Os porquês das coisas…
Cesar Vanucci
“Uma pergunta sem resposta marca exatamente
o limite da capacidade do conhecimento humano”.
o limite da capacidade do conhecimento humano”.
(Milan Kundera, escritor)
A casa de vó Carlota, acolhedor albergue familiar,
ficava localizada na confluência da Carlos Rodrigues da Cunha com a rua do
Carmo “tortuosa e poeirenta onde a mãe Preta contava as histórias mais bonitas
jamais ouvidas”, conforme descrito nos versos do poeta uberabense Paulo Rosa.
Da varanda, transformada amiúde em “salão de leitura” por esfuziante garotada,
descortinava-se imponente cenário ecológico plantado quase que no centro da
cidade. No quintal da residência dava-se para avistar os canteiros de hortaliças
e uma frondosa mangueira carregada da legítima “sabina”. Tudo cuidado com zelo
por Carlota e as filhas Nenê e Luzia.
Na propriedade ao lado, do doutor Secundino Loes e
dona Cinzinha, havia magnífico pomar. Mais adiante, estendendo-se por vasto terreno,
ladeando uma vertente do córrego das Lages, com seus saltitantes lambaris,
ainda não represado em nome de questionável progresso, estava localizado o
soberbo sítio do coronel Ozório de Oliveira e dona Sinhá. Jabuticabeiras a
perder de vista disputavam o espaço com outras árvores frutíferas. Tudo isso,
mas tudo mesmo, se reduziu, nos tempos de hoje, na modernosa versão de
urbanismo dominante, a um esmaecido retrato de parede, com moldura descascada.
Retorno deste mergulho aos tempos da infância risonha com
a imagem do improvisado “salão de leitura” da varanda de vó Carlota.
Praticávamos ali, um bando de guris, incentivados por Tonica, minha mãe, tia
Luzia, mestre-escola de três gerações, e a poeta tia Lica, exercícios de
leitura e a elaboração de composições indicadas na escola como deveres “pra
casa”.
Uma obra muito procurada pelos leitores mirins era a
enciclopédia “Tesouros da Juventude”. Compunha-se, se a memória velha de guerra
não está a ponto de me trair, de 20 tomos. O capítulo do “Tesouro” de minha
predileção era o “Livro dos Porquês”. Costumava arrancar dali interessantes
respostas às pueris e, às vezes, intrigantes indagações nascidas da curiosidade
e inquietude infantis.
Com tanta coisa sem pé nem cabeça pipocando mundo
afora na hora presente, suponho, num voo de imaginação, que poderia representar
empreitada de enorme valia e oportunidade despontar alguém no pedaço, com
qualificações na área do conhecimento das coisas da vida, suficientemente apto a
organizar um novo compêndio de respostas para a caudal de perguntas, sem explicações
plausíveis, oriundas da aflição e perplexidade das ruas.
Deu no jornal. Mulheres ganham, em média, 25 por cento
menos que os homens. Nalgumas funções, o índice da estridente desigualdade é
ainda maior: 52 por cento. Pergunta-se: por quê?
Deu no jornal. A legalização do jogo no Brasil, prevendo
a reabertura de cassinos e outras modalidades de aposta, em discussão no
Congresso Nacional, foi rejeitada numa comissão técnica do Senado. Tomando em
consideração que o Brasil é o único país integrante da lista das 20 maiores
potências econômicas a não “permitir” essa rendosa atividade legalizada;
tomando em consideração ainda, o expressivo volume de modalidades de apostas -
institucionalizadas pela Caixa Econômica ou clandestinas (mas matreiramente toleradas)
-, detectadas do Oiapoque ao Chuí; levando-se em conta, também, que milhares de
brasileiros, aficionados no jogo, atravessam sem parar as fronteiras para
“fezinhas” em cassinos estrategicamente localizados, noutras paragens, para receber
fraternalmente esse cobiçado afluxo de clientes; considerando, igualmente, que
os cassinos constituem formidável polo de atração turística, assegurando à sua
volta oportunidades infindáveis de trabalho nos setores da hotelaria,
espetáculos artísticos, gastronomia etecetera e que as estatísticas nos colocam
ao par, pra compreensível espanto, que uma única cidade norte-americana, Las
Vegas, devido às atrações oferecidas nessa esfera de entretenimento, acolhe mais
turistas do que o Brasil inteiro, com suas incomparáveis riquezas naturais,
pergunta-se, por quê a rejeição?
