E o mundo não acabou
Cesar Vanucci *
“Creio que não se deva julgar o bom Deus por este
mundo, pois é apenas um esboço que não deu certo.”
(Van Gogh, pintor)
Anunciaram que o mundo ia se acabar. Disseram que um tsunami de proporções inimagináveis, com ondas de 1.5 quilômetros , iria riscar do mapa todas as cidades litorâneas, avançando devastadoramente terra adentro, fazendo o sertão virar mar. Uma outra teoria catastrófica, dentre as muitas aventadas, dizia que um corpo celeste descomunal surgiria, inopinadamente, do nada colidindo estrondosamente com este nosso planeta azul. Do impacto resultaria a eliminação de toda e qualquer manifestação de vida. Falou-se também na hipótese de uma brusca inversão da rotação da Terra, com efeitos obviamente calamitosos. A inversão súbita dos eixos magnéticos, com os polos sul e norte trocando de lugar, foi uma outra possibilidade aterrorizante levantada nas profecias sobre o final dos tempos.
Não faltou ainda na lista das previsões assustadoras a “mãe de todas as hecatombes bélicas”, a guerra nuclear. Andaram dizendo que um conflito mundial iria eclodir, desencadeado a partir das desavenças (sem solução à vista por conta de excessos de estupidez) no Oriente Médio. Tempestade solar avassaladora foi outra modalidade de destruição global anotada. Como todas as demais, fadada a não deixar sobrar ninguém pra contar história...
Pandemia provocada por vírus misterioso, proveniente do espaço sideral, ou confeccionado por aqui mesmo num dos laboratórios secretos mantidos pela paranóia da “guerra bacteriológica”, contra a qual não exista tratamento eficaz, perturbações gravitacionais na órbita percorrida pelo planeta na vastidão cósmica fizeram parte também do repertorio de desgraças composto nas pesquisas dos “profetas do Apocalipse”. A confiança dos autores dos prenuncios em suas intuições ganhou tal força que, na interpretação de textos sagrados de origens variadas, chegou-se até mesmo a indicar a data terminal fatídica: alguma hora entre 21 e 22 de dezembro do ano da graça de 2012.
Aconteceu, entretanto, que este mundo velho de guerra sem porteira não só “não se acabou”, como continuou o mesmo de sempre. Prossegue em seu giro interminável pelo oceano cósmico (repleto de inexplicabilidades) sem fim, com suas ziquiziras e cacoetes intoleráveis. Uma projeção aflitiva, afinal de contas, do jogo de contradições predominante na maneira de ser da fauna pensante que o povoa e que faz de um tudo no sentido de manter permanentemente subjugadas à sua insanável parvoíce a natureza e a vida. Isso vai, certamente, prevalecer até o dia, ardentemente aguardado, em que as lideranças da sociedade em condições de influírem no rumo das coisas deste mundo se revelarem dispostas a acolher, ajuizadamente, as propostas humanísticas, encharcadas de autêntica espiritualidade, propagadas por homens e mulheres de boa vontade, de diferentes culturas e regiões geográficas, empenhados na sacrossanta missão de acabar não com o mundo, mas com as situações perversas nele implantadas. Com as iniqüidades sociais, políticas e econômicas nascidas da intolerância, do egoísmo, da prepotência, da arrogância, que enodoando a convivência, se contrapõem aos valores que asseguram respeito à dignidade humana.
Sinto muito
“As criaturas estão no caminho entre o Nada e o Tudo.
Encontram o que está acima de todos (...) pela via da oração.”
(Alceu Amoroso Lima)
Ouvi a oração numa representação teatral. Anotei na memória velha de guerra as idéias básicas contidas no sugestivo recitativo. Resolvi aqui reproduzi-lo. Não tenho dúvida quanto à fidelidade aos conceitos. Mas, não consigo garantir o mesmo quanto à qualidade da reprodução. Peço a todos, por isso, que levem em conta a (boa) intenção.
Estou falando de uma mensagem havaiana de cunho religioso. Lembra a arrebatante Oração de Francisco de Assis, na parte em que exorta as pessoas ao exercício do perdão. Perdão, numa e noutra prece, concebido – claro está - dentro da perspectiva da humildade, “base e fundamento de todas as virtudes”, sem a qual “não há nenhuma virtude que o seja”, como atesta Cervantes.
Por atravessarmos no calendário momento propicio a reflexões a respeito do sentido da vida, considerei de oportunidade repassar essa oração aos leitores, ao desejar-lhes votos sinceros de um Feliz Natal, seguido de uma passagem de ano repleta de venturas.
O texto que dei conta de rememorar diz (mais ou menos) o que vem alinhado na sequência. “Sinto muito, muito mesmo, por tudo aquilo que, partindo de mim, haja provocado, em qualquer época e qualquer lugar, sofrimento, decepção, frustração, ira, desalento, perturbação, contrariedade em pessoas de meu ambiente familiar; em pessoas de meu círculo afetivo; em pessoas de minhas ligações profissionais; em homens e mulheres, adultos e jovens, conhecidos ou desconhecidos, que cruzaram meus caminhos no curso desta caminhada pela pátria terrena. Sinto muito, sinceramente, por tudo aquilo que, em decorrência de atos ou palavras de minha autoria, possa ter dado causa a reações de pessoas de minha roda familiar, de minha esfera afetiva, nas minhas vinculações profissionais e comunitárias, que despertassem em mim rancor, tristeza, inconformismo, irritação, desejos de vingança. Rogo da Suprema Divindade que transmute todas essas emoções negativas em energias positivas. Energias que tenham o mérito de comunicar sensações de bem-estar e conforto a todos e que possam contribuir para a construção de relacionamentos humanos harmoniosos, fraternais e duradouros.
Eu sinto muito por tudo isso. Peço, humildemente, perdão por todas as reações desagradáveis que, consciente ou inconscientemente, ajudei a fomentar na convivência com os semelhantes.
Escancaro o coração à prática do amor, da fraternidade, da solidariedade e agradeço, reverentemente, por esta chance de poder lamentar, pedir perdão e exprimir o avassalador sentimento de mundo que me invade a alma.”
Não resisto, por último, à tentação de pedir a atenção dos leitores para algo que, certamente, não lhes passa desapercebido todas as vezes em que tomam conhecimento, como agora no caso desta oração do Havai, de uma forma de diálogo com o Absoluto nascida de concepção cultural da vida diferenciada da nossa. No fundo, independentemente de tempo e lugar, o que dá pra perceber é que a linguagem é sempre igual. Os cânticos de louvor ao Altíssimo alcançam sempre o entendimento universal. Brotam dos mais generosos impulsos da alma humana. Revelam que os homens, não importam a etnia, o idioma, o lugar em que vivem, os hábitos, são na essência tremendamente parecidos.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)