PALESTRA SOBRE O ESCRITOR MÁRIO PALMÉRIO
Iniciativa da Academia Mineira de Letras
Expositor: Cesar Vanucci
A
“terceira via” entra em cena
Cesar
Vanucci
“A
democracia é nosso chão.”
(Manifesto assinado por “presidenciáveis
centristas”)
Apesar de a pandemia, com sua estatística lúgubre, monopolizar, nesta hora, as atenções, ou, talvez, até pelo contrário, devido mesmo à circunstância deste flagelo humanitário assumir, a cada momento que passa, feição mais assustadora, os setores políticos acharam conveniente adentrar logo a cancha e antecipar as confabulações pré-eleitorais mirando a sucessão presidencial ano que vem.
Tendo como signatários personagens tidos, na percepção de observadores da cena pública como “presidenciáveis”, o “Manifesto pró-democracia”, vindo a lume, constitui lance relevante nas manobras do tabuleiro de xadrez da campanha do pleito ainda distante. Dá, sem dúvida notícia destacada da efervescente movimentação dos arraiais partidários. Deixa expresso, antes de tudo mais, que a dolorosa questão do coronavírus será tema fulcral dos debates na televisão, palanques, nos papos de rua em todo percurso da retórica eleitoral. A outra conclusão extraída do pacto que acaba de ser firmado por algumas influentes lideranças é de que existe, no seio da comunidade, apreciável corrente de opinião desejosa de incluir na disputa uma candidatura a chefe de governo com características renovadoras, profissão de fé “centrista”, afastada prudentemente das lateralidades ideológicas extremadas. O esquema se aplica, obviamente, às governanças regionais.
O entendimento dos autores do manifesto é de que o Brasil quer se ver livre da polarização que prevalece, de há muito, no cenário em que se desenrolam acesos debates das questões nacionais. O entre choque retórico ficaria absorvido, dentro dessa linha de raciocínio entre grupos apontados como da direita e da esquerda. Uma polarização, acentuam eles sumamente danosa ao interesse nacional. Daí a proposta que trazem ao exame da sociedade, num memorial onde alegam estar deixando de lado ocasionais divergências e interpretações diferenciadas dos problemas políticos e administrativos, de uma terceira via quanto à próxima disputa presidencial. Nessa altura das considerações, os responsáveis pela divulgação do documento arguem a hipótese de que a indesejada polarização colocaria, frente a frente Bolsonaro como candidato da direita e Lula como candidato da esquerda. Os “presidenciáveis sustentam a possibilidade de aglutinar forças dos assim chamados “centros”, “centro esquerda e centro direita”, ganhando com isso chances de garantir a subida na rampa do Palácio do Planalto, o candidato que venha a ser por eles consensualmente lançado.
“A conquista do Brasil sonhado por cada um de nós não pode prescindir da Democracia. Ela é nosso legado, nosso chão, nosso farol. Cabe a cada um de nós defendê-la e lutar por seus princípios e valores. Vamos defender o Brasil”, diz o manifesto. Assinam o documento os ex-ministros Luiz Henrique Mandeta, do DEM, até outro dia responsável pela pasta da Saúde do atual governo; e Ciro Gomes, do PDT, que se candidatou em 2018; o governador de São Paulo, João Doria; o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ambos do PSDB; o candidato do Novo no último pleito, João Amoêdo, e o apresentador de televisão Luciano Huck, frequentemente mencionado em listas dos chamados “presidenciáveis”. Existem informações de que o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro participou, num primeiro momento, da elaboração do manifesto, mas preferiu não apor sua assinatura no texto divulgado.
Nas ações desencadeadas pelo “time da terceira via” não passaram despercebidas ao arguto olhar dos analistas políticos, três situações em especial. O grupo consultou o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a propósito da posição tomada. Nos depoimentos dos signatários, as críticas mais inflamadas têm como alvo o governo Bolsonaro. Embora o ex–Presidente Lula haja manifestado interesse na formação de uma coalisão de forças oposicionistas, os signatários do pacto não o convidaram a dele fazer parte.
A “Partícula de
Deus” (I)
Cesar Vanucci
“Temos uma máquina para dar resposta a tudo.”
