segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Diamantina feminina e musical

Cesar Vanucci*

"Onde há música, não há coisa má.”
(Cervantes, autor de “Dom Quixote”)

Voltei a Diamantina. Onde nasceu JK. Cidade danada de charmosa. Como poucas, bem poucas, existirão espalhadas pelos numerosos rincões deste mundo do bom Deus.

Se as cidades, como acontece com as pessoas, fossem classificadas pelo sexo, masculino ou feminino, eu diria que Diamantina é mulher. Uma mulher linda. Cheia de encantos mil. Daquele tipo reverenciado no Livro dos Cantares, escrito no século VI a.C: “Mulher bela é uma graça; espanta melancolia, consola mágoas de amor.”

E os sortilégios emanados dos dotes naturais dessa cidade-mulher chamada Diamantina! Vou te contar: nenhum mortal consegue deles escapulir. O sujeito nem bem chega, nem bem desfaz as malas e já está inapelavelmente seduzido pela magia do lugar.

Até onde o olhar alcança e, além mesmo, até lá onde a sensibilidade dê conta de chegar, tudo recende, deleitosamente, a cultura. Cultura viva, pulsante, dinâmica. Desatrelada de formalismos. Cultura ancorada em valores humanos essenciais. O ar que se respira está impregnado de emoções universais e, também, de muita brasilidade e mineiridade.

Diamantina submete os visitantes a um prazeroso bombardeio sensorial. A começar pela paisagem arquitetônica. Calçadões, passeios e degraus respingando história. Casarões lindíssimos, enfeitados, coloridos, guarnecidos de ornamentos barrocos. Engenhosas eiras, beiras e tribeiras, deixando à mostra o poder eterno da ostentação no comportamento humano. Nas Igrejas adornadas de arte, guias solícitos embalam a imaginação do visitante com uma multiplicidade de deliciosas versões para cada detalhe mais instigante da construção ou da decoração. Nas paredes, arcos, altares e colunatas, além do barroco, o esfuziante estilo rococó.

A visita à casa em que JK morou provoca um turbilhão de emoções. Ninguém passa ileso pela prova. No mínimo, uma lagrimazinha furtiva acaba rolando pela face.

Diamantina é feminina e é musical. Dizem que toda família diamantinense que se preze tem pelo menos um músico. Vem daí a profusão de bandas, orquestras e corais que trazem para as ruas e templos a sua arte generosa e encantadora. A música realiza, em Diamantina, mais do que em qualquer outro lugar que conheça, verdadeiros prodígios em matéria de aglutinar platéias imensas, seletas e democráticas. A praça – que é do povo como o céu é do condor, como fazia questão de dizer o grande Castro Alves – é tomada por multidão eletrizada, alegre, descontraída, que emite, pela linguagem do congraçamento, sinais de harmoniosa integração social e racial. Gente de todas as camadas se acotovela no imenso teatro improvisado para aplaudir as vesperatas, um espetáculo sem similar no mundo inteiro. Mais de uma centena de músicos talentosos, crianças, jovens e adultos, ocupam as janelas dos andares superiores dos casarões que rodeiam a praça, transformando-as em majestoso palco circular. Atentos à batuta do maestro, posicionado, lá embaixo, próximo da multidão, eles produzem recital primoroso, único, incomparável, interpretando um repertório erudito e popular de excepcional bom gosto.

O ambiente, ao contrário do que se percebe em outros tipos de aglomeração popular, é jovial, conciliatório, envolvente e repousante. A ponto de justificar o dito famoso de Cervantes, quando sublinha, em “Dom Quixote”, que “onde há música, não pode haver coisa má.”

Você já foi a Diamantina? Não? Então, vá!


Ato de contrição positivo

“As Organizações Globo reconhecem que, 
à luz da História, esse apoio foi um erro.”
(Editorial de “O Globo”, sobre o regime militar instituído em 64)

Em recente pronunciamento, de grande repercussão, as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio editorial dado ao golpe militar de 1964 foi um erro crasso.

Artigo estampado em “O Globo”, reproduzido na televisão e emissoras de rádio do grupo, registrou, entre outras coisas, o seguinte: “Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura.” De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro (...): Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda das manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário. Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas. De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos (...)”

