sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


As desigualdades 
só fazem crescer

Cesar Vanucci

“O fosso separando os mais ricos dos mais pobres é abissal.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

A brutal desigualdade observada na partilha da renda universal, dando origem a escandalosas desigualdades sociais, constitui certamente a mais definidora nota da agoniante elegia dos padecimentos humanos na era contemporânea. Como compreender a absurdidade dessa situação? Como encaixar os dados e referências alarmantes, inimagináveis, no cenário social avaliado, à luz dos ensinamentos humanísticos e espirituais propagados pelas diferentes crenças que fundamentam o sentimento do mundo? Crenças, todas elas, que se haurem – sabemo-lo bem - de fonte matricial sagrada: uma mensagem de amor, de paz, de solidariedade, de harmônica convivência vinda do fundo e alto dos tempos para homens e mulheres de boa vontade.

Não passa, na verdade, pela cabeça de nenhum ser pensante, realmente sintonizado com os nobres anseios da sociedade, a disparatada ideia de que, ao conceber o projeto da criação, outorgando à espécie humana a missão de povoar e conduzir este nosso belo planeta azul, a Suprema Divindade haja acenado com a mais tênue possibilidade de que algo tão contundente, em matéria de usufruto do patrimônio comum, pudesse vir a acontecer. Essa concentração extravagante da riqueza acumulada pelo labor humano não resulta de quaisquer desígnios superiores. É, sim, única e exclusivamente, coisa do bicho homem.

De acordo com pesquisa da “Oxfam”, ong especializada em estudos da candente temática social, 82 por cento dos bens produzidos no planeta, ano de 2017, o mais desigual até aqui dos tempos modernos, foram parar nas algibeiras dos cidadãos pertencentes ao “seleto clube” do um por cento mais rico. A citada ong assevera que nunca, dantes no curso da história, brotaram tantos trilionários quanto no ano que passou. A média foi de um a cada dois dias.

Enquanto os ventos se mostravam imensamente favoráveis a essa parcela de privilegiados - partícipes de um tipo de atividade econômica que se crê um fim em si mesma, e não um valioso meio pra se atingir os fins (sempre) sociais -, a metade da população terrestre, calculadamente 3,7 bilhões de viventes, viu-se barrada no baile da distribuição da riqueza. Noutras palavras, deixou de ser agraciada com um sopro leve que fosse da ventania que prodigalizou benesses para um punhado de “criaturas bem-aventuradas"... Sobrou-lhe apenasmente as intempéries de algumas frenéticas movimentações negociais.

Em linhas gerais, o panorama brasileiro reflete o panorama mundial. A mesma pesquisa anota que cinco patrícios ultra ricos ostentam patrimônio equivalente ao da metade da população. Em 2017, ano marcado, como sabido, por retração de negócios, fechamento de empresas, taxa de desemprego elevadíssima, o contingente dos trilionários foi acrescido de mais 12 nomes, recorde para um mesmo exercício. Eles somam hoje 43. A fortuna do grupo – consta também do levantamento - cresceu em cerca de 13 por cento, contrastando com a perda de rendimentos observada no mesmo período pelos 50 por cento mais pobres, que amargaram declínio de 2,7 por cento para 2 por cento nos haveres.

O trabalho da “Oxfam” assinala que, a despeito de inegáveis avanços sociais colhidos nos últimos anos, a redução das disparidades de renda e patrimônio vem-se revelando bastante tímidas entre nós. Detentor da nona maior economia mundial, o Brasil ocupa, melancolicamente, a décima colocação no “campeonato mundial” da desigualdade apurado pela ONU. Exibe na tabela de classificação pontuação que lhe assegura empate técnico com a Suazilândia, menor nação do mapa africano.

A desigualdade comentada decorre, entre muitos outros fatores arrolados pelos especialistas, de um sistema tributário injusto, que penaliza o consumo, afetando por conseguinte as camadas de menor poder aquisitivo, mas garante isenções para lucros, dividendos e artigos de luxo.

O tema se apresta, obviamente, a mais considerações.