(Carlos Rúbio, Nobel de Física)
Afinal
de contas, o que foi mesmo que a ciência já conseguiu levantar, em matéria de
revelação extraordinária, na busca infatigável, em que há anos se acha
empenhada, no sentido do que se convencionou denominar “Partícula de Deus”?
Alguns anos atrás, neste acolhedor espaço, formulamos singelas, talvez até
ingênuas, por desconhecimento de causa, especulações sobre a empolgante
questão.
Suponho ser interessante repeti-las. De certo modo, elas deixam evidenciado que, nascido da inventividade e labor humanos, existe montado um aparato tecnológico complexo construído por cientistas de alto nível engajados no esforço de decifração dos enigmas, muitos deles cruéis, concernentes ao passado, presente e futuro da civilização.
Quando chegarão as respostas do que está sendo procurado? O que se vai ler a seguir são as observações deste escriba mencionadas na introdução deste texto. As observações se estenderão por três artigos.
Palpite vou confessando logo, de leigo enxerido. O que realmente sei - a respeito deste como de tantos outros temas em que, costumeira e ousadamente, me animo a meter o bedelho - é que nada sei.
Fica evidenciado que a estrondosa invenção deixou os cientistas em êxtase. No desfrute do privilégio de detentores de uma senha mágica, um “abre-te sésamo” de versão tecnológica moderna que lhes permite escancarar um portal por onde supõem possa ser estabelecida fantástica conexão com um mundo repleto de revelações inimagináveis sobre a origem e o sentido da vida. Transpor esse portal significa, em sua douta avaliação, certeza de estarem a protagonizar um momento transcendente da história. Um momento em que o conhecimento provisório acumulado pela ciência, sobre coisas maravilhosas e enigmáticas que rodeiam o ser humano, está prestes a ser sacudido por atordoantes reformulações.
O superacelerador de partículas, conhecido por LHC - “Large Hadron Colider”, “Grande Colisor de Hádrons”, em tradução livre – foi esmeradamente montado, ao longo de três décadas, pela Organização Europeia de Pesquisa Nuclear. Congrega contribuições de sete mil cientistas de diferentes nacionalidades, brasileiros entre eles. Instalado num túnel de 27 quilômetros, a 120 metros abaixo do solo, na fronteira da França com a Suíça, ele começa a ser acionado com o objetivo de trazer respostas, no campo da física avançada, sobre questões fundamentais ligadas ao começo de tudo. Seus idealizadores imaginam possível, no curso das ações projetadas, recriarem-se condições análogas aos instantes que se teriam seguido ao “Big Bang”, ou seja, à explosão fantástica apontada como a suposta fonte matricial energética da composição do universo. “Entramos numa nova era para a ciência”, assevera Robert Aymar, diretor do programa. “Demos passo fundamental para desvendar mistérios tão antigos quanto a humanidade. Na verdade, estamos em busca da própria definição de humanidade”, reforça Chris Smith, do grupo coordenador das pesquisas. Carlos Rúbio, Nobel de Física, não deixa por menos: “Praticamente 95% do que existe no universo não é conhecido por nós. Não sabemos o que é a matéria negra nem a energia negra. Pensávamos que isso jamais seria possível descobrir. Atualmente, temos uma máquina pra dar as respostas a tudo. Vamos provar que o “Big Bang” não é apenas conceito filosófico”.
Se tão transbordante euforia, compartilhada por outros expoentes na esfera acadêmica, prenuncia conquistas que poderão resultar na expansão do saber humano, é algo que só vamos ficar sabendo mais na frente.
O gigantesco maquinário colocado em movimento na cata de respostas vem provocando pororoca de questionamentos. Como, aliás, sempre acontece em episódios relacionados com as descobertas. Os contestadores desenham quadro apocalíptico. Tacham a experiência de descomedida, perigosa.
A
partícula de Deus (II)
Cesar Vanucci
“A ousadia dos cientistas pode abrir
clareiras de conhecimento em terreno espinhoso.”
(Antônio
Luiz da Costa, educador)
Recapitulemos
os fatos. No começo do século, cientistas da mais elevada qualificação juntaram
conhecimento, criatividade e esforços numa experiência extremamente arrojada, a
mais fantástica já levada a termo na história da civilização. Conceberam e
implantaram num túnel subterrâneo de 27 quilômetros, entre a França e a Suíça,
um superacelerador de partículas, dotado de prodigiosa capacidade para
cálculos, com o inimaginável objetivo de desvendar os enigmas do universo.