O artigo se estende em informações a respeito da conjuntura política vigorante no Brasil à época das decisões editoriais equivocadas que o poderoso complexo midiatico admite haver assumido. Reporta-se a situações em que, “mesmo sem retirar apoio aos militares”, as organizações Globo “sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática.” É dito, também, no editorial, que “contextos históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em rupturas institucionais” e que “a História não é apenas uma descrição de fatos (...)” e, sim, “o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.” Na conclusão, é sublinhado que “a democracia é um valor absoluto e, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”

O pronunciamento das Organizações Globo produziu muitas reações. A maioria delas favoráveis. As desfavoráveis partiram de setores sob o ponto de vista ideológico consideravelmente distanciados uns dos outros. Alguns militares da reserva não pouparam críticas veementes ao posicionamento anunciado. A contundência nas palavras foi também empregada por pessoas que estiveram do lado oposto, combatendo o regime militar. Para esses a confissão de culpa trazida a lume chegou tardiamente, depois de um pesado fardo de sofrimento e injustiças imposto à Nação.

Mas, as avaliações reconhecendo que O Globo deu passo importante num acerto de contas com a História foram bastante significativas. Para o Ministro José Eduardo Cardoso, o que aconteceu foi “algo digno de aplauso.” “Foi uma postura madura e admirável, ao tocar numa questão importante sobre a trajetória do jornal e do país”, acrescentou. Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, classificou de corajosa a atitude tomada, assinalando que ela deveria ser seguida por outros veículos de comunicação de expressão nacional que tiveram no passado posição idêntica à das Organizações Globo. Dirigentes políticos do PMDB (deputado Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara), do PSDB (senador Aloysio Nunes, líder da bancada), do PT (senador Wellington Dias, líder da bancada) também enalteceram o gesto do Globo. O deputado Chico Alencar, do PSOL, comentou, a seu turno, que a confissão feita deveria inspirar a classe política a mudar radicalmente de postura, em resposta ao clamor popular das manifestações de rua ocorridas em junho.

O ato de contrição das “Organizações Globo” é positivo do ponto de vista da cidadania. Revela o elevado grau de amadurecimento da pujante e abençoada democracia que rege, na atualidade, em consonância com os sentimentos cívicos da Nação, os destinos brasileiros.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013


Arapongagem universal

Cesar Vanucci*

"O humanismo é a nossa razão de viver.”
(Otto Maria Carpeaux)

Há 12 anos, neste mesmo espaço do DC, divulguei uma sequência de artigos focalizando a ameaça representada para o mundo do “Projeto Echelon”, implantado pelos órgãos de segurança dos Estados Unidos.

Considerada a extrema atualidade do tema, peço licença aos benevolentes leitores para reproduzir na íntegra, a partir de hoje, os conceitos então expendidos. A titulação e a frase que encimam o comentário são as mesmas do artigo inaugural da série, publicado em 24 de maio de 2001.

Muitos se recusam a acreditar. Tudo não passaria de papo furado. História fantasiosa. Já houve até quem rotulasse o projeto de “conto da carochinha”.

Mas, a verdade verdadeira é que o Echelon existe. E, sob todos aspectos, mete medo. Dispõe de condições para materializar as sombrias previsões (não seriam predições?) de George Orwells. O criativo escritor, no instigante “1984”, descreve o clima asfixiante de uma sociedade futurista, onde as pessoas são alvo de feroz monitoramento. A narrativa é uma versão ficcional do Echelon. O livro fala de formidando complexo eletrônico de coleta de informações, que não poupa nem mesmo a intimidade dos lares, e que garante ao “Grande Irmão” o controle absoluto de tudo. Até das vidas. O cinema aproveitou o tema em filme estrelado por Richard Burton, ator inglês falecido, que foi casado com Elizabeth Taylor.