Reformulação do 
sistema econômico

Cesar Vanucci

“O escândalo da concentração de renda exagerada é um 
dos pecados sociais mais graves da vida contemporânea.”
(Domingo Justino Pinto)

Tempos danados de confusos! Como explicar, sob o enfoque dos preceitos humanísticos e espirituais que a cultura humana aponta como alicerce da convivência social, essas escandalosas desigualdades espalhadas por tudo quanto é canto? As contradições sociais são clamorosas. Demais da conta.

Dúvida alguma persiste quanto à circunstância de que este nosso atual estágio, na fatigante jornada humana pela face terrestre, reveste-se de esplendor incomparável, em matéria de conquistas tecnológicas e aquisição de conhecimentos essenciais. Fruto de labor e engenhosidade admiráveis, os recursos técnicos (potencialmente) disponíveis revelam-se mais do que suficientes, dentro de um ordenamento inteligente das ações, ancorado em princípios de justiça e fraternidade, para inundar de bem-estar social todos os lares, em todos os rincões. Ou seja, acumulam condições de transformar o mundo num verdadeiro oásis de paz e conforto para seus povoadores.

Nada obstante, a realidade apresenta-se bem diferente. O cenário dos acontecimentos descortinados na hora presente conserva distanciamento anos-luz dessa almejada e utópica, mas não impossível, perspectiva. Nas últimas três décadas, as desigualdades não cessaram de expandir. E, como apontam investigações meticulosas processadas na abrasadora seara social, 2017 foi o ano em que os desníveis de renda atingiram ápice histórico. A atordoante e maciça concentração da riqueza no cume da assim denominada (para efeitos de análises sociológicas) “pirâmide social”, adquiriu impulso ainda maior, por inacreditável que pareça. Tanto lá fora, como cá dentro. Os ultra ricos ficaram bem mais ricos. Os pobres, mais pobres. O contingente de trilionários aumentou. As legiões dos “deserdados da sorte”, medidas em centenas de milhões, agregaram mais gente, ora, veja, pois!

Esse calamitoso estado de coisas conduz, inapelavelmente, as pessoas de bem a uma certeira dedução.  A de que o sistema econômico vigente carece ser urgentemente reformulado em suas linhas mestras. Não há mais como aceitar, sem questionamentos e reações, possa o diminuto segmento enquistado no topo da “pirâmide” abocanhar, a qualquer titulo que seja, 82 por cento dos bens produzidos pelo trabalho e criatividade da colossal comunidade dos fazedores do desenvolvimento humano. Nada justifica, em termos humanísticos e espirituais, por maiores sejam os méritos individuais identificados em lances empreendedores na importante atividade dos negócios, que um único ser humano, como sucede com uns poucos afortunados, seja detentor de patrimônio equiparável, até mesmo, ao PIB de um país. Pela mesma forma, lógica alguma concebe que realizações pessoais ou corporativas, marcadas por êxitos merecedores de aplausos, possa assegurar a alguém acesso a seletíssimo clube onde os associados desfrutem do privilégio de acumular bens equivalentes à renda somada de várias centenas de milhões de viventes.

Os rumos civilizatórios atuais comprovam, à saciedade, que o sistema econômico vigente não consegue equacionar, jeito maneira, a tormentosa questão das desigualdades. E, diga-se de passagem, nem tampouco a gravíssima crise ambiental. Crise provinda de mudanças climáticas causadas por iniciativas insanas para as quais muito concorre a ganancia por lucros desmesurados.

Faz-se oportuno, também, ressaltar que numerosos especialistas em temas sociais candentes vêm procurando, com empenho, alertar as lideranças mundiais quanto aos efeitos perversos e desastrosos provocados pela injusta concentração de renda, trazendo à baila proposições dignas de reflexão relacionadas com mudanças indispensáveis e emergentes nos procedimentos de natureza econômica e social. Entre as atitudes recomendadas figura a criação de limites para acumulação de riquezas, através de regulamentação mais rígida e de tributação mais pesada. Sugere-se, ainda, um leque de medidas eficazes para neutralização da influência perniciosa de indivíduos e grupos poderosos na estruturação das políticas públicas. Isso ajudará a conter a corrupção sistêmica.