“Temos uma máquina para dar respostas a tudo”, assegurou, apoderado de
desnorteante euforia, com forte acento utópico, o Nobel de Física Carlos Rúbio,
um dos idealizadores do projeto. A experiência ficou conhecida como a busca da
“Partícula de Deus”.
Na época, este escriba alinhou, numa série de artigos, algumas considerações a respeito da audaciosa iniciativa. Vários anos transcorreram sem que alguma revelação extraordinária emergisse do experimento científico. Partindo desse ponto, sublinhando que a expectativa quanto aos resultados das ações científicas em questão persistirá até que surja alguma resposta retumbante concernente às pesquisas encetadas, iniciamos, no comentário anterior, a reprodução das considerações há bom tempo aqui estampadas, levando em conta a circunstância de que continuam oferecendo frescor de atualidade.
A narrativa foi interrompida à hora em que informamos que o empreendimento recebeu contestações em alguns círculos científicos. Os contestadores alegam que o terreno palmilhado é inteiramente desconhecido, por isso, imprevisível. A energia gerada pela ebulição do equipamento poderia produzir “mini-buracos negros”, aterrorizante campo gravitacional capaz de sugar instantaneamente toda a matéria viva existente no planeta, com repercussões danosas até mesmo no sistema solar inteiro. O vaticínio catastrófico é negado veementemente pelos partidários do projeto, entre os quais o astrofísico Stephen Hawking, por muita gente considerado a maior cabeça pensante da ciência contemporânea desde Einstein, em que pesem suas notórias dificuldades para se expressar.
A colisão dos prótons, no interior da LHC, à velocidade da luz, irá desencadear tremenda onda energética, fazendo surgir partículas nunca dantes observadas e que só teriam existido, a se por fé no que garantem os cientistas, no início da formação do universo. Os 600 milhões de impactos por segundo revelariam a partícula inaugural do processo da criação, que alguns se aventuram denominar de “partícula de Deus”.
Os cientistas empenhados com fervoroso entusiasmo nessa desafiadora e complexa empreitada dizem que a tecnologia humana está sendo esticada, nesta hora, ao limite extremo. Alimentam a esperança de arrancar resposta global a questões fundamentais.
Esperar pra ver, né? A aventura humana é composta muito mais de perguntas do que de respostas. As grandes descobertas, mesmo significando triunfo sobre o que o conhecimento consolidado põe transitoriamente na conta de impossível, desencadeiam sempre novas questões, um turbilhão de interrogações, concitando os cérebros bem-dotados a redobrados exercícios de curiosidade sobre o sentido das coisas. Imagino, sem entender – confesso mais uma vez – bulhufas de física, que os resultados do experimento imporão a continuidade das buscas. Atrás de respostas. De mais respostas. Sempre mais.
Cientistas famosos andam apregoando que suas avançadas pesquisas pelas enigmáticas veredas da física quântica vêm permitindo aproximação cada vez maior da chamada “partícula de Deus”. Gabam-se mesmo de já haver encontrado pistas intrigantes da localização do “bóson de Higgs”, estrutura supostamente responsável pelas interações na Natureza. No entendimento dos doutos, embora hipotético, um elemento provido de massa que teria aparecido logo após o também hipotético “Big Bang”, apontado por círculos científicos como a primeira de todas as coisas dentro da linha conceitual adotada pra explicar a Criação.
A Partícula de Deus (III)
Cesar Vanucci
“A peça que falta para o quebra-cabeças.”
(Fernando
Werkhaizer, físico)
Com o
texto a ser lido na sequência concluo as considerações que fiz a respeito da
experiência científica intitulada “Busca da partícula de Deus”. Conforme
explicado nos dois artigos anteriores, estas reflexões foram redigidas e
divulgadas há muitos anos. A pesquisa dos sábios ainda está em curso, mas dos
resultados nada chegou ainda ao conhecimento público que possa ser traduzido
como resposta grandiosa compatível com os objetivos propostos. Permanece
inalterada a exclamação esperar pra ver!
Tal partícula seria responsável pela composição dos átomos. Advém dessa circunstância a denominação que se lhe foi dada de “partícula de Deus”.