Tem-se, pois, que o Echelon não é ficção. Fruto de notáveis avanços tecnológicos, com as operações centralizadas nos Estados Unidos, numa agência de informações qualificada, a NSA, o Sistema opera a partir de satélites aperfeiçoadíssimos. Além dos EUA, que desfrutam sobre os parceiros de privilégios na utilização do material coletado, fazem parte do projeto países como a Inglaterra, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. O esquema tem acesso a todo som e imagem produzidos em qualquer parte e que estejam conectados às redes de alcance mundial, telefonia e Internet incluídas. O Echelon trabalha no atacado com base em palavras-chave, não importando os idiomas. As palavras podem traduzir, teoricamente, intenções e procedimentos capazes de afetar os interesses dos países usuários. O acompanhamento à distância desse incalculável volume de dados, postos a circular bilhões de vezes diariamente, poderá representar em alguns momentos preciosa ajuda na identificação de situações que constituam ameaças à coletividade. Como no caso, por exemplo, de eventuais ações terroristas. Mas, como diz o ditado, madeira que dá em Chico, dá também em Francisco. O processo pode se aprestar, assim, a outras conveniências desprovidas de nobreza. Enquadradas no “vale-tudo” do jogo geo-político-econômico das grandes potências, em seu obsedante empenho por supremacia hegemônica.
Vai daí que armações seguramente serão articuladas pelos Estados poderosos, valendo-se das vulnerabilidades alheias, em áreas de movimentação financeira e setores onde são definidas estratégias políticas dos demais países, alcançando até mesmo lideranças regionais “suspeitosas” aos olhos “vigilantes” dos “donos” do Echelon. Ou, nesta versão moderna da vida imitando a arte, aos olhos do “Grande Irmão”.


Voltando ao Echelon

A realidade é mais assustadora do que se poderia supor.”
(Aldo Novak, jornalista)

Nosso papo de hoje reproduz na íntegra o segundo artigo que escrevi em maio de 2001, há mais de doze anos portanto, sobre os riscos que o “Projeto Echelon”, de arapongagem eletrônica, representa para a humanidade. Título e frase prefacial são os mesmos.

Os riscos que a Humanidade corre com o Echelon, sistema de arapongagem eletrônica mundial, vêm sendo avaliados, em acesos debates e em denúncias incandescentes, no Parlamento europeu, no próprio Congresso estadunidense e na imprensa internacional. No Brasil, o tema já trouxe inquietação a diferentes segmentos sociais e profissionais, com repercussão nos meios parlamentares e de comunicação.

O conceituado jornalista Aldo Novak revelou, recentemente, num palpitante trabalho, que por meio do Echelon, a Agência de Segurança Nacional (NSA) pode acessar todas as transmissões de televisão, emissões de rádio, inclusive portáteis e de curta distância, e informações veiculadas através de faxes e correio eletrônico.

Dois episódios, do recente noticiário, ilustram os perigos que o Sistema carrega. O Vaticano denunciou o que foi classificado por um porta-voz de violação da intimidade do Papa João Paulo II. Todos os indícios de inominável devassamento dos domínios domésticos pontifícios apontaram na direção do “Projeto Echelon”.

Num outro incidente, pacata família estadunidense teve a casa subitamente invadida por tropas de choque, à cata de terroristas e de bombas de alto poder destrutivo. Desfeito o mal-entendido, apurou-se que tudo brotara de inocente conversa telefônica, em que a palavra-chave “bomba” fôra utilizada mais de uma vez. Decodificada pela parafernália eletrônica, a conversa de duas comadres soou, aos ouvidos de zelosos agentes, especializados no combate a práticas terroristas, como tenebrosa conspiração. Acionar a SWAT foi a emergência recomendada, meu santo Euzébio!

O “Grande Irmão”, meus amigos, está aí, firme nos arreios, como se diz na saborosa linguagem roceira. Prontinho da silva para levar a cabo sua “sacrossanta missão”.

Governantes, humanistas, a sociedade, todos temos que nos pôr, também, atentos aos desdobramentos desse desconcertante esquema de espionagem. Dele podem nascer conseqüências inimagináveis em matéria de “arapongagem” eletrônica.

O Echelon está a exigir a criação de regras jurídicas poderosas, que coloquem ao abrigo de sinistras maquinações a dignidade do ser humano. Sem o que, estaremos todos contribuindo para que conquistas milenares, de conteúdo humanístico e espiritual, sejam arrastadas de roldão nas correntezas do obscurantismo e da insensatez, estimulados por uma ciência e por uma tecnologia que vêm sendo, volta e meia, flagradas em descompasso com os valores éticos.


Ogivas, antraz e Echelon

 “Se a preocupação na Europa é com a espionagem industrial,
 a dos americanos é com a intromissão na vida das pessoas”.
(Argemiro Ferreira, jornalista )

Em 25 de março de 2000, treze anos passados, sob o título “Ogivas, antraz e Echelon”, escrevi um artigo focalizando temas palpitantes da realidade internacional, com realce para o tenebroso esquema representado pelo “Projeto Echelon”, operação de bisbilhotice eletrônica montado pelas agências de segurança dos Estados Unidos.

Considero oportuno reproduzí-lo, nesta hora em que a espionagem eletrônica praticada em alta escala pela Casa Branca frequenta destacadamente as manchetes.

