As
desigualdades
só fazem crescer
Cesar Vanucci
“O fosso
separando os mais ricos dos mais pobres é abissal.”
(Antônio Luiz
da Costa, educador)
A brutal
desigualdade observada na partilha da renda universal, dando origem a
escandalosas desigualdades sociais, constitui certamente a mais definidora nota
da agoniante elegia dos padecimentos humanos na era contemporânea. Como
compreender a absurdidade dessa situação? Como encaixar os dados e referências
alarmantes, inimagináveis, no cenário social avaliado, à luz dos ensinamentos
humanísticos e espirituais propagados pelas diferentes crenças que fundamentam
o sentimento do mundo? Crenças, todas elas, que se haurem – sabemo-lo bem - de
fonte matricial sagrada: uma mensagem de amor, de paz, de solidariedade, de
harmônica convivência vinda do fundo e alto dos tempos para homens e mulheres
de boa vontade.
Não passa, na
verdade, pela cabeça de nenhum ser pensante, realmente sintonizado com os nobres
anseios da sociedade, a disparatada ideia de que, ao conceber o projeto da
criação, outorgando à espécie humana a missão de povoar e conduzir este nosso
belo planeta azul, a Suprema Divindade haja acenado com a mais tênue
possibilidade de que algo tão contundente, em matéria de usufruto do patrimônio
comum, pudesse vir a acontecer. Essa concentração extravagante da riqueza
acumulada pelo labor humano não resulta de quaisquer desígnios superiores. É,
sim, única e exclusivamente, coisa do bicho homem.
De acordo com
pesquisa da “Oxfam”, ong especializada em estudos da candente temática social,
82 por cento dos bens produzidos no planeta, ano de 2017, o mais desigual até
aqui dos tempos modernos, foram parar nas algibeiras dos cidadãos pertencentes
ao “seleto clube” do um por cento mais rico. A citada ong assevera que nunca,
dantes no curso da história, brotaram tantos trilionários quanto no ano que
passou. A média foi de um a cada dois dias.
Enquanto os
ventos se mostravam imensamente favoráveis a essa parcela de privilegiados - partícipes
de um tipo de atividade econômica que se crê um fim em si mesma, e não um valioso
meio pra se atingir os fins (sempre) sociais -, a metade da população
terrestre, calculadamente 3,7 bilhões de viventes, viu-se barrada no baile da
distribuição da riqueza. Noutras palavras, deixou de ser agraciada com um sopro
leve que fosse da ventania que prodigalizou benesses para um punhado de
“criaturas bem-aventuradas"... Sobrou-lhe apenasmente as intempéries de
algumas frenéticas movimentações negociais.
Em linhas
gerais, o panorama brasileiro reflete o panorama mundial. A mesma pesquisa
anota que cinco patrícios ultra ricos ostentam patrimônio equivalente ao da
metade da população. Em 2017, ano marcado, como sabido, por retração de
negócios, fechamento de empresas, taxa de desemprego elevadíssima, o
contingente dos trilionários foi acrescido de mais 12 nomes, recorde para um mesmo
exercício. Eles somam hoje 43. A fortuna do grupo – consta também do
levantamento - cresceu em cerca de 13 por cento, contrastando com a perda de
rendimentos observada no mesmo período pelos 50 por cento mais pobres, que
amargaram declínio de 2,7 por cento para 2 por cento nos haveres.
O trabalho da
“Oxfam” assinala que, a despeito de inegáveis avanços sociais colhidos nos
últimos anos, a redução das disparidades de renda e patrimônio vem-se revelando
bastante tímidas entre nós. Detentor da nona maior economia mundial, o Brasil
ocupa, melancolicamente, a décima colocação no “campeonato mundial” da
desigualdade apurado pela ONU. Exibe na tabela de classificação pontuação que
lhe assegura empate técnico com a Suazilândia, menor nação do mapa africano.
A desigualdade comentada
decorre, entre muitos outros fatores arrolados pelos especialistas, de um
sistema tributário injusto, que penaliza o consumo, afetando por conseguinte as
camadas de menor poder aquisitivo, mas garante isenções para lucros, dividendos
e artigos de luxo.
O tema se
apresta, obviamente, a mais considerações.
Reformulação do
sistema econômico
Cesar Vanucci
“O escândalo da
concentração de renda exagerada é um
dos pecados sociais mais graves da vida
contemporânea.”
(Domingo
Justino Pinto)
Tempos danados
de confusos! Como explicar, sob o enfoque dos preceitos humanísticos e
espirituais que a cultura humana aponta como alicerce da convivência social, essas
escandalosas desigualdades espalhadas por tudo quanto é canto? As contradições
sociais são clamorosas. Demais da conta.
Dúvida alguma
persiste quanto à circunstância de que este nosso atual estágio, na fatigante jornada
humana pela face terrestre, reveste-se de esplendor incomparável, em matéria de
conquistas tecnológicas e aquisição de conhecimentos essenciais. Fruto de labor
e engenhosidade admiráveis, os recursos técnicos (potencialmente) disponíveis revelam-se
mais do que suficientes, dentro de um ordenamento inteligente das ações,
ancorado em princípios de justiça e fraternidade, para inundar de bem-estar
social todos os lares, em todos os rincões. Ou seja, acumulam condições de
transformar o mundo num verdadeiro oásis de paz e conforto para seus
povoadores.