Carlos Alberto Teixeira de Oliveira *
CURAR O BRASIL DOENTE 
E ANÊMICO


JK já afirmava: 
“À nossa economia doente, os remédios clássicos e específicos”.
O Brasil desaprendeu, literalmente, o que é crescer. A máquina do crescimento econômico nacional está enferrujada, quebrada e, nos últimos sete anos, ficamos na rabeira do mundo se o elemento de comparação for o PIB-Produto Interno Bruto – que significa tudo que é produzido por um país, em termos de bens e serviços, durante um período de tempo. Cabe destacar que país que não cresce é país condenado à pobreza e ao subdesenvolvimento.
O FMI-Fundo Monetário Internacional divulgou, na segunda quinzena de janeiro último, o documento intitulado “World Economic Outlook Uptade”, trazendo as principais estatísticas macroeconômicas dos últimos anos e as projeções para os próximos com base, principalmente, nos seus respectivos desempenhos.
Nesta segunda década do século XXI – de 2011 a 2017, que coincide com os mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer, a economia brasileira ficou muito mal na foto tirada pelo FMI, onde contabilizou um crescimento típico de rabo de cavalo: para trás e para baixo.
De acordo com a instituição internacional, o Brasil poderá ter tido em 2017 uma expansão do PIB da ordem de 1,1% - enquanto a média mundial registrará aumento de 3,7%. À primeira vista, para nós este resultado até que não é tão ruim assim, ainda mais porque durante os últimos dois anos anteriores – 2015 e 2016 – verificou-se, em cada um deles, uma retração anual de 3,5% o que, no acumulado, significa uma perda em torno de 7% do PIB nacional – considerada uma das mais severas de nossa história. Nesse sentido, a expansão verificada no último ano, mesmo que pequena, não deixa de significar um sopro de esperança para a nossa economia. Para efeitos comparativos, é como se tivéssemos desengatado a marcha a ré, passado pelo ponto morto e, em seguida, engatarmos uma 1ª marcha. Vale salientar, no entanto, que o motor da economia mundial, no ritmo que vem apresentando, já está com um desempenho bem próximo de uma quarta marcha há vários anos. 

TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO DO
PIB – PRODUTO INTERNO BRUTO – Em %
Ano
Brasil
Média mundial
2011
3,97
4,29
2012
1,92
3,52
2013
3,00
3,47
2014
0,50
3,57
2015
-3,55
3,40
2016
-3,46
3,21
2017
1,10
3,70
Média anual
0,50
3,59
Acumulada
3,26
28,04
                               Fonte: FMI/Bacen – MinasPart Desenvolvimento 