No Oriente Médio, aquela desavença milenar, quase insanável, envolvendo os primos - irmãos judeus e árabes. Menos insanável agora do que antes, quando o cargo de primeiro - ministro de Israel era ocupado pelo ultra radical e nada simpático Benjamin Netanyahu. (Abra-se parêntese para lembrar que este artigo foi publicado no ano 2000 e que Benjamin Netanyahu ocupa, hoje, novamente, o cargo de primeiro Ministro de Israel)

Em boa parte da já tão flagelada África e no Haiti, a falta d’água inclemente soa como um SOS dramático. Em outros lugares deste planeta azul, inclusive na Europa, que tanto se jacta de sua supremacia cultural, continuam acontecendo as guerras tribais de sempre. E estão, também, aí, o racismo, a intolerância religiosa e o neo-nazismo redivivo, com sua catadura feroz; a fome e as condições de vida sub humanas de multidões colossais de irmãos nossos, excluídos dos benefícios sociais desta era paradoxal, de crescente esplendor tecnológico. A registrar, ainda, as agressões ao meio ambiente e aos direitos fundamentais da criatura humana; a corrida armamentista que exaure recursos que poderiam ser melhor aproveitados na solução de problemas cruciais do momento. Lembremo-nos, em seguida, das guerras regionalizadas, laboratórios para instrumentos de destruição cada vez mais requintados; do neo-colonialismo embutido nas propostas do neoliberalismo com sua globalização fajuta, uma contrafação à autêntica universalização dos interesses, sentimentos e direitos das aspirações humanas.

Tudo isso e muitas coisas mais, de registro perturbador na crônica contemporânea, já seriam mais do que suficientes para manter a humanidade inteira desconfortavelmente ansiosa. Mas existe, ainda, um punhado de situações, iguais ou mais alarmantes, conservadas deliberada e estranhavelmente distantes do conhecimento público.

Uma delas diz respeito ao destino ignorado (e amedrontador) que se deu, após o desmantelamento do tirânico império, a parte do arsenal nuclear dos tzares bolchevistas. Onde foram parar as 84 ogivas nucleares, capazes de produzirem vários Armagedons, subtraídas dos estoques? O responsável pela revelação acerca do sumiço das bombas, foi o ex-ministro da Defesa da Rússia. As ogivas estão hoje em poder de quem? Será que de países dominados por extremistas, nalgumas dessas áreas conflituosas nevrálgicas do mapa? Não serão os atuais guardiães dos artefatos terroristas a serviço do ódio religioso ou racial?

Outra situação insatisfatoriamente divulgada está ligada a insuspeitados e inimagináveis recursos bélicos bolados com vistas a uma eventual guerra bacteriológica. Influentes cientistas manifestaram temor quanto a que possa cair em mãos erradas (excluída por eles a hipótese de que já esteja) um produto químico chamado Antraz. Para se ter idéia do poder mortífero do produto basta este aterrador prognóstico. Um frasco de 300 miligramas de Antraz lançado na atmosfera de uma cidade do porte de Nova Iorque dizima toda a população em duas semanas. Olha aí a realidade suplantando a ficção do mais imaginativo filme de terror!

Um outro petardo devastador desferido contra a sociedade indefesa, recordando a figura simbólica e assustadora do “Grande Irmão”, extraída da fecunda criação literária de George Orwells, ficou conhecido pela denominação de Echelon. Poucos sabem do que se trata. Manipulada pela NSA, uma organização secretíssima, dotada de poderes superiores aos da CIA, é a denominação dada a uma rede global de satélites e computadores estruturada para espionar tudo, em todos os rincões. Conforme denunciou o programa “60 minutos”, da CBS, a Echelon dispõe de sofisticadíssimo complexo de satélites em condições de fotografar, de grandes altitudes, com incrível nível de definição, cenas que ocorrem na superfície de qualquer recanto do globo. Está preparada para captar, também, mediante processos eletrônicos avançadíssimos, informações de qualquer esquema, o mais protegido, de processamento de dados por computador. Intromete-se, abertamente, na vida de qualquer cidadão. Um diálogo sigiloso de João Paulo II e Madre Tereza de Calcutá foi reproduzido pelo aterrorizante meio. A casa de uma pacata família americana foi invadida por agentes policiais, com base numa informação, mal assimilada, de que o garoto, filho do casal, levara à escola bombinhas juninas. O buscapé virou, na decodificação de inofensiva mensagem, bomba de alto poder explosivo.