Passa bem ao largo das cogitações deste desajeitado escriba, com sua supina ignorância da temática cientifica, desdenhar ou mesmo contradizer diretamente os brilhantes físicos engajados nesse salutar propósito de descobrir, pelos atalhos das exaustivas investigações cientificas, explicações sobre como começou tudo quanto está posto aí. Mas que eu duvido possa esse bem-intencionado esforço desembocar, nos prazos estipulados, nas respostas tão desejadas pelo aluvião de interrogações nascidas da compreensível inquietação humana a respeito do princípio, sentido e destino da aventura da vida, ah, isso, eu duvido mesmo, sim senhores! Como se costumava dizer, noutros tempos, de forma bem descontraída em papos coloquiais, du-vi-de-o-do.
Tanto quanto o meu restrito entendimento leigo consegue alcançar dessa fascinante procura levada avante por alguns cérebros privilegiados, com o concurso de tecnologias assombrosas, o chamado “bóson de Higgs” seria assim como uma peça que estaria faltando pra fechar o quebra-cabeças da teoria do “Big-Bang”, ou seja da explosão nuclear que formou o Universo. Não passa, como já dito, de hipótese, sujeita ainda a comprovação, de acordo com a expectativa de eminentes sábios.
Os colisores de prótons, localizados em pontos estratégicos do mundo, empregados nessa busca infatigável já estariam, a esta altura, fornecendo indícios animadores (mais do que isso, talvez, convincentes) de que uma revelação concludente estaria prestes a ser anunciada. Mas, muitos cientistas, precavidamente, não descartam a possibilidade de que o processo possa não lograr atingir, por conta de fatores imponderáveis, os resultados ardentemente almejados. O modelo da investigação poderia ter sido composto com pressupostos equivocados. Se isso de fato, contrariando tantas esperanças, acontecer, ou seja, a descoberta da partícula não puder se consumar, outros caminhos haverão de ser, obviamente, desbravados pela ciência na tentativa de achar explicações consistentes para os mistérios que circundam a infinita vastidão cósmica.
Bem, e quanto às descrenças pessoais que, simploriamente, consciente do analfabetismo cientifico que carrego, entendi de externar quanto aos resultados das investigações em curso a respeito da “partícula de Deus”, no que, afinal de contas, se fundamentam? Em mera, pura e simples intuição. Nada mais do que isso. Seria rematado tolo não reconhecesse na ciência um excepcional instrumento de procura da verdade. Uma força poderosíssima em condições de movimentar ideias e ações que se entrelaçam com o futuro e o destino da humanidade. Mas, nada obstante os extraordinários feitos e conquistas proporcionados pela ciência, levando em conta de outra parte tantos problemas cruciais angustiantes, enfrentados pela sociedade humana destes nossos tempos – problemas cuja solução distante depende bastante das inovações tecnológicas –, penso, com meus botões, apoderado de certezas, ser ainda demasiadamente cedo, no atual estágio de desenvolvimento emocional e espiritual do ser humano, pra se conceber a possibilidade da decifração cabal do código da vida. O deslindamento dessa charada não é pra agora. Aposto e dou lambuja.
Meu
amigo Waldir Vieira
Cesar
Vanucci
“As
pessoas não morrem. Partem primeiro.”
(Camões)
Perdi
um amigo querido. Amigo de fé, irmão, camarada, como na canção de Roberto
Carlos. Os laços fraternais de vida inteira foram atados na meninice risonha e
franca, em nossa Uberaba de inesgotáveis fascínios. Na irrequieta adolescência
envolvemo-nos na busca das inalcançáveis respostas sobre os “porquês” das coisas.
Na mocidade impetuosa assumimos definitivos compromissos culturais e sociais,
embalados pela certeza de que o espírito humano é que nem o paraquedas, só
funciona aberto. A escalada dos estágios da idade adulta, pontuada pela
acumulação de experiências conduziu-nos, juntos, às amadurecidas reflexões que
dominam o período outonal do intrincado jogo da vida. Frequentamos as mesmas
salas de aula, do primário ao universitário. As rodas de conhecidos eram as
mesmas. A casa de um era extensão da casa do outro. Mantivemo-nos próximos no
lazer, nas lidas comunitárias, na escolha de obras literárias, fomentando, numa
troca de ideias saudáveis, conceitos que influenciariam a jornada pessoal de
cada um.
Tudo quanto dito serve como significativa ilustração do abalo emocional trazido, a mim e a muita gente mais, pela partida para outro plano existencial, de Waldir Vieira. Este homem de bem, dono de carisma e simpatia irradiantes, cultura haurida em autores que traçaram as linhas mestras do saber, foi um lutador obstinado. Deixou isso expresso nas causas abraçadas, bem como no enfrentamento da enfermidade. As marcas cintilantes de seu labor criativo e sensibilidade social ficaram gravadas nos lugares por onde andou. Nas funções que ocupou. No lar abençoado, inundado por espiritualidade, que constituiu com ajuda de Rosa, dedicada esposa. Na Promotoria, portou-se como um paladino da justiça, agindo com serena intrepidez no desfazimento de situações conflitantes com o sagrado interesse social. Pela conduta irrepreensível chegou, no consenso de seus pares e no apreço e admiração dos poderes governamentais, ao ápice da carreira. Foi um Procurador Geral inovador e operoso. Granjeou enorme respeito e fez por merecer louvações muito além dos limites estritos da área profissional sob sua fecunda liderança. Houve-se com brilhantismo invulgar noutros encargos que requisitaram seu poder empreendedor. No Sesiminas e no IEL afixou sinais de incomum dinamismo.
Em tudo quanto protagonizou na cena cotidiana, ditos e feitos, pareceres, conversas triviais, ficou projetado, bem nítido, seu perfil de humanista. Um humanista consciente dos deveres e prerrogativas da cidadania no Estado democrático e republicano. Waldir sabia das coisas. Foi alguém ciente de que os humanos somos seres de luz revestidos de indumentária física, a uma certa hora descartável.
Consagrou-se, na reclusão social a uma fruição intelectual enriquecedora. Lia muito, ouvia diariamente música erudita e usava o pincel, passatempo cultivado desde a infância, para retratar pessoas e paisagens. Uma dessas paisagens adorna, com carinhoso autógrafo do autor, minha tenda de trabalho.
Na semana anterior à sua passagem, como costumeiramente fazíamos, batemos um longo papo pelo telefone. O agradável colóquio foi pontilhado de reminiscências, de troca de informações sobre fatos do cotidiano e avaliações sobre a crise humanitária que assola o mundo. De suas sempre sensatas ponderações consegui anotar que, na contemplação dos problemas cruciais que nos rodeiam, as pessoas de boa vontade não podem perder jamais a fé e a esperança no destino superior do ser humano.
Ninguém morre, parte primeiro. A certeza do poeta coloca-se na linha da percepção espiritual de que, no itinerário a ser percorrido por todos existe, adiante, um ponto de parada para reencontros dos que partem primeiro com os que partem depois. É consolador saber disso!
Fora
de controle
Cesar Vanucci
“O mais urgente, nesta hora, é a preservação da vida”.
(Pronunciamento da
CNBB, ABI, SBPC, OAB e outras entidades)
Não
resta a mais tênue dúvida. A pandemia ficou fora de controle. As macabras estatísticas
trazidas a público pelo consórcio de órgãos de divulgação, colhidas em fontes
oficiais, deixam esse fato em exuberante evidência. O mesmo há que dizer das
atordoantes imagens do caos reinante nos postos de atendimento a pacientes. Está
desafortunadamente confirmada a sombria previsão de colapso do sistema da
assistência médico-hospitalar, feita de há muito por infectologistas,
profissionais de políticas públicas, agentes de saúde da linha de frente do
combate ao vírus.
Para
que ocorresse esse desastrado estado de coisas contribuiu significativamente, não
se pode negar, o ineficiente esquema de gestão adotado pelos governantes, a
começar pela clamorosa falta de planejamento nas ações desencadeadas. Os
setores investidos da responsabilidade institucional de conduzir o combate ao
flagelo deram provas reiteradas de inação em momentos críticos, que clamavam
por soluções imediatas. Fizeram-se frequentes os atos e manifestações
impróprios, improducentes, na denominada linha negacionista, em colisão frontal
com os conceitos, as recomendações do conhecimento científico consolidado, de
reconhecimento universal. A acumulação
de desacertos nas estratégias aplicadas, a ausência de uma coordenação nacional
firme e resoluta no enfrentamento da tormentosa questão, a falta de disposição
para reformulação, a curto prazo, dos métodos equivocados de atuação, criou
ambiência propicia para o inconformismo generalizado que se estabeleceu, à
volta do perturbador assunto, nos diferentes segmentos da sociedade.
O “pacto pela vida e pelo Brasil”, recentemente lançado, reflete esse posicionamento crítico assumido pela opinião pública. No palpitante documento a Conferência Nacional dos Bispos de Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progreso da Ciência, a Associação Brasileira de Imprensa, a Associação Brasileira de Ciências, a Ordem dos Advogado do Brasil e a Comunidade Cardeal Arns afirmam, de forma peremptória que o negacionismo mata, deixa sequelas em vítimas que sobrevivem à contaminação. Enfatizam que é notória a ineficácia do Governo no enfrentamento da tragédia que atravessamos e que isso exige alterações viscerais no complexo processo de confrontação da pandemia. Sustentam, ao mesmo tempo, o entendimento de que a preservação de vidas é o que há de mais urgente a ser feito na presente conjuntura.
Proclamam, por outro lado, que o vírus não será dissipado com discursos raivosos e frases ofensivas. Reivindicam, ainda, que todos os brasileiros sejam vacinados o quanto antes, que o Ministério da Saúde cumpra exemplarmente seu papel, atuando como indutor eficiente das políticas de saúde em nível nacional. Solicitam do Congresso que estabeleça prioridade absoluta ao assunto em sua agenda. Outro registro destacado no documento diz respeito à fixação de um “auxílio emergencial digno e pelo tempo que se faça necessário, para salvar vidas preciosas”.
No tocante a atividade jornalística, os signatários do pronunciamento exprimem o desejo de que as informações sejam transmitidas com plena liberdade e com absoluta confiabilidade, estribadas na orientação científica.
No fecho, as entidades formulam ardente apelo à juventude brasileira para que assuma o seu protagonismo na defesa da vida esforçando-se ao máximo no atendimento às recomendações ditadas pela Ciência, inclusive no que concerne à desconstrução do negacionismo.
É relevante anotar que o mesmo curso de raciocínio vem norteando outros numerosos pronunciamentos na dramática hora presente. Cientistas, empresários, economistas, líderes classistas, dirigentes religiosos, jornalistas compõem em coro retumbante de vozes que representa, esplendidamente, a consciência cívica da Nação.
O segundo americano provou o gosto do
espaço. Comeu nuvens e bebeu imponderabilidade, rompeu barreiras num pegador
estratosférico capaz de desafiar qualquer perseguidor e ganhar um pique entre
as estrelas. O apetite astral aumenta.
Não se pode evitar uma sensação de
vertigem ao situar-se os astronautas na escuridão de um cosmo sem vida ou
aeroporto aparente. Não se pode evitar um tremor de expectativa.
E cada vez eles sobem mais. E, cada
vez mais, abraçam um céu sem medida e sem portos: vazio, preto, indefinido.
A humanidade sente que por mais que o
medo de alguns cresça ante as portas do infinito, jamais forçadas, outros
estarão a postos, rompendo fronteiras a caminho da Lua, de Marte, sabe Deus
onde ainda.
Quanto mais eles sobem, mais nos
curvamos sobre esta Terra, hoje papável grão de areia nesse universo de
estrelas.
Sobem russos e sobem americanos.
Trazem filmes, ruídos, medidas e condições atmosféricas. Só não trouxeram
ainda o que está acima, abaixo e em todas as rotas por onde têm
andado. A presença daquele que vai dentro e fora dos foguetes; a
verdade, a mansidão e a paz que flutuam além de todas as metas humanas.
Um passeio à Lua não devia ser um
escotismo celeste ou uma viagem de turismo, mas o caminho de meditação e
compreensão de uma grandeza maior do que as atômicas descobertas; um sentimento
de humanidade mais proveitoso e profundo do que tratados feitos e desfeitos,
uma fonte de amor mais intensa do que a propalada boa-vontade das grandes nações.
Afinal, se o homem resolveu dessecar
o universo, que seja esta, ao menos, uma operação de AMOR.
(Texto extraído do livro de crônicas
de Célia Laborne, LUZ SOBRE O MAR, editado em 1969)
A crise
humanitária que nos assola
Cesar
Vanucci
“Os
óbitos poderão chegar a 500, 600 mil”.
(Vaticínio da médica Ludhmila Hajjar, que se
recusou assumir a pasta da Saúde)
Flagrantes
lúgubres da atualidade brasileira. 330
mil óbitos provocados pela pandemia. Esse número pode subir, em curto espaço de
tempo, para 500, ou mesmo 600 mil, vaticina a médica Ludhmila Hajjar, que
recusou convite para assumir a pasta da Saúde.
A funesta previsão é compartilhada por cientistas e médicos conceituados. No mundo, ocupamos o segundo lugar em casos fatais e contaminações. Somam mais de 13 milhões as pessoas infectadas no território nacional. A “gripezinha de nada” que, consoante o alto escalão negacionista, deu vaza a “mimimis de maricas”, vem acumulando em nossas plagas recordes mundiais diários de sepultamentos, cremações e hospitalizações. O colapso do sistema hospitalar assumiu proporções de extrema dramaticidade. Faltam leitos nas UTIs e enfermarias. Muitas UPAs, abarrotadas de pacientes, foram transformadas em precários “hospitais de campanha”. Nos postos de atendimento há filas pra tudo. Até para preenchimento de ficha de consulta. Os estoques das casas de saúde acusam atordoantes carências de medicamentos e equipamentos essenciais. Corpos sem vida jazem empilhados em locais impróprios, aguardando sepultamento. Em cemitérios constata-se a abertura de covas extras como consequência da demanda intensificada. Seja frisado que aos familiares é vedado prantear entes queridos, conforme sagrados e tradicionais ritos, na hora dolorida do adeus.
Assinala-se sobrecarga de atendimentos, gerando também filas, nos cartórios encarregados de registros de falecimentos. Com as atividades econômicas prejudicadas, o desemprego e o subemprego assumem descomunal proporção. Fica evidente que, em circunstâncias assim, o relacionamento cotidiano é afetado nos planos familiar, profissional, social.
O desemprego em massa eleva os índices de miséria absoluta. As enfermidades inesperadas oriundas do confinamento fazem-se frequentes.
Já quanto à almejada e indispensável vacinação em massa, o que se vê, espantosa e deploravelmente, é uma lentidão que lembra, como se propala nos papos de rua, caminhar de tartaruga. Dois meses passados e a aplicação da primeira dose não atingiu nem 8 por cento do público alvo. Estimativa de órgão oficial dá conta de que, mantida a marcha atual da carruagem, a aplicação da primeira dose da imunização só estará concluída em meados de 2023. Seja acrescentado que, várias vezes, as aplicações tiveram que ser bruscamente interrompidas, por falta de insumo básico...
Paralelamente a tudo isso e a outras mazelas vividas pela sociedade, aqui não listadas, adquirem contorno, no cenário nacional, ampliando o leque das aflições comunitárias, deletérias manifestações batizadas popularmente como negacionistas. Têm por procedência núcleos raivosos do fundamentalismo político e religioso, exímios propagadores de absurdidades nas redes sociais. Empenham-se em alvejar valores civilizatórios contrapondo-se, às vezes dissimuladamente, outras vezes escancaradamente, às instituições democráticas e republicanas. Muitas dessas ações trazem à lembrança dos observadores políticos imagens dos sinistros “camisas pardas” ...
A opinião pública, traduzindo o sentimento das ruas, vem expressando seu inconformismo com relação aos fatos estarrecedores narrados. Cobra providências dos setores competentes lamentando a inépcia evidenciada na gestão dos tormentosos problemas que penalizam indistintamente todas as camadas da população, onerando de forma mais contundente os despossuídos sociais. Critica acerbamente a falta de planejamento, a ausência de coordenação competente na condução das medidas de combate à crise humanitária que sacode o país.
● O
peregrino da paz |
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Alice Spíndola, Cesar Vanucci, estimado jornalista, 07 de abril é o Dia do Jornalista. Pensei em você o dia todo. Você escreve dentro de bela espiritualidade. Que você seja feliz em seu ofício, em sua casa, junto a amigos, e no seu caminho pelo mundo. Muita felicidade, cordialidade, paz e renovados êxitos. De coração, Alice Spíndola |
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● Ica, mensagem do passado
● Titicaca, o mar dos Andes
● Nazca, uma charada
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O
peregrino da paz
Cesar
Vanucci
“Implorei
do Senhor perdão e reconciliação”.
(Papa Francisco, na visita ao Iraque)
A
espessa camada de nuvens carrancudas que paira no ar impediu que a maioria das
pessoas percebesse o alentador sinal. Mesmo assim, o clarão refulgente da
histórica iniciativa, impregnada de amor ecumênico, pôde ser avistado no
horizonte, com olhar esperançoso, por uma maioria de corações fervorosos espalhada
por todas as latitudes.
Francisco,
o Papa providencial, da mão estendida e das ações transformadoras, fez a
história avançar extraordinariamente com a visita ao Iraque. Rompeu barreiras
que muitos supunham inamovíveis. Quebrou paradigmas engessados no tempo pela
acumulação de estéreis e cruéis conflitos, nascidos de interpretações
farisaicas e fanáticas da história. Coisas que, à luz do bom-senso, visão humanista
e espiritualizada, destoam do real significado da vida. O Pontífice associou
sua condição de dirigente supremo de uma poderosa corrente religiosa à missão
de estadista, provavelmente o mais bem preparado estadista da presente
conjuntura internacional. Um cidadão do mundo, provido de singulares dons, que
sabe colocar adequadamente o carisma, a inteligência e a sensibilidade a
serviço da edificação de uma ordem mundial harmoniosa e solidária receptiva aos
clamores sociais. Numa frase emblemática Francisco explicou o sentido de sua
visita a um país que guarda vestígios preciosos dos primórdios da civilização,
de predominância islâmica, dilacerado, desde muito tempo, por conflitos
apavorantes de motivações econômicas, tribais e religiosas. “Os homens são
irmãos por religião e iguais por criação”: foi o que disse. A frase, de conotação
ecumênica, resume as falas e atos do Papa na enriquecedora jornada empreendida.
Das andanças do timoneiro da Igreja Católica pelo maltratado território
iraquiano ficou, como registro duradouro, uma sequência de fortes emoções. Francisco
visitou lugares sagrados na devoção religiosa maometana. Manteve conversações
com integrantes da cúpula islamita. Esteve na região em que o patriarca Abraão,
venerado pelas diversas crenças monoteístas, nasceu e viveu. Celebrou atos
litúrgicos. Reuniu-se com grupos de várias religiões, dedicando atenção
especial, naturalmente, a membros da comunidade cristã, alvo de violenta
perseguição em passado recente, episódio doloroso que provocou a debandada de
milhares de pessoas. Uma porção significativa de cristãos, permanece ainda hoje
no exílio. Francisco caminhou por logradouros onde são visíveis os escombros
das conflagrações bélicas, de diversificados momentos, ainda próximos dos dias
de hoje. Viu, bem de perto, o rastro apavorante deixado pela beligerância
insana. Em Mossul, cidade que por algum tempo centralizou o comando do sinistro
Isis - o Estado Islâmico, manteve contatos com moradores que sobreviveram à mortandade.
Em todos os lugares por onde caminhou transmitiu mensagens de consolo, de
esperança, de fraternidade ardente. Deixou explicito que “a fraternidade é mais
poderosa que o fratricídio, a esperança é mais possante que o ódio, a paz é
mais poderosa que a guerra”. Classificou de imensamente cruel o fato de que “este
país, berço da civilização, tenha sido atingido por um golpe tão bárbaro, como
a destruição de locais de devoção ancestrais.” Falou da dor produzida pelo
massacre de mulheres, homens, crianças, muçulmanos, cristãos e yazidis,
lembrando que muitos foram forçados a deixar seus lares para não serem
aniquilados.
Em
suas manifestações, proclamou-se “peregrino da paz, mendigo da fraternidade, para
implorar do Senhor perdão e reconciliação depois destes anos de guerra e
terrorismo, pedindo a Deus a consolação dos corações e a cura das feridas”.
Encurtando
razões: o que fez Francisco no Iraque foi esclarecer que a fraternidade não é
uma exclamação retórica, oca, vazia de conteúdo. É, sim, uma proclamação solene
de fidelidade aos valores que recobrem de dignidade a vida.
*Cesar Vanucci “A eficiência da Justiça Eleitoral permitiu que o brasileiro fosse dormir no domingo já sabedor dos nomes dos eleitos.” (...