Fazendo um retrocesso sobre o desempenho da economia destes sete últimos anos, o resultado final aponta uma trajetória indicando enorme distanciamento entre o Brasil e o resto do mundo. Nesse período, enquanto o crescimento médio mundial ficou em torno de 3,6% ao ano, no caso brasileiro foi de medíocre 0,5%. No acumulado, o mundo registrou expansão de 28,0% e o Brasil, apenas 3,3% - configurando-se um autêntico pibículo: mistura de PIB com ridículo.
As projeções do FMI indicam, ainda, que a economia mundial deverá crescer em torno de 3,9% ao ano, em 2018 e 2019 – enquanto a brasileira continuará em ritmo lento e abaixo da média global, mas com uma certa tendência de melhoria e perspectivas de alcançar 1,9% em 2018, e 2,1% em 2019.
Se adicionarmos outros ingredientes, neste cardápio da economia brasileira, veremos que estamos caminhando também perigosamente para uma situação em que pode sugerir que, mantidas as circunstâncias atuais - quando outros fatores também colaboram para a deterioração das contas públicas, não demorará o momento em que teremos de vender o almoço se quisermos jantar.
Alguns desses ingredientes podem ser considerados os relativos às despesas públicas, aí consideradas, principalmente, aquelas com pessoal, juros da dívida e gigantescos déficits do sistema previdenciário que, diante das receitas insuficientes para cobri-las, apresentaram um rombo – déficit nominal de 7,2% e 9,0% do PIB em 2017 e 2016, respectivamente. E isso, após uma “descarga tributária” atingindo e consumindo quase 1/3 do PIB. Por essas razões, a dívida pública total saltou de 51,8% do PIB ao final de 2010 para 74,0% em 2017. 
A economia brasileira, doente e anêmica, encontra-se raquítica e num círculo vicioso. Não cresce e, em decorrência, a arrecadação real também não se expande. De outro lado, os juros exorbitantes consomem boa parte das receitas provocando, juntamente com outras elevadas despesas, déficits orçamentários nominais expressivos que, neste ano, deverão atingir 7,4% do PIB.
O desfecho só pode ser um: a dívida pública cada vez maior - o que vai sempre exigir mais e mais recursos para financiá-la.
Essa situação não pode persistir e continuar. O que estamos promovendo hoje é como se estivéssemos usando querosene para tentar apagar fogueiras. A solução passa pela aceleração do ritmo das reformas estruturais, institucionais e mudanças fundamentais do país, insubstituíveis e inadiáveis por mais tempo. Evidentemente, a previdenciária é a mais urgente.
No entanto, somente as reformas não podem ser consideradas o bastante e o suficiente. É preciso estabelecer o crescimento econômico como prioridade número um do país.
A grande verdade é que o Brasil precisa se reconciliar com o desenvolvimento e o crescimento econômico vigoroso, contínuo, consistente e sustentável. É como o presidente Juscelino Kubitschek também já dizia:
“O desenvolvimento, na medida em que se acelera, reduz os conflitos internos do sistema econômico-social e dilui a força reacionária e egoísta dos interesses estabelecidos. A certeza de que haverá eventualmente o bastante para todos elimina a necessidade, que se apresenta aos indivíduos nas economias estagnadas, de lutar ferozmente pela posse de migalhas, e facilita a prática da justiça social”.

* Diretor Presidente do "Mercado Comum"

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018


Os rios correm para o mar

Cesar Vanucci

"A boa política global não requer um mundo uninacional. Tudo o que necessita é de cooperação informal para um objetivo comum de expansão"
(Paul Samuelson, Nobel de Economia)

O culto aos valores da nacionalidade está para o sentimento universal como as águas do rio estão para as águas do mar. Uma questão de convergência. Chega-se assim ao que é chamado de sentimento de mundo. As presumíveis contradições se desfazem diante do reconhecimento de que o sentimento nacional e o sentimento de mundo não são realidades divergentes e estanques, mas componentes indispensáveis de uma mesma e vital realidade.

Não se chega ao sentimento de mundo com a adoção de estereótipos culturais, de clones culturais. As pessoas, nos diferentes lugares, não vivenciam esse sentimento de forma rigorosamente idêntica. A universalização cultural passa forçosamente pelas diferenciações culturais básicas, intrínsecas ao espírito nacional dominante nas diferentes regiões. Essas diferenciações dão colorido, identidade e substância ao conjunto. Asseguram sentido ecumênico às manifestações da alma humana. Nas diversidades de procedimentos, ou na forma peculiar de cada agrupamento humano exprimir suas vivências, projeta-se a imensurável riqueza do humanismo universal.

Há quem pense, laborando num tremendo dum equívoco, que exprimir apreço pelos valores universais significa desdenhar os valores nacionais. E vice-versa. Nada disso. A cultura universal, visão planetária do mundo, pessoas e coisas, é o somatório do que de melhor existe nas culturas regionais. A multiplicidade de idiomas e de costumes não agride a consciência universal. Ao contrário, a fortalece.

Na liturgia religiosa temos amostra significativa de como pode a unidade de culto universal, sem desfiguração de sua substância e conteúdo, absorver valores típicos das culturas religiosas regionais. A liturgia é uma só. Mas incorpora, aqui e ali, nas manifestações exteriores, símbolos sonoros e visuais tradicionais e peculiares a cada região.