É assim, de sobressalto em sobressalto, produzidos pela insensatez e insanidade, que se vai montando a história destes tempos complicados. O jeito que tem, para os simples e de bom senso, é atentar para o aconselhamento evangélico: vigiar e orar. Sobretudo orar.

sábado, 12 de outubro de 2013

CONVITE SEMANA MUNDIAL DO SERVIÇO LEONÍSTICO



Comportamento editorial desconcertante

Cesar Vanucci *

“A série de reportagens sobre “O escândalo do Metrô” desnudou
o esquema arquitetado por multinacionais que se organizaram em cartel para fraudar seguidas concorrências em São Paulo durante quase 20 anos de governos do PSDB.”
(Jornalistas Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, da “IstoÉ”)

O comportamento editorial de inúmeros veículos da grande mídia brasileira vem se mostrando, pra dizer o mínimo, desconcertante. Artigos de fundo e colunas de opinião demonstram, sistematicamente, uma inclinação oposicionista de fazer inveja aos próprios grupos políticos que, ancorados na saudável divergência proporcionada pelo regime democrático vigente, não rezem pela cartilha governamental.

Os enfoques atingem às vezes as raias do passionalismo. Caso, para ficar num exemplo bem atual, do tratamento dispensado nos comentários e noticiário de certos órgãos ao programa “Mais Médicos”. As redes sociais vêm chamando a atenção do público para as incríveis contradições detectadas no processo de divulgação adotado pelas publicações quanto às contratações dos médicos cubanos para assistir populações desassistidas nas periferias dos grandes centros e municípios à mingua de cobertura médica. A diferença de critérios é espantosa. Antes, no governo de Fernando Henrique Cardoso, esse tipo de contratação era apontado como “salvação da lavoura”, melhor dizendo “salvação da saúde”. Já agora, no governo de Dilma Rousseff, o que se lê e se ouve nos mesmissimos órgãos de comunicação é de que se trata de medida absurda, inconsequente, irresponsável. E por ai vai.

E aqui vem outro exemplo frisante dessa postura editorial singular. A Justiça Federal proferiu, dias atrás, decisão condenatória envolvendo um dos réus do chamado “mensalão mineiro”, considerado o embrião do badaladissimo “mensalão federal”. O noticiário em boa parte da imprensa, rádio e televisão a respeito da sentença aplicada ao primeiro dos 24 denunciados no esquema das Alterosas nem de leve lembrou a cobertura, repleta de manchetes e chamadas retumbantes, concernente às condenações do Supremo atribuídas aos réus do outro “mensalão”. Estamos diante, evidentemente, de situação danada de intrigante. Mesmo que não se queira avançar fundo no mérito das duas situações, não pode passar desapercebida a ninguém que uma e outra ação fraudulenta foram concebidas dentro de um mesmíssimo abominável figurino. O operador de ambas é o mesmo. O que muda, numa e noutra maracutaia, são os atores, os beneficiários das tramóias financeiras, figuras pertencentes a grupos ou siglas políticas distintos. Uai! Que diabo de coisa é essa? Alguém aí está apto a explicar esse tratamento tão diferenciado dispensado a casos rigorosamente idênticos, merecedores, todos eles, da repulsa social?

Tem mais a ser dito a respeito. Reportemos-nos ao chamado propinoduto tucano, que teve origem na área da energia e, depois, se estendeu ao transporte público, desviando dos cofres públicos paulistas, ao longo de várias administrações, algo em torno de 425 milhões de reais. Estamos ai diante de outra situação de suprema gravidade, solenemente ignorada no noticiário de alguns dos principais órgãos de comunicação social.

O “escândalo do metrô”, como também ficou conhecido, tem sido focalizado, com minúcias atordoantes, pela revista “IstoÉ”, numa série de reportagens de capa. As investigações, originárias de denúncias feitas por executivos de uma multinacional enredada na tramóia fraudulenta, apontam todos os nomes dos personagens comprometidos com um esquema que supera no montante dos valores subtraídos e em ousadia quanto às circunstâncias das operações executadas, por incrível que pareça, os próprios mensalões. Ao contrário do que geralmente acontece em denúncias dessas proporções a quase totalidade dos órgãos da grande mídia não tem reservado, suspeitosamente, espaço algum no noticiário à divulgação dos estarrecedores fatos trazidos a lume.