Nada obstante,
a realidade apresenta-se bem diferente. O cenário dos acontecimentos
descortinados na hora presente conserva distanciamento anos-luz dessa almejada e
utópica, mas não impossível, perspectiva. Nas últimas três décadas, as
desigualdades não cessaram de expandir. E, como apontam investigações
meticulosas processadas na abrasadora seara social, 2017 foi o ano em que os
desníveis de renda atingiram ápice histórico. A atordoante e maciça
concentração da riqueza no cume da assim denominada (para efeitos de análises
sociológicas) “pirâmide social”, adquiriu impulso ainda maior, por
inacreditável que pareça. Tanto lá fora, como cá dentro. Os ultra ricos ficaram
bem mais ricos. Os pobres, mais pobres. O contingente de trilionários aumentou.
As legiões dos “deserdados da sorte”, medidas em centenas de milhões, agregaram
mais gente, ora, veja, pois!
Esse calamitoso
estado de coisas conduz, inapelavelmente, as pessoas de bem a uma certeira
dedução. A de que o sistema econômico
vigente carece ser urgentemente reformulado em suas linhas mestras. Não há mais
como aceitar, sem questionamentos e reações, possa o diminuto segmento enquistado
no topo da “pirâmide” abocanhar, a qualquer titulo que seja, 82 por cento dos
bens produzidos pelo trabalho e criatividade da colossal comunidade dos fazedores
do desenvolvimento humano. Nada justifica, em termos humanísticos e
espirituais, por maiores sejam os méritos individuais identificados em lances empreendedores
na importante atividade dos negócios, que um único ser humano, como sucede com
uns poucos afortunados, seja detentor de patrimônio equiparável, até mesmo, ao
PIB de um país. Pela mesma forma, lógica alguma concebe que realizações
pessoais ou corporativas, marcadas por êxitos merecedores de aplausos, possa assegurar
a alguém acesso a seletíssimo clube onde os associados desfrutem do privilégio
de acumular bens equivalentes à renda somada de várias centenas de milhões de
viventes.
Os rumos
civilizatórios atuais comprovam, à saciedade, que o sistema econômico vigente
não consegue equacionar, jeito maneira, a tormentosa questão das desigualdades.
E, diga-se de passagem, nem tampouco a gravíssima crise ambiental. Crise provinda
de mudanças climáticas causadas por iniciativas insanas para as quais muito
concorre a ganancia por lucros desmesurados.
Faz-se oportuno,
também, ressaltar que numerosos especialistas em temas sociais candentes vêm
procurando, com empenho, alertar as lideranças mundiais quanto aos efeitos
perversos e desastrosos provocados pela injusta concentração de renda, trazendo
à baila proposições dignas de reflexão relacionadas com mudanças indispensáveis
e emergentes nos procedimentos de natureza econômica e social. Entre as atitudes
recomendadas figura a criação de limites para acumulação de riquezas, através
de regulamentação mais rígida e de tributação mais pesada. Sugere-se, ainda, um
leque de medidas eficazes para neutralização da influência perniciosa de
indivíduos e grupos poderosos na estruturação das políticas públicas. Isso ajudará
a conter a corrupção sistêmica.
JK já afirmava:
“À nossa economia doente, os remédios clássicos e específicos”.
TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO DO
* Diretor Presidente do "Mercado Comum"
Carlos Alberto Teixeira de Oliveira * |
CURAR O BRASIL DOENTE
E ANÊMICO
JK já afirmava:
“À nossa economia doente, os remédios clássicos e específicos”.
O Brasil desaprendeu, literalmente, o que é
crescer. A máquina do crescimento econômico nacional está enferrujada, quebrada
e, nos últimos sete anos, ficamos na rabeira do mundo se o elemento de comparação
for o PIB-Produto Interno Bruto – que significa tudo que é produzido por um
país, em termos de bens e serviços, durante um período de tempo. Cabe destacar
que país que não cresce é país condenado à pobreza e ao subdesenvolvimento.
O FMI-Fundo Monetário Internacional divulgou,
na segunda quinzena de janeiro último, o documento intitulado “World Economic
Outlook Uptade”, trazendo as principais estatísticas macroeconômicas dos
últimos anos e as projeções para os próximos com base, principalmente, nos seus
respectivos desempenhos.
Nesta segunda década do século XXI – de 2011 a
2017, que coincide com os mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer, a economia
brasileira ficou muito mal na foto tirada pelo FMI, onde contabilizou um
crescimento típico de rabo de cavalo: para trás e para baixo.