Deu no jornal. Ilustre Ministro da Suprema Corte
lastima, com veemência, pedindo providências com referência ao assunto,
vazamento de informações num processo em tramitação sigilosa na Justiça. Primeiramente,
não há como ignorar que esse tipo de vazamento tem sido ininterrupto. Pode-se
dizer, segundamente, que o vazamento é produzido, com absoluta certeza, por
segmentos interessados em manter acesos, no trabalho que empreendem, os
holofotes da mídia. Quantas vezes já não nos deparamos com a circunstância de as
câmeras de televisão chegarem aos locais em que se desenrolam saneadoras operações
de investigação antes mesmo que ali aportem as próprias autoridades incumbidas de
executá-las? Está na cara que não é tão difícil assim identificar as fontes dos
vazamentos indesejáveis, processados ao arrepio da lei. Tal constatação permite
seja lançada no ar a pergunta: por quê, então, essas coisas todas continuam
acontecendo?
Mais porquês pela frente.
Mais um bocado
de indagações intrigantes
Cesar Vanucci
“É impossível saber o porquê de tudo. Mas pra muita coisa
existem respostas que não podem deixar de ser dadas.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)
Como dito anteriormente, neste mundo do bom Deus em
que o tinhoso costuma plantar barraco, semeando confusão e discórdia pra valer,
as inexplicabilidades abundam. Perguntas brotadas da aflição e aturdimento das
ruas sobrepairam suspensas no ar, na ausência de respostas convincentes. Mal
comparando, as perguntas, em circunstâncias que tais, soam com o fragor de
tempestade, a um só passo que as respostas têm o embalo de mero chuvisco
causador de constipação. Recorrendo a mais uma metáfora: o volume das perguntas
sugere rio caudaloso. O das respostas dadas, pequeno riacho.
A tremenda insuficiência de informações, de
esclarecimentos ardentemente almejados decorre, em grande parte – é o óbvio
ululante – da proverbial ignorância humana com relação ao colosso de coisas que
permeia a conturbada aventura da vida na pátria terrena. Mas decorre, também,
em menor escala naturalmente, de outros variados e significativos fatores. Há
respostas sonegadas por conveniências políticas, econômicas, culturais,
sociais. Conveniências, assinale-se de passagem, não poucas vezes espúrias. Há
(e como há!) o sibilino comportamento de pessoas, grupos, corporações, de
diferentes matizes, morbidamente empenhados em falsear a realidade dos fatos. E,
a partir daí, compor versões deturpadas para fins de divulgação. Há um mundão
de gente, posando de “sabichões”, de “proprietários da verdade”, navegando nas
mesmas fétidas águas da adulteração dos registros cotidianos ou históricos, que
finge entender dos assuntos, arvorando-se, sem pudor algum, a emitir explicações
na base do “lero-lero”. Desprovidas de fundamento, logicamente.
Estas considerações nos estimulam a alinhar, outra vez
mais, novos “porquês” sobre situações que intrigam e amofinam o cidadão do povo.
A Embraer é uma empresa brasileira internacionalmente
aclamada como polo de tecnologia avançadíssima, na área da aeronavegação. De
tempos a esta parte, personagens ligados ao governo central vêm sustentando, de
forma obsessiva e, igualmente, suspeitosa, a necessidade de desnacionalizá-la. Revela-se
muito forte, também, a disposição dos mesmíssimos personagens em proceder, de
idêntica forma, no tocante à Eletrobras, outra referência importantíssima na
estrutura desenvolvimentista nacional. Indaga-se: por quê todo esse incontrolável
afã em torno de empreitadas sabidamente rechaçadas pela consciência cívica das
ruas e pelo sentimento nacional?
A Justiça tem proferido, com frequência, decisões
contrárias ao ganancioso sistema de saúde privada, no que diz respeito à
indecente duplicação do valor das mensalidades dos usuários, quando estes se abeiram
dos sessenta anos de idade. As decisões deixam claramente documentado que,
assim agindo, os planos de saúde agridem acintosamente os direitos humanos e o estatuto
dos idosos. Derrotadas nas Instâncias inferiores, as empresas vêm interpondo recurso
atrás de recurso procrastinatórios, arremessando a análise decisiva para outra
esfera. Indagação que se recusa a calar: Será que já não chegou a hora de os poderes
mais elevados da Justiça definirem, vez por todas, com um saneador veredito,
tão tormentosa questão? Por quê não o fazem?
O influente complexo midiático, televisivo e impresso,
que tanto se ufana em proclamar sua reta intenção e isenção nas abordagens da
avalancha de maracutaias que assola o país, costuma manter-se reticente, quando
não inteiramente mudo e quedo que nem penedo, numa situação muito bem
caracterizada. É quando irrompem denúncias, que se vão fazendo constantes,
tanto quanto já aconteceu com outras siglas partidárias comprometidas nos desvios
e propinas, implicando eminentes próceres tucanos da Paulicéia. Por quê isso
acontece?
O Presidente da República e a Presidente do Supremo
Tribunal Federal omitiram, nas respectivas agendas de compromissos oficiais, o
registro de encontro reservado que mantiveram, com ligação, presume-se, aos
palpitantes acontecimentos políticos da atualidade. O episódio, como não
poderia deixar de ser, foi recebido como muita estranheza, se não com
perplexidade. O regramento institucional republicano e democrático desaconselha
procedimento com essa conotação singular. Por quê isso aconteceu?