Esse comportamento editorial estranho dá muito o que pensar.


Petrobras sessentona

"Tê-lo (petróleo) é ter o Sésamo abridor
e todas as portas. Não tê-lo é ser escravo”
(Monteiro Lobato, em “O escândalo do Petróleo”)

Os tempos – sabe seu moço – eram outros. Mais pacatos, sem as trepidações rotineiras da atualidade. Mesmo assim, corria solta no ar uma que outra neurose com forte efeito contaminador. Por causa da ditadura. A do Estado Novo. Na lembrança de infância revejo a palavra petróleo como um vocábulo maldito, obsceno. Impronunciável em ambiente frequentado por pessoas de respeito. “ Petróleo?... Hum! Coisa de comunista...” A polícia mantinha sob amedrontadora mira, rotulando-o de suspeito, qualquer cidadão um tantinho ousado que se aventurasse a empregar, na escrita ou na fala, o palavrão colocado no “index”.

Segundo a imperturbável avaliação das autoridades competentes, nosso solo e nosso subsolo serviam pra muitas coisas (“Em se plantando, tudo dá...”). Mas não se aprestavam, ponto final, para outras muitas coisas, ligadas coincidentemente à exploração de materiais econômica e politicamente estratégicos. Petróleo, por exemplo. Por um desses inextricáveis caprichos da Mãe Natureza, o chamado “ouro negro” só costumava brotar, naqueles tempos, nos territórios vizinhos. Recusava-se terminantemente a transpor a fronteira. Geólogos afamados, estrangeiros na quase totalidade, chegaram a instituir uma espécie tortuosa de linha de Tordesilhas. Até ali, existe petróleo. Do lado de cá, não existe. O governo levava muito a sério os “abalizadissimos” pareceres técnicos e construiu, em cima deles, assustador “dogma de fé”. Com “caça às bruxas”,“fogueiras de expiação”, por ai. Tudo como manda o santo figurino inquisitorial. As poucas vozes que se atreviam a discordar eram silenciadas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o famigerado DIP. Quando não punidas exemplarmente pela vigilante polícia política, comandada com mãos de ferro por Felinto Muller. Este aí, personagem do livro “Falta alguém em Nuremberg”, do grande repórter David Nasser. Com seu verbo incandescente, Monteiro Lobato, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, conhecido da maior parte dos viventes apenas pela esplêndida criação literária infanto-juvenil, incomodou coisa que preste os detentores do poder por causa dessa impostura. Seus familiares deixavam sempre arrumada uma mala, com pertences pessoais, ao lado de sua cama, dada a frequência com que o convocavam a dar uma chegadinha ao distrito.

A redemocratização, depois do período trevoso da ditadura estadonovista, desfez a farsa. Nascida de possante sopro nacionalista, atacada virulentamente aqui dentro e lá fora, a Petrobras foi, nesse meio tempo, implantada. Surgiu como um clarão redentor na nebulosa paisagem em que se travava a ingente luta pela afirmação brasileira como potência industrial.

O tom da conversa mudou. “Desculpa o equívoco, o Brasil tem, sim, muito petróleo, mas pena não dispor de capacitação técnica para poder explorá-lo.” O tempo, senhor da verdade, se encarregou de mostrar que não era bem assim. Também essa alegação revelou-se tremendamente fajuta. A Petrobras em pouco tempo impôs, no conceito universal, a avançada tecnologia tupiniquim. Voltou-se, mais adiante, para as jazidas submarinas, criando tecnologia aperfeiçoadissima, no gênero incomparável em todo o mundo. Alcançou a sonhada autossuficiência. Tornou-se detentora da alvissareira informação de que nas bacias sedimentares da parte continental há petróleo em abundância. Aguardando o momento da plena exploração, o chamado “pré-sal” dispõe de petróleo pra dar e vender. Reserva para tempos de amanhã. Riqueza cobiçada, não é de hoje, pelo olho gordo alienígena. Que o digam as operações clandestinas da arapongagem eletrônica!

Todas essas recordações e constatações emergem impetuosamente nesta hora em que a Petrobras comemora, gloriosamente, seus 60 anos de fecunda existência. A empresa, não poucas vezes, viu-se colocada diante dos holofotes incômodos do descrédito público, apesar de reconhecida como a maior organização empresarial da América Latina, e, também, uma das maiores do mundo.