De acordo com a instituição internacional, o
Brasil poderá ter tido em 2017 uma expansão do PIB da ordem de 1,1% - enquanto
a média mundial registrará aumento de 3,7%. À primeira vista, para nós este
resultado até que não é tão ruim assim, ainda mais porque durante os últimos
dois anos anteriores – 2015 e 2016 – verificou-se, em cada um deles, uma
retração anual de 3,5% o que, no acumulado, significa uma perda em torno de 7%
do PIB nacional – considerada uma das mais severas de nossa história. Nesse
sentido, a expansão verificada no último ano, mesmo que pequena, não deixa de
significar um sopro de esperança para a nossa economia. Para efeitos
comparativos, é como se tivéssemos desengatado a marcha a ré, passado pelo
ponto morto e, em seguida, engatarmos uma 1ª marcha. Vale salientar, no
entanto, que o motor da economia mundial, no ritmo que vem apresentando, já
está com um desempenho bem próximo de uma quarta marcha há vários anos.
PIB – PRODUTO INTERNO BRUTO – Em %
Ano
|
Brasil
|
Média mundial
|
2011
|
3,97
|
4,29
|
2012
|
1,92
|
3,52
|
2013
|
3,00
|
3,47
|
2014
|
0,50
|
3,57
|
2015
|
-3,55
|
3,40
|
2016
|
-3,46
|
3,21
|
2017
|
1,10
|
3,70
|
Média anual
|
0,50
|
3,59
|
Acumulada
|
3,26
|
28,04
|
Fonte: FMI/Bacen – MinasPart Desenvolvimento
Fazendo um retrocesso sobre o desempenho da
economia destes sete últimos anos, o resultado final aponta uma trajetória
indicando enorme distanciamento entre o Brasil e o resto do mundo. Nesse
período, enquanto o crescimento médio mundial ficou em torno de 3,6% ao ano, no
caso brasileiro foi de medíocre 0,5%. No acumulado, o mundo registrou expansão
de 28,0% e o Brasil, apenas 3,3% - configurando-se um autêntico pibículo:
mistura de PIB com ridículo.
As projeções do FMI indicam, ainda, que a
economia mundial deverá crescer em torno de 3,9% ao ano, em 2018 e 2019 –
enquanto a brasileira continuará em ritmo lento e abaixo da média global, mas
com uma certa tendência de melhoria e perspectivas de alcançar 1,9% em 2018, e
2,1% em 2019.
Se adicionarmos outros ingredientes, neste
cardápio da economia brasileira, veremos que estamos caminhando também
perigosamente para uma situação em que pode sugerir que, mantidas as
circunstâncias atuais - quando outros fatores também colaboram para a
deterioração das contas públicas, não demorará o momento em que teremos de
vender o almoço se quisermos jantar.
Alguns desses ingredientes podem ser
considerados os relativos às despesas públicas, aí consideradas,
principalmente, aquelas com pessoal, juros da dívida e gigantescos déficits do
sistema previdenciário que, diante das receitas insuficientes para cobri-las,
apresentaram um rombo – déficit nominal de 7,2% e 9,0% do PIB em 2017 e 2016,
respectivamente. E isso, após uma “descarga tributária” atingindo e consumindo
quase 1/3 do PIB. Por essas razões, a dívida pública total saltou
de 51,8% do PIB ao final de 2010 para 74,0% em 2017.
A economia brasileira, doente e anêmica, encontra-se raquítica e num círculo vicioso. Não cresce e, em decorrência, a arrecadação real também não se expande. De outro lado, os juros exorbitantes consomem boa parte das receitas provocando, juntamente com outras elevadas despesas, déficits orçamentários nominais expressivos que, neste ano, deverão atingir 7,4% do PIB.
A economia brasileira, doente e anêmica, encontra-se raquítica e num círculo vicioso. Não cresce e, em decorrência, a arrecadação real também não se expande. De outro lado, os juros exorbitantes consomem boa parte das receitas provocando, juntamente com outras elevadas despesas, déficits orçamentários nominais expressivos que, neste ano, deverão atingir 7,4% do PIB.
O desfecho só pode ser um: a dívida pública
cada vez maior - o que vai sempre exigir mais e mais recursos para financiá-la.
Essa situação não pode persistir e continuar. O
que estamos promovendo hoje é como se estivéssemos usando querosene para tentar
apagar fogueiras. A solução passa pela aceleração do ritmo das reformas
estruturais, institucionais e mudanças fundamentais do país, insubstituíveis e
inadiáveis por mais tempo. Evidentemente, a previdenciária é a mais urgente.
No entanto, somente as reformas não podem ser
consideradas o bastante e o suficiente. É preciso estabelecer o crescimento
econômico como prioridade número um do país.
A grande verdade é que o Brasil precisa se
reconciliar com o desenvolvimento e o crescimento econômico vigoroso, contínuo,
consistente e sustentável. É como o presidente Juscelino Kubitschek também já
dizia:
“O desenvolvimento, na medida em que se
acelera, reduz os conflitos internos do sistema econômico-social e dilui a
força reacionária e egoísta dos interesses estabelecidos. A certeza de que
haverá eventualmente o bastante para todos elimina a necessidade, que se
apresenta aos indivíduos nas economias estagnadas, de lutar ferozmente pela
posse de migalhas, e facilita a prática da justiça social”.
* Diretor Presidente do "Mercado Comum"