Falamos dessas coisas para explicar que a defesa intransigente dos valores culturais da nacionalidade é expressão humanística vigorosa. Nada tem a ver com xenofobia, que significa atraso espiritual. Exemplificando: reagir à invasão de vocábulos estrangeiros no papo coloquial, invasão essa nascida reconhecidamente de modismos que bebem inspirações na babaquice e pernosticismo, é uma saudável postura nacionalista. Algo muito diferente, visceralmente antagônico, daqueles procedimentos próprios da fanatice tribal, chamemo-la assim, que domina, para apontar outro exemplo, certas regiões do mundo onde a sucessão de selvagerias, praticadas em nome de “valores” étnicos, envergonha o genuíno nacionalismo e avilta a condição humana.

O sentimento de mundo não é alvejado quando o espírito nacional convoca as pessoas a refletirem sobre as propostas de globalização econômica. Essas propostas vêm sendo embutidas em pseudo fórmulas liberais. Apregoadas pelos interessados de sempre na manipulação dos cordéis econômicos, nada mais representam que receitas sutis, conquanto perversas, de sujeição das economias regionais vulneráveis às economias dotadas de maior poder de fogo. Ou seja, uma versão renovada e cruel de milenares hegemonias política e econômica.

Na base do “faça o que eu digo e não o que eu faço”, os países dominadores traçam para os demais os rumos da abertura escancarada dos portos, da retirada sem compensações e sem reciprocidades do protecionismo alfandegário, por aí. Há quem se disponha, desprevenidamente, a embarcar no “titanic” da sedutora proposta marqueteira de globalização. Podem se surpreender, em meio à viagem, em mar alto, sem boias e sem escaleres. Estarão assistindo, então, impotentes, ao desmantelamento de suas estruturas produtivas, e colhendo os frutos amargos dessa situação: o desemprego, a concentração ainda maior da riqueza e o empobrecimento coletivo. O tema rende reflexões a perder de vista.


E por falar em 
“feedback” e “brunch”

Cesar Vanucci

“É preciso reaprender a lição: Brasil se escreve com “S”.”
(Antônio Luiz da Costa, professor).

Os indulgentes leitores destas maltraçadas sempre receberam com simpatia, compreensão e reconfortante apoio, as manifestações de nosso inconformismo face à despudorada ofensiva, patrocinada pela babaquice reinante, dos indigestos vocábulos estrangeiros que infestam a cena cotidiana brasileira. Boa parte dos casos aportados na série de comentários sobre a epidemia de estrangeirice abobalhada que nos assola nascem de contribuição por eles trazida. É o caso dos relatos vindos a seguir.
              
Naquela cidade interiorana, festejou-se com invulgar entusiasmo a contratação, pelo clube local, de experiente técnico de futebol, cujo currículo anotava passagens por agremiações no exterior. O clima de euforia na recepção ao treineiro foi demais: rojões, faixas, banda de música, comes e bebes. Mais bebes do que comes. Na hora dos discursos, a badalação, por essa óbvia razão, ficou fora de controle. O recém-chegado foi comparado ao padroeiro do lugar. O presidente, o cronista, até o pároco, revirando pelo avesso a paixão clubística, crivaram o técnico de todas as louvações disponíveis no estoque.

Abra-se parêntese (para lembrar que toda essa empolgação não impediu, poucos meses depois, acumulados três insucessos sucessivos do clube nos gramados, no cumprimento da inapelável sina da categoria, fosse o mesmo convidado, sem cerimônia nenhuma, a tirar o time). Voltemos à recepção. Embargado pela forte emoção, como registrou o técnico deitou falação caprichada. Tascou frases em portunhol, deixou cair outras num inglês “moroless”, escandindo as sílabas a cada vez que pronunciava coisas do tipo ‘full time’, “feeling”, “inside”, “feedback”. Esta última expressão, por sinal, foi por ele utilizada dezenove vezes. Na ovação que se seguiu, pipocou na plateia o comentário de um personagem especial, coronelão respeitado, conselheiro e benemérito do clube: “- Tou pondo fé nesse caboclo. É douto. Diz uns troços bacana. Só discordo num ponto. Lançar o Fio de beque não é uma boa ainda. Fio é menino que promete, mas ainda num tem a tarimba recomendada ...”.