Alguns anos atrás, houve até aquela tentativa ridícula de mudança do nome, com o solerte objetivo de descaracterizá-la como marca referencial legitimamente brasileira.
De outra parte, a cantilena dos adversários de sempre, com os surrados argumentos de sempre, clamando por impatriótica privatização, persiste. É só por tento no que é dito em alguns artigos amiúde lançados em jornais de grande circulação.

Isso tudo recomenda alerta permanente e atenção redobrada de todos brasileiros com relação aos rumos de nossa sessentona estatal.

Não se queira jamais perder de vista o alerta atualíssimo de Monteiro Lobato: “O petróleo é o sangue da terra, a alma da indústria, a eficiência do poder militar. É a soberania. Tê-lo é ter o sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo.”


sexta-feira, 4 de outubro de 2013



Sintonia com a mensagem evangélica

Cesar Vanucci

“Não sendo um dogma, pode ser discutido livremente.”
(Pietro Paralin, Secretário de Estado do Vaticano, sobre o celibato sacerdotal)

Os setores religiosos ultra conservadores, aglutinando um bocado de indivíduos que se crêem mais católicos que o Papa, já não mais se esforçam por esconder o tremendo desconforto que lhes andam causando as falas e gestos de Francisco.

Em sua esclerótica interpretação da aventura humana, esses setores costumam identificar nas mensagens e posturas pontifícias graves riscos doutrinários. Riscos – acreditam - capazes de subverter a ordem religiosa constituída. Por ordem religiosa constituída entenda-se, na linha do rançoso entendimento integrista, um catálogo inesgotável de vetos à celebração da vida. Um compêndio de preceitos medievais inspirados na intolerância, revelador da incapacidade dos que os adotam de participarem da construção humana pelo diálogo respeitoso e partilhamento de ações e idéias com grupos que rezem por cartilhas diferentes das suas.

Assim sendo, soa-lhes sacrílega, por exemplo, a decisão de Francisco em acolher carinhosamente uma mulher islamita num ritual habitualmente reservado a fiéis católicos. Escandalizam-se com a determinação de Francisco em deslocar-se até um porto marítimo que ancora embarcações de africanos escorraçados pelas guerras tribais, para levar-lhes uma palavra de alento e fazer explicita condenação aos sistemas de espoliação de que esses refugiados se tornaram indefesas vítimas.

Arrepiam-se pra valer quando o Papa, respondendo a uma consulta de um renomado intelectual italiano ateísta (Eugenio Scalfari), revela de forma lapidar, em tom fraternal, que os cidadãos devem seguir os impulsos generosos da própria consciência quando não professam uma crença. Rangeram, por certo, os dentes ao ouvirem a recomendação papal no sentido de que os fiéis ponham fim ao clima de obsessão reinante à volta das discussões sobre aborto, união estável entre pessoas do mesmo sexo e outros temas candentes.

Sentiram-se, também, com certeza, abalados com a declaração de Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano recém-nomeado, relativa ao celibato dos padres. Não sendo um dogma, pode ser discutido amplamente, foi o que ele disse, abrindo a perspectiva de uma mudança de rumos capaz de trazer de volta aos púlpitos enorme contingente de cidadãos vocacionados para o ministério sacerdotal.

Esses setores religiosos fundamentalistas refratários a idéias remoçantes receberam também com desagrado a utilização por Francisco da cátedra universal pontifícia para criticar com veemência a ordem econômica e social injusta imposta às multidões deste planeta azul. Bem como para condenar as guerras que pipocam por diversos continentes e são, por vezes, apresentadas enganosamente como confrontos entre as forças do bem e do mal, quando não passam, segundo a mensagem atualizada de Roma, de mero e repugnante negócio para venda de armas e sustentação de esquemas iníquos de opressão.

Em toda essa história, o que mais importa, todavia, é saber que a atuação de Francisco está em sintonia com a mensagem evangélica que vem do começo e do fundo dos tempos e que isso ajuda a manter acesa a esperança humana num mundo melhor.


Obama afogou-se nas contradições

“Não podemos aceitar esse tipo
de comportamento entre parceiros e aliados.”
(François Hollande, presidente da França,
criticando a política de espionagem dos EUA)

Por tudo quanto é canto deste mundo conturbado pessoas de todas as etnias e crenças se perguntam, em clima de compreensível estupefação, o que aconteceu com Barack Obama. Quais as razões dessa chocante guinada de 180 graus dada por um cara que ascendeu aos cumes do poder em jornada cívica empolgante, enfrentando percalços de toda ordem. E que, arrostando virulentas incompreensões, nascidas da intolerância mais descabida, e justamente por isso, andou acumulando credibilidade e simpatia como nenhum outro estadista mundial em tempos recentes.