Roberto Fagundes * |
A
manteiga e o azeite de oliva, quem diria, estão sendo vistos como ícones da
retomada do crescimento econômico brasileiro. Observada a partir da segunda
metade do ano passado, a volta gradual desses produtos às mesas da classe C –
estima-se que 1,4 milhão de pessoas voltaram a consumi-los – assinala que ela
começa a recuperar seu poder de compra. Símbolos da bonança verificada entre
2008 e 2013, período em que mais de 3 milhões de pessoas da classe D migraram
para ela, esses produtos, entre vários outros, estavam entre os primeiros a
serem cortados das listas de compras da chamada nova classe média quando a
prosperidade esboroou-se em 2014. Começou aí um movimento inverso, não dos
mesmos 3 milhões de pessoas que haviam ascendido à classe C, mas de cerca de 4,1
milhões, estima-se que voltaram para a classe D ou até mesmo caíram para a
classe E.
Agora,
parte significativa desses consumidores potenciais começa a retornar. E há
realmente sinais de que a recuperação está em curso, de acordo com levantamento
feito por uma empresa de consultoria econômica, que detectou um crescimento de
3,1% no consumo da classe C em 2017, contra 1,5% no resultado geral, com
destaque para, além de manteiga e azeite, produtos de limpeza, com 10,1% de
crescimento, higiene e beleza, (5,5%), bebidas (3,9%) e alimentos (1,3%). Em
comparação, a variação global do consumo desses produtos foi, respectivamente,
de 8,3%, 4,5%, 2,3% e – curiosamente, no item alimentos –, uma queda de 0,4%.
Paralelamente, verificou-se redução no índice de endividamento das famílias,
que em 2015 era de 22,8% da renda mensal e, em dezembro do ano passado, de
acordo com o Banco Central, havia baixado para 19,9%. Isso, segundo a pesquisa,
deve movimentar este ano algo em torno de R$ 124 bilhões na economia. Um reforço
e tanto que, espera-se, terá como reflexo, ao final deste ano, uma expansão de
4,7% no comércio varejista.
O
fator que está na origem destes resultados é a recuperação de renda,
especialmente pela classe C. Há nisso um aspecto curioso: a retomada do consumo
neste segmento certamente não provém de redução dos índices de desemprego, pois
o Brasil continua com 12,2% de sua população economicamente ativa sem carteira
assinada, algo próximo de 13 milhões de pessoas. E não provém, igualmente, de
perspectivas de que os postos de trabalho perdidos sejam recuperados. Mesmo que
isso aconteça, com certeza não voltarão aos níveis do pré-crise. Há, para
justificar essa afirmação tão peremptória, um fato incontestável: o contínuo
desenvolvimento e disponibilização de soluções tecnológicas para todos os
setores de atividades, mas especialmente para a indústria, que vem provocando a
extinção de muitas profissões. E a coisa não vai parar por aí. Estão a caminho,
como um exemplo entre muitos, os veículos que dispensam condutores – o que
significa que motoristas, em futuro não muito remoto, terão que procurar outra
ocupação. Nem sempre a encontrarão, e isto é uma tendência inexorável, como
provam os 25,3 milhões de brasileiros que, segundo a Organização Mundial do
Trabalho, encontram-se na informalidade ou em formas vulneráveis de ocupação,
número que deve subir para 25,8 milhões ao final de 2018 e para 26,2 milhões em
2019 e que não entram nos índices de desemprego do IBGE.
Assim,
a recuperação de renda que agora se observa não será sustentável, ainda que as
previsões de crescimento da economia para os próximos anos mostrem-se
positivas, se não houver geração de empregos em número suficiente para absorver
esta legião de desempregados. Algo, convenhamos, extremamente improvável num
cenário em que a população brasileira cresce à razão de 0,77% ao ano e os
empregos tendem a minguar cada vez mais. Por isto resta como solução estimular
uma única alternativa: o empreendedorismo. Não será fácil, pois a cultura da
maioria dos brasileiros quanto ao trabalho ainda está historicamente vinculada
ao salário mensal, à carteira assinada. Mas o regresso da maior parte daqueles
3 milhões de pessoas à classe C em 2017 deveu-se exatamente ao
empreendedorismo. São donos de pequenos negócios, de pequenos estabelecimentos
de varejo, serviços e fábricas que estão percebendo a volta de seus clientes e
puderam, com isto, reaver suas próprias capacidades de consumo. Não há,
acredito, outro caminho, e ainda bem que ele existe. Se não for assim, adeus
manteiga e azeite.
* Engenheiro, presidente da Federação de CVB-MG,
presidente do Conselho do Instituto Sustentar e vice-presidente da Federaminas