Outra historieta. O deputado mandou convite ao cabo eleitoral do interior. Um coronel detentor de votos decisivos em território conservado, anos a fio, sob férreo comando. Um homem de impulsos fortes, amizades e inimizades definitivas. O convite, para uma série de eventos festivos na capital, tocou fundo a emoção do convidado. Junto com o impresso - “cheio de nove horas”, na classificação do coronel -, chegou uma carta de próprio punho do deputado. “Isso num é coisa para deixar de comparecer. Só se for pra mandar no lugar atestado de óbito”, comentou o ilustre convidado. Uma coisa, no entanto, deixou o coronel intrigado, espalhando caraminholas pela sua cuca. “O convite tá bem ajeitado. O que não tá dando pra entender direito é o tal de “brunch”, pensou, sem dizer nada a ninguém. Jamais lera ou ouvira antes a expressão. Mas não se deu por achado em sua cortante curiosidade. Quem comanda gente - o coronel é dos que acreditam piamente nisso - tem que aprender a só fazer perguntas medidas e pesadas e a dar respostas certas para os outros. Ficou aguardando com paciência a hora de descobrir o que era esse tal negócio de “brunch”. Danou a acumular besteira na cachola. Em telefonema ao deputado, rodeou o toco o quanto pôde, com colocações de somenos, até poder sapecar a pergunta: “- E o tal brunche, tá nos conformes?”. O interlocutor, sem morar, obviamente, na aflição do coronel, garantiu: “- Está tudo muito bem estruturado. Vai ser um “brunch” e tanto!”. O coronel, não suportando o sufoco, retomou: “- Me explica aí, compadre. Vosmicê arranjou o tanto suficiente de muié-dama para o brunche, ou carece d’eu ter que arranjá umas raparigas daqui? ...”.

Ora, veja, pois!...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018


Lions Clube de Contagem

Cesar Vanucci

“Leonismo se vive!”
(Maria das Graças Amaral
Campos, governadora do Lions)

Contagem deixou de ser no dia 4 de fevereiro, domingo, o único entre os municípios mineiros de grande porte cultural, demográfico, econômico e político a não possuir um Clube de Lions. A implantação da unidade, em concorrida e festiva sessão solene, ocorrida no salão nobre da Prefeitura Municipal, reuniu a cúpula dirigente do Movimento Leonístico em Minas Gerais, representantes do mundo oficial e de numerosas instituições culturais, educacionais e assistenciais da Região Metropolitana de Belo Horizonte e de outros pontos do Estado.

Em número de 26, os sócios fundadores do Clube recém-implantado foram empossados pela governadora do Distrito LC-4, professora Maria das Graças Amaral Campos, que presidiu a assembleia. Francimara das Graças Batista, Maria da Conceição de Oliveira e Rafael Leonardo Lourenço, influentes líderes comunitários, assumiram na ocasião os cargos, respectivamente, de presidente, secretário e tesoureiro.

Revestida de intenso brilhantismo, a cerimônia teve início, nos termos do ritual leonístico, com a tradicional “Invocação a Deus”, proferida pela companheira leão Cleuza Rodrigues Vieira Dias. Músicos da banda da Polícia Militar executaram, em seguida, o Hino Nacional Brasileiro. Tiveram participação também, com outra performance, nas aplaudidas apresentações artísticas levadas a efeito. A programação cívica foi entremeada ainda por números do Coral Cristo Rei, da Comunidade de São Francisco de Assis; do intérprete Kayc Antonelly e do casal Zenita Ana de Melo Coelho e Antônio Custódio Moraes, associados do clube. A “Oraçãop pelo Brasil” e a “Oração final”, próprias das assembleias do leonismo, estiveram a cargo de Maria da Conceição de Oliveira e Daniela Vitória de Souza Dias.

Leo Moreira, representante do prefeito de Contagem Alexis de Freitas, transmitiu calorosa mensagem de boas-vindas ao Lions, assegurando a disposição da Municipalidade em colaborar com a instituição em suas iniciativas. Quem igualmente discursou foi o deputado federal Adelmo Carneiro Leão. Felicitando o Lions e a comunidade, ressaltou que a sociedade brasileira, ciosa de seus direitos, deveres e prerrogativas, coloca-se neste momento na expectativa de decisões que possam conduzir a rumos mais promissores o desenvolvimento econômico e social e que para isso faz-se fundamental a união das pessoas de boa-vontade em torno dos valores da nacionalidade.

Francimara das Graças Batista, presidente do novo clube, historiou os trabalhos preliminares desenvolvidos pelo grupo por ela encabeçado no sentido de consolidar o empreendimento. Registrou a resoluta disposição de todos em fazer da unidade inaugurada, que já conta com sede na Água Branca, um núcleo operacional dinâmico na prestação de serviços aos menos favorecidos.

Expressando júbilo pelo significativo acontecimento, a governadora do LC-4 Maria das Graças Amaral Campos informou que o clube de Contagem é o primeiro a despontar na paisagem leonística mineira depois da celebração recente do centenário da Associação Internacional de Lions Clubes. Lembrou que o Lions é a maior organização de clubes de serviço do mundo, operando em 210 países, em todos os continentes, falando dezenas de idiomas e aglutinando como voluntários 1 milhão e 400 mil associados de todas as categorias sociais. No Brasil, disse ainda, o universo de leões abrange 40 mil cidadãos, distribuídos por 1.520 clubes. Tais clubes compõem 28 distritos. O LC-4, sediado em Belo Horizonte, agrupa 1.400 pessoas, pertencentes a 55 clubes. Anotou que “Lions não é elitismo, não representa “status” social. É um estímulo à manifestação de liberdade, do espírito de humanidade. Não é apenas a reunião de pessoas certas em dias certos, nem apenas campanhas, nem apenas assistência social ou filantrópica, nem apenas civismo, nem apenas patriotismo, nem apenas tolerância religiosa e política, nem apenas sentimento de fraternidade entre povos e raças.” “Leonismo – complementou – é tudo isso. Leonismo é abertura total do nosso espírito. Leonismo se vive.”

O Lions Belo Horizonte Inconfidência apadrinhou a criação do Lions de Contagem. Integrantes de seu quadro de sócios fizeram entrega aos afilhados dos distintivos e material de trabalho que os habilitam como membros atuantes da instituição. A este escriba coube o encargo de usar da palavra em nome do clube padrinho. Fica para a crônica vindoura a reprodução do pronunciamento.


Manter a esperança,
apesar de tudo

Cesar Vanucci

“...por acaso a Terra não seria o inferno de outros planetas?”
(Aldous Huxley)

Trago hoje, submetendo-as à apreciação dos leitores, as considerações que fiz, na condição de padrinho do clube, na inauguração das atividades do Lions em Contagem.

“A implantação de um clube de Lions é sempre um acontecimento que engrandece a vida comunitária. A implantação de um clube de Lions com as singulares características deste aqui de Contagem é um acontecimento revestido de fulgor que extrapola os padrões habituais.

A expansão da febricitante atividade leonística é saudada sempre com euforia pelos cidadãos engajados em trabalhos sociais, culturais, assistenciais voltados para a dignificação da aventura humana. Quando nos é proporcionada a chance de contemplar, como sucede agora, uma resoluta conjugação de vontades focada na valorização de autênticos atributos humanísticos, o regozijo pela iniciativa ganha robustez maior.

Fixemos os olhares na composição dos quadros deste Lions. O que se enxerga, com bastante nitidez, são afirmações eloquentes de apreço do grupo a dons preciosos que tornam mais gratificante o labor cotidiano. Este Lions é amostra apreciável do genuíno sentimento de brasilidade, com sua abençoada miscigenação racial, com sua assimilação do conceito de convivência ecumênica, sua carinhosa compreensão das diversidades que a vida pode oferecer; e seus registros exemplares de superações existenciais. Esta é, pois, uma festa de brilho feérico na celebração da vida.

Festas assim proporcionam acumulação de energia positiva. Algo extremamente necessário neste mundo conturbado. O cenário mundial perturbador levou, dias atrás, grupo de renomados cientistas, responsável pela movimentação dos ponteiros do “Relógio do Juízo Final”, a anunciar que estão faltando apenas dois minutos para as badaladas fatídicas da meia-noite. Tudo por causa das guerras do terror e do terror das guerras. Da corrida armamentista nuclear. Por causa da paradoxal circunstância da sempre crescente escandalosa desigualdade social medrando em meio às extraordinárias conquistas tecnológicas de nossa era.

No rol das grandes preocupações da sociedade de nossos tempos figuram ainda as carências em alimentação, habitação, infraestrutura detectadas em vastas regiões deste planeta azul. Na maltratada África, gente morre à mingua por falta de soro fisiológico para combater o cólera. O drama dos imigrantes recolhidos a guetos envergonha a humanidade. O fanatismo religioso, a intolerância diante das diversidades, o racismo desapiedado tornam irrespirável a vida de milhões. A tal ponto de estimular escritor famoso, tomado de aturdimento, a indagar “se por acaso nosso planeta Terra não seria o inferno de outros planetas?”

As imensuráveis desventuras detectadas por aí afora são provocadas pelas ambições desmesuradas dos “donos do mundo”, com suas pretensões hegemônicas; pelos Trumps da vida; pelos radicais do terrorismo religioso; pelo perverso jogo das conveniências geopolíticas. Vale perguntar: o que está por trás dos atos dos desalmados autores dos hediondos atentados terroristas? Quem assegura suporte financeiro, suprimentos e outras modalidades de recursos para essas tresloucadas ações? E não pode ser esquecida ainda a corrupção asquerosa, de dimensões incalculáveis, gerando como sabido infortúnios sem conta. Coisas tão terríveis explicam o motivo pelo qual os cientistas andaram mexendo no último dia 26 de janeiro no “Relógio do Apocalipse”.

Mesmo que tanto fato negativo haja aflorado nestas singelas considerações, não poderemos nos furtar ao dever de uma informação de vital importância. Ancoramo-nos no sentimento da esperança, generoso impulso da alma, para ressaltar que o turbilhão de notícias desedificantes não é de molde a anular por inteiro expressivas propostas de vida e empreitadas positivas - desafortunadamente pouco divulgadas -, levadas avante, em numerosas latitudes, por parcelas majoritárias da comunidade conectadas com os verdadeiros anseios dos lares e das ruas. Projetando luminosidade impregnada de esperança, multidões se contrapõem à caudal dos desvarios. Agarram-se fervorosamente à tese de que um somatório de esforços bem intencionados possa propiciar, adiante, a todos os habitantes do planeta, desfrute em plenitude de seus potenciais humanísticos.

Esta bela cerimônia configura esforço - minúsculo, é certo – do empenho das pessoas de bem em adicionarem, no espaço em que atuam, cotas de energia positiva na formação de uma imensa egrégora, capaz, nalgum instante, de espalhar luminosidade abundante para a dissipação das trevas que rondam o destino da civilização. Quanto mais atos do gênero acontecerem, maiores possibilidades eclodirão de se forçar o recuo dos ponteiros do “relógio”.

Estimados Francimara das Graças Batista e companheiros de Contagem: Ao padrinho cabe o privilégio da bênção aos afilhados. Rogo da Suprema Divindade, ao dar-lhes minha bênção, não deixe faltar-lhes inspirações de luta em prol dos nobres ideais que os une, de maneira a garantir seja triunfante a jornada por vocês traçada. Palavra de leão!”


UMA BELA FESTA LEONÍSTICA


A festa do Lions Clube em Contagem, acima narrada, está sugestivamente retratada nas fotos na sequência, de autoria do companheiro leão Alvimar Peres da Cunha.









 







A SAGA LANDELL MOURA

Uma mulher rodeada de palavras

                             *Cesar Vanucci “Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “M...