sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Paralisação dos médicos (1)


Cesar Vanucci *


“O incremento financeiro dos Planos de Saúde foi de 129 por cento.”
(Informação do comando de greve)

 A paralisação, já por duas vezes, em caráter de advertência, nos serviços de atendimento do assim denominado Sistema de Medicina Complementar, pede reflexão serena, em sintonia naturalmente com os anseios populares. A decisão extrema dos profissionais de saúde encerra o mérito de desnudar uma situação que carece ser enfrentada com bom senso e determinação.

A política de remuneração insatisfatória à mão de obra especializada, arrastada a exageros insuportáveis por obra das operadoras dos Planos de Saúde, constitui, iniludivelmente, uma sonegação de direitos. Um acinte, de certo modo, à dignidade profissional. Tende a afetar a qualidade dos serviços prestados. Não há contestar. Os valores pagos pelos procedimentos médicos chegam a ser chocantes. Isso vem configurado nas denúncias trazidas a lume pelos representantes da categoria. O alerta foca a valorização do trabalho profissional, a valorização da assistência ofertada pelos Planos de Saúde. Os médicos confessam-se solidários aos usuários da rede, que sofrem com as glosas e as filas de espera. As indesejáveis situações são denunciadas pela Federação Nacional dos Médicos, Conselho Federal de Medicina, Associações e Sindicatos médicos.

As 1044 operadoras de Planos de Saúde que atuam no País movimentaram, em 2010, estimativamente, 70 bilhões de reais. O número de usuários envolvidos é de quase 46 milhões, o equivalente a 24 por cento da população. Os 160 mil médicos ligados ao esquema realizam 223 milhões de consultas, acompanhando quase 5 milhões de internações.

Entre 2000 e 2009, os reajustes autorizados aos Planos acumularam 133 por cento. O indicador corresponde a 23 pontos percentuais a mais que os 106 por cento registrados no mesmo período pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPCA).

No mesmo espaço de tempo, os Planos alcançaram incremento financeiro de 129 por cento. Sua receita global saltou de 28 bilhões para quase 66 bilhões de reais. De acordo com as avaliações dos organismos da representação médica, o valor da consulta, nesse período de expressivos avanços nas receitas e resultados, subiu apenas 44 por cento.

Não poucas operadoras remuneram os médicos, atualmente, na base de 25 reais por consulta. A remuneração por outros procedimentos não deixa também de escandalizar. Por um cateterismo cardíaco, paga-se ao médico entre 149 reais e 305 reais. Uma cirurgia de ouvido é cotada entre 45 reais e 97 reais. Um eletrocardiograma entre 10 e 16 reais. Um ato ortopédico de imobilização de membros fica entre 6 reais e oito reais. E por aí vai...

Outro item de suma gravidade nesse relacionamento desarmonioso, conforme denunciam os médicos, diz respeito à aviltante bonificação oferecida pelos Planos de Saúde aos profissionais que se comprometam – ora, veja, pois! -  a não solicitar exames complementares nas consultas. A aceitação passiva desse inaceitável estado de coisas não pode mais perdurar em nome dos mais comezinhos princípios que regem o relacionamento profissional. Aguarda-se que, com a intervenção óbvia das autoridades responsáveis pela Saúde, o impasse gerado pela intransigência das operadoras dos Planos possa ser desfeito, sem delongas, por meio da celebração de acordos que contemplem tabelas remuneratórias em consonância com o tratamento respeitoso à dignidade profissional ao qual a classe médica faz jus.

A avaliação do que vem ocorrendo inspira também um outro tipo de reflexão, não menos importante.



Paralisação dos médicos (2)


“Uai! Mas os planos de saúde não são gerenciados pelos próprios médicos!”
(Thelma Garcia, usuária de Plano de Saúde)

No arremate das considerações feitas no artigo anterior acerca da paralisação dos médicos, em caráter de advertência, já por duas vezes, nos serviços de atendimento dos Planos de Saúde, chamamos a atenção do leitor para um aspecto essencial a ser debatido nessa questão enfocada pelos prestadores dos serviços médicos. Como é do conhecimento amplo, geral e irrestrito da sociedade, a maior operadora de planos de saúde no território nacional – a Unimed – nasceu de um trabalho de arregimentação promovido no seio da valorosa comunidade médica. Organizada louvavelmente com propósitos cooperativistas, essa instituição detém, no cenário nacional, a maior parcela de convênios na área da prestação de serviços atribuída ao chamado Sistema de Assistência Médica suplementar. A origem de outros Planos de Saúde assemelha-se à da Unimed.

Deplora-se na atuação desses organismos, nascidos sob saudável inspiração cooperativista, o caráter exageradamente mercantilista que, muitas vezes, rege suas ações, em flagrante dissonância com as nobres finalidades propostas em seus começos, objeto de aplausos por parte dos componentes da nobre categoria médica e da sociedade, de modo geral. A prevalência de critérios mercantilistas sobre outros respeitáveis valores tem sido de molde a afetar os interesses dos cooperados e também dos usuários.

Não pode passar sem reconhecimento, ainda, que a Unimed, de modo bastante especial, como outras organizações congêneres, costumeiramente geridas por colégios compostos de profissionais do segmento médico, dispõem de favoráveis condições para desempenhar papel moderador de relevância na política de preços cobrados aos usuários e de remuneração paga aos médicos pelos Planos. Faz sentido, sim, imaginar que a campanha dos médicos em favor de remuneração condigna pelos serviços prestados possa chegar de forma mais rápida aos objetivos almejados a partir do momento em que organizações responsáveis pelos Planos de Saúde, dirigidos por médicos, se compenetrem ser de seu dever alterar substancialmente as linhas da trajetória adotada no relacionamento com a classe que, afinal de contas, representam. A posição dessas instituições com relação ao palpitante assunto balizará infalivelmente a conduta de todo o importante Sistema da Saúde Complementar, criando um relacionamento bem mais positivo com a cadeia usuária.

Esse aspecto essencial no debate em tela não pode nem deve ser subestimado pelas pessoas realmente engajadas na busca de solução justa e equânime para esse  problema da depreciação constante dos valores remuneratórios dos encarregados de zelar, nos consultórios, nas clínicas e noutros pontos de atendimento, pela saúde dos usuários.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)


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