sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Certidão de nascimento

Cesar Vanucci *

“É a nossa certidão de nascimento.”
(Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina)

A decisão veio com respeitável atraso. Mas não deixou de constituir, verdade seja dita, um razoável avanço em direção ao rumo que, mais dia menos dia, terá que ser tomado na solução de um problemaço que vem se arrastando penosamente por décadas inteiras. Por conseguinte, houve justificativa para celebrações quando a Assembléia Geral das Nações Unidas, com alguns votos contrários – o dos Estados Unidos recebido como o mais desconcertante deles, tendo em vista as grandes responsabilidades derivadas da liderança exercida no cenário mundial – concordou, finalmente, em conceder uma “certidão de nascimento” à Palestina.

A condição de “Estado Observador” abre aos palestinos acesso a importantes agências da ONU e ao Tribunal Penal Internacional. Implica no reconhecimento de que a Palestina não vai poder continuar sendo tratada como um grupamento de pessoas de uma mesma nacionalidade, aglutinadas num mesmo espaço territorial, irremediavelmente condenado, para todo sempre, à marginalização política e jurídica no contexto internacional. Há que passar a ser vista, isso sim, como uma pátria na acepção completa do termo, uma terra regida por leis consagradas no Direito Internacional, detentora de plenos direitos e obrigações. Tanto quanto centenas de outras pátrias localizadas em todos os cantos deste planeta azul. A começar, aliás, pelo vizinho mais próximo, o Israel, um Estado que abriga nação pujante que amargou, no passado, as consequências funestas das demenciais práticas racistas do nazismo, sob os olhares complacentes e, exatamente por isso, cúmplices de um sem número de países com presença realçante no palco mundial.

Há precisamente 65 anos, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a criação, no Oriente Médio, dos Estados de Israel e da Palestina. O primeiro dos dois Estados foi devidamente estruturado. Tornou-se, em curto espaço de tempo, pelo labor de sua gente, uma potência próspera, ostentando agora índices de desenvolvimento bem acima dos outros países da região. Já no que tange à implantação em completude do Estado da Palestina, a Resolução da ONU gorou. Não saiu, até aqui, deploravelmente, do papel.

A (falta de) razão para que isso esteja acontecendo se deve a fatores os mais variados e despropositados. Destaque especial cabe na avaliação dos fatos à condição ininterrupta de beligerância reinante no pedaço. Com toda certeza, o mais conturbado pedaço de chão destes dias atuais. Essa beligerância é insuflada, o tempo todo, por radicais e xenófobos de diferentes tendências, pertencentes a trincheiras adversárias, alinhados com forças políticas e econômicas retrogradas, envolvidos, todos eles, todos, em um jogo confuso de egoísticas e espúrias conveniências. Com tanto tempo já transcorrido, o que já deveria estar sendo objeto de celebração seria o ingresso da Palestina como Estado Membro da ONU, senhora de direitos e deveres como qualquer outro país. Não o seu ingresso no órgão como mero Estado Observador. Afinal de contas, o X da tormentosa questão, que coloca o mundo em permanente sobressalto diante das coisas que costumam rolar naquele trecho sagrado do Atlas - fonte matricial de três importantes correntes religiosas monoteístas - consiste nessa demora infindável de se botar na prática aquilo que já foi decretado de longa data: a constituição do Estado da Palestina. E se isso até agora não se corporificou é porque muita gente poderosa, valendo-se de toda sorte de sofismas, lançados na mídia como valores fundamentais, dos quais não se pode abrir mão, não quer simplesmente que a Palestina exista como Estado.

Os grupos radicais que tanto influenciam as deliberações do governo de Telavive têm uma cota de responsabilidade de considerável peso nesse gigantesco esforço da turma do contra. Essa turma do contra é, por sua vez, minoritária, como tantas vezes já comprovado em reuniões da ONU, mas na verdade detém as cartas principais no embaralhado jogo das definições.

A postura do gabinete presidido por Benjamin Netanyahu, visto como aliado incômodo pela própria Casa Branca, não deixa margem alguma para dúvidas quanto à disposição dominante na esfera oficial israelita de deixar as coisas permanecerem como estão, indefinidamente. Mesmo que o cenário onde as coisas rolam seja considerado um barril de pólvora. Desrespeitar resoluções da ONU é com ele mesmo. Por conta disso, uma réplica do “muro de Berlim” foi plantada no explosivo território. Os assentamentos de colônias residenciais prosseguem. O país opõe-se terminantemente a abrir informações sobre seu programa nuclear à Agência Internacional que cuida do assunto. E por aí vai.

