Homenagem a Francelino
Cesar Vanucci*
“A repetição é a melhor retórica”
(Napoleão Bonaparte)
Num encontro de congraçamento que reuniu representantes de dezenas de instituições culturais, a Federação das Academias de Letras e Cultura de Minas homenageou, dia 14 de dezembro, no Automóvel Clube/BH, o ex-Governador Francelino Pereira. Designado pelo Presidente da entidade, escritor Aloísio Garcia, dirigi ao homenageado a saudação reproduzida na sequência.
“O que tenho para dizer, em boa e leal verdade, a respeito do cidadão no foco desta carinhosa celebração constitui um somatório de edificantes informações. Todas do conhecimento, certeiramente, não apenas dos que se acham neste recinto, como também de um mundão de gente lá fora, Uns e outros convencidos, por óbvios motivos, de que Francelino Pereira é um cara que faz parte do mundo invejável dos corações fervorosos. Um ser humano que sabe das coisas. Que vive com intensidade e sabedoria os lances de cada momento da fascinante aventura humana. Alguém que compreende perfeitamente, nas ações executadas, qual o dever primordial do ser humano. Qual seja, ser apenas, unicamente e suficientemente, ele mesmo, e mais ninguém, como propõe Ibsen, pela fala do personagem Peer Gynt, em “A comédia do amor”.
Tem importância não, por conseguinte, que as palavras endereçadas ao ilustre patrício, mineiro nascido no Piauí, um mestre na interlocução política, que aprendeu a introjetar nas palavras energia, generosidade, idealismo e sonhos, sintonizado sempre com o sentimento nacional; tem importância não, repita-se, que estas singelas palavras repitam registros já feitos, conceitos já expendidos, certamente com brilhantismo que me seria impossível reproduzir, nas outras numerosíssimas ocasiões em que Francelino Pereira foi merecidamente festejado. A repetição é a melhor retórica, como proclamava Napoleão. A melhor forma, talvez, de garantir a fixação na memória das ruas de figuras e feitos realçantes na história da construção humana.
O chão percorrido por Francelino se entrelaça, por largo espaço de tempo, com o chão de Minas Gerais. Chão a perder de vista. Chão áspero desbravado com indômita vontade por alguém predestinado a desempenhar missão relevante na história. Chão que, a partir de Angical, nas lonjuras piauienses, se encomprida pelas vastidões montanhosas do país das Gerais. Avança, ao depois, pelos chapadões sem fim do Planalto Central. Embica, adiante, por tudo quanto é canto do deslumbrante continente brasileiro. Chão palmilhado por Francelino Pereira. Um homem que se encantou, desde cedo, com a nobreza da ação política, abraçando-a como ideal de vida inteira, cobrindo percurso extenso, pontuado de cintilações.
Pouco tempo atrás, os jornalistas Kao Martins, Paulino Assunção e Sebastião Martins, ancorados em esplêndido trabalho de pesquisa, compuseram essa bela trajetória do “menino, jovem e adulto que teve a audácia de sonhar um sonho impossível, a determinação de persegui-lo e – contra todas as previsões e evidências – realizá-lo integralmente”. O livro “O chão de Minas”, que na verdade fala do chão de Francelino, ocupa-se de uma saga inspiradora. E que saga! Descreve, com riqueza de pormenores, trazendo um numero sem conta de revelações inéditas, os caminhos trilhados por esse cidadão nascido no Piauí, mas mineiríssimo quanto os que mais o sejam, que por meio século afora desempenhou papéis de magnitude no palco dos acontecimentos. O pano de fundo da jornada projeta pedaço de tempo de forte impacto na história brasileira. Tempo sacudido por turbulências ideológicas, entrechoques ferozes, emoções arrebatadas. Por clamorosas perdas de direitos essenciais, em instantes trevosos. E, em momentos posteriores, tempo também marcado, recompensadoramente, pela reconquista preciosa do regime democrático, com seus valores e imperfeições humanos, mas com suas insuplantáveis vantagens sobre quaisquer outras formas de governos. Como Vereador, Deputado Federal, dirigente partidário, Governador de Estado e Senador, Francelino viveu intensamente a ebulição desse processo histórico carregado de transformações.
Cuidou de escrever com lisura ética, espírito público, bom senso, disposição progressista, o capítulo correspondente à sua participação. Bem dotado intelectualmente, hábil e conciliador, construiu pontes de relacionamento com correligionários e adversários, nas diferentes correntes políticas. Essas ligações se revelariam extremamente valiosas em horas cruciais. Dono de sólida formação humanística, com seu jeito de ser afável, simples e descontraído, ele nunca se desapegou nas culminâncias do poder, de hábitos que lhe garantiram, vida pública adentro, apreço e admiração em todos os segmentos da comunidade. Eu sei que, nos tempos de Governador, Francelino costumava tomar do telefone para mensagens pessoais que, não poucas vezes, surpreendiam o contatado. Bate-me aqui, na memória, historinha que ouvi contar. A esposa de um executivo atende, na manhã de um domingo, o telefone e diz com voz meio desconfiada para o marido: - Tem alguém aí dizendo que é o Governador. Quer falar com você. Cumprimentá-lo pelo aniversário. Tou achando que é mais uma brincadeira de seu irmão... Era brincadeira, não.
Há episódios pouco conhecidos na atuação do homenageado que só fazem enriquecer-lhe a lenda pessoal, colocando à prova sua vocação cívica. Um deles: frente a frente com Costa e Silva, que o convidou para encontro no palácio presidencial, Francelino recusou-se a seguir a orientação dada pelo Governo no caso da pretendida cassação do mandato do Deputado Márcio Moreira Alves. Seu nome, por conta disso, chegou a ser incluído numa lista de cassações elaborada pouco depois da edição do dolorosamente célebre AI-5. Misteriosos desígnios impediram fosse a violência consumada. Adiante, Francelino empenhou-se de corpo e alma, como era costume dizer-se em tempos antigos, na batalha pela almejada distensão política, à hora da transição do regime autoritário para o estado de direito. Em todas as funções exercidas, primando-se sempre pela austeridade, deixou evidenciada singular capacidade empreendedora. Atos marcantes de sua trepidante movimentação política anotam que ele sempre fez uso correto e harmonioso, nas intervenções e articulações, de uma boa dose de energia e outra de jeito.
Tomando posse, por força de significativa contribuição cultural, na Academia Mineira de Letras, confessou sua enternecida paixão por Minas: “Nesta terra construí minha vida e meu destino. (...) A esse espírito e a essa alma mineira dediquei toda a minha vida e o melhor da minha capacidade.” Pura verdade.
A trajetória pessoal de Francelino documenta magistralmente tudo isso. Sua disposição para servir, sua vida e obra, vinculadas à história do desenvolvimento político, econômico e social de Minas, com benfazejos reflexos no plano nacional, asseguram-lhe lugar na galeria dos grandes vultos mineiros que, nas ultimas décadas, tanto contribuíram para que o Brasil pudesse cumprir em plenitude sua indesviável vocação de grandeza”.
Revendo um filme maldito
Cesar Vanucci *
“ Os vícios de outrora são os costumes de hoje”
(Sêneca)
De princípio, uma baita curiosidade. Ao depois, certa surpresa, quase derivando para aturdimento. Junto, sorrisos e, pra arrematar, irrefreável riso. Correu assim, sem tirar nem por, o meu reencontro agora com um filme visto com mistura de deleite e sobressalto há mais de meio século. Minha Nossa Senhora da Abadia D’Água Suja, como os costumes se alteram no cotidiano da vida!
Noite dessas, revi na telinha o “ Les Amants”, de Louis Malle, filme apontado como “maldito” quando do lançamento em 1958. Recordo-me bem, vasculhando a jeito as ladeiras da memória, da pororoca de registros desairosos que a fita acumulou em curto período de projeção. A fúria do ultra puritanismo foi de tal monta que as autoridades competentes, de um governo (JK) considerado o mais aberto a manifestações culturais de vanguarda que o País ao longo de sua história já havia experimentado, não tiveram outra alternativa senão a de proibirem a exibição nos cinemas. Uma leve insinuação de cena erótica supostamente nunca dantes mostrada deu origem às reações. Nas portas das salas de projeção fileiras de pessoas de mãos dadas, algumas carregando terços, exprimiam sua zanga com relação àquela obra blasfema, herética, demoníaca, que agredia, segundo se propagou, a moral, os bons costumes, os valores familiares e religiosos mais sagrados. Em púlpitos, tribunas, colunas de jornais essas reações coléricas também explodiam. Apreciadores de cinema que ousaram, naqueles momentos turbulentos, desafiar o veto dos autoproclamados censores de plantão, assistindo ao filme no curto espaço de tempo em que em foi mantido em cartaz, eram mimoseados com ensurdecedores apupos. Colocaram-se sob ameaça mesmo de constrangimentos físicos. O Chefe de Polícia, que detinha poderes quase equivalentes aos de um Ministro militar, veio a público para assegurar sua total disposição de resolver a pendência, se preciso na marra, caso tardasse a sair a decisão judicial desfazendo aquela pouca vergonha.
Creio chegada a hora de fornecer ao distinto público, sobretudo aos que não viram “ Les amants”, algumas informações acerca da fita. Drama francês, como já dito, dirigido por Louis Malle, expoente da chamada “Nouvelle Vague”, e estrelado pela fascinante Jeanne Moreau, com Alairr Cunn, Jean-Mare Bory e Judith Magre nos demais papéis de realce, o filme, rodado em preto e branco, narra a história de uma relação amorosa extraconjugal. Do ponto de vista estético e das interpretações é uma obra, ainda hoje, digna de louvor, o que explica o “Leão de Ouro” conquistado no Festival de Veneza, um dos muitos prêmios que conseguiu arrebatar.
A “cena escandalosa”, de cunho amoroso, que provocou a ira santa levada às ruas pode ser apontada hoje, em comparação com as cenas de qualquer filme romântico exibido em vesperais infantis, como uma singela referência pudica enquadrada na mais edulcorada concepção de relacionamento afetivo bolada na literatura de madame Delly. Oportuno relembrar, como outro indicador da atmosfera puritana então vigente, que à mesma época uma reação nesse mesmo tresloucado figurino cercou também outro filme, este brasileiro, “O Padre e a moça”, de Joaquim Pedro de Andrade.
Depois de haver revisto “Les Amants”, tantos anos decorridos, sinto-me tentado, com absoluta tranqüilidade de espírito, a registrar aqui uma sincera recomendação. Em eventual seleção de fitas visando proporcionar saudável entretenimento a religiosas reclusas, sugiro, respeitosamente, às dignas e zelosas Superioras das congregações que refuguem produções fílmicas românticas produzidas nestes confusos tempos atuais, substituindo-as por sessões corridas dessa terna e lírica criação artística de Louis Malle, por seu conteúdo mais edificante.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Histórias de Natal
Cesar Vanucci*
“A expansão prodigiosa do mundo atual
dá ao mistério do Natal uma dimensão nova.”
(Jacques Joew)
Acho uma baita falta de consideração e muito pouco ético esse negócio das pessoas desencarnarem no Natal ou nas imediações do Natal. Falar verdade, a observação se aplica também a outros instantes de sublimação coletiva, como, por exemplo, vitória na Copa do Mundo. Horas assim não se aprestam a adeuses doloridos, nem separações bruscas. Natal é celebração de vida e não momento de partida. Suas evocações simbólicas falam alvissareiramente de chegada e de permanência. Dependesse de minha vontade, o governo editaria medida provisória proibindo, em caráter irrevogável, que as pessoas morressem nesse dia. As lideranças partidárias no Congresso seriam convocadas para aprovar a peremptória decisão com a mesma ligeireza com que, no apagar das luzes da temporada parlamentar, costumam votar indecorosas vantagens pecuniárias.
Esse meu inconformismo com o "encantamento" que acomete alguns no período de comemoração natalina está associado à lembrança de um Natal da meninice. Um episódio que deixou marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos, todos, na mais santa alegria, para os festejos. Os semblantes eram dominados pela idéia da trégua, do repouso, da confraternização em seu significado mais puro e autêntico. O aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda patamar que permitisse essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir, como símbolo natalino, a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da sadia. De repente, o impacto de uma ocorrência brutal. Vieram nos contar que um garotinho da vizinhança, companheiro de inocentes estripulias, havia perdido a vida numa enchente de córrego provocada por chuva forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para absorver aquele aparente triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento de celebração da vida em plenitude. O incidente, naquela precisa hora, não passava de um tremendo contra-senso. Claro, que a rolagem dos anos trouxe a explicação. Mas o sinal daquela brusca ruptura com a vida ficou.
De outro Natal da infância já trago lembrança doce e terna. Meus pais, Antonio e Antonia, me levaram pelo braço pra ver as prateleiras apinhadas de brinquedos da Livraria São Bento, na rua do Comércio, Uberaba. Pelo que entendi, o local era uma espécie de entreposto usado por Papai Noel para guardar os presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas casas dos meninos de bom comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas mãos de da. Sinhá Brasil, gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono chegar, as mãos postas e a alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o pedido ao velhinho do trenó. Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o pequeno bilhar que desejava receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava haver testemunhado a chegada de Papai Noel no quarto, de madrugada, pé ante pé, para fazer a entrega dos presentes encomendados. As reverberações mágicas daquele precioso instante estão presentes em todas as celebrações natalinas deste amigo de vocês. Que se vale do grato ensejo para desejar-lhes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
AMOR TOTAL
“Ame até doer.”
(Madre Teresa de Calcutá)
Este despretensioso poemeto foi cometido para recitação em coro. Resolvi, depois, compartilhar as singelas emoções nele inseridas com os meus 25 assíduos e benevolentes leitores. Seguem junto meus votos de um Feliz Natal pra todos.
Natal, poema de nazarena suavidade; / Instante predestinado com timbre de eternidade. / Festa do amor total! / Cântico de amor pela humanidade. / Exortação solene à fraternidade. / Festa do amor total!
Mensagem que vem do fundo e do alto dos tempos, / A enfrentar, galharda e objetivamente, os bons e os maus ventos. / Amor pelas coisas e amor pelas criaturas, / Serena avaliação das glórias e desventuras.
Um cântico de amor total! / Amor pelo que foi, /Pelo que é e será. / Quem ama compreenderá!
Cântico de fé e de confiança; / O amor gera sempre a esperança. / Quem ama compreenderá!
Amor que salta da gente pros outros; / Amor que procura compreender os humanos tormentos, / Os pequenos dramas e os terríveis sofrimentos, / As tristezas dilacerantes e as aflições incuráveis. / Os instantes de ternura que se foram, irrecuperáveis.
Amor que procura entender / Pessoas e coisas como são. / E não como poderiam ser. / Quem ama compreenderá!
Amor que soma e fortalece. / E não subtrai e entorpece. / Visão compreensiva das humanas deficiências e imperfeições... / Aquele indivíduo sugado pelo desalento. / Aquele outro, embriagado pelas ambições... / O enfermo desenganado. / O menor desamparado. / O chefe prepotente, / O empregado indolente, / O servidor negligente, / O granfino insolente, / O moço inconseqüente, / O orgulho de gente / Que não é como toda gente...
Não esquecer as pessoas amargas e solitárias, / As criaturas amenas e solidárias. / Os homens e as mulheres com carência afetiva, / A mulher que, como esposa, se sentiu um dia Amélia, / A infeliz que da prostituição se tornou cativa...
O rapazinho esquisito, / A mocinha desajustada, / O pai que, de madrugada, / Espera pelo filho, insone e aflito.
Amor que envolve amigos e inimigos / E que se dá a todos os seres vivos.
Sempre e sempre, interpretação caridosa e serena do cenário humano. / O jovem revoltado, / O político ultrapassado, / O servidor burocratizado, / O boêmio, desconsolado e sem rumo, / que vagueia só pela madrugada.
O irmão oprimido e desesperançado, / O favelado humilhado, / O individuo fanatizado.
Compreensão para com essa mocidade de veste berrante, / De som estridente, / Que se intitula pra frente...
Compreensão também diante da geração que se recusa a aceitar o comportamento jovem do presente...
Solidariedade para o que crê nas coisas em que acreditamos. / Tolerância absoluta para o que acredita fervorosamente em coisas das quais descremos.
Amor sem ranço e sem preconceito, / Que dê a todos o direito / De se intitularem irmãos...
Irmão cristão, irmão budista... / ... de se intitularem irmãos / Irmão palestino, irmão judeu... / ... de se intitularem irmãos / Irmão atleticano, irmão cruzeirense... / ... de se intitularem irmãos / A se darem as mãos, / Para se intitularem irmãos...
Acolhimento à mãe solteira, / Protegendo-a dos que a picham, em atitude zombeteira. / Benevolência para com o profissional fracassado que não fez carreira.
Aplicação de critérios de justiça e caridade na análise da postura daquele que feriu enganando / E daquele que maltratou negando / Do que machucou informando e do que magoou sonegando informação.
Amor sem conta. / Amor que conta. / Amor que se dá conta / Da palavra terna com feitio de oração. / Do gesto desprendido com jeito de doação.
Amor por toda a criatura, / A desprovida de ternura / E a cheia de candura. / Visão apaixonada do mundo do trabalho.
O idealizador da espaçonave, / O varredor de rua, / O pesquisador em laboratório / E o cidadão que trata feridas em ambulatório / O bombeiro que conserta esgoto – que profissão nem sempre é questão de gosto
Amor que procure compreender / Pessoas e coisas como são, / E não como poderiam ser. / Como são... / E não como poderiam ser.
De tudo sobra a certeza de que o importante na vida / É entender o sentido deste recado: / O Amor total, / Mensagem definitiva do Natal!
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Cesar Vanucci*
“A expansão prodigiosa do mundo atual
dá ao mistério do Natal uma dimensão nova.”
(Jacques Joew)
Acho uma baita falta de consideração e muito pouco ético esse negócio das pessoas desencarnarem no Natal ou nas imediações do Natal. Falar verdade, a observação se aplica também a outros instantes de sublimação coletiva, como, por exemplo, vitória na Copa do Mundo. Horas assim não se aprestam a adeuses doloridos, nem separações bruscas. Natal é celebração de vida e não momento de partida. Suas evocações simbólicas falam alvissareiramente de chegada e de permanência. Dependesse de minha vontade, o governo editaria medida provisória proibindo, em caráter irrevogável, que as pessoas morressem nesse dia. As lideranças partidárias no Congresso seriam convocadas para aprovar a peremptória decisão com a mesma ligeireza com que, no apagar das luzes da temporada parlamentar, costumam votar indecorosas vantagens pecuniárias.
Esse meu inconformismo com o "encantamento" que acomete alguns no período de comemoração natalina está associado à lembrança de um Natal da meninice. Um episódio que deixou marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos, todos, na mais santa alegria, para os festejos. Os semblantes eram dominados pela idéia da trégua, do repouso, da confraternização em seu significado mais puro e autêntico. O aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda patamar que permitisse essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir, como símbolo natalino, a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da sadia. De repente, o impacto de uma ocorrência brutal. Vieram nos contar que um garotinho da vizinhança, companheiro de inocentes estripulias, havia perdido a vida numa enchente de córrego provocada por chuva forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para absorver aquele aparente triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento de celebração da vida em plenitude. O incidente, naquela precisa hora, não passava de um tremendo contra-senso. Claro, que a rolagem dos anos trouxe a explicação. Mas o sinal daquela brusca ruptura com a vida ficou.
De outro Natal da infância já trago lembrança doce e terna. Meus pais, Antonio e Antonia, me levaram pelo braço pra ver as prateleiras apinhadas de brinquedos da Livraria São Bento, na rua do Comércio, Uberaba. Pelo que entendi, o local era uma espécie de entreposto usado por Papai Noel para guardar os presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas casas dos meninos de bom comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas mãos de da. Sinhá Brasil, gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono chegar, as mãos postas e a alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o pedido ao velhinho do trenó. Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o pequeno bilhar que desejava receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava haver testemunhado a chegada de Papai Noel no quarto, de madrugada, pé ante pé, para fazer a entrega dos presentes encomendados. As reverberações mágicas daquele precioso instante estão presentes em todas as celebrações natalinas deste amigo de vocês. Que se vale do grato ensejo para desejar-lhes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
AMOR TOTAL
“Ame até doer.”
(Madre Teresa de Calcutá)
Este despretensioso poemeto foi cometido para recitação em coro. Resolvi, depois, compartilhar as singelas emoções nele inseridas com os meus 25 assíduos e benevolentes leitores. Seguem junto meus votos de um Feliz Natal pra todos.
Natal, poema de nazarena suavidade; / Instante predestinado com timbre de eternidade. / Festa do amor total! / Cântico de amor pela humanidade. / Exortação solene à fraternidade. / Festa do amor total!
Mensagem que vem do fundo e do alto dos tempos, / A enfrentar, galharda e objetivamente, os bons e os maus ventos. / Amor pelas coisas e amor pelas criaturas, / Serena avaliação das glórias e desventuras.
Um cântico de amor total! / Amor pelo que foi, /Pelo que é e será. / Quem ama compreenderá!
Cântico de fé e de confiança; / O amor gera sempre a esperança. / Quem ama compreenderá!
Amor que salta da gente pros outros; / Amor que procura compreender os humanos tormentos, / Os pequenos dramas e os terríveis sofrimentos, / As tristezas dilacerantes e as aflições incuráveis. / Os instantes de ternura que se foram, irrecuperáveis.
Amor que procura entender / Pessoas e coisas como são. / E não como poderiam ser. / Quem ama compreenderá!
Amor que soma e fortalece. / E não subtrai e entorpece. / Visão compreensiva das humanas deficiências e imperfeições... / Aquele indivíduo sugado pelo desalento. / Aquele outro, embriagado pelas ambições... / O enfermo desenganado. / O menor desamparado. / O chefe prepotente, / O empregado indolente, / O servidor negligente, / O granfino insolente, / O moço inconseqüente, / O orgulho de gente / Que não é como toda gente...
Não esquecer as pessoas amargas e solitárias, / As criaturas amenas e solidárias. / Os homens e as mulheres com carência afetiva, / A mulher que, como esposa, se sentiu um dia Amélia, / A infeliz que da prostituição se tornou cativa...
O rapazinho esquisito, / A mocinha desajustada, / O pai que, de madrugada, / Espera pelo filho, insone e aflito.
Amor que envolve amigos e inimigos / E que se dá a todos os seres vivos.
Sempre e sempre, interpretação caridosa e serena do cenário humano. / O jovem revoltado, / O político ultrapassado, / O servidor burocratizado, / O boêmio, desconsolado e sem rumo, / que vagueia só pela madrugada.
O irmão oprimido e desesperançado, / O favelado humilhado, / O individuo fanatizado.
Compreensão para com essa mocidade de veste berrante, / De som estridente, / Que se intitula pra frente...
Compreensão também diante da geração que se recusa a aceitar o comportamento jovem do presente...
Solidariedade para o que crê nas coisas em que acreditamos. / Tolerância absoluta para o que acredita fervorosamente em coisas das quais descremos.
Amor sem ranço e sem preconceito, / Que dê a todos o direito / De se intitularem irmãos...
Irmão cristão, irmão budista... / ... de se intitularem irmãos / Irmão palestino, irmão judeu... / ... de se intitularem irmãos / Irmão atleticano, irmão cruzeirense... / ... de se intitularem irmãos / A se darem as mãos, / Para se intitularem irmãos...
Acolhimento à mãe solteira, / Protegendo-a dos que a picham, em atitude zombeteira. / Benevolência para com o profissional fracassado que não fez carreira.
Aplicação de critérios de justiça e caridade na análise da postura daquele que feriu enganando / E daquele que maltratou negando / Do que machucou informando e do que magoou sonegando informação.
Amor sem conta. / Amor que conta. / Amor que se dá conta / Da palavra terna com feitio de oração. / Do gesto desprendido com jeito de doação.
Amor por toda a criatura, / A desprovida de ternura / E a cheia de candura. / Visão apaixonada do mundo do trabalho.
O idealizador da espaçonave, / O varredor de rua, / O pesquisador em laboratório / E o cidadão que trata feridas em ambulatório / O bombeiro que conserta esgoto – que profissão nem sempre é questão de gosto
Amor que procure compreender / Pessoas e coisas como são, / E não como poderiam ser. / Como são... / E não como poderiam ser.
De tudo sobra a certeza de que o importante na vida / É entender o sentido deste recado: / O Amor total, / Mensagem definitiva do Natal!
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Conspiração do amor
Cesar Vanucci *
“A palavra, uma vez lançada, voa irrevogável.”
(Horácio, epístolas)
Recebi a terna mensagem de pessoas queridas. Apreciei um bocado, como tenho certeza que o distinto leitor irá também apreciar, o que me foi transmitido e agora entrego à apreciação dos que me honram habitualmente com sua leitura. Não se trata, é óbvio, de recado passado com fito de proselitismo de qualquer coloração. Com proposta de tedioso dogmatismo. Trata-se, sim, de um tipo especial de palavra, impregnada de humanismo que, uma vez lançada, como diz Horácio em suas epístolas, “voa irrevogável”. Transfigura-se em pura magia. Apodera-se do coração e passa a reger a alma, como no entendimento de Ronsard.
Comprometi-me, comigo mesmo, a passar adiante a mensagem. Ela é endereçada a homens de boa vontade. Gente que mantém permanentemente acesa a esperança na construção de um mundo melhor dentro desta nossa conturbada pátria terrena.
”Na superfície da terra, exatamente agora, há guerra e violência e tudo parece negro.
Mas, simultaneamente, algo silencioso, calmo e oculto, vem acontecendo e certas pessoas estão sendo chamadas por uma idéia grandiosa.
Uma revolução silenciosa está se instalando de dentro para fora. De baixo para cima.
É uma operação global. Uma conspiração espiritual.
Há células dessa operação em cada nação do planeta.
Vocês não vão nos assistir na TV.
Nem ler sobre nós nos jornais.
Nem ouvir nossas palavras nos rádios.
Não buscamos a glória.
Não usamos uniformes.
Chegamos em diversas formas e tamanhos diferentes.
Temos costumes e cores diferentes.
A maioria trabalha anonimamente.
Silenciosamente trabalhamos fora de cena.
Em cada cultura do mundo.
Nas grandes e pequenas cidades, em suas montanhas e vales.
Nas fazendas, vilas, tribos e ilhas remotas.
Você talvez cruze conosco nas ruas.
E nem perceba...
Seguimos disfarçados.
Ficamos atrás da cena.
E não nos importamos com quem ganha os louros do resultado, e sim, que se realize o trabalho.
De vez em quando nos encontramos pelas ruas.
Trocamos olhares de reconhecimento e seguimos nosso caminho.
Durante o dia muitos se disfarçam em seus empregos normais.
Mas, à noite, por atrás de nossas aparências, o verdadeiro trabalho se inicia.
Alguns nos chamam de Exército da Consciência.
Lentamente estamos construindo um novo mundo.
Com o poder de nossos corações e mentes.
Seguimos com alegria e paixão.
Nossas ordens nos chegam da Inteligência Espiritual.
Estamos jogando bombas suaves de amor sem que ninguém note; poemas, abraços, músicas, fotos, filmes, palavras carinhosas, meditações e preces, danças, ativismo social, sites, blogs, atos de bondade...
Expressamos-nos de uma forma única e pessoal.
Com nossos talentos e dons.
Visando a mudança que queremos ver no mundo.
Essa é a força que move nossos corações.
Sabemos que essa é a única forma de conseguir realizar a transformação.
Sabemos que no silêncio e humildade temos o poder de todos os oceanos juntos.
Nosso trabalho é lento e meticuloso.
Como na formação das montanhas.
O amor será a religião do século 21.
Sem pré-requisitos de grau de educação.
Sem exigir um conhecimento excepcional para se chegar à almejada compreensão.
Porque nasce da inteligência do coração.
Escondida pela eternidade no pulso evolucionário de todo ser humano.
Seja, você também, a mudança que quer ver, em seu íntimo, acontecer no mundo.
Ninguém pode fazer esse trabalho por você.
Nós estamos recrutando. Talvez você se junte a nós.
Ou talvez já tenha até se unido. Todos são bem-vindos. A porta está aberta. Com amor e muita luz.”
É ou não é? Essa convocação no sentido de uma poderosa aglutinação de vontades; as “bombas suaves de amor” que ativistas sociais bem intencionados se dispõem a lançar nessa proposição conspiratória humanística e espiritual de se refazer o mundo pelo amor, tudo traz a tempos de hoje uma verdade verdadeira que é de todas as épocas: a serenidade de Deus está presente nas coisas que fazemos juntos. Isso aí.
Construção de vida
“É o meu novo namorido.”
(Madame apresentando companheiro na roda de amigas)
Assim, desde que o mundo é mundo. Em flagrantes triviais do dia-a-dia vão sendo esculpidos modelos de comportamento que passam, a partir de um momento qualquer, a ser adotados pela espécie humana. Em boa parte das vezes, mergulhada até o gorgomilo nas preocupações do cotidiano, a gente não se dá conta do que costuma rolar ao redor. Não toma tento de que vários lances banais, ao alcance do olhar, quase imperceptíveis, ajudam a compor nosso futuro proceder. Deles derivam o esboço de padrões, o delineamento de ações, a antecipação de reações, inusitadas muitas delas, aparentemente incompreensíveis, a serem incorporadas pelo controvertido bicho-homem na lida da convivência.
Os episódios abaixo falam coisas curiosas a respeito desse modelo de construção de vida.
Pela janela indiscreta do escritório, sentindo-se um tanto Jimmy Stewart em filme de Hitchcock, desliza o olhar solto, curiosidade indefinida, pela avenida movimentada. Um pormenor de somenos, dominante na vestimenta feminina lá fora, traz à tona, do fundo da memória, um punhado de cenas marcantes testemunhadas na infância já distante. Revê a jovem vizinha, simpática, charmosa, uma explosão ambulante de vitalidade, que passou, num dado instante, a ser abertamente hostilizada pelos adultos, até os próprios parentes, por ousar, em gesto vanguardeiro, lá pros idos de 50, sair de calça comprida em suas andanças pelas ruas. Garota atrevida, aquela! Não se dando por satisfeita, entendeu ainda, num acúmulo imperdoável de extravagâncias, de beber cerveja e fumar – imaginem só o tamanho da insolência! - em público. As reiteradas transgressões da ordem instituída valeu-lhe, naturalmente, estardalhante desprezo de grupos sociais influentes. Grupos esses, como de se imaginar, saudavelmente empenhados em desencorajar, com flamejantes advertências, em nome dos bons costumes e do recato feminil, moçoilas em flor com inclinações perversas para agirem com descaramento em locais públicos frequentados por famílias decentes.
As cenas incríveis desse passado relativamente próximo afloram, impetuosas, diante de uma evidência prosaica. As centenas de mulheres focalizadas com a teleobjetiva do olhar, em circulação na avenida, deslocando-se daqui pra lá e de lá pra cá, todas, sem exceção estão trajando calças compridas, jeans na quase totalidade. E, parte delas, denotando a mais completa naturalidade, sem constrangimentos e sentimento de culpa, carregam um cigarro preso aos lábios ou nos dedos das mãos. Com companheiro do escritório, ele solta inevitável comentário: “E pensar que aquela multidão feminina lá embaixo, nem de leve suspeita que, ainda outro dia, algumas mulheres audaciosas pagaram preço alto em intolerância, discriminação, humilhações, para que pudesse prevalecer, pra todo o mundo, o direito elementar de sair de casa com roupa mais apropriada ao seu perfil!”
Adiante. No (vá lá) “cyber cafe”, a professora de 40 anos matraqueia animadamente o computador, em pesquisa da escola. Interrompe a faina, de súbito, meio desconcertada, sem saber bem o que fazer a partir dali. Volta-se, o olhar interrogativo, pro filho menor que, ao lado, tudo acompanha. O guri, 11 anos, deixa cair uma proposta: -“Acesse a wikipedia.” A mulher retoma a tarefa, mas torna a empacar. Com um menear da cabeça, que nem fazem os indianos da novela, confessa-se sem condições de seguir em frente. O filho, então, propõe: “- Deixa eu tentar.” Ato contínuo, desaloja a mãe, aboleta-se no assento e assume, impávido colosso, o teclado do aparelho, com desembaraço e familiaridade de um Artur Moreira Lima num concerto de piano. Em fração de minutos dá por finda a operação. Imprime e passa o texto às mãos da emocionada genitora. (Entre parênteses. A expressão genitora remete a uma tirada cheia de verve do talentoso escritor, tribuno, jornalista e controvertido político Carlos Lacerda: “Mãe é mãe, genitora é a sua, progenitora é a avó.”)
Em frente. No boteco badalado, uma madame vistosa, recendendo a perfume de butique de luxo, traz a tiracolo um rapazote. Aparenta metade de sua idade. Ostentando traços de euforia no semblante de maquiage bem cuidada, apresenta o mancebo na roda de amigas. Resume a apresentação numa frase: “- Meu novo namorido.” Quer dizer, alguém mais do que um simples namorado. Mais, até mesmo, do que noivo de tempos antigos. Menos um tiquinho, talvez por falta de papel passado em cartório, do que marido. Namorido. Ora, veja, pois!
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Cesar Vanucci *
“A palavra, uma vez lançada, voa irrevogável.”
(Horácio, epístolas)
Recebi a terna mensagem de pessoas queridas. Apreciei um bocado, como tenho certeza que o distinto leitor irá também apreciar, o que me foi transmitido e agora entrego à apreciação dos que me honram habitualmente com sua leitura. Não se trata, é óbvio, de recado passado com fito de proselitismo de qualquer coloração. Com proposta de tedioso dogmatismo. Trata-se, sim, de um tipo especial de palavra, impregnada de humanismo que, uma vez lançada, como diz Horácio em suas epístolas, “voa irrevogável”. Transfigura-se em pura magia. Apodera-se do coração e passa a reger a alma, como no entendimento de Ronsard.
Comprometi-me, comigo mesmo, a passar adiante a mensagem. Ela é endereçada a homens de boa vontade. Gente que mantém permanentemente acesa a esperança na construção de um mundo melhor dentro desta nossa conturbada pátria terrena.
”Na superfície da terra, exatamente agora, há guerra e violência e tudo parece negro.
Mas, simultaneamente, algo silencioso, calmo e oculto, vem acontecendo e certas pessoas estão sendo chamadas por uma idéia grandiosa.
Uma revolução silenciosa está se instalando de dentro para fora. De baixo para cima.
É uma operação global. Uma conspiração espiritual.
Há células dessa operação em cada nação do planeta.
Vocês não vão nos assistir na TV.
Nem ler sobre nós nos jornais.
Nem ouvir nossas palavras nos rádios.
Não buscamos a glória.
Não usamos uniformes.
Chegamos em diversas formas e tamanhos diferentes.
Temos costumes e cores diferentes.
A maioria trabalha anonimamente.
Silenciosamente trabalhamos fora de cena.
Em cada cultura do mundo.
Nas grandes e pequenas cidades, em suas montanhas e vales.
Nas fazendas, vilas, tribos e ilhas remotas.
Você talvez cruze conosco nas ruas.
E nem perceba...
Seguimos disfarçados.
Ficamos atrás da cena.
E não nos importamos com quem ganha os louros do resultado, e sim, que se realize o trabalho.
De vez em quando nos encontramos pelas ruas.
Trocamos olhares de reconhecimento e seguimos nosso caminho.
Durante o dia muitos se disfarçam em seus empregos normais.
Mas, à noite, por atrás de nossas aparências, o verdadeiro trabalho se inicia.
Alguns nos chamam de Exército da Consciência.
Lentamente estamos construindo um novo mundo.
Com o poder de nossos corações e mentes.
Seguimos com alegria e paixão.
Nossas ordens nos chegam da Inteligência Espiritual.
Estamos jogando bombas suaves de amor sem que ninguém note; poemas, abraços, músicas, fotos, filmes, palavras carinhosas, meditações e preces, danças, ativismo social, sites, blogs, atos de bondade...
Expressamos-nos de uma forma única e pessoal.
Com nossos talentos e dons.
Visando a mudança que queremos ver no mundo.
Essa é a força que move nossos corações.
Sabemos que essa é a única forma de conseguir realizar a transformação.
Sabemos que no silêncio e humildade temos o poder de todos os oceanos juntos.
Nosso trabalho é lento e meticuloso.
Como na formação das montanhas.
O amor será a religião do século 21.
Sem pré-requisitos de grau de educação.
Sem exigir um conhecimento excepcional para se chegar à almejada compreensão.
Porque nasce da inteligência do coração.
Escondida pela eternidade no pulso evolucionário de todo ser humano.
Seja, você também, a mudança que quer ver, em seu íntimo, acontecer no mundo.
Ninguém pode fazer esse trabalho por você.
Nós estamos recrutando. Talvez você se junte a nós.
Ou talvez já tenha até se unido. Todos são bem-vindos. A porta está aberta. Com amor e muita luz.”
É ou não é? Essa convocação no sentido de uma poderosa aglutinação de vontades; as “bombas suaves de amor” que ativistas sociais bem intencionados se dispõem a lançar nessa proposição conspiratória humanística e espiritual de se refazer o mundo pelo amor, tudo traz a tempos de hoje uma verdade verdadeira que é de todas as épocas: a serenidade de Deus está presente nas coisas que fazemos juntos. Isso aí.
Construção de vida
“É o meu novo namorido.”
(Madame apresentando companheiro na roda de amigas)
Assim, desde que o mundo é mundo. Em flagrantes triviais do dia-a-dia vão sendo esculpidos modelos de comportamento que passam, a partir de um momento qualquer, a ser adotados pela espécie humana. Em boa parte das vezes, mergulhada até o gorgomilo nas preocupações do cotidiano, a gente não se dá conta do que costuma rolar ao redor. Não toma tento de que vários lances banais, ao alcance do olhar, quase imperceptíveis, ajudam a compor nosso futuro proceder. Deles derivam o esboço de padrões, o delineamento de ações, a antecipação de reações, inusitadas muitas delas, aparentemente incompreensíveis, a serem incorporadas pelo controvertido bicho-homem na lida da convivência.
Os episódios abaixo falam coisas curiosas a respeito desse modelo de construção de vida.
Pela janela indiscreta do escritório, sentindo-se um tanto Jimmy Stewart em filme de Hitchcock, desliza o olhar solto, curiosidade indefinida, pela avenida movimentada. Um pormenor de somenos, dominante na vestimenta feminina lá fora, traz à tona, do fundo da memória, um punhado de cenas marcantes testemunhadas na infância já distante. Revê a jovem vizinha, simpática, charmosa, uma explosão ambulante de vitalidade, que passou, num dado instante, a ser abertamente hostilizada pelos adultos, até os próprios parentes, por ousar, em gesto vanguardeiro, lá pros idos de 50, sair de calça comprida em suas andanças pelas ruas. Garota atrevida, aquela! Não se dando por satisfeita, entendeu ainda, num acúmulo imperdoável de extravagâncias, de beber cerveja e fumar – imaginem só o tamanho da insolência! - em público. As reiteradas transgressões da ordem instituída valeu-lhe, naturalmente, estardalhante desprezo de grupos sociais influentes. Grupos esses, como de se imaginar, saudavelmente empenhados em desencorajar, com flamejantes advertências, em nome dos bons costumes e do recato feminil, moçoilas em flor com inclinações perversas para agirem com descaramento em locais públicos frequentados por famílias decentes.
As cenas incríveis desse passado relativamente próximo afloram, impetuosas, diante de uma evidência prosaica. As centenas de mulheres focalizadas com a teleobjetiva do olhar, em circulação na avenida, deslocando-se daqui pra lá e de lá pra cá, todas, sem exceção estão trajando calças compridas, jeans na quase totalidade. E, parte delas, denotando a mais completa naturalidade, sem constrangimentos e sentimento de culpa, carregam um cigarro preso aos lábios ou nos dedos das mãos. Com companheiro do escritório, ele solta inevitável comentário: “E pensar que aquela multidão feminina lá embaixo, nem de leve suspeita que, ainda outro dia, algumas mulheres audaciosas pagaram preço alto em intolerância, discriminação, humilhações, para que pudesse prevalecer, pra todo o mundo, o direito elementar de sair de casa com roupa mais apropriada ao seu perfil!”
Adiante. No (vá lá) “cyber cafe”, a professora de 40 anos matraqueia animadamente o computador, em pesquisa da escola. Interrompe a faina, de súbito, meio desconcertada, sem saber bem o que fazer a partir dali. Volta-se, o olhar interrogativo, pro filho menor que, ao lado, tudo acompanha. O guri, 11 anos, deixa cair uma proposta: -“Acesse a wikipedia.” A mulher retoma a tarefa, mas torna a empacar. Com um menear da cabeça, que nem fazem os indianos da novela, confessa-se sem condições de seguir em frente. O filho, então, propõe: “- Deixa eu tentar.” Ato contínuo, desaloja a mãe, aboleta-se no assento e assume, impávido colosso, o teclado do aparelho, com desembaraço e familiaridade de um Artur Moreira Lima num concerto de piano. Em fração de minutos dá por finda a operação. Imprime e passa o texto às mãos da emocionada genitora. (Entre parênteses. A expressão genitora remete a uma tirada cheia de verve do talentoso escritor, tribuno, jornalista e controvertido político Carlos Lacerda: “Mãe é mãe, genitora é a sua, progenitora é a avó.”)
Em frente. No boteco badalado, uma madame vistosa, recendendo a perfume de butique de luxo, traz a tiracolo um rapazote. Aparenta metade de sua idade. Ostentando traços de euforia no semblante de maquiage bem cuidada, apresenta o mancebo na roda de amigas. Resume a apresentação numa frase: “- Meu novo namorido.” Quer dizer, alguém mais do que um simples namorado. Mais, até mesmo, do que noivo de tempos antigos. Menos um tiquinho, talvez por falta de papel passado em cartório, do que marido. Namorido. Ora, veja, pois!
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Assim caminha a humanidade
CesarVanucci *
“Não existe guerra inevitável,
o que existe é falha de sabedoria.”
(Bonar Law)
Em artigo recente, falamos da fábula de dinheiro que, a começar pelas chamadas grandes potências, o mundo gasta na aquisição de equipamentos de guerra. Não considerados os valores de elevada monta, correspondentes às transações clandestinas, garantidoras do suprimento bélico dos intermináveis conflitos sustentados por guerrilheiros, terroristas e grupos armados dissidentes em numerosos pontos do planeta, os dispêndios globais a esse titulo absorvem cerca de 2.4% da riqueza mundial. Atordoa – mais do que isso, machuca fundo – saber que com soma menor é perfeitamente possível estabelecer-se o controle das emissões de dióxido de carbono que dão origem ao mortífero “efeito estufa”, ameaça bem tangível de uma catástrofe planetária.
Pelos cálculos dos cientistas, aplicando-se dois por cento do PIB mundial o mundo conseguiria desvencilhar-se dos apavorantes riscos do aquecimento global. Com fatia ainda menor da riqueza mundial é possível também mudar, para bem melhor, os padrões de conforto de enormes contingentes humanos marginalizados. Viventes que padecem, em diferentes latitudes do globo, das agruras de uma condição de vida abjeta, abaixo da linha de pobreza.
A constatação que emerge desse raciocínio é cruel. Ninguém em pleno juízo ignora que à coletividade humana é oferecida a possibilidade de optar pela utilização adequada e sensata dos recursos amealhados à conta do esforço produtivo de seus integrantes. Por que cargas d’água, então, as decisões tomadas pelas lideranças mundiais, no emprego dessa riqueza fabulosa, patrimônio comum da humanidade, contemplam exatamente, como no caso dos armamentos, realidades contrapostas ao bem estar da sociedade? Com certeira certeza, egoísmo, arrogância, práticas distorcidas de governança, despojadas de humanismo e de valores éticos - que sustentam ambições hegemônicas desvairadas -, fanatice fundamentalista política e religiosa de diversificados matizes constituem as fontes de inspiração dessas decisões malévolas, desapartadas do bom senso. E, também, desapartadas por completo, em que pesem as exaltações farisaicas, das crenças solidárias alegadamente cultuadas em tudo quanto é canto do mundo.
Concentrando o foco das atenções nos avanços tecnológicos de hoje, concebemos esperançosos a viabilidade de que possam eles, em algum momento, ser colocados ao inteiro dispor do bem estar social. Sentimo-nos chocados e amargurados, por conseguinte, quando confrontamos no noticiário as aventuras belicistas que os “senhores da guerra” apresentam, aqui e ali, como “respostas” às divergências humanas. O planeta, é sabido de todos, nunca conheceu verdadeiramente a paz. Imaginava-se, candidamente, que após a segunda guerra mundial a impetuosidade belicosa do gênero humano seria, finalmente, contida. Chegou-se até a pensar que “essa praga da humanidade, a guerra”, como definido por George Washington, pudesse vir a ser extinta da face da Terra. Ledo engano. Tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes. E, na verdade, haja quartel pra estocar o volume descomunal dos instrumentos de destruição! A cada dia mais sofisticados, esses instrumentos não param de ser produzidos. E adquiridos.
A impostura das grandes lideranças mundiais – que não abrem mão do “direito” auto-outorgado de acionar o gatilho dos conflitos em circunstâncias de sua estrita conveniência –, com suas conclamações frequentes em prol da paz, produz volta e meia fatos contundentes. Os fatos anulam os efeitos das palavras de concórdia. Prega-se o desarmamento, mas nada é feito, realmente, no sentido da redução dos arsenais. Pelo contrário, eles são sempre expandidos. Defende-se a proscrição da bomba atômica. Propõe-se a proibição das bombas de desintegração, das minas terrestres, das armas bacteriológicas, tudo na base da fajutice, da mais deslavada hipocrisia. Quem tem, não se desfaz, jeito maneira, do material estocado. Quem ainda não o tem enfrenta censuras e sanções até obtê-lo.
E assim, por ínvias trilhas, continua caminhando a humanidade, proteja-nos Deus!
Avaliação de Desempenho
“Você pode exceder todas as expectativas, mas sua
avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”
(Moral da história aqui relatada)
Deliro de montão com historinhas criativas, dessas que uma multidão de ignotos viventes bota pra circular nas ondas da Internet. Penso que a eles, os autores das historinhas, se deva conceder, por causa da inventiva posta airosamente à prova, reconhecimento e simpatia. Essa turma espalha informações, conhecimento, estimula reflexões, entretém o espírito. Contrapõe-se, com talento e disposições positivas, à enxurrada de manifestações malsãs que o fabuloso e mágico instrumento de comunicação à distância vê- se forçado, também, tantas vezes, a acolher.
Vários leitores destas maltraçadas já se deram conta dessa enlevante reação que me trazem os casos singulares, hilários, edificantes, inesperadamente recolhidos em suas pescarias pelo ilimitado oceano internáutico. Daí a razão de, volta e meia, este espaço veicular um que outro texto diferente, de procedência geralmente não identificada, aportado em meu endereço eletrônico. Caso da lapidar historinha, cujo título aqui aproveito, encaminhada por Jamil Mattar, companheiro de jornadas profissionais, funcionário graduado dos quadros da Prefeitura de Belo Horizonte.
“O dono de um açougue foi surpreendido pela entrada de um cão em seu estabelecimento. Enxotou-o, mas o cão, impassível, sem latidos, procedendo como se nada de extraordinário houvesse ocorrido, voltou logo em seguida.
O açougueiro pensou em espantá-lo outra vez, mas reparou que o cão trazia um bilhete preso na boca. Pegou o bilhete e leu: “- Pode mandar-me, pelo portador, 12 salsichas e uma perna de carneiro, por favor?”
O cão carregava, também, dinheiro na boca. Uma nota de 50. O açougueiro recolheu o dinheiro, enfiou as salsichas e a perna de carneiro num saco e colocou tudo na boca do cão, junto com o troco, em notas e moedas num envelope. O bicho desceu em marcha cadenciada a rua. Chegando ao cruzamento, depositou o saco no chão, pulou e apertou o botão mode que fazer o sinal passar pra verde. O açougueiro ficou realmente embasbacado. Como já estivesse praticamente no fim do expediente, resolveu fechar a loja e seguir o cão. O cachorro atravessou a rua até uma parada de ônibus, sempre com o açougueiro no encalço. Esperou, pacientemente, saco preso à boca, que o sinal fechasse para atravessar. Na parada, o cão sentou-se no banco, no aguardo da condução. Quando o primeiro ônibus chegou, foi até a frente, conferiu o número e voltou pro seu lugar. Outro ônibus chegou, o cão tornou a olhar, constatando que se tratava do coletivo certo. O açougueiro, boquiaberto, acompanhava tudo. Viu quando, mais adiante, em pé nas duas patas traseiras, o animal apertou o botão para parar o ônibus. Tudo isso com as compras penduradas na boca.
Cão e açougueiro saltaram juntos do coletivo. Caminharam um pouco, até que o cão parou diante de uma casa, deixando as compras no passeio. Em seguida, afastou-se um pouco, correu pra frente, lançando-se contra a porta. Repetiu o procedimento, mas ninguém, lá dentro, deu sinal de vida. Contornou, ao depois, a casa, pulando um muro baixo. Acercou-se da janela e danou a bater com a cabeça no vidro. Fez isso várias vezes. Voltou para a porta. Foi quando, de repente, um cara enorme, abrindo a porta, começou a espancar o bicho.
O açougueiro, perturbado com a cena, correu em direção ao homem, tentando impedí-lo de maltratar o cão, e dizendo: - “Deus do céu, ó cara, o que é que você tá fazendo? O seu cão é um gênio!” O homem respondeu de pronto, mal humorado: “Um gênio, como? Esta já é a segunda vez, só nesta semana, que este cão estúpido se esquece da chave!”.
Moral da história? Você pode excedertodas as expectativas, mas a sua avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
CesarVanucci *
“Não existe guerra inevitável,
o que existe é falha de sabedoria.”
(Bonar Law)
Em artigo recente, falamos da fábula de dinheiro que, a começar pelas chamadas grandes potências, o mundo gasta na aquisição de equipamentos de guerra. Não considerados os valores de elevada monta, correspondentes às transações clandestinas, garantidoras do suprimento bélico dos intermináveis conflitos sustentados por guerrilheiros, terroristas e grupos armados dissidentes em numerosos pontos do planeta, os dispêndios globais a esse titulo absorvem cerca de 2.4% da riqueza mundial. Atordoa – mais do que isso, machuca fundo – saber que com soma menor é perfeitamente possível estabelecer-se o controle das emissões de dióxido de carbono que dão origem ao mortífero “efeito estufa”, ameaça bem tangível de uma catástrofe planetária.
Pelos cálculos dos cientistas, aplicando-se dois por cento do PIB mundial o mundo conseguiria desvencilhar-se dos apavorantes riscos do aquecimento global. Com fatia ainda menor da riqueza mundial é possível também mudar, para bem melhor, os padrões de conforto de enormes contingentes humanos marginalizados. Viventes que padecem, em diferentes latitudes do globo, das agruras de uma condição de vida abjeta, abaixo da linha de pobreza.
A constatação que emerge desse raciocínio é cruel. Ninguém em pleno juízo ignora que à coletividade humana é oferecida a possibilidade de optar pela utilização adequada e sensata dos recursos amealhados à conta do esforço produtivo de seus integrantes. Por que cargas d’água, então, as decisões tomadas pelas lideranças mundiais, no emprego dessa riqueza fabulosa, patrimônio comum da humanidade, contemplam exatamente, como no caso dos armamentos, realidades contrapostas ao bem estar da sociedade? Com certeira certeza, egoísmo, arrogância, práticas distorcidas de governança, despojadas de humanismo e de valores éticos - que sustentam ambições hegemônicas desvairadas -, fanatice fundamentalista política e religiosa de diversificados matizes constituem as fontes de inspiração dessas decisões malévolas, desapartadas do bom senso. E, também, desapartadas por completo, em que pesem as exaltações farisaicas, das crenças solidárias alegadamente cultuadas em tudo quanto é canto do mundo.
Concentrando o foco das atenções nos avanços tecnológicos de hoje, concebemos esperançosos a viabilidade de que possam eles, em algum momento, ser colocados ao inteiro dispor do bem estar social. Sentimo-nos chocados e amargurados, por conseguinte, quando confrontamos no noticiário as aventuras belicistas que os “senhores da guerra” apresentam, aqui e ali, como “respostas” às divergências humanas. O planeta, é sabido de todos, nunca conheceu verdadeiramente a paz. Imaginava-se, candidamente, que após a segunda guerra mundial a impetuosidade belicosa do gênero humano seria, finalmente, contida. Chegou-se até a pensar que “essa praga da humanidade, a guerra”, como definido por George Washington, pudesse vir a ser extinta da face da Terra. Ledo engano. Tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes. E, na verdade, haja quartel pra estocar o volume descomunal dos instrumentos de destruição! A cada dia mais sofisticados, esses instrumentos não param de ser produzidos. E adquiridos.
A impostura das grandes lideranças mundiais – que não abrem mão do “direito” auto-outorgado de acionar o gatilho dos conflitos em circunstâncias de sua estrita conveniência –, com suas conclamações frequentes em prol da paz, produz volta e meia fatos contundentes. Os fatos anulam os efeitos das palavras de concórdia. Prega-se o desarmamento, mas nada é feito, realmente, no sentido da redução dos arsenais. Pelo contrário, eles são sempre expandidos. Defende-se a proscrição da bomba atômica. Propõe-se a proibição das bombas de desintegração, das minas terrestres, das armas bacteriológicas, tudo na base da fajutice, da mais deslavada hipocrisia. Quem tem, não se desfaz, jeito maneira, do material estocado. Quem ainda não o tem enfrenta censuras e sanções até obtê-lo.
E assim, por ínvias trilhas, continua caminhando a humanidade, proteja-nos Deus!
Avaliação de Desempenho
“Você pode exceder todas as expectativas, mas sua
avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”
(Moral da história aqui relatada)
Deliro de montão com historinhas criativas, dessas que uma multidão de ignotos viventes bota pra circular nas ondas da Internet. Penso que a eles, os autores das historinhas, se deva conceder, por causa da inventiva posta airosamente à prova, reconhecimento e simpatia. Essa turma espalha informações, conhecimento, estimula reflexões, entretém o espírito. Contrapõe-se, com talento e disposições positivas, à enxurrada de manifestações malsãs que o fabuloso e mágico instrumento de comunicação à distância vê- se forçado, também, tantas vezes, a acolher.
Vários leitores destas maltraçadas já se deram conta dessa enlevante reação que me trazem os casos singulares, hilários, edificantes, inesperadamente recolhidos em suas pescarias pelo ilimitado oceano internáutico. Daí a razão de, volta e meia, este espaço veicular um que outro texto diferente, de procedência geralmente não identificada, aportado em meu endereço eletrônico. Caso da lapidar historinha, cujo título aqui aproveito, encaminhada por Jamil Mattar, companheiro de jornadas profissionais, funcionário graduado dos quadros da Prefeitura de Belo Horizonte.
“O dono de um açougue foi surpreendido pela entrada de um cão em seu estabelecimento. Enxotou-o, mas o cão, impassível, sem latidos, procedendo como se nada de extraordinário houvesse ocorrido, voltou logo em seguida.
O açougueiro pensou em espantá-lo outra vez, mas reparou que o cão trazia um bilhete preso na boca. Pegou o bilhete e leu: “- Pode mandar-me, pelo portador, 12 salsichas e uma perna de carneiro, por favor?”
O cão carregava, também, dinheiro na boca. Uma nota de 50. O açougueiro recolheu o dinheiro, enfiou as salsichas e a perna de carneiro num saco e colocou tudo na boca do cão, junto com o troco, em notas e moedas num envelope. O bicho desceu em marcha cadenciada a rua. Chegando ao cruzamento, depositou o saco no chão, pulou e apertou o botão mode que fazer o sinal passar pra verde. O açougueiro ficou realmente embasbacado. Como já estivesse praticamente no fim do expediente, resolveu fechar a loja e seguir o cão. O cachorro atravessou a rua até uma parada de ônibus, sempre com o açougueiro no encalço. Esperou, pacientemente, saco preso à boca, que o sinal fechasse para atravessar. Na parada, o cão sentou-se no banco, no aguardo da condução. Quando o primeiro ônibus chegou, foi até a frente, conferiu o número e voltou pro seu lugar. Outro ônibus chegou, o cão tornou a olhar, constatando que se tratava do coletivo certo. O açougueiro, boquiaberto, acompanhava tudo. Viu quando, mais adiante, em pé nas duas patas traseiras, o animal apertou o botão para parar o ônibus. Tudo isso com as compras penduradas na boca.
Cão e açougueiro saltaram juntos do coletivo. Caminharam um pouco, até que o cão parou diante de uma casa, deixando as compras no passeio. Em seguida, afastou-se um pouco, correu pra frente, lançando-se contra a porta. Repetiu o procedimento, mas ninguém, lá dentro, deu sinal de vida. Contornou, ao depois, a casa, pulando um muro baixo. Acercou-se da janela e danou a bater com a cabeça no vidro. Fez isso várias vezes. Voltou para a porta. Foi quando, de repente, um cara enorme, abrindo a porta, começou a espancar o bicho.
O açougueiro, perturbado com a cena, correu em direção ao homem, tentando impedí-lo de maltratar o cão, e dizendo: - “Deus do céu, ó cara, o que é que você tá fazendo? O seu cão é um gênio!” O homem respondeu de pronto, mal humorado: “Um gênio, como? Esta já é a segunda vez, só nesta semana, que este cão estúpido se esquece da chave!”.
Moral da história? Você pode excedertodas as expectativas, mas a sua avaliação depende sempre da competência de quem se põe a avaliá-lo.”
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Horror na Tanzânia
Cesar Vanucci *
“Eu decidi fazer alguma coisa.”
(Peter Ash, canadense, dirigente de uma ong
que vem denunciando o extermínio de albinos no leste-africano)
A estupidez, a superstição, a selvageria deram-se as mãos na Tanzânia, um país africano que frequenta as manchetes como palco de constantes tragédias, para produzir uma inimaginável história de terror.
Os albinos, ou seja, seres humanos portadores de anomalia congênita caracterizada pela ausência total ou parcial de pigmento da pele, dos pêlos, da íris e da coróide, vêm sendo, em certas regiões daquele país, caçados e massacrados. Partes dos corpos retalhados são vendidas para indivíduos obviamente insanos. Indivíduos que acreditam sejam os albinos, por conta da singularidade genética, detentores de poderes mágicos. Poderes capazes de influenciar o destino das pessoas. Eles, albinos, passam assim, inacreditavelmente, a ser equiparados a alguns animais inferiores, também perseguidos e abatidos com o intuito de extração de componentes anatômicos considerados de “excepcional qualidade” na produção de “preparados miraculosos”. Tais “preparados” são tidos e havidos, em redutos dominados pela ignorância e superstição doentia, como “infalíveis” na solução de graves padecimentos físicos e psicológicos. Proporcionam “ainda”, ajuda eficaz na superação de aflitivos problemas financeiros. E por aí vai...
As proporções assumidas pelo extermínio sistemático de albinos na Tanzânia levaram o empresário, ex-pastor religioso canadense, Peter Ash, ele próprio albino, a constituir uma ong empenhada no objetivo de fazer chegar ao conhecimento mundial as atrocidades e de sensibilizar o governo daquele país do leste africano a assumir uma posição vigorosa contra a revoltante e aterradora situação. A Tanzânia, de acordo com as estimativas da ong – a “Under the same sun”, em tradução, “Sob o mesmo sol” -, possui uma população de 170 mil albinos.
No leste-africano, o chamado albinismo apresenta incidência mais elevada do que em outros lugares do planeta. Admite-se que, para cada três mil bebês, um nasça albino. Os criminosos responsáveis pelo sequestro e trucidamento das indefesas vítimas nessa conspiração hedionda contra os direitos humanos agem às claras. Apostam na impunidade. Nenhum dos quase 200 indivíduos já acusados oficialmente de pertencerem a gangues “especializadas” na “caça” a albinos foi até agora submetido a julgamento. Jornalistas britânicos que estiveram na Tanzânia colhendo informações sobre o que vem acontecendo apuraram que os bandidos, portando entre outras armas facões afiados, invadem residências de albinos, executando as vítimas na frente dos próprios familiares. Retalham, alí mesmo, os corpos, carregando as partes que interessam ao apavorante “negócio”. Um repórter conta que, diante de seu “manifesto interesse” pela aquisição de “material mágico”, foi-lhe oferecido o cadáver de um albino pela “módica” soma de três mil e seiscentos reais...
Os sequestradores dão preferência a pessoas jovens. Cortam pernas, braços, cabeças e genitálias. Retiram pele e órgãos. Escalpelam. Recolhem sangue das vítimas. Propagam, junto à “clientela” em potencial, que a “mercadoria” à venda torna as pessoas que se disponham a adquirí-la mais prósperas e mais bem protegidas dos maus agouros. A gama de “produtos” oferecidos é ampla. Poções com sangue, sapatos feitos de pele, amuletos de ossos, redes de pesca com fios de cabelo humano entrelaçados às tiras de nylon, por aí. Um horror sem tamanho!
A ong que trouxe a si a tarefa de revelar ao mundo essa descomunal ignomínia está convencida de que as autoridades da Tanzânia não dispensam atenção alguma à palpitante questão, apesar das reiteradas manifestações do presidente do país de que irá atuar com extremo rigor na repressão às gangues. Muitos agentes de polícia, assevera a ong, acobertam as atividades criminosas, quando não fazem parte dos grupos de extermínio. Bota horror nisso!
Cesar Vanucci *
“Eu decidi fazer alguma coisa.”
(Peter Ash, canadense, dirigente de uma ong
que vem denunciando o extermínio de albinos no leste-africano)
A estupidez, a superstição, a selvageria deram-se as mãos na Tanzânia, um país africano que frequenta as manchetes como palco de constantes tragédias, para produzir uma inimaginável história de terror.
Os albinos, ou seja, seres humanos portadores de anomalia congênita caracterizada pela ausência total ou parcial de pigmento da pele, dos pêlos, da íris e da coróide, vêm sendo, em certas regiões daquele país, caçados e massacrados. Partes dos corpos retalhados são vendidas para indivíduos obviamente insanos. Indivíduos que acreditam sejam os albinos, por conta da singularidade genética, detentores de poderes mágicos. Poderes capazes de influenciar o destino das pessoas. Eles, albinos, passam assim, inacreditavelmente, a ser equiparados a alguns animais inferiores, também perseguidos e abatidos com o intuito de extração de componentes anatômicos considerados de “excepcional qualidade” na produção de “preparados miraculosos”. Tais “preparados” são tidos e havidos, em redutos dominados pela ignorância e superstição doentia, como “infalíveis” na solução de graves padecimentos físicos e psicológicos. Proporcionam “ainda”, ajuda eficaz na superação de aflitivos problemas financeiros. E por aí vai...
As proporções assumidas pelo extermínio sistemático de albinos na Tanzânia levaram o empresário, ex-pastor religioso canadense, Peter Ash, ele próprio albino, a constituir uma ong empenhada no objetivo de fazer chegar ao conhecimento mundial as atrocidades e de sensibilizar o governo daquele país do leste africano a assumir uma posição vigorosa contra a revoltante e aterradora situação. A Tanzânia, de acordo com as estimativas da ong – a “Under the same sun”, em tradução, “Sob o mesmo sol” -, possui uma população de 170 mil albinos.
No leste-africano, o chamado albinismo apresenta incidência mais elevada do que em outros lugares do planeta. Admite-se que, para cada três mil bebês, um nasça albino. Os criminosos responsáveis pelo sequestro e trucidamento das indefesas vítimas nessa conspiração hedionda contra os direitos humanos agem às claras. Apostam na impunidade. Nenhum dos quase 200 indivíduos já acusados oficialmente de pertencerem a gangues “especializadas” na “caça” a albinos foi até agora submetido a julgamento. Jornalistas britânicos que estiveram na Tanzânia colhendo informações sobre o que vem acontecendo apuraram que os bandidos, portando entre outras armas facões afiados, invadem residências de albinos, executando as vítimas na frente dos próprios familiares. Retalham, alí mesmo, os corpos, carregando as partes que interessam ao apavorante “negócio”. Um repórter conta que, diante de seu “manifesto interesse” pela aquisição de “material mágico”, foi-lhe oferecido o cadáver de um albino pela “módica” soma de três mil e seiscentos reais...
Os sequestradores dão preferência a pessoas jovens. Cortam pernas, braços, cabeças e genitálias. Retiram pele e órgãos. Escalpelam. Recolhem sangue das vítimas. Propagam, junto à “clientela” em potencial, que a “mercadoria” à venda torna as pessoas que se disponham a adquirí-la mais prósperas e mais bem protegidas dos maus agouros. A gama de “produtos” oferecidos é ampla. Poções com sangue, sapatos feitos de pele, amuletos de ossos, redes de pesca com fios de cabelo humano entrelaçados às tiras de nylon, por aí. Um horror sem tamanho!
A ong que trouxe a si a tarefa de revelar ao mundo essa descomunal ignomínia está convencida de que as autoridades da Tanzânia não dispensam atenção alguma à palpitante questão, apesar das reiteradas manifestações do presidente do país de que irá atuar com extremo rigor na repressão às gangues. Muitos agentes de polícia, assevera a ong, acobertam as atividades criminosas, quando não fazem parte dos grupos de extermínio. Bota horror nisso!
Saneamento em regra
Poucas coisas conseguem aterrorizar tanto o cidadão
pacato quanto o conluio de bandidos com maus policiais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
São episódios, ambos, que deixam o Poder Público muito mal em sua política de combate ao crime organizado. Num deles, tragédia de certo modo anunciada, que coloca em xeque a apregoada pacificação dos conflagrados morros cariocas, desassombrada representante da Justiça, Patrícia Acioli, foi eliminada por uma gangue fardada, chefiada por ninguém mais, ninguém menos, do que o próprio comandante de uma unidade da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Noutro episódio, que ofereceu prenúncios de tragédia similar à da juíza, prestes a se consumar, cidadão com mandato parlamentar em curso, no mesmíssimo território fluminense, viu-se forçado a optar pela aceitação de um convite da Anistia Internacional para deixar o País por algum tempo, com familiares, mode que proteger-se das ferozes ameaças de grupos milicianos. Só nos últimos meses somaram 27 os atos de intimidação disparados contra o deputado em questão, Marcelo Freixo. Autor da CPI que mapeou o atemorizante sistema de milícias implantado no Rio de Janeiro, compostas predominantemente de policiais militares e civis, Freixo recorreu à Secretaria de Segurança Pública, à cata de proteção permanente. Tornou-se, no dizer do próprio titular da pasta, o cidadão mais bem protegido de todos os tempos nos rincões cariocas. Circunstância que ele não nega, ressalvando, entretanto, não mais conseguir conviver com as ameaças, e afirmando, enfaticamente, que o problema das milícias, que aumentaram de 170 para 300 em três anos, não pode ser considerado um problema exclusivamente seu. O parlamentar explicou, antes de embarcar para o exterior com destino por óbvias razões ignorado, que o grande debate da vida fluminense na atualidade é o enfrentamento das milícias. Os milicianos, vinculados a corporações encarregadas institucionalmente de “garantir o sossego e a ordem”, já torturaram jornalistas, extorquiram, mataram, inclusive uma magistrada, e ameaçam, agora, a vida de um parlamentar, sem que ações concretas – segundo ele - sejam tomadas, por quem de direito, no sentido de eliminar-se o braço econômico e territorial de que se valem nas sortidas criminosas que tanta intranqüilidade e temores espalham.
Para o parlamentar, nada é feito. Pior: por conta do que classifica de “cinismo oficial”, finge-se que o problema gravíssimo das atuantes milícias, que disputam, na marra, o controle de aglomerados com as quadrilhas de traficantes dos morros, não existe. “Minha saída do País é um protesto”, afiança.
Esses registros atordoantes reafirmam a certeza de que o contundente problema da insegurança urbana no Rio de Janeiro, com ou sem unidades pacificadoras, ou o emprego (ou não) de forças militares federais, tem que passar, inexoravelmente, na busca da solução ardentemente almejada pela sociedade, por um saneamento em regra do aparelho policial carioca. Sem a extirpação de todos os componentes dessa aterrorizante engrenagem o Rio de Janeiro continuará a ser, para imenso desgosto nacional, uma referência incômoda na crônica dos atentados contra a vida e o patrimônio.
A gravidade da situação atinge tal proporção que a opinião pública tende a admitir como verdadeira a alegação feita pelo “inimigo público” Nem – recentemente capturado depois de tentativa de suborno repelida com toda dignidade pelo grupo de policiais decentes que localizou seu paradeiro – de que só na Rocinha o tráfico destina 50 por cento de seus ganhos à chamada “banda podre” da polícia carioca.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Poucas coisas conseguem aterrorizar tanto o cidadão
pacato quanto o conluio de bandidos com maus policiais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
São episódios, ambos, que deixam o Poder Público muito mal em sua política de combate ao crime organizado. Num deles, tragédia de certo modo anunciada, que coloca em xeque a apregoada pacificação dos conflagrados morros cariocas, desassombrada representante da Justiça, Patrícia Acioli, foi eliminada por uma gangue fardada, chefiada por ninguém mais, ninguém menos, do que o próprio comandante de uma unidade da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Noutro episódio, que ofereceu prenúncios de tragédia similar à da juíza, prestes a se consumar, cidadão com mandato parlamentar em curso, no mesmíssimo território fluminense, viu-se forçado a optar pela aceitação de um convite da Anistia Internacional para deixar o País por algum tempo, com familiares, mode que proteger-se das ferozes ameaças de grupos milicianos. Só nos últimos meses somaram 27 os atos de intimidação disparados contra o deputado em questão, Marcelo Freixo. Autor da CPI que mapeou o atemorizante sistema de milícias implantado no Rio de Janeiro, compostas predominantemente de policiais militares e civis, Freixo recorreu à Secretaria de Segurança Pública, à cata de proteção permanente. Tornou-se, no dizer do próprio titular da pasta, o cidadão mais bem protegido de todos os tempos nos rincões cariocas. Circunstância que ele não nega, ressalvando, entretanto, não mais conseguir conviver com as ameaças, e afirmando, enfaticamente, que o problema das milícias, que aumentaram de 170 para 300 em três anos, não pode ser considerado um problema exclusivamente seu. O parlamentar explicou, antes de embarcar para o exterior com destino por óbvias razões ignorado, que o grande debate da vida fluminense na atualidade é o enfrentamento das milícias. Os milicianos, vinculados a corporações encarregadas institucionalmente de “garantir o sossego e a ordem”, já torturaram jornalistas, extorquiram, mataram, inclusive uma magistrada, e ameaçam, agora, a vida de um parlamentar, sem que ações concretas – segundo ele - sejam tomadas, por quem de direito, no sentido de eliminar-se o braço econômico e territorial de que se valem nas sortidas criminosas que tanta intranqüilidade e temores espalham.
Para o parlamentar, nada é feito. Pior: por conta do que classifica de “cinismo oficial”, finge-se que o problema gravíssimo das atuantes milícias, que disputam, na marra, o controle de aglomerados com as quadrilhas de traficantes dos morros, não existe. “Minha saída do País é um protesto”, afiança.
Esses registros atordoantes reafirmam a certeza de que o contundente problema da insegurança urbana no Rio de Janeiro, com ou sem unidades pacificadoras, ou o emprego (ou não) de forças militares federais, tem que passar, inexoravelmente, na busca da solução ardentemente almejada pela sociedade, por um saneamento em regra do aparelho policial carioca. Sem a extirpação de todos os componentes dessa aterrorizante engrenagem o Rio de Janeiro continuará a ser, para imenso desgosto nacional, uma referência incômoda na crônica dos atentados contra a vida e o patrimônio.
A gravidade da situação atinge tal proporção que a opinião pública tende a admitir como verdadeira a alegação feita pelo “inimigo público” Nem – recentemente capturado depois de tentativa de suborno repelida com toda dignidade pelo grupo de policiais decentes que localizou seu paradeiro – de que só na Rocinha o tráfico destina 50 por cento de seus ganhos à chamada “banda podre” da polícia carioca.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
As grandes potências
Cesar Vanucci *
“Toda grande potência troça dos demais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
As grandes potências são contra a bomba. Dos outros. Possuem estocados artefatos nucleares suficientes para destruir a galáxia inteira. Falam, de vez em quando, até em colocar em órbita permanente no espaço sideral, em caráter naturalmente “preventivo", satélites equipados com suas armas de devastação definitiva. Continuam a desbravar os assustadores domínios bélicos da energia atômica, patrocinando experiências nunca interrompidas, apesar dos propósitos de não beligerância proclamados em exasperante retórica. Viram bicho, vociferam ameaças de fazer estremecer céus e terras quando um país não pertencente ao seu fechadíssimo clube, dá mostras de querer "quebrar a paz e a harmonia mundiais", que elas, as grandes potências, tão bem têm sabido preservar, sabe lá Deus como. Entenda-se como tentativa de ruptura com a paz, tranquilidade e harmonia reinantes neste nosso planeta qualquer iniciativa que leve à construção de uma bomba como aquelas que reduziram a pó as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki. As grandes potências fazem sempre questão, em seu alardeado apego à paz, de deixar consignada sua posição contrária à bomba. Dos outros.
As grandes potências manifestam-se contrárias também às armas bacteriológicas e quaisquer outras armas que provoquem a destruição em massa de vidas e patrimônios. Armas dos outros, bem entendido. No que lhes diz particularmente respeito, têm na conta de um direito de outorga divina o armazenamento, em silos subterrâneos, de milhões de frascos com toda sorte de vírus mortíferos. Tão mortíferos que podem, a umas poucas aplicações na atmosfera, em reservatórios de água, em locais de grande concentração, varrer da face da terra, em curtíssima fração de tempo, toda manifestação de vida humana.
As grandes potências, em passado não muito distante, demonstraram não ser favoráveis à derrubada de aviões clandestinos que eventualmente possam cruzar o espaço aéreo dos territórios nacionais. Dos outros. Fizeram saber, na ocasião, por intermédio de suas chancelarias, que lhes aborreceria imaginar nações emergentes, como (por exemplo) o Brasil, a aporem sua concordância num pacto internacional favorável ao abate de aeronaves que violassem sua soberania. Por conta dessa recomendação das grandes potências, o Brasil (por exemplo) colocou-se, anos a fio, até uma ruptura com o abuso tomada no governo FHC, na condição de impotente espectador diante do fato perturbador de aviões de diferentes procedências, transportando drogas, contrabando, produtos de pirataria ecológica, a singrarem de lado para outro os céus da Amazônia. Onde, aliás, sem permissão oficial, andou circulando, também, algum tempo atrás, todo desenvolto, com “direito” a aterrissagem e tudo mais, sem pedido oficial prévio de pouso, um avião de transporte militar francês conduzindo oficiais de alta patente para negociar resgate de reféns com guerrilheiros colombianos. Depois da intolerável façanha, diante de protesto formal do Itamarati, a chancelaria do “Champs Elysées” formulou pedido de esfarrapada desculpa.
As grandes potências declaram-se sempre, além do mais, contrárias a violentação do meio ambiente. Quando praticada pelos outros. É claro. Costumam recusar-se, na parte que se lhes toca, a botar em prática, mesmo quando as subscrevam, resoluções que forcem seu parque industrial a reduzir a carga de poluentes despejada na atmosfera, causa principal do constante adelgaçamento da camada de ozônio.
As grandes potências são contra ainda os subsídios agrícolas e outras formas de protecionismo mercadológico. Dos outros. No plano doméstico, deitam e rolam com relação aos mesmíssimos procedimentos que, farisaicamente, condenam em ações alheias. Não se enrubescem em adotar, no tocante às ações dos outros, ferozes represálias.
Conclusão a extrair dos fatos. As grandes potências estão contra. Os outros.
Um artista gigantesco
“Precisamos de afeição e doçura.”
(Charles Chaplin)
Charles Chaplin não foi apenas grande, ele foi gigantesco. É o que constata – fico sabendo pela “Wikipédia” – o escritor estadunidense Martins Sieff ao comentar livro que focaliza a vida do criador do imortal Carlitos.
Alçado à categoria dos cineastas do time titular desde o cinema mudo, onde usou e abusou com talento e originalidade dos recursos da mímica na chamada “comédia pastelão”, Chaplin encantou, enterneceu e arrebatou multidões. Alguns dos filmes que produziu e interpretou - caso, por exemplo, de “Luzes da Cidade” - conseguiu mesclar imagens e lirismo num grau de intensidade quase impossível de ser reproduzido em qualquer tipo de entretenimento, por mais criativo e refinado que possa ser.
Sua contribuição ao desenvolvimento do cinema, como produtor, diretor, autor, ator, empresário (ele bancava seus filmes) valeu-lhe prêmios e condecorações que, bem provavelmente, ninguém do ramo, depois dele, jamais conseguiu alcançar. Falecido aos 88 anos, em 1977, tornou-se personagem lendário na história cultural do planeta.
Menos conhecidas de que suas obras cinematográficas, suas citações e registros literários ajudam a compor-lhe o perfil de homem sábio, genial, sensível aos dramas humanos.
Aqui estão algumas amostras de sua interpretação das coisas da vida.
Sobre a humildade: “Pensamos demasiadamente / Sentimos muito pouco / Necessitamos mais de humildade / Que de máquinas. / Mais de bondade e ternura / Que de inteligência. / Sem isso, / A vida se tornará violenta e / Tudo se perderá.”
Sobre o homem: “Conhecer o homem – esta é a base de todo o sucesso.”
Assunto importante: “O assunto mais importante do mundo pode ser simplificado até ao ponto em que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Isso é – ou deveria ser – a mais elevada forma de arte.”
Sobre a vida: “A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.”
Sobre a felicidade: “Não preciso me drogar para ser um gênio. Não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz.”
Uma proposta de reformulação do ciclo da vida (recentemente um outro cineasta lançou curioso filme em que o personagem, a exemplo do que é colocado linhas abaixo por Chaplin, nasce idoso e vai se tornando mais jovem à medida que o tempo rola): “A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?”
Sobre o relacionamento humano: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.”
Nada é permanente: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Nada é permanente nesse mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas. A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.”
Pecado e virtude: “Creio que o pecado é realmente um mistério tão grande como a virtude.”
Sobre a beleza: “A beleza existe em tudo – tanto no bem como no mal. Mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.”
Homens e máquinas: “”Não sois máquinas! Homens é o que sois!”
Humanidade: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”
O melhor autor: “O tempo é o melhor autor. Sempre encontra um final perfeito. Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre.”
A busca do céu: “Se não consegues entender que o céu deve estar dentro de ti, é inútil buscá-lo acima das nuvens e ao lado das estrelas. Por mais que tenhas errado e erres, para ti haverá sempre esperança, enquanto te envergonhares de teus erros.”
(cantonius1@yahoo.com.br)
Cesar Vanucci *
“Toda grande potência troça dos demais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
As grandes potências são contra a bomba. Dos outros. Possuem estocados artefatos nucleares suficientes para destruir a galáxia inteira. Falam, de vez em quando, até em colocar em órbita permanente no espaço sideral, em caráter naturalmente “preventivo", satélites equipados com suas armas de devastação definitiva. Continuam a desbravar os assustadores domínios bélicos da energia atômica, patrocinando experiências nunca interrompidas, apesar dos propósitos de não beligerância proclamados em exasperante retórica. Viram bicho, vociferam ameaças de fazer estremecer céus e terras quando um país não pertencente ao seu fechadíssimo clube, dá mostras de querer "quebrar a paz e a harmonia mundiais", que elas, as grandes potências, tão bem têm sabido preservar, sabe lá Deus como. Entenda-se como tentativa de ruptura com a paz, tranquilidade e harmonia reinantes neste nosso planeta qualquer iniciativa que leve à construção de uma bomba como aquelas que reduziram a pó as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki. As grandes potências fazem sempre questão, em seu alardeado apego à paz, de deixar consignada sua posição contrária à bomba. Dos outros.
As grandes potências manifestam-se contrárias também às armas bacteriológicas e quaisquer outras armas que provoquem a destruição em massa de vidas e patrimônios. Armas dos outros, bem entendido. No que lhes diz particularmente respeito, têm na conta de um direito de outorga divina o armazenamento, em silos subterrâneos, de milhões de frascos com toda sorte de vírus mortíferos. Tão mortíferos que podem, a umas poucas aplicações na atmosfera, em reservatórios de água, em locais de grande concentração, varrer da face da terra, em curtíssima fração de tempo, toda manifestação de vida humana.
As grandes potências, em passado não muito distante, demonstraram não ser favoráveis à derrubada de aviões clandestinos que eventualmente possam cruzar o espaço aéreo dos territórios nacionais. Dos outros. Fizeram saber, na ocasião, por intermédio de suas chancelarias, que lhes aborreceria imaginar nações emergentes, como (por exemplo) o Brasil, a aporem sua concordância num pacto internacional favorável ao abate de aeronaves que violassem sua soberania. Por conta dessa recomendação das grandes potências, o Brasil (por exemplo) colocou-se, anos a fio, até uma ruptura com o abuso tomada no governo FHC, na condição de impotente espectador diante do fato perturbador de aviões de diferentes procedências, transportando drogas, contrabando, produtos de pirataria ecológica, a singrarem de lado para outro os céus da Amazônia. Onde, aliás, sem permissão oficial, andou circulando, também, algum tempo atrás, todo desenvolto, com “direito” a aterrissagem e tudo mais, sem pedido oficial prévio de pouso, um avião de transporte militar francês conduzindo oficiais de alta patente para negociar resgate de reféns com guerrilheiros colombianos. Depois da intolerável façanha, diante de protesto formal do Itamarati, a chancelaria do “Champs Elysées” formulou pedido de esfarrapada desculpa.
As grandes potências declaram-se sempre, além do mais, contrárias a violentação do meio ambiente. Quando praticada pelos outros. É claro. Costumam recusar-se, na parte que se lhes toca, a botar em prática, mesmo quando as subscrevam, resoluções que forcem seu parque industrial a reduzir a carga de poluentes despejada na atmosfera, causa principal do constante adelgaçamento da camada de ozônio.
As grandes potências são contra ainda os subsídios agrícolas e outras formas de protecionismo mercadológico. Dos outros. No plano doméstico, deitam e rolam com relação aos mesmíssimos procedimentos que, farisaicamente, condenam em ações alheias. Não se enrubescem em adotar, no tocante às ações dos outros, ferozes represálias.
Conclusão a extrair dos fatos. As grandes potências estão contra. Os outros.
Um artista gigantesco
“Precisamos de afeição e doçura.”
(Charles Chaplin)
Charles Chaplin não foi apenas grande, ele foi gigantesco. É o que constata – fico sabendo pela “Wikipédia” – o escritor estadunidense Martins Sieff ao comentar livro que focaliza a vida do criador do imortal Carlitos.
Alçado à categoria dos cineastas do time titular desde o cinema mudo, onde usou e abusou com talento e originalidade dos recursos da mímica na chamada “comédia pastelão”, Chaplin encantou, enterneceu e arrebatou multidões. Alguns dos filmes que produziu e interpretou - caso, por exemplo, de “Luzes da Cidade” - conseguiu mesclar imagens e lirismo num grau de intensidade quase impossível de ser reproduzido em qualquer tipo de entretenimento, por mais criativo e refinado que possa ser.
Sua contribuição ao desenvolvimento do cinema, como produtor, diretor, autor, ator, empresário (ele bancava seus filmes) valeu-lhe prêmios e condecorações que, bem provavelmente, ninguém do ramo, depois dele, jamais conseguiu alcançar. Falecido aos 88 anos, em 1977, tornou-se personagem lendário na história cultural do planeta.
Menos conhecidas de que suas obras cinematográficas, suas citações e registros literários ajudam a compor-lhe o perfil de homem sábio, genial, sensível aos dramas humanos.
Aqui estão algumas amostras de sua interpretação das coisas da vida.
Sobre a humildade: “Pensamos demasiadamente / Sentimos muito pouco / Necessitamos mais de humildade / Que de máquinas. / Mais de bondade e ternura / Que de inteligência. / Sem isso, / A vida se tornará violenta e / Tudo se perderá.”
Sobre o homem: “Conhecer o homem – esta é a base de todo o sucesso.”
Assunto importante: “O assunto mais importante do mundo pode ser simplificado até ao ponto em que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Isso é – ou deveria ser – a mais elevada forma de arte.”
Sobre a vida: “A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.”
Sobre a felicidade: “Não preciso me drogar para ser um gênio. Não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz.”
Uma proposta de reformulação do ciclo da vida (recentemente um outro cineasta lançou curioso filme em que o personagem, a exemplo do que é colocado linhas abaixo por Chaplin, nasce idoso e vai se tornando mais jovem à medida que o tempo rola): “A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?”
Sobre o relacionamento humano: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.”
Nada é permanente: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Nada é permanente nesse mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas. A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.”
Pecado e virtude: “Creio que o pecado é realmente um mistério tão grande como a virtude.”
Sobre a beleza: “A beleza existe em tudo – tanto no bem como no mal. Mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.”
Homens e máquinas: “”Não sois máquinas! Homens é o que sois!”
Humanidade: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”
O melhor autor: “O tempo é o melhor autor. Sempre encontra um final perfeito. Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre.”
A busca do céu: “Se não consegues entender que o céu deve estar dentro de ti, é inútil buscá-lo acima das nuvens e ao lado das estrelas. Por mais que tenhas errado e erres, para ti haverá sempre esperança, enquanto te envergonhares de teus erros.”
(cantonius1@yahoo.com.br)
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Histórias de quadrinhos
Cesar Vanucci *
“Nocivo alimento mental proporcionado
à infância e à juventude.”
(Vivaldo Coaracy, numa critica,
nos anos 50, aos quadrinhos)
Meninos, eu vi. Ninguém me contou. Eu é que vi. Deu-se nos distantes tempos da meninice. A escola primária ficava perto de casa. As sacolas para carregar livro, caderno, lápis, borracha, régua e apontador eram submetidas, dia sim, outro também, a revistas executadas no capricho pelas diligentes ajudantes da secretaria, com seu olhar inquisidor e disposição nada complacente.
Tais revistas colocavam sob dardejante mira – o trocadilho no caso vem pronto – “revistas inconvenientes”. Publicações que adultos cônscios de seus sagrados deveres, guardiões impertérritos dos valores familiares, catalogavam na conta de atentatórias à moral e aos bons costumes. Material vulgar, despojado de mérito literário, subversivo do ponto de vista pedagógico e cultural, na abalizada e inquestionada avaliação da zelosa diretora e conspícuos integrantes do abalizado corpo docente do estabelecimento. Desenhos e textos nocivos que desestimulavam os jovens a desenvolverem o gosto pela leitura, o saudável hábito da frequência aos livros.
Agravando tudo, a opinião inquestionada dos eméritos educadores batia com a de extremosos pais e a de doutos representantes do Juizado de Menores. Os comissários do Juizado, geralmente voluntários, orientados pelo titular da Vara, costumavam, até mesmo, de quando em vez, em sortidas moralizantes, aplaudidas pela comunidade, visitar bancas de venda, com o meritório propósito de impedir o repasse a menores das extravagantes publicações, que tanto mal disseminavam pela aí. Ler ou ter sob posse um gibi era coisa inominável, deletéria, malsã. A restrição severa fazia da “infração” pecado mortal, a ser expungido da consciência pesada dos garotos enredados nos “delitos” com manifestações sinceras de arrependimento, se possível, no confessionário.
Meninos, eu vi. Vi, muitas vezes, escolar pego no flagra com histórias de quadrinhos na sacola a receber exemplar punição pela gravíssima falta cometida. Revistinha apreendida, na sala da diretora, o guri ouvia, cabisbaixo, severa admoestação. Se configurada reincidência, era convidado a estender a mão para receber os impactos doridos da temível palmatória. O castigo podia comportar outra alternativa. Quinhentas ou mil linhas depois das aulas. Uma repetição interminável, no caderno, de frase contendo o solene compromisso de nunca mais incidir no abominável erro.
Rememorando esses lances desconcertantes, relacionados com o absurdo preconceito vigente, muitas décadas atrás, quanto aos quadrinhos, sinto até um certo embaraço em acrescer ao relato feito outra cabulosa revelação, pertinente a ocorrências das quais fui também testemunha, com estes olhos que um dia a terra vai comer (só que, dependendo de minha exclusiva vontade, daqui um tempão). Gibis arrancados das mãos e pastas da petizada devorados por “saneadoras” labaredas no pátio da escola, debaixo de gáudio inquisitorial, para não sobrar dúvida alguma quanto à influência daninha que essa modalidade marginal de comunicação exercia no inocente espírito infantil.
Tão efervescentes relembranças chegam por causa de mais um FIQ. Festival Internacional de Quadrinhos, evento realizado sempre com absoluto sucesso, na capital das Gerais. Reconhecido como o maior evento de quadrinhos da América Latina, com convidados de todas as partes do mundo, contando com o patrocínio da Fundação de Cultura e ilustres parceiros. A programação abrange, a cada versão, exposições, oficinas, palestras, debates, mostras de filmes e, obviamente, enorme e esplêndida feira de quadrinhos. Na realidade, o que se vê e se aplaude nessa iniciativa cultural é uma explosão feérica de talento, criatividade e arte. Uma demonstração exuberante da importância do quadrinho como expressão nobre da cultura popular.
E os contestadores, daqueles tempos, das histórias em quadrinhos, que consideravam o gênero um processo terrorista destinado a abalar os alicerces da cultura e da inteligência humana? E aqueles que viam nos cosmonautas do gibi, singrando o campo azul do céu em suas espaçonaves, atiçando a imaginação infantil e devassando os horizontes insuspeitados do porvir, um símbolo repulsivo de degradação cultural? Será que algum dia qualquer, mais pra frente, tiveram consciência de terem estado presos a fossilizados paradigmas culturais, à uma acanhada percepção dos fenômenos sociais, que impediam compreendessem a extraordinária revolução que se processava debaixo de seu vesgo olhar de censura e desconfiança? Será que entenderam, nalgum momento, que as historietas tão bem boladas de Flash Gordon, para ficar num único exemplo de “herói dos quadrinhos”, tanto quanto os livros de astronomia, ajudaram a escancarar nossa visão para os prodígios da vastidão cósmica? Fizeram desabrochar as potencialidades da mente com relação a achados tecnológicos assombrosos?
As fogueiras acesas com gibis, as machucaduras produzidas pelas palmatórias, as cansativas e exasperantes linhas, as admoestações com toque policialesco não conseguiram, visto está e o FIQ comprova isso, sofrear os avanços humanos, em matéria de interpretação da vida, propostos pelas fascinantes histórias em quadrinhos. Isso aí!
O que querem os Professores
“Grevista é alguém que deixa,
às vezes, de trabalhar para poder trabalhar.”
(Julio Camargo)
Houve considerável esforço, com o prestimoso concurso de boa parte da mídia, em se rotular de “política” a recente greve dos professores da Rede Estadual de Educação.
O movimento, com extensão de quase três meses e repercussões marcantes em todas as áreas da comunidade, agregou compreensivelmente expressivos apoios políticos, em todos os partidos por sinal, mas não foi inequivocamente uma “greve política”, na caracterização depreciativa incorretamente propagada. O que a incalculável multidão composta de profissionais da educação, concentrada diariamente nas imediações do Parlamento Mineiro, cuidou de transmitir às autoridades e à sociedade foi seu justificável inconformismo diante do tratamento injusto que se lhe tem sido dispensado ao longo dos anos em razão de uma política remuneratória que faz questão solene de ignorar direitos elementares e que, arrogantemente, menoscaba até decisões transitadas em julgado. Diante da incompreensível resistência dos setores competentes em se sentarem à mesa para as negociações recomendáveis, à categoria não sobrou outra alternativa senão a da paralisação das aulas, com todas as consequências desagradáveis daí advindas. Ninguém de bom senso ousará por certo classificar de extravagante ou absurda a pretensão dos educadores. O que simplesmente almejam é se verem contemplados com salários que respeitem o piso fixado pela Suprema Corte, ou com estipêndios (vá lá!) equivalentes, pelo menos, aos de outras respeitáveis categorias do serviço público. Soldados da PM em início de carreira, pra ficar num exemplo.
A providencial intervenção de parlamentares, conscientes da extensão e gravidade do problema e da legitimidade das reivindicações trazidas pelos agentes da Educação, recolocou a candente questão nos trilhos certos. Fica-se a esperar agora, com as portas finalmente abertas ao diálogo, instrumento democrático importantíssimo na construção de convergências, infelizmente desprezado a princípio pelo Governo, que se chegue logo, nos entendimentos em curso ao tão almejado desfecho dessa situação. Um desfecho que implicará inapelavelmente, a prevalecerem o bom senso e a consciência social, no reconhecimento das postulações da classe, que outra coisa não significam além de um brado carregado de expectativa e esperança em favor da dignidade profissional.
Estou sendo posto a par, no momento preciso em que estas considerações são encaminhadas à publicação, de uma inesperada contramarcha nas negociações entre as partes. Faço votos para que o impasse seja o mais rapidamente possível contornado, de maneira a ficarem resguardados todos os respeitáveis interesses colocados em jogo nessa momentosa questão.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Cesar Vanucci *
“Nocivo alimento mental proporcionado
à infância e à juventude.”
(Vivaldo Coaracy, numa critica,
nos anos 50, aos quadrinhos)
Meninos, eu vi. Ninguém me contou. Eu é que vi. Deu-se nos distantes tempos da meninice. A escola primária ficava perto de casa. As sacolas para carregar livro, caderno, lápis, borracha, régua e apontador eram submetidas, dia sim, outro também, a revistas executadas no capricho pelas diligentes ajudantes da secretaria, com seu olhar inquisidor e disposição nada complacente.
Tais revistas colocavam sob dardejante mira – o trocadilho no caso vem pronto – “revistas inconvenientes”. Publicações que adultos cônscios de seus sagrados deveres, guardiões impertérritos dos valores familiares, catalogavam na conta de atentatórias à moral e aos bons costumes. Material vulgar, despojado de mérito literário, subversivo do ponto de vista pedagógico e cultural, na abalizada e inquestionada avaliação da zelosa diretora e conspícuos integrantes do abalizado corpo docente do estabelecimento. Desenhos e textos nocivos que desestimulavam os jovens a desenvolverem o gosto pela leitura, o saudável hábito da frequência aos livros.
Agravando tudo, a opinião inquestionada dos eméritos educadores batia com a de extremosos pais e a de doutos representantes do Juizado de Menores. Os comissários do Juizado, geralmente voluntários, orientados pelo titular da Vara, costumavam, até mesmo, de quando em vez, em sortidas moralizantes, aplaudidas pela comunidade, visitar bancas de venda, com o meritório propósito de impedir o repasse a menores das extravagantes publicações, que tanto mal disseminavam pela aí. Ler ou ter sob posse um gibi era coisa inominável, deletéria, malsã. A restrição severa fazia da “infração” pecado mortal, a ser expungido da consciência pesada dos garotos enredados nos “delitos” com manifestações sinceras de arrependimento, se possível, no confessionário.
Meninos, eu vi. Vi, muitas vezes, escolar pego no flagra com histórias de quadrinhos na sacola a receber exemplar punição pela gravíssima falta cometida. Revistinha apreendida, na sala da diretora, o guri ouvia, cabisbaixo, severa admoestação. Se configurada reincidência, era convidado a estender a mão para receber os impactos doridos da temível palmatória. O castigo podia comportar outra alternativa. Quinhentas ou mil linhas depois das aulas. Uma repetição interminável, no caderno, de frase contendo o solene compromisso de nunca mais incidir no abominável erro.
Rememorando esses lances desconcertantes, relacionados com o absurdo preconceito vigente, muitas décadas atrás, quanto aos quadrinhos, sinto até um certo embaraço em acrescer ao relato feito outra cabulosa revelação, pertinente a ocorrências das quais fui também testemunha, com estes olhos que um dia a terra vai comer (só que, dependendo de minha exclusiva vontade, daqui um tempão). Gibis arrancados das mãos e pastas da petizada devorados por “saneadoras” labaredas no pátio da escola, debaixo de gáudio inquisitorial, para não sobrar dúvida alguma quanto à influência daninha que essa modalidade marginal de comunicação exercia no inocente espírito infantil.
Tão efervescentes relembranças chegam por causa de mais um FIQ. Festival Internacional de Quadrinhos, evento realizado sempre com absoluto sucesso, na capital das Gerais. Reconhecido como o maior evento de quadrinhos da América Latina, com convidados de todas as partes do mundo, contando com o patrocínio da Fundação de Cultura e ilustres parceiros. A programação abrange, a cada versão, exposições, oficinas, palestras, debates, mostras de filmes e, obviamente, enorme e esplêndida feira de quadrinhos. Na realidade, o que se vê e se aplaude nessa iniciativa cultural é uma explosão feérica de talento, criatividade e arte. Uma demonstração exuberante da importância do quadrinho como expressão nobre da cultura popular.
E os contestadores, daqueles tempos, das histórias em quadrinhos, que consideravam o gênero um processo terrorista destinado a abalar os alicerces da cultura e da inteligência humana? E aqueles que viam nos cosmonautas do gibi, singrando o campo azul do céu em suas espaçonaves, atiçando a imaginação infantil e devassando os horizontes insuspeitados do porvir, um símbolo repulsivo de degradação cultural? Será que algum dia qualquer, mais pra frente, tiveram consciência de terem estado presos a fossilizados paradigmas culturais, à uma acanhada percepção dos fenômenos sociais, que impediam compreendessem a extraordinária revolução que se processava debaixo de seu vesgo olhar de censura e desconfiança? Será que entenderam, nalgum momento, que as historietas tão bem boladas de Flash Gordon, para ficar num único exemplo de “herói dos quadrinhos”, tanto quanto os livros de astronomia, ajudaram a escancarar nossa visão para os prodígios da vastidão cósmica? Fizeram desabrochar as potencialidades da mente com relação a achados tecnológicos assombrosos?
As fogueiras acesas com gibis, as machucaduras produzidas pelas palmatórias, as cansativas e exasperantes linhas, as admoestações com toque policialesco não conseguiram, visto está e o FIQ comprova isso, sofrear os avanços humanos, em matéria de interpretação da vida, propostos pelas fascinantes histórias em quadrinhos. Isso aí!
O que querem os Professores
“Grevista é alguém que deixa,
às vezes, de trabalhar para poder trabalhar.”
(Julio Camargo)
Houve considerável esforço, com o prestimoso concurso de boa parte da mídia, em se rotular de “política” a recente greve dos professores da Rede Estadual de Educação.
O movimento, com extensão de quase três meses e repercussões marcantes em todas as áreas da comunidade, agregou compreensivelmente expressivos apoios políticos, em todos os partidos por sinal, mas não foi inequivocamente uma “greve política”, na caracterização depreciativa incorretamente propagada. O que a incalculável multidão composta de profissionais da educação, concentrada diariamente nas imediações do Parlamento Mineiro, cuidou de transmitir às autoridades e à sociedade foi seu justificável inconformismo diante do tratamento injusto que se lhe tem sido dispensado ao longo dos anos em razão de uma política remuneratória que faz questão solene de ignorar direitos elementares e que, arrogantemente, menoscaba até decisões transitadas em julgado. Diante da incompreensível resistência dos setores competentes em se sentarem à mesa para as negociações recomendáveis, à categoria não sobrou outra alternativa senão a da paralisação das aulas, com todas as consequências desagradáveis daí advindas. Ninguém de bom senso ousará por certo classificar de extravagante ou absurda a pretensão dos educadores. O que simplesmente almejam é se verem contemplados com salários que respeitem o piso fixado pela Suprema Corte, ou com estipêndios (vá lá!) equivalentes, pelo menos, aos de outras respeitáveis categorias do serviço público. Soldados da PM em início de carreira, pra ficar num exemplo.
A providencial intervenção de parlamentares, conscientes da extensão e gravidade do problema e da legitimidade das reivindicações trazidas pelos agentes da Educação, recolocou a candente questão nos trilhos certos. Fica-se a esperar agora, com as portas finalmente abertas ao diálogo, instrumento democrático importantíssimo na construção de convergências, infelizmente desprezado a princípio pelo Governo, que se chegue logo, nos entendimentos em curso ao tão almejado desfecho dessa situação. Um desfecho que implicará inapelavelmente, a prevalecerem o bom senso e a consciência social, no reconhecimento das postulações da classe, que outra coisa não significam além de um brado carregado de expectativa e esperança em favor da dignidade profissional.
Estou sendo posto a par, no momento preciso em que estas considerações são encaminhadas à publicação, de uma inesperada contramarcha nas negociações entre as partes. Faço votos para que o impasse seja o mais rapidamente possível contornado, de maneira a ficarem resguardados todos os respeitáveis interesses colocados em jogo nessa momentosa questão.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
sábado, 12 de novembro de 2011
O lado místico de Rosa
Cesar Vanucci *
“Mexendo em velhos papéis, encontrei
um texto precioso de Guimarães Rosa...”
(Luiz de Paula Ferreira, escritor)
Guima são muitos. O universo literário rosiano, povoado de pontos cintilantes, parece ser regido pela mecânica cósmica da expansão contínua. Ganha, de tempos em tempos, nova dimensão. Os observadores deparam-se, ao devassar com suas lunetas os horizontes ilimitados da obra do autor de “Sagarana”, com descobertas as mais fascinantes. Nenhuma delas ofusca a outra. Tudo faz parte de um todo harmonioso, que fala das múltiplas e inesgotáveis facetas de um gênio da criação literária. Um intelectual que escalou altitudes himalaianas e soube, como bem poucos, valer-se do recado artístico para atingir, certeiramente, as profundezas da alma humana.
Guimarães Rosa são muitos. E, singularmente, único, sem que se possa vislumbrar na afirmativa qualquer paradoxo. Revela-se único ao ostentar - categorizado mensageiro da boa palavra literária, da palavra que encanta e arrebata - essa profusão de saberes incomuns que tornam tão reluzente o seu legado de idéias.
Há o Guimarães recriador de linguajares de ricas cadências e tinturas. Há o paisagista de um sertão bravio, espantosamente real. Uma faixa de chão de consideráveis proporções dominada por ritmos e critérios peculiares de vida, inalcançáveis na visão utilitarista urbana. Há o retratista portentoso de perfis inesquecíveis. Desenhista de tipos esfuziantes na maneira singela de agarrar as dádivas da vida, projetados das emoções e paixões das multidões anônimas. Há o contador insuplantável de estórias brotadas das vivências simples da gente do povo, com seus ditames éticos rudes que costumam ressoar incompreensíveis em ouvidos eruditos. E há, ainda, o prosador clássico dos achados poéticos inebriantes, das metáforas antológicas e das alegorias eletrizantes. “O alquimista do coração”: é assim que ele é mostrado em livro do escritor mineiro José Maria Martins. Sua literatura, segundo ainda o escritor citado, é levada a extremos de sutileza e inovação, ampliada “a recantos do mar da existência nunca d’antes explorados”, já que ele “tinha a capacidade de transpor a fronteira que separa o universo das manifestações temporais daquele da casualidade profunda”.
E eis que, agora, de repente, nas imediações dos 55 anos do lançamento de “Grande Sertão, Veredas”, desponta um Guimarães Rosa de insuspeitados (e confessos) envolvimentos com as manifestações mágicas, de certo modo inextricáveis, da paranormalidade. A intrigante revelação chega por intermédio de um respeitado intelectual, com apreciável contribuição à causa da cultura. O meu dileto amigo, Luiz de Paula Ferreira, escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas, figura de relevo na cena empresarial. A carta que me envia diz tudo: “Prezado Cesar, Mexendo em velhos papéis, encontrei um texto precioso de Guimarães Rosa, publicado há quase 40 anos no “Estado de Minas”, citando fenômenos paranormais presentes na vasta produção literária que lhe valeu merecidamente ser incluído na relação dos 100 maiores escritores de todos os tempos. Conhecendo seu gosto pelo estudo de fenômenos dessa natureza, estou anexando o texto que é muito rico e merece ser avaliado e divulgado em suas crônicas. Referindo-se ao “Grande Sertão, Veredas”, ele diz: “Quanto ao “Grande Sertão, Veredas”, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido por forças ou correntes muito estranhas.” Do amigo, Luiz de Paula Ferreira”.
No artigo em questão, Guimarães solta o coração para confissões que abrem instigantes perspectivas na avaliação de sua fabulosa obra. Comenta seus “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.” Um texto preciosissimo que deixa evidenciados, em boa interpretação parapsicológica, os dons paranormais de que o escritor era, indiscutivelmente, possuidor. Na sequência, a reprodução desse escrito surpreendente.
A confissão de Guimarães
“Sua obra suscita mais tentativas de decifração
do que a de qualquer outro escritor.”
(Paulo Rónai)
Conforme já contado, Guimarães Rosa confessou, 40 anos atrás, em artigo no “Estado de Minas”, reavivado pelo escritor Luiz de Paula Ferreira, seu entranhado envolvimento com fenômenos ligados às percepções extra-sensoriais. Do instigante texto ressalta claro que sua obra literária – obra que “suscita mais tentativas de decifração do que a de qualquer outro escritor”, segundo Paulo Rónai – foi marcada, desde sempre, por intuições e impulsos mágicos, de nítida configuração parapsicológica, inexplicáveis à luz do conhecimento consolidado.
Mas já é tempo de satisfazer a curiosidade do leitor, a respeito da confissão do autor de “Tutaméia”, falando de seus dons paranormais. O artigo tem por título “Vida – arte – e mais?”.
“Tenho de segredar que – embora por formação ou índole oponha escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em principio rechace a experimentação metapsiquica – minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. Sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos. Dadas vezes, a chance de topar, sem busca, pessoas, coisas e informações urgentemente necessárias.
No plano da arte e criação – já de si em boa parte suplinar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza – decerto se propõem mais essas manifestações. Talvez seja correto eu confessar como tem sido que as estórias que apanho diferem entre si no modo de surgir. À Buriti (Noites do sertão), por exemplo, quase inteira, “assisti”, em 1948, num sonho duas noites repetido. Conversa de Bois (Sagarana), recebi-a, em amanhecer de sábado, substuindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerara como definitiva ao ir dormir na sexta. A Terceira Margem do Rio (Primeiras estórias) veio-me, na rua, em inspiração pronta e brusca, tão “de fora”, que instintivamente levantei as mãos para “pegá-la”, como se fosse uma bola vindo ao gol e eu o goleiro. Campo Geral (Miguilim e Manuelzão) foi caindo já feita no papel, quando eu brincava com a máquina, por preguiça e receio de começar de fato um conto, para o qual só soubesse um menino morador à borda da mata e duas ou três caçadas de tamanduás e tatus; entretanto, logo me moveu e apertou, e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e ligação de suas partes. O tema de O Recado do Morro (No Urubuquá, no Pinhém) se formou aos poucos, em 1950, no estrangeiro, avançado somente quando a saudade me obrigava, talvez também sob razoável ação do vinho ou do conhaque. Quanto ao Grande Sertão: Veredas, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas.
Aqui, porém, o caso é um romance, que faz anos comecei e interrompi. (Seu título: A Fazedora de Velas). Decorreria, em fins do século passado, em antiga cidade de Minas Gerais, e para ele fora já ajuntada e meditada à massa de elementos, o teor curtido na idéia, riscado o enredo em gráfico. Ia ter principalmente, cenário interno, num sobrado, do qual – inventado fazendo realidade – cheguei a conhecer todo canto e palmo. Contava-se na primeira pessoa, por um solitário, sofrido, vivido, ensinado. Mas foi acontecendo que a exposição se aprofundasse, triste, contra meu entusiasmo. A personagem, ainda enferma, falava de uma sua doença grave. Inconjurável, quase cósmica, ia-se essa tristeza passando para mim, me permeava. Tirei-me, de sério medo. Larguei essa ficção de lado. O que do livro havia, e o que se referia, trouxou-se em gaveta. Mas as coisas impalpáveis andavam já em movimento. Daí a meses, ano-e-meio, ano – adoeci, e a doença imitava, ponto por ponto, a do Narrador! Então? Más coincidências destas calam-se com cuidado, em claro não se comentam. Outro tempo após, tive de ir, por acaso, a uma casa – onde a sala seria, sem toque ou retoque, a do romanceado sobrado, que da imaginação eu tirara, e decorara, visualizado frequentando-o por oficio. Sei quais foram, céus, meu choque e susto. Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”
Acontecências paranormais
“Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”
(Guimarães Rosa, em artigo escrito há mais de 40 anos)
Restou cabalmente provada, no depoimento do próprio autor, a incomum capacidade de Guimarães Rosa de poder atingir, com prodigiosa frequência, latitudes superiores na captação das energias sutis que compõem este nosso universo povoado de inexplicabilidades. Energias essas ainda indecifráveis do ponto de vista do conhecimento científico consolidado.
Depois de anotar que, por formação ou índole costumava opor “escrúpulo crítico a fenômenos paranormais”, o escritor viu-se obrigado a reconhecer que sua vida, sempre e desde cedo, “se teceu de sutil gênero de fatos.” E que fatos tão singulares, “entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza”, são mesmo esses, afinal de contas? A resposta chega de imprevisto, fulminante, de forma a esmorecer costumeiras dúvidas suscitadas pela proverbial dificuldade humana em avaliar situações consideradas fantásticas, misteriosas ou enigmáticas: “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.”
Foi, por exemplo, num sonho premonitório, “duas noites repetido”, que a estória de “Buriti”, constante de “Noites do Sertão”, tomou forma em 1948. É o que atesta, com franqueza e sem rebuços, o autor de “Tutaméia”. Os estudiosos dos fenômenos abarcados pela Parapsicologia não hesitarão em apontar, nessa revelação, a faculdade de precognição entre os dons singulares do escritor. E qual classificação atribuir ao relato de Guimarães concernente a “Conversa de bois”, do enredo de “Sagarana”? “(...) Recebi-a, em amanhecer de sábado, substituindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerava como definitiva ao ir dormir na sexta”, sublinha o autor. O ato de haver “recebido” dá o que pensar. Esse mesmo processo intrigante de “recepção”, dir-se-á (à falta de definição melhor) mágica, ocorre em muitos outros momentos da fecunda trajetória literária de Guimarães, segundo informações dele próprio. É assim em “A terceira margem do rio” (“Primeiras estórias”). Assim, igualmente, em “Campo Geral”. (“Miguelim e Manuelzão”). Uma das estórias brotou na rua, “em inspiração pronta e brusca”, vinda “de fora”. A outra “foi caindo já feita no papel” (...) “e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e a ligação de suas partes”. Será que a hipótese da “escrita automática”, também conhecida por psicografia, pode ser encaixada como tentativa de explicação? Ou o que aconteceu guardará sinais de similitude, de alguma maneira, com um “esclarecimento” que me foi passado, de certa feita, pelo consagrado autor espanhol J.J.Benitez? Perguntei-lhe em quais fontes se inspirara para o impressionante relato sobre a vida de Cristo que compõe a saga “Operação Cavalo de Tróia.” Pelo que deduzi da resposta, tudo provinha de um manancial de conhecimentos existente num plano superior. As informações teriam sido obtidas por percepção extra-sensorial, um tipo de “canalização” ainda não devidamente codificado. Guimarães Rosa parece querer dizer coisa parecida em seu artigo, quando fala de “Grande Sertão, Veredas”: “(...) forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi (o livro) ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas”.
A precognição ganha sentido, mais uma vez, no caso de um outro romance que “faz anos, comecei e interrompi” (“A fazedora de velas”). A doença que veio a acometer o escritor, bem como a visualização antecipada que teve do interior de uma casa visitada, anos depois, “por acaso”, que haviam sido projetadas no romance, causando-lhe “choque e susto”, são elementos a mais a considerar na análise das fantásticas situações, de características iniludivelmente paranormais, vividas pelo genial Guimarães Rosa.
Não há como negar: as intrigantes revelações acerca da paranormalidade do escritor, ouvidas de sua própria boca, reclamam atenções maiores dos estudiosos de sua fabulosa obra.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Cesar Vanucci *
“Mexendo em velhos papéis, encontrei
um texto precioso de Guimarães Rosa...”
(Luiz de Paula Ferreira, escritor)
Guima são muitos. O universo literário rosiano, povoado de pontos cintilantes, parece ser regido pela mecânica cósmica da expansão contínua. Ganha, de tempos em tempos, nova dimensão. Os observadores deparam-se, ao devassar com suas lunetas os horizontes ilimitados da obra do autor de “Sagarana”, com descobertas as mais fascinantes. Nenhuma delas ofusca a outra. Tudo faz parte de um todo harmonioso, que fala das múltiplas e inesgotáveis facetas de um gênio da criação literária. Um intelectual que escalou altitudes himalaianas e soube, como bem poucos, valer-se do recado artístico para atingir, certeiramente, as profundezas da alma humana.
Guimarães Rosa são muitos. E, singularmente, único, sem que se possa vislumbrar na afirmativa qualquer paradoxo. Revela-se único ao ostentar - categorizado mensageiro da boa palavra literária, da palavra que encanta e arrebata - essa profusão de saberes incomuns que tornam tão reluzente o seu legado de idéias.
Há o Guimarães recriador de linguajares de ricas cadências e tinturas. Há o paisagista de um sertão bravio, espantosamente real. Uma faixa de chão de consideráveis proporções dominada por ritmos e critérios peculiares de vida, inalcançáveis na visão utilitarista urbana. Há o retratista portentoso de perfis inesquecíveis. Desenhista de tipos esfuziantes na maneira singela de agarrar as dádivas da vida, projetados das emoções e paixões das multidões anônimas. Há o contador insuplantável de estórias brotadas das vivências simples da gente do povo, com seus ditames éticos rudes que costumam ressoar incompreensíveis em ouvidos eruditos. E há, ainda, o prosador clássico dos achados poéticos inebriantes, das metáforas antológicas e das alegorias eletrizantes. “O alquimista do coração”: é assim que ele é mostrado em livro do escritor mineiro José Maria Martins. Sua literatura, segundo ainda o escritor citado, é levada a extremos de sutileza e inovação, ampliada “a recantos do mar da existência nunca d’antes explorados”, já que ele “tinha a capacidade de transpor a fronteira que separa o universo das manifestações temporais daquele da casualidade profunda”.
E eis que, agora, de repente, nas imediações dos 55 anos do lançamento de “Grande Sertão, Veredas”, desponta um Guimarães Rosa de insuspeitados (e confessos) envolvimentos com as manifestações mágicas, de certo modo inextricáveis, da paranormalidade. A intrigante revelação chega por intermédio de um respeitado intelectual, com apreciável contribuição à causa da cultura. O meu dileto amigo, Luiz de Paula Ferreira, escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas, figura de relevo na cena empresarial. A carta que me envia diz tudo: “Prezado Cesar, Mexendo em velhos papéis, encontrei um texto precioso de Guimarães Rosa, publicado há quase 40 anos no “Estado de Minas”, citando fenômenos paranormais presentes na vasta produção literária que lhe valeu merecidamente ser incluído na relação dos 100 maiores escritores de todos os tempos. Conhecendo seu gosto pelo estudo de fenômenos dessa natureza, estou anexando o texto que é muito rico e merece ser avaliado e divulgado em suas crônicas. Referindo-se ao “Grande Sertão, Veredas”, ele diz: “Quanto ao “Grande Sertão, Veredas”, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido por forças ou correntes muito estranhas.” Do amigo, Luiz de Paula Ferreira”.
No artigo em questão, Guimarães solta o coração para confissões que abrem instigantes perspectivas na avaliação de sua fabulosa obra. Comenta seus “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.” Um texto preciosissimo que deixa evidenciados, em boa interpretação parapsicológica, os dons paranormais de que o escritor era, indiscutivelmente, possuidor. Na sequência, a reprodução desse escrito surpreendente.
A confissão de Guimarães
“Sua obra suscita mais tentativas de decifração
do que a de qualquer outro escritor.”
(Paulo Rónai)
Conforme já contado, Guimarães Rosa confessou, 40 anos atrás, em artigo no “Estado de Minas”, reavivado pelo escritor Luiz de Paula Ferreira, seu entranhado envolvimento com fenômenos ligados às percepções extra-sensoriais. Do instigante texto ressalta claro que sua obra literária – obra que “suscita mais tentativas de decifração do que a de qualquer outro escritor”, segundo Paulo Rónai – foi marcada, desde sempre, por intuições e impulsos mágicos, de nítida configuração parapsicológica, inexplicáveis à luz do conhecimento consolidado.
Mas já é tempo de satisfazer a curiosidade do leitor, a respeito da confissão do autor de “Tutaméia”, falando de seus dons paranormais. O artigo tem por título “Vida – arte – e mais?”.
“Tenho de segredar que – embora por formação ou índole oponha escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em principio rechace a experimentação metapsiquica – minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. Sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos. Dadas vezes, a chance de topar, sem busca, pessoas, coisas e informações urgentemente necessárias.
No plano da arte e criação – já de si em boa parte suplinar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza – decerto se propõem mais essas manifestações. Talvez seja correto eu confessar como tem sido que as estórias que apanho diferem entre si no modo de surgir. À Buriti (Noites do sertão), por exemplo, quase inteira, “assisti”, em 1948, num sonho duas noites repetido. Conversa de Bois (Sagarana), recebi-a, em amanhecer de sábado, substuindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerara como definitiva ao ir dormir na sexta. A Terceira Margem do Rio (Primeiras estórias) veio-me, na rua, em inspiração pronta e brusca, tão “de fora”, que instintivamente levantei as mãos para “pegá-la”, como se fosse uma bola vindo ao gol e eu o goleiro. Campo Geral (Miguilim e Manuelzão) foi caindo já feita no papel, quando eu brincava com a máquina, por preguiça e receio de começar de fato um conto, para o qual só soubesse um menino morador à borda da mata e duas ou três caçadas de tamanduás e tatus; entretanto, logo me moveu e apertou, e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e ligação de suas partes. O tema de O Recado do Morro (No Urubuquá, no Pinhém) se formou aos poucos, em 1950, no estrangeiro, avançado somente quando a saudade me obrigava, talvez também sob razoável ação do vinho ou do conhaque. Quanto ao Grande Sertão: Veredas, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas.
Aqui, porém, o caso é um romance, que faz anos comecei e interrompi. (Seu título: A Fazedora de Velas). Decorreria, em fins do século passado, em antiga cidade de Minas Gerais, e para ele fora já ajuntada e meditada à massa de elementos, o teor curtido na idéia, riscado o enredo em gráfico. Ia ter principalmente, cenário interno, num sobrado, do qual – inventado fazendo realidade – cheguei a conhecer todo canto e palmo. Contava-se na primeira pessoa, por um solitário, sofrido, vivido, ensinado. Mas foi acontecendo que a exposição se aprofundasse, triste, contra meu entusiasmo. A personagem, ainda enferma, falava de uma sua doença grave. Inconjurável, quase cósmica, ia-se essa tristeza passando para mim, me permeava. Tirei-me, de sério medo. Larguei essa ficção de lado. O que do livro havia, e o que se referia, trouxou-se em gaveta. Mas as coisas impalpáveis andavam já em movimento. Daí a meses, ano-e-meio, ano – adoeci, e a doença imitava, ponto por ponto, a do Narrador! Então? Más coincidências destas calam-se com cuidado, em claro não se comentam. Outro tempo após, tive de ir, por acaso, a uma casa – onde a sala seria, sem toque ou retoque, a do romanceado sobrado, que da imaginação eu tirara, e decorara, visualizado frequentando-o por oficio. Sei quais foram, céus, meu choque e susto. Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”
Acontecências paranormais
“Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”
(Guimarães Rosa, em artigo escrito há mais de 40 anos)
Restou cabalmente provada, no depoimento do próprio autor, a incomum capacidade de Guimarães Rosa de poder atingir, com prodigiosa frequência, latitudes superiores na captação das energias sutis que compõem este nosso universo povoado de inexplicabilidades. Energias essas ainda indecifráveis do ponto de vista do conhecimento científico consolidado.
Depois de anotar que, por formação ou índole costumava opor “escrúpulo crítico a fenômenos paranormais”, o escritor viu-se obrigado a reconhecer que sua vida, sempre e desde cedo, “se teceu de sutil gênero de fatos.” E que fatos tão singulares, “entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza”, são mesmo esses, afinal de contas? A resposta chega de imprevisto, fulminante, de forma a esmorecer costumeiras dúvidas suscitadas pela proverbial dificuldade humana em avaliar situações consideradas fantásticas, misteriosas ou enigmáticas: “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.”
Foi, por exemplo, num sonho premonitório, “duas noites repetido”, que a estória de “Buriti”, constante de “Noites do Sertão”, tomou forma em 1948. É o que atesta, com franqueza e sem rebuços, o autor de “Tutaméia”. Os estudiosos dos fenômenos abarcados pela Parapsicologia não hesitarão em apontar, nessa revelação, a faculdade de precognição entre os dons singulares do escritor. E qual classificação atribuir ao relato de Guimarães concernente a “Conversa de bois”, do enredo de “Sagarana”? “(...) Recebi-a, em amanhecer de sábado, substituindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerava como definitiva ao ir dormir na sexta”, sublinha o autor. O ato de haver “recebido” dá o que pensar. Esse mesmo processo intrigante de “recepção”, dir-se-á (à falta de definição melhor) mágica, ocorre em muitos outros momentos da fecunda trajetória literária de Guimarães, segundo informações dele próprio. É assim em “A terceira margem do rio” (“Primeiras estórias”). Assim, igualmente, em “Campo Geral”. (“Miguelim e Manuelzão”). Uma das estórias brotou na rua, “em inspiração pronta e brusca”, vinda “de fora”. A outra “foi caindo já feita no papel” (...) “e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e a ligação de suas partes”. Será que a hipótese da “escrita automática”, também conhecida por psicografia, pode ser encaixada como tentativa de explicação? Ou o que aconteceu guardará sinais de similitude, de alguma maneira, com um “esclarecimento” que me foi passado, de certa feita, pelo consagrado autor espanhol J.J.Benitez? Perguntei-lhe em quais fontes se inspirara para o impressionante relato sobre a vida de Cristo que compõe a saga “Operação Cavalo de Tróia.” Pelo que deduzi da resposta, tudo provinha de um manancial de conhecimentos existente num plano superior. As informações teriam sido obtidas por percepção extra-sensorial, um tipo de “canalização” ainda não devidamente codificado. Guimarães Rosa parece querer dizer coisa parecida em seu artigo, quando fala de “Grande Sertão, Veredas”: “(...) forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi (o livro) ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas”.
A precognição ganha sentido, mais uma vez, no caso de um outro romance que “faz anos, comecei e interrompi” (“A fazedora de velas”). A doença que veio a acometer o escritor, bem como a visualização antecipada que teve do interior de uma casa visitada, anos depois, “por acaso”, que haviam sido projetadas no romance, causando-lhe “choque e susto”, são elementos a mais a considerar na análise das fantásticas situações, de características iniludivelmente paranormais, vividas pelo genial Guimarães Rosa.
Não há como negar: as intrigantes revelações acerca da paranormalidade do escritor, ouvidas de sua própria boca, reclamam atenções maiores dos estudiosos de sua fabulosa obra.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
A Assembléia e a Dívida
Cesar Vanucci *
“Em 1998, a dívida do Estado era de 18 bilhões.
Agora é superior a 64 bilhões.”
(Revelação do SindFisco)
Assumindo posição vanguardeira face à incandescente questão da dívida pública mineira, a Assembléia Legislativa do Estado implantou a “Frente Parlamentar em Defesa da Renegociação da Dívida Pública do Estado de Minas Gerais.”
Esse bloco pluripartidário, iniciativa dos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, nasce da imperiosa necessidade de se descobrir, por meio de debate amplo, em termos de cristalina transparência democrática, alternativas para a quitação dos débitos contraídos pelo Estado, de forma que se mostre financeiramente viável aos cofres públicos estaduais e sem molestar, ao mesmo tempo, as contas da União. O levantamento dos números da dívida mineira pegou todo mundo de surpresa. Afinal de contas, a realidade estampada de repente desmoronou a história, intensamente alardeada, do chamado “déficit zero”.
No lugar do “déficit zero” o que despontou nos registros contábeis, por força de diligente trabalho de auditoria, foi um déficit astronômico, estimado entre 67 bilhões e 70 bilhões de reais. Dinheiro para encardir, como se costumava dizer noutros tempos. A dívida, que só vem fazendo crescer em consequência de perversa acumulação de juros e correção, carece ser paga. Mas, na opinião de especialistas na matéria, não há como fazê-lo sem produzir um impacto com feição de tsunami social. Sem arcar com pesadíssimos ônus, a médio e longo prazos, em detrimento – ta claro - de respeitável interesse público. A renegociação desenha-se inevitável.
Faz-se oportuno, nesta hora, recompor a história dessa dívida pra entender como as coisas foram se processando até que os números conseguissem galgar a altitude himalaiana inimaginável das apreensões gerais. Em 1998 (governo Eduardo Azeredo), quando totalizava R$ 18,5 bilhões, a dívida de Minas foi objeto de negociação com o governo federal (FHC). Proclamou-se, na ocasião, em verso e prosa, que o pacto firmado havia sido bastante satisfatório. Não foi bem assim. Mais de uma década transcorrida, Minas já despendeu a bagatela de R$ 40,12 bilhões (valores corrigidos) em pagamentos aos credores. Nada obstante, continua devendo mais, muito mais mesmo do que já pagou.
Mas, porque cargas d’água, a dívida, pretensamente tão bem negociada, cresceu desse modo assustador? Ela foi – e isso provocou o surgimento da Frente Parlamentar – negociada com base na Tabela Price: juros de 7,5% ao ano, com correção, mais IGP-DI, um dos maiores índices de cálculo da inflação no país – ressalte-se -, com a fixação de um limite de comprometimento de até 13% da Receita Líquida Real, pelo prazo de 30 anos.
Pela Tabela Price, o devedor inicialmente paga mais juros, ao mesmo tempo que vai amortecendo parcelas menores do montante. Do meio do contrato em frente, os juros diminuem à medida que o saldo devedor vai sendo reduzido.
Mas veja, agora, a situação nua e crua vivida pelo Estado no tocante ao assunto. Os gastos onerosos com o pagamento da dívida não têm sido suficientes para cobrir sequer os juros. Via de consequência, o volume do débito não parou de crescer entre 1998, quando se fechou a negociação, e 2009. Crescimento – pasmem - de “apenasmente” 205 por cento.
Pelo refinanciamento feito, o Governo Federal estipulou pesadas obrigações quanto a metas e compromissos. Fixou parâmetros pra tudo: dívida em relação à Receita Líquida Real (RLR), resultado primário, despesa com o funcionalismo público, arrecadação com receita própria, privatizações, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial, aumento nas despesas de investimento em RLR. Minas Gerais viu-se forçada, com tamanha carga de imposições, a aplicar, anualmente, em juros e amortização, algo por volta de R$ 3 bilhões. Cifra equivalente a quase um orçamento inteiro da Saúde Pública. Enquanto isso - repita-se -, a dívida pública só cresceu.
Não bastassem todos esses perturbadores elementos, defronta-se o Estado, ainda, como devedor, com a obrigação de se enquadrar rigorosamente nas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, posta para vigir no governo Fernando Henrique. Essas regras definem o bloqueio das receitas dos Governos Estaduais que se revelem inadimplentes no que concerne à quitação no prazo exato dos valores acordados.
A encrenca, percebe-se por tão copiosos registros, é colossal. A renegociação da dívida assume características dramáticas. Virou, por assim dizer, questão de vida ou de morte. O problema suscitado – não há como deixar de reconhecer - é de suprema magnitude. A busca empenhada de soluções passa por uma discussão ampla, geral e irrestrita. Pede reflexão e estudos de todos os setores engajados em políticas públicas e empreitadas voltadas para o desenvolvimento econômico e social.
A Assembléia Legislativa de Minas age com bom senso ao colocar em sua febricitante agenda tema tão momentoso e relevante.
Renegociação inevitável
“A proposta de renegociação da dívida, feita pelo Parlamento
mineiro, passa a ser, agora, uma bandeira de todos nós.”
(Antônio M. Bernardes, leitor)
Por onde circulo, constato que a reação das pessoas diante da inesperada revelação acerca da dívida pública mineira é de completo aturdimento. Não poucos cidadãos, alcançados em cheio pela retórica marqueteira do “déficit zero”, chegam até a expressar dúvidas quanto a legitimidade da informação.
Mas, falando francamente, não há mais como ignorar a linguagem nua e crua dos números. A dívida do Estado, que era da ordem de 18 bilhões de reais em 1998, oscila hoje entre 64 bilhões e 70 bilhões. Isto vem devidamente enunciado nos trabalhos feitos pelos qualificados especialistas em matéria fiscal e auditagem que embasaram a decisão vanguardeira da Assembléia Legislativa de Minas – vanguardeira em termos brasileiros - de trazer a debate público a conveniência de se renegociar o acordo firmado, no mencionado ano (governos Eduardo Azeredo e Fernando Henrique Cardoso), envolvendo o pagamento da dívida mineira com a União.
Como acentuado na justificativa da proposta de constituição da Frente Parlamentar multipartidária para a Renegociação da Dívida Mineira, encabeçada pelos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, integrada por 51 parlamentares e aprovada pelo presidente da Casa, deputado Dinis Pinheiro, Minas Gerais já despendeu, no serviço da dívida, 44 bilhões em valores corrigidos, sem conseguir reduzí-la um ceitil que seja. Em 2010, a assim chamada dívida contratual pulou para 64 bilhões, ficando em termos gerais assim composta: dívida interna, compromisso assumido pelo Estado com a União, 61.4 bi; dívida externa, 3.7 bi. O total apurado abarca dívida com a Cemig, estatal mineira, da ordem de 5 bilhões. As explicações fornecidas a propósito do débito (também sempre ascendente, ao que se revela) com a Cemig, assinalam que, na época de implantação do Plano Real, foi criada uma conta contábil, a Conta de Resultados a Compensar (CRC), gerada a partir das insuficiências tarifárias das concessionárias de energia elétrica, em razão da circunstância de que, até 1993, era garantida às empresas uma remuneração legal mínima de 10% ao ano. As tarifas eram definidas a partir do custo de serviço da concessão, mas, até essa ocasião, foram usadas pelo Governo Federal como instrumento para conter a inflação. Com isso, as empresas de energia não conseguiam atingir a rentabilidade mínima e o Governo Federal passou a gerar créditos para as concessionárias na CRC (Conta de Resultados a Compensar). A União arcava com a diferença entre o que deveria ser cobrado e a tarifa que era efetivamente praticada pelas empresas de energia, de modo que estas não apresentassem déficit.
Em 1994, o Governo Federal autorizou a utilização desses créditos de CRC para liquidar pendências das concessionárias com entidades do próprio Governo Federal e outras empresas do setor. A Cemig, no entanto, não utilizou a totalidade desses créditos de CRC no encontro de contas permitido pela Lei 8727, de 1993, passando a contar com expressivo saldo positivo. Em 1995, quando renegociou sua dívida com a União, o Governo de Minas usou os créditos de CRC que a Cemig possuia, cedidos ao Estado por meio de um contrato de cessão de créditos, a fim de quitar parte da dívida de Minas. Foi desta forma que o Estado tornou-se devedor da estatal de energia.
A negociação de 1998 - alvo de severas críticas, como se recorda, do governador Itamar Franco - estabeleceu o oneroso IGP-DI como índice de correção, fixando também em 7.5% o juro a ser pago. Não deixa de ser intrigante o fato de que, noutros Estados, onde ocorreram à mesma época negociações do gênero, o valor acertado no tocante ao juro tenha sido menor: 6%.
A dramática situação posta à apreciação do Governo, classe política e sociedade conduz uma certeza: nos termos vigentes, a dívida é impagável. Compromete irremediavelmente o futuro de Minas.
A renegociação, como pretende o Parlamento de Minas, se faz assim inevitável. A alteração do indexador de correção, a redução do índice de juro são medidas obviamente cogitáveis. Mas não se pode deixar de pensar também no recálculo da dívida, no conhecimento cristalino e transparente da natureza dos débitos.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Seguem-se, para conhecimento do leitor, o prefácio (Olavo Machado Junior, presidente da Fiemg) e a introdução do livro (Cesar Vanucci).
Prefácio
Zé Alencar, um grande brasileiro
Olavo Machado
Presidente da Federação das Indústrias
do Estado de Minas Gerais - FIEMG
Um dia, alguém perguntou ao Zé Alencar: – De onde o senhor é, onde é a sua terra? Com o seu jeitão despachado e bem humorado, ele respondeu: – Tenho muitas. Nasci em uma cidade, trabalhei em várias, casei em outra... Minhas terras são muitas.
É verdade, e tudo começou em um pequeno povoado de nome Itamuri, no município de Muriaé, na Zona da Mata Mineira, onde o nosso Zé nasceu. Aos sete anos, já ajudava o pai, na loja. Aos 15, deixou a casa
dos pais para trabalhar como balconista em Muriaé. Aos 17 ainda era balconista, mas noutra cidade, Caratinga. Aos 18, com 15 contos de réis emprestados pelo irmão mais velho, Geraldo – história que ele nunca se cansava de contar - e emancipado pelo pai, já era dono de loja - A Queimadeira -, uma campeã de preços baixos, em Caratinga.
De lá para cá, Zé Alencar não parou de fazer o que mais sabia – empreender, empreender e empreender sempre, como cidadão, empresário e líder político.
Como empresário, depois de começar como pequeno lojista criou e fez crescer a Coteminas, transformando-a, em poucos anos, em líder de um dos maiores grupos têxteis do Brasil e do mundo. Na política, sem nenhuma experiência e militância anteriores, chegou ao Senado e, em seguida, à Presidência da República – Zé Alencar foi o vice que por mais vezes e por mais tempo presidiu o País.
Nos últimos anos de sua vida, atacado por um câncer insidioso, lutou bravamente, com a altivez que sempre o caracterizou, doando-se como exemplo aos brasileiros, como fez, por exemplo, ao recomendar cuidados preventivos com a saúde e ao recomendar ao então ministro da Saúde, José Carlos Temporão, a instalação de equipamentos apropriados na rede do SUS. É a história deste homem corajoso, múltiplo e singular a um só tempo, que se conta em “José Alencar – Missão Cumprida”, de Cesar Vanucci.
Tive o privilégio de conviver e aprender muito com o “doutor Alencar”, especialmente na FIEMG, onde nos encontramos no começo dos anos 80. Como o leitor verá nas páginas de Missão Cumprida, na Casa da Indústria ele construiu uma grande obra, levando o SESI e o SENAI para as diversas regiões de Minas. Na vida política, foi, sempre, uma voz elevada na defesa da indústria nacional. Discreto, desempenhou missão de reconhecido protagonismo na última década do século 20 e na primeira do século 21.
Como os grandes homens, Zé Alencar era movido por sonhos e, do maior deles, tomei conhecimento em uma história contada por ele mesmo, entremeada por deliciosas gargalhadas: “Ainda vou ver o Brasil ter uma moeda estável. Irei a Paris, pedirei um Borgonha de boa safra e pagarei com o nosso Real. Terei o prazer de ouvir o garçom pedir desculpa, lamentar não ter uma moeda tão forte quanto a nossa e perguntar se poderia me dar o troco em dólar ou em franco”. Este sonho, Zé Alencar ajudou a tornar realidade.
Zé Alencar foi, sim, um homem de muitas terras e de muitas atividades. No entanto, umas e outras sempre convergiram para traduzir o que, de fato, ele foi: um grande brasileiro, dedicado e apaixonado pelo seu País. É assim que me lembro do Zé Alencar. É assim que reverencio sua memória.
Introdução
Missão cumprida
Cesar Vanucci
“Até a morte, tudo é vida.”
(Cervantes, “Dom Quixote”)
A vida humana é finita. Um tremeluzir de relâmpago na vastidão da eternidade. A gente principia a morrer quando nasce. Começa a arrumar a mochila da partida na própria hora da chegada. Richard Bach explica magistralmente o indesvendável e excitante mistério da aventura humana quando registra existir um jeito muito simples de saber se está cumprida a missão de alguém: se está vivo, não está.
No caso de José Alencar Gomes da Silva – o Vice-Presidente que nos conquistou com copiosos exemplos de apreço à causa pública e que nos emocionou com a bravura indômita demonstrada em atos inequívocos de seu dia a dia, mostrando-nos que a vida é um dom precioso a ser desfrutado e preservado – a missão foi cumprida. Esplendidamente cumprida.
É disso que se procura dar notícia no material de leitura da sequência.
Estão aqui enfeixados comentários que lancei, logo após a partida do grande brasileiro, em jornais e blogs, com os quais colaboro, com destaque especial para o “Diário do Comércio”, de Belo Horizonte, e artigos, também de minha autoria, divulgados em momentos anteriores à sua morte.
O livro abre espaço para manifestações de outros amigos e olaboradores do querido personagem. Rememora, ainda, momentos em que Lula e Alencar se enxergaram parceiros de épica empreitada. A empreitada
Que conduziu, numa proeza sem precedentes, dois representantes
da imensa legião dos Silvas brasileiros, ambos de origem humilde, desprovidos do verniz doutoral universitário, mas laureados nas ásperas refregas da escola da vida, por dois mandatos consecutivos, ao supremo comando da República. Mandatos esses transcorridos num período de
realizações incomparáveis que atraíram as atenções e a admiração do mundo inteiro para o esforço irrefreável de nosso povo na conquista do futuro.
A leitura destas páginas concorrerá, de algum modo, para que o leitor, inteirando-se de mais informações a respeito da obra de Alencar em sua peregrinação pela pátria terrena, conclua como ele certamente o fez, louvado em Cervantes (por sinal, autor de sua especial predileção), que “até a morte, tudo é vida.”
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Paralisação dos médicos (1)
Cesar Vanucci *
“O incremento financeiro dos Planos de Saúde foi de 129 por cento.”
(Informação do comando de greve)
A paralisação, já por duas vezes, em caráter de advertência, nos serviços de atendimento do assim denominado Sistema de Medicina Complementar, pede reflexão serena, em sintonia naturalmente com os anseios populares. A decisão extrema dos profissionais de saúde encerra o mérito de desnudar uma situação que carece ser enfrentada com bom senso e determinação.
A política de remuneração insatisfatória à mão de obra especializada, arrastada a exageros insuportáveis por obra das operadoras dos Planos de Saúde, constitui, iniludivelmente, uma sonegação de direitos. Um acinte, de certo modo, à dignidade profissional. Tende a afetar a qualidade dos serviços prestados. Não há contestar. Os valores pagos pelos procedimentos médicos chegam a ser chocantes. Isso vem configurado nas denúncias trazidas a lume pelos representantes da categoria. O alerta foca a valorização do trabalho profissional, a valorização da assistência ofertada pelos Planos de Saúde. Os médicos confessam-se solidários aos usuários da rede, que sofrem com as glosas e as filas de espera. As indesejáveis situações são denunciadas pela Federação Nacional dos Médicos, Conselho Federal de Medicina, Associações e Sindicatos médicos.
As 1044 operadoras de Planos de Saúde que atuam no País movimentaram, em 2010, estimativamente, 70 bilhões de reais. O número de usuários envolvidos é de quase 46 milhões, o equivalente a 24 por cento da população. Os 160 mil médicos ligados ao esquema realizam 223 milhões de consultas, acompanhando quase 5 milhões de internações.
Entre 2000 e 2009, os reajustes autorizados aos Planos acumularam 133 por cento. O indicador corresponde a 23 pontos percentuais a mais que os 106 por cento registrados no mesmo período pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPCA).
No mesmo espaço de tempo, os Planos alcançaram incremento financeiro de 129 por cento. Sua receita global saltou de 28 bilhões para quase 66 bilhões de reais. De acordo com as avaliações dos organismos da representação médica, o valor da consulta, nesse período de expressivos avanços nas receitas e resultados, subiu apenas 44 por cento.
Não poucas operadoras remuneram os médicos, atualmente, na base de 25 reais por consulta. A remuneração por outros procedimentos não deixa também de escandalizar. Por um cateterismo cardíaco, paga-se ao médico entre 149 reais e 305 reais. Uma cirurgia de ouvido é cotada entre 45 reais e 97 reais. Um eletrocardiograma entre 10 e 16 reais. Um ato ortopédico de imobilização de membros fica entre 6 reais e oito reais. E por aí vai...
Outro item de suma gravidade nesse relacionamento desarmonioso, conforme denunciam os médicos, diz respeito à aviltante bonificação oferecida pelos Planos de Saúde aos profissionais que se comprometam – ora, veja, pois! - a não solicitar exames complementares nas consultas. A aceitação passiva desse inaceitável estado de coisas não pode mais perdurar em nome dos mais comezinhos princípios que regem o relacionamento profissional. Aguarda-se que, com a intervenção óbvia das autoridades responsáveis pela Saúde, o impasse gerado pela intransigência das operadoras dos Planos possa ser desfeito, sem delongas, por meio da celebração de acordos que contemplem tabelas remuneratórias em consonância com o tratamento respeitoso à dignidade profissional ao qual a classe médica faz jus.
A avaliação do que vem ocorrendo inspira também um outro tipo de reflexão, não menos importante.
Paralisação dos médicos (2)
“Uai! Mas os planos de saúde não são gerenciados pelos próprios médicos!”
(Thelma Garcia, usuária de Plano de Saúde)
No arremate das considerações feitas no artigo anterior acerca da paralisação dos médicos, em caráter de advertência, já por duas vezes, nos serviços de atendimento dos Planos de Saúde, chamamos a atenção do leitor para um aspecto essencial a ser debatido nessa questão enfocada pelos prestadores dos serviços médicos. Como é do conhecimento amplo, geral e irrestrito da sociedade, a maior operadora de planos de saúde no território nacional – a Unimed – nasceu de um trabalho de arregimentação promovido no seio da valorosa comunidade médica. Organizada louvavelmente com propósitos cooperativistas, essa instituição detém, no cenário nacional, a maior parcela de convênios na área da prestação de serviços atribuída ao chamado Sistema de Assistência Médica suplementar. A origem de outros Planos de Saúde assemelha-se à da Unimed.
Deplora-se na atuação desses organismos, nascidos sob saudável inspiração cooperativista, o caráter exageradamente mercantilista que, muitas vezes, rege suas ações, em flagrante dissonância com as nobres finalidades propostas em seus começos, objeto de aplausos por parte dos componentes da nobre categoria médica e da sociedade, de modo geral. A prevalência de critérios mercantilistas sobre outros respeitáveis valores tem sido de molde a afetar os interesses dos cooperados e também dos usuários.
Não pode passar sem reconhecimento, ainda, que a Unimed, de modo bastante especial, como outras organizações congêneres, costumeiramente geridas por colégios compostos de profissionais do segmento médico, dispõem de favoráveis condições para desempenhar papel moderador de relevância na política de preços cobrados aos usuários e de remuneração paga aos médicos pelos Planos. Faz sentido, sim, imaginar que a campanha dos médicos em favor de remuneração condigna pelos serviços prestados possa chegar de forma mais rápida aos objetivos almejados a partir do momento em que organizações responsáveis pelos Planos de Saúde, dirigidos por médicos, se compenetrem ser de seu dever alterar substancialmente as linhas da trajetória adotada no relacionamento com a classe que, afinal de contas, representam. A posição dessas instituições com relação ao palpitante assunto balizará infalivelmente a conduta de todo o importante Sistema da Saúde Complementar, criando um relacionamento bem mais positivo com a cadeia usuária.
Esse aspecto essencial no debate em tela não pode nem deve ser subestimado pelas pessoas realmente engajadas na busca de solução justa e equânime para esse problema da depreciação constante dos valores remuneratórios dos encarregados de zelar, nos consultórios, nas clínicas e noutros pontos de atendimento, pela saúde dos usuários.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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