Que diabo de coisa é essa que provoca num homem vocacionado para a liderança repentina mudança de atitudes de tamanha proporção? Que ínvios caminhos foram esses no percurso percorrido que levaram personagem tão fascinante, um cidadão amável, de porte altivo e desassombrado, verbo chamejante, preciso nas conceituações alusivas a um processo de construção humana bem estruturado, defensor impreterito dos direitos civis, a abdicar de suas alardeadas convicções humanísticas? A botar clamorosamente pra escanteio a chance de assumir, ao lado dos patrícios Roosevelt e Luther King e de cidadãos do mundo como Gandhi e Mandella, um lugar de proeminência na história contemporânea?

Quando da chegada à Casa Branca, Obama soube como ninguém reacender a chama da esperança por um mundo melhor em bilhões de corações generosos. Por onde circulou, nos numerosos locais visitados, arrancou aclamações entusiásticas de verdadeiras multidões.

Mas, pouco a pouco, esse clima de contaminante euforia à volta do líder providencial, foi sendo desfeito, em razão dos atos praticados contradizerem contundentemente a retórica retumbante. Obama enveredou por um cipoal de contradições e vacilos. Desmentiu-se um bocado de vezes. Pisou na bola. Afogou-se em contradições.

Candidato a Presidente, garantiu repetidamente, debaixo de ovações populares, que iria por fim ao terrorismo das escutas telefônicas executado pelo seu belicoso antecessor, o xerife George Bush. Não cumpriu nada do que prometeu. A arapongagem eletrônica estadunidense foi ampliada a níveis que se fizeram a cada dia mais intoleráveis. Que o digam o Brasil e os brasileiros.

Assegurou que conteria os impulsos belicistas dos falcões que enxameiam os corredores do Pentágono. O que se viu, pelo contrário, foi uma extensão mortífera das intervenções por parte das poderosas forças armadas estadunidenses. Sempre em aberto desafio aos sentimentos da opinião pública e às recomendações expressas da comunidade das nações.

Asseverou, seguidamente, que riscaria do mapa o campo de concentração de Guantânamo, restabelecendo a ordem jurídica na apreciação dos casos dos detentos recolhidos ali e em penitenciárias clandestinas implantadas nalguns países do leste europeu. Paises esses que não escondem mórbido saudosismo dos tenebrosos tempos da KGB e órgãos de repressão assemelhados disseminados pelo extinto império bolchevista. Tudo, nessa questão tormentosa, não passou também de retórica oca.

Ganhou antecipadamente, tal a expectativa formada à volta das credenciais exibidas, um – vê-se agora com cristalina clareza – imerecido Nobel da Paz. Num dos lastimáveis vacilos cometidos, estimulou Lula e o primeiro ministro turco Tyyiq Erdogan a promoverem entendimentos com o regime dos aiatolás raivosos do Irã, numa tentativa de apaziguamento dos ânimos com relação ao controverso programa desenvolvido pelo país no melindroso campo da energia nuclear. As gestões foram concluídas com razoável sucesso. Mas Obama deixou os dois prestimosos aliados desguarnecidos, a falarem sozinhos em meio à tormenta.

Espalhou rastro inapagavel de decepções em tudo quanto é lugar, chocando aliados e seguidores. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, traduziu isso em incisivo comentário: “É chocante que os Estados Unidos atuem contra os seus aliados mais próximos de forma comparável as medidas tomadas no passado pela KGB, da União Soviética.”

Obama vem demonstrando também inabilidade perturbadora na condução do processo de paz no conflagrado Oriente Médio. Dá mostras continuas de antepor-se ao projeto, irresponsavelmente protelado há décadas, de constituição da pátria palestina. A um só tempo em que, da boca pra fora, derrama-se em louvores às políticas de fortalecimento da democracia e de difusão dos direitos fundamentais, confere apoio irrestrito a ditaduras feudais no convulsionado mundo árabe.

Todo esse amontoado de insanáveis contradições acabou – fica evidente – por derrubá-lo do pedestal em que foi colocado, por largo espaço de tempo, no conceito da opinião pública mundial. Que pena!

A SAGA LANDELL MOURA

Uma mulher rodeada de palavras

                             *Cesar Vanucci “Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “M...