irresistivelmente a atenção do espectador. O público acaba  identificando nas cenas projetadas coisas das rotinas de vida da gente  comum. 

Os excepcionais méritos de “Aquarius” ficam ainda evidenciados na competente direção do cineasta Kleber Mendonça Filho, nas esplêndidas atuações do elenco de apoio, com destaque para Humberto Carrão, Maeve Jinkings e Irandhir Santos, na fotografia de apurada qualidade de Pedro Sotero e Fabrício Tadeu, nas partituras musicais escolhidas.




sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Motivações e desdobramentos

Cesar Vanucci

“Com o impeachment vencemos uma
etapa da crise. Outras etapas nos espreitam.”
(Domingos Justino Pinto, professor)

Consummatum est. O processo do impeachment, beirando quase um ano de duração, chegou ao previsível desfecho. Dilma Rousseff foi afastada definitivamente da Presidência.

Salta aos olhos que o implacável veredicto dos senadores, tal qual ocorreu na decisão dos deputados, baseou-se no “conjunto da obra”, como se convencionou dizer. Não nas assim chamadas “pedaladas fiscais”, arguidas no libelo acusatório submetido à apreciação parlamentar. A condução do caso prosperou num clima revelador de algo inimaginável, se levarmos em conta a situação política vigente no período das eleições de 2014.   A suprema mandatária viu-se, em dado momento, por força de um turbilhão de fatos, inteiramente despojada das condições de governabilidade. Isso ficou evidenciado com clareza solar em manifestações populares de inequívoco desagrado com relação aos métodos de atuação adotados por Dilma e colaboradores diretos à frente dos negócios da Nação. As chocantes revelações trazidas a lume nas investigações da Lava-Jato agregaram ingredientes de preponderante influência na formação de um estado de espírito comunitário pontilhado de inconformismo e indignação. Adveio daí célere deterioração da credibilidade governamental no conceito das ruas, com desdobramentos que produziram sérias consequências. Paralelamente, já às voltas com as intempéries da crise econômica internacional, a atividade produtiva deu sinais de preocupante declínio. O ímpeto empreendedor brasileiro perdeu embalo. Espalhou-se, de certa forma, o desassossego social.

Esse caldo de cultura compôs cenário propício para que a tese do impedimento vingasse. A notória inabilidade política tornou Dilma vulnerável às articulações belicosas dos adversários, respaldadas numa mídia com estridente participação no esquema de questionamento crítico de suas ações. Desacreditada, até mesmo em seus próprios domínios, pouco afeiçoada ao diálogo, cercada de colaboradores ineficientes ou inconfiáveis, como mostrado à saciedade num sem número de desconcertantes episódios, a governante afastada não conseguiu articular a base de apoio político necessário à sua permanência no cargo para o qual se reelegeu. A degola aconteceu - repita-se – pelo “conjunto da obra”, repleta de defeitos e inconsistências, e não em razão dos pretextos invocados na acusação formal, insuficientes como matéria probatória numa questão de tamanha magnitude. E nem é o caso, a propósito, de  invocar os precedentes dos atos assemelhados praticados por ex-presidentes e ex-governadores sem qualquer vislumbre de crítica ou condenação por parte de órgãos controladores da execução orçamentária.

Não há negar que as turbulências do momento atingem em cheio o sistema político como um todo. Volumosos são os desafios da era “pós-impeachment”. Requer-se muita lucidez, muita cabeça fria, muita serenidade, muito bom senso, muita sensibilidade política para enfrentá-los. A coligação de forças responsável pela continuidade do mandato de quatro anos é constituída de um mundaréu de dirigentes que foram parceiros ativos, influentes, do grupo político que deixa o palco. Não há também como desconhecer que essa parceria funcionou a pleno vapor, tanto nos acertos das políticas sociais levadas avante, quanto em condenáveis malfeitos representados por esquema corrupto de financiamento partidário; por maracutaias afloradas em investigações que deixaram explícito o relacionamento pouco republicano, nada ético, carregado de repulsivas barganhas fisiológicas, entre o Executivo e membros do Legislativo. E, ainda, no compartilhamento dos desvios criminosos decorrentes das sobretaxas cobradas por empreiteiros inidôneos, com conivência de executivos irresponsáveis, nos contratos de obras, com ênfase para o que rolou na esfera de atuação da Petrobras.

A opinião pública não é ingênua, como alguns imaginam, a ponto de engolir a pílula de que esse incrível fatiamento verificado na votação do Senado que aprovou o impeachment foi armado com o propósito (“humanitário”, ousou-se dizer) de favorecer exclusivamente a presidente afastada. A leitura correta a extrair do desnorteante gesto é de que tudo não passou de um jogo de cena ardiloso. Foi tramado nos bastidores com contribuição valiosa de paredros de tudo quanto é facção partidária. Mesmo das que, farisaicamente, saíram a público para criticar a “astuciosa jogada”. O que se visou – parar com a enganação - foi a criação de precedente capaz, adiante, de aliviar a barra de outros próceres políticos na alça de mira da Justiça.

Chama atenção, igualmente, outra amostra de artimanha de bastidores. Como se recorda, alguns pontos juridicamente controversos nas “delações premiadas” na saneadora Lava-Jato foram objeto há tempos de críticas, muito mal acolhidas, por sinal, pela mídia. Eles voltam agora a ser focados com redobrada força, numa configuração diferenciada em termos de aceitação midiática. E na justa e sugestiva hora em que os tais “vazamentos seletivos” começam a contemplar também personagens de falanges partidárias que vinham posando no quadro da corrupção, como acusadores e cidadãos acima de qualquer suspeita. Ora, veja, pois!

Fechando o papo. O sentimento nacional sabe bem o que quer. Expressa com firmeza o desejo de que as lideranças brasileiras, em todas as esferas de atuação, encontrem logo o caminho da retomada do desenvolvimento econômico e social, sem concessões no combate, doa a quem doer, à corrupção. Alimenta a esperança de que um sopro possante de energia nova, de ideias novas, possa emergir dos corações e das mentes dessas lideranças, sacudindo pra valer as estruturas da vida política e administrativa de modo a que o Brasil consiga completar seu destino de grandeza.


Aids: ação brasileira louvada

Cesar Vanucci

“O Brasil é dos poucos países a aplicar
recursos domésticos no combate à doença.”
(Relatório do Unaids)


A atuação brasileira no combate a epidemia da Aids vem sendo objeto de louvores por parte de organizações internacionais. Essas organizações concentram informações atualizadas a respeito das várias frentes de trabalho abertas nos diversos continentes com vistas ao enfrentamento da questão.

No relatório “Lacunas na Prevenção”, trazido a lume recentemente pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), são sublinhados os apreciáveis avanços registrados em matéria de profilaxia pré-exposição, denominada pelos cientistas de PrEP, em desdobramento no Brasil. As referências feitas abrangem ainda outros itens relevantes apropriados pelas políticas de saúde pública, como o projeto-piloto para auto testes de HIV e os investimentos destinados à prevenção junto às assim chamadas “populações-chave”.

O realce conferido ao Brasil, que constitui obviamente motivo de envaidecimento para nossos cientistas e autoridades no campo da saúde, decorre do reconhecimento de que somos, no panorama internacional, um dos poucos países a aplicar recursos próprios no combate à enfermidade. O Unaids anota que, enquanto noutras partes do mundo o volume de recursos carreados em prevenção junto ao público prioritário promana de fundos instituídos por organizações internacionais, o Brasil, acompanhado de outros poucos países, o México entre eles, vale-se essencialmente de financiamentos domésticos para incrementar suas ações preventivas, item considerado pilar fundamental nas respostas científicas ao HIV, segundo a supracitada entidade.

Os especialistas do Unaids chamam também a atenção, de forma enfática, para mais um dado precioso na política preventiva. Os serviços públicos de saúde do Brasil, que garantem acesso universal à população, têm atuado também como grandes facilitadores na implementação da PrEP, graças à intensa gama de serviços de prevenção e cuidados assistenciais já disponíveis favorecendo cidadãos incluídos nos chamados “grupos de risco”.

Outro ponto ressaltado no desempenho brasileiro diz respeito à prática do auto teste de HIV. O procedimento dispensa a necessidade de ajuda de profissional do setor da assistência médica. Menção especial é feita a projeto-piloto de auto testes executado em Curitiba envolvendo grupos mais diretamente expostos aos riscos de contaminação. O Brasil, o Chile e Barbados são mencionados como regiões onde as políticas de saúde pública lograram alcançar níveis bastante satisfatórios de supressão viral entre pessoas diagnosticadas com o HIV e em processo de tratamento pelos métodos terapêuticos tidos no momento como os de maior eficácia. A supressão viral constitui outro dos pilares fundamentais das metas fixadas pelo Unaids para conter a epidemia da Aids até 2030. Essas metas fazem parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável perseguidos  pelo órgão com a cooperação de dezenas de outras entidades internacionais, entre elas a ONU, a OIT, a Unesco, a Unicef, a OMS e o Banco Mundial.

O Brasil é mais uma vez louvado pela posição assumida no fornecimento generalizado de preservativos. Trata-se da vertente mais difundida, na programação de combate a Aids recomendada pelo Unaids, do leque terapêutico oferecido e que se convencionou chamar de “prevenção combinada”. O relatório lembra ainda que os serviços públicos de saúde brasileiros são  dos poucos, no mundo inteiro, a oferecerem graciosamente preservativos femininos. Explicando que a quebra de barreiras discriminatórias tem peso considerável nas estratégias de combate à doença, já que empodera populações chave, quebra preconceitos e discriminações e abre caminhos para que, cada vez mais, o público alvo se aproxime dos serviços de saúde, o estudo enaltece novamente o Brasil pela posição vanguardeira assumida no plano dos direitos humanos ao permitir a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo.


Sendo o país mais populoso da América Latina, o Brasil é o que mais concentra casos de infecções pelo HIV. Mesmo assim, em consequência das políticas preventivas adotadas, somos o que  apresenta menor índice de aumento constante na região. Em 2015 o indicador foi de 4%, enquanto no México e Panamá o índice foi de 8%, no Chile de 6% e em outros países do hemisfério chegou a alcançar incremento superior a 20%.



sábado, 3 de setembro de 2016

 Celebração do “Dia da Pátria”
Palestra de Rogério Faria Tavares




CONVITE DA AMULMIG


A Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (Amulmig) tem imenso prazer em convidá-lo a participar da sessão cívica em comemoração ao “Dia da Pátria”, programada para o próximo dia 6 (seis) de setembro, terça-feira, às 15 (quinze) horas, em sua sede à rua Agripa de Vasconcelos, nº 81, alto das Mangabeiras.

O jornalista e escritor Rogério Faria Tavares, membro da Academia Mineira de Letras, proferirá na oportunidade palestra subordinada ao tema “A proclamação da Independência na visão dos historiadores brasileiros”.



Rogamos, por gentileza, estenda esse convite a outras pessoas interessadas em compartilhar com a Amulmig as gratificantes emoções deste evento cívico cultural.


Algo mais a dizer sobre os Jogos

Cesar Vanucci

“As marcas da Olimpíada perdurarão por muito tempo na memória popular.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Na fase anterior à Rio 2016 ouvimos aquele mesmo ribombar derrotista detectado em tudo quanto é canto à época dos preparativos da Copa Mundial de Futebol em 2014. Vociferou-se à larga um amontoado de sandices. Balelas desse tipo: não vai dar certo. O país não está capacitado para tocar empreitada de tamanha envergadura. Nossas estruturas de serviços e nosso suporte logístico revelam-se extremamente precários. É certo como dois e dois são quatro que a segurança ineficiente vai arranhar, inapelavelmente, a imagem brasileira no exterior. A zika, a chikungunya, a dengue afugentarão os turistas. Os aeroportos e hotéis não oferecem condições de conforto compatíveis com aquilo que existe por aí afora, nos invejáveis redutos do “primeiro mundo”... O sistema de transportes vai provocar transtornos, que arruinarão, pra todo sempre, a reputação hospitaleira dos brasileiros. Alegações desse teor foram disparadas à pamparra.  Nas redes sociais e noutros meios de circulação de notícias, acenou-se insistentemente para a “hecatombe iminente”. Isso sem falar nos tremendos riscos representados por possíveis atentados terroristas orquestrados por grupos fanáticos, ou cometidos por lobos solitários; ações tresloucadas para cujo enfrentamento as forças de segurança disponíveis não se mostrariam, de modo algum, suficientemente adestradas... As bestagens apregoadas seguiram essa toada.

E agora, José? Concluídos os Jogos, o que acaba sobrando mesmo, silenciado o coral de negativismo indigesto, é a sonora constatação de que existem soltos na praça, devidamente articulados, núcleos que se especializaram em oferecer à mancheia, por ignorância ou má-fé, suas interpretações distorcidas, equivocadas da vida brasileira, da cultura brasileira.

Detentores de combalida autoestima e nocivo baixo astral, esses setores revelam-se divorciados do sentimento nacional. As legiões de brasileiros que se regozijam com nosso desempenho impecável na promoção das Olimpíadas passam a torcer, daqui pra frente, para que, algum dia, um sopro de lucidez atinja os “catastrofistas de plantão”, de maneira a que possam aprender que este seu país, o país de todos nós, constitui exemplo eloquente de uma concepção poética, alegre, imaginosa e solidária da vida. Algo que nos torna muito especiais, propensos a responder positivamente aos desafios perturbadores do mundo contemporâneo.

Há mais a dizer sobre as Olimpíadas.

Temos aqui amostra do que, vez por outra, costuma acontecer nos vastos e instigantes domínios dos acontecimentos transcendentes, batizada de sincronicidade por estudiosos da temática. Naquela empolgante festa de abertura dos Jogos Olímpicos, como já cantado em verso e prosa, irradiou-se para o mundo mensagem de pujante simbolismo humanístico e espiritual. A diversidade, nos múltiplos planos do labor humano e convivência comunitária, viu-se enaltecida como valor essencial para a celebração da vida. Pois bem, e não é que a primeira medalha de ouro conquistada por atleta brasileiro nas eletrizantes competições colocou em destaque justamente personagem que encarna magistralmente o sentido da mensagem propagada? O aplaudido feito esportivo teve como autora uma mulher humilde. Uma moradora de aglomerado habitacional inclementemente alvejado pelas desigualdades sociais. Uma jovem negra, da imensa família Silva, que não vacilou em declinar publicamente seu direito de opção por gênero sexual.

A rica crônica dos Jogos assinalou, ainda, entre outros registros merecedores de louvor, as edificantes histórias de superação social de três outros atletas brasileiros, até indoutrodia ilustres desconhecidos, que subiram aos pódios, universalmente consagrados, por suas performances nas provas de canoagem e salto com vara. Isso é que é!

Falando de livros

Cesar Vanucci

“Benditos os que semeiam livros.”
(Castro Alves, poeta)


 1.   “O espião subversivo”. Bem concluída a leitura de “O espião subversivo”, cuidei de contatar via telefônica o autor, Paulo Fernando Silveira. Disse-lhe, tomado de sincero entusiasmo, que o excelente romance, de lançamento recente, tem o mérito de reunir, em meu modo de entender, todos aqueles ingredientes sonhados por algum cineasta de categoria capacitado a fazer adaptações cinematográficas, confiado em êxito retumbante, de produções literárias do gênero policial.

A trama concebida na empolgante narrativa, elaborada em linguagem esmerada, com lances engenhosos que aprisionam o fôlego dos leitores, deixa-nos de frente a um escritor que detém pleno domínio da criação literária. O dom da escrita, já evidenciado em obras anteriores, mescla-se no enredo com o sabor jurídico acumulado na vida profissional de Paulo Fernando. No encadeamento das ações descritas, diálogos e situações fazem prova do desembaraço do autor na urdidura de uma história policial carregada de suspense e mistério, que guarda, apesar do tom ficcional, uma certa sintonia com episódios transcorridos na atualidade, dos quais o autor se mostra também profundo conhecedor.

Paulo Fernando Silveira, advogado, professor universitário, ex-magistrado federal, é membro da respeitável Academia de Letras do Triângulo Mineiro, sediada em Uberaba, à qual este escriba amigo de vocês se orgulha de também pertencer como sócio fundador.

Recomendo aos apreciadores de romances a leitura de “O espião subversivo”, lançamento da “Juruá Editorial”.

2.   “A origem – uma visão cósmica da psicopatia”. A inquietude intelectual do Marcelo S. Amaral, expressa com solar transparência nas páginas deste livro delgado na formatação e substancioso nas ideias, onde as perguntas, como sói sempre acontecer, são mais abundantes do que as respostas, revela a atração irresistível do autor pelos inesgotáveis enigmas do jogo da vida. São reflexões que acicatam a imaginação. E que põem à prova a condição do ser humano de perpétuo aprendiz. Convida-nos ao exercício da curiosidade, da busca, algo que ajuda a libertar-nos das armadilhas criadas por rançosos paradigmas culturais que alicerçam o imobilismo social.

O que Marcelo repete com seu posicionamento é o que Jacques Bergier e Louis Pauwells, grandes mestres dos saberes transcendentes, propõem: a abertura da consciência. “O espírito humano é que nem o paraquedas, só funciona aberto”, anotam eles.


Continuamos falando dos Jogos

Cesar Vanucci

“Os Jogos foram uma recarga fundamental de bateria para todos os brasileiros.”
(Rosiska Darcy de Oliveira, membro da Academia Brasileira de Letras)


No videocassete da memória continua o desfile das cenas olímpicas.

  • Não sabemos dizer se todo mundo se inteirou da comovente história, reveladora de edificante gesto de solidariedade humana. A origem de tudo foi um acidente automobilístico que enlutou a delegação alemã presente às Olimpíadas. O coração, o fígado e os rins de Stefan Henze, técnico da equipe de canoagem germânica, vítima fatal de lamentável desastre ocorrido no Rio no período das competições, foram doados pelos familiares a brasileiros que, há bom tempo, esperavam por chances de transplante de órgãos em tensionantes filas. O Consulado da Alemanha atuou eficientemente no sentido de facilitar contatos dos beneficiários com pessoas ligadas ao técnico falecido.


  • Certo: o número de medalhas conquistadas por brasileiros na Rio 2016 aumentou em relação às Olimpíadas anteriores. Sinal positivo. Mas, falando com franqueza, nosso desempenho técnico no plano global das disputas, por infinidade de razões, deixa ainda algo a desejar. Sobretudo se levado em conta o respeitável potencial humano de que dispomos, representado por população predominantemente jovem, propensa a práticas esportivas e com razoável acesso a redes do ensino superior e médio dotadas de apreciável estrutura. O sistema educacional não pode continuar sendo deixado de lado no esforço de composição das equipes convocadas a defenderem as cores verde e amarela nas competições internacionais. Em países considerados potências olímpicas o setor de ensino responde por boa parte da formação dos quadros aptos a concorrerem nos certames esportivos. Aproveitando o mundão de dicas inspiradas pelo legado de esperanças deixado pelos Jogos Olímpicos, os dirigentes do desporto nacional bem que poderiam enfatizar a inserção incisiva da escola nos estudos e debates sobre os caminhos a serem daqui pra frente trilhados objetivando a preparação das equipes competidoras.


  • Embora das 19 medalhas conseguidas pelo Brasil, 11 delas (englobando 15 competidores) tenham sido atribuídas a atletas pertencentes às fileiras militares, a mídia nativa revelou-se um tanto quanto reticente em exaltar a participação das Forças Armadas nos resultados por nós alcançados nos Jogos recém-findos. Na excelente cobertura jornalística oferecida ficaram faltando dados minuciosos a respeito da valiosa contribuição ao trabalho do Comitê Olímpico Nacional oferecida pelo Exército, Aeronáutica e Marinha.


  • Conhecemos muito bem o tratamento que, nos Estados Unidos, os órgãos de segurança dispensam, amiúde, a latino-americanos flagrados em atos que atentem contra as leis e a reputação do país. Assim sendo, pomo-nos a imaginar qual poderia vir a ser a reação da polícia daquele país irmão diante, hipoteticamente, de uma farsa com a gravidade da que foi cometida pelos nadadores americanos, caso um incidente idêntico, envolvendo atletas brasileiros, houvesse ocorrido em Washington, Nova Iorque, Chicago ou outra grande cidade americana. Será que um mero e tardio pedido de desculpas seria suficiente para assegurar aos autores da pilantragem, depois da enxurrada de manchetes depreciativas suscitadas pela versão mentirosa por eles transmitida, rápido desembaraço em seu envolvimento com as malhas da lei? A propósito, vejam só o que está acontecendo, neste preciso instante, com a jovem brasileira, menor de idade, detida pelos fiscais aduaneiros no aeroporto de Detroit!


  • Nunca, como nos Jogos do Rio, as demonstrações de tolerância com a orientação sexual dos atletas se fizeram tão enfáticas. Entre os competidores, em número superior a 11 mil, 51 esportistas fizeram questão de anunciar publicamente sua condição homossexual.



A SAGA LANDELL MOURA

Uma mulher rodeada de palavras

                             *Cesar Vanucci “Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “M...