Sentindo-se, de certa forma, blindado pelo apoio recebido dos Estados Unidos, Israel nega-se a dialogar, repele a decisão da ONU, aprovada em votação maciça, em conceder à Autoridade Palestina participação na instituição como membro observador. Parece pouco se importar, por exemplo, com as manifestações de países com os quais mantém cordiais relações que se viram obrigados a se reposicionar, diante das decisões impertinentes que assume, ao convocarem os embaixadores israelenses para ouvir declarações formais de protesto contra os assentamentos indevidos das áreas ocupadas na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.


A profecia que deu certo

“Está na vida o mistério.”
(Henriqueta Lisboa)

Tanto quanto a morte, a vida é recheada de mistérios imperscrutáveis. É como, aliás, sublinha Henriqueta Lisboa, em sugestivo registro poético: “Não na morte. Está na vida o mistério. Em cada palavra ou abstinência.” Fatos desconcertantes e enigmáticos, inexplicáveis sob as luzes mais profusas do conhecimento consolidado, deixam gravada na memória e na emoção da gente, por vezes, uma interrogação que nos acompanha pela existência inteira. Ao longo de extensa caminhada como repórter e como estudioso de fenômenos transcendentes, pude reunir expressivo acervo de casos instigantes que, pelo tradicional enfoque da lógica racional, não passam de tremendas charadas de interpretação impossível.

Tenho, com alguma constância, relatado algumas dessas histórias neste trecho de página frequentado habitualmente pelos meus 25 benevolentes leitores. Já que há tanta profecia solta no ar, animo-me hoje a contar a historieta de uma incrível profecia que deu certo.

Abril de 1952. Eu deixava a redação do “Diário do Triângulo”, localizada na avenida Leopoldino de Oliveira, centro da cidade de Uberaba, para uma reportagem. Naquele tempo o córrego das Lajes deslizava, como sugestivo adorno, por toda a extensão da avenida. Não havia ainda sido enclausurado nas entranhas da terra, em nome de uma questionável modernice urbanística. O jornal era dirigido por Souza Junior, filho de Nicanor de Souza, pioneiro no jornalismo diário na região do Triângulo Mineiro.

Procurava um transporte, quando avistei, estacionando nas imediações o jipe de um grande amigo, o então pracista de produtos farmacêuticos José Marcus Cherém. Ele ofereceu-me carona e, atraído pelo assunto da pauta que iria cumprir, dispôs-se a acompanhar-me pelo tempo necessário na coleta dos dados.

É hora, a esta altura, de explicar que o meu deslocamento, naquela manhã, a uma casa modesta, de cinco cômodos, na região da Abadia, prendia-se à intrigante revelação de que no local vinha ocorrendo uma sucessão de fenômenos sobrenaturais que mantinham moradores e vizinhos em estado de sobressalto. Objetos se movimentavam de um lugar pra outro como se mãos invisíveis os empurrassem. Escritos a carvão eram impressos, de repente, nas paredes, ao mesmo tempo que pequenos focos de incêndio irrompiam, brusca e assustadoramente, num ou noutro ponto do lugar. Tinha-se ali bem configurado o que especialistas em parapsicologia costumam denominar de “polstergeit”, expressão vinda do alemão. Cabe, agora, esclarecer que muitos especialistas na matéria costumam estabelecer uma estranha conexão entre o fenômeno e a presença nas moradias em que ocorre tal tipo de manifestação de adolescente em fase inicial de menstruação. Para o pessoal da redondeza a casa era mal assombrada, regida por forças demoníacas.

Seguindo com máxima atenção o que vinha rolando, depois de providenciar a limpeza das paredes da sala onde a escrita a carvão era misteriosamente produzida, tranquei a porta que dava acesso à dependência por uns poucos minutos. Ao reabrir a porta, o inacreditável explodiu diante de nossos olhos. Paredes, teto e piso estavam coalhados de dizeres. A frase mais saliente, espalhada por tudo quanto é canto, anunciava: “Cherém, futuro deputado!” Tomados de assombro, pudemos testemunhar que os registros caligráficos, nos termos descritos, se repetiram por mais de uma vez, até o fenômeno, passados alguns dias, se extinguir, tão subitamente quanto começou.

Os dizeres a carvão tiveram força de presságio. Alguns anos mais tarde, José Marcus Cherém, optando pela carreira política, foi eleito, sucessivamente, vereador, presidente da Câmara de Uberaba, vice-prefeito, deputado estadual, vindo a exercer o cargo de Secretário de Estado. Bem provavelmente, teria chegado, por força de talento, simpatia e méritos, ao Congresso Nacional, caso não houvesse sido arrebatado prematuramente de nosso convívio por enfermidade cardíaca. Lembro-me bem: na semana que antecedeu sua partida, visitando-o no hospital, consagramos, os dois, um bom pedaço do papo fraternal entre amigos de longos anos à rememoração daquela incrível profecia, anunciada de modo tão perturbador e enigmático, numa manhã de abril do ano de 1952, no bairro da Abadia, em Uberaba.

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br

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