Essas indecifráveis agências de risco
Cesar Vanucci *
“Que poder misterioso é esse que aciona essa agência com nome de absorvente feminino (Moody’s) a distribuir pontuações pra Deus e todo mundo?”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
Percorro os jornais, os registros especializados em economia, imaginando que, nalgum instante, possa topar com algum questionamento critico às ações desenvolvidas pelas tais agências de risco. Ou seja, esses organismos que frequentam o noticiário econômico com a mesma constância com que socialite marca presença em coluna mundana e que se atribuem, sabe-se lá a serviço de quem, o “direito” de sair por aí distribuindo notas classificatórias sobre o desempenho de paises inteiros e de instituições que compõem essa engrenagem complexa e indecifrável conhecida por “mercado”.
Nada encontro, na busca empreendida, do que procuro. Sinto-me, assim, mais intrigado ainda diante da passividade com que se costuma aceitar por aí, sem contestações, assimilando-as como se fossem dogmas de fé de tempos medievais, as avaliações emitidas por tão esdrúxulos órgãos.
À falta de quem melhor provido de conhecimento de causa consiga dar resposta plausível às minhas interrogações, faço-me sempre perguntas sobre como foram e por quem foram criadas essas agências ditas de risco? Por qual veneranda razão seus juízos de valores são assim, sem mais essa nem aquela, acolhidos reverentemente em influentes setores da atividade política e econômica, soando nesses círculos como proclamas daqueles tempos passados em que à patuleia ignara, conhecida por súditos, nada restava a mais se não o dever de se curvar à soberana vontade real.
Desconfiado de que por traz disso tudo o que existe mesmo, no duro da batatolina, não passa de maquiavélica aprontação patrocinada pela poderosa máfia da megaespeculação, agindo nas sombras, pergunto-me também, duvidando obviamente da eficácia do trabalho das agencias de risco, qual o motivo pelo qual elas não vieram a público, com suas notas classificatórias e prognósticos levados a sério por tanta gente, pra alertar as incontáveis vitimas do escândalo da “bolha imobiliária”, quanto ao tsunami que andou devastando a economia mundial algum tempo atrás.
Algumas manjadas ongs estrangeiras, ditas ambientalistas, comprometidas até a medula com movimentos conspiratórios voltados para o nefando propósito de internacionalização da Amazônia, andam propagando que a Rio+20 foi um rotundo fracasso. E que a Presidenta brasileira Dilma Rousseff é a grande culpada pelo alegado fracasso.
Na ilustração da despropositada assertiva, em que fixam a mira em alvo errado, fingindo desconhecer quem são os verdadeiros e principais atores desse processo de violência contínua contra os valores ecológicos e a vida, as organizações citadas utilizam uma foto de Dilma extraída de seu antigo prontuário como presa política. Ou seja, uma foto feita no período em que foi submetida a torturas inenarráveis nos porões da ditadura.
Os que tomam ciência da panfletagem das ongs não conseguem alcançar os motivos que levaram as impertinentes ongs a optarem por tão descabida forma de retratar a Presidenta.
Super-humano
“A maior parte de nossa memória está fora de nós...”
(Marcel Proust)
A televisão vem mostrando uma série surpreendente: “Os super-humanos”. São personagens de carne e osso providos de faculdades especiais, no plano mental, na condição atlética, em habilidades incomuns.
Há algumas décadas atrás conheci alguém assim. Se ainda entre nós, estaria certeiramente atraindo as câmeras dos produtores desse programa.
Os tempos eram outros. A televisão não passava de experiência incipiente, coisa de estrangeiro. O rádio, sim, era o veículo de comunicação com poder de penetração, mas limitado na capacidade de cobertura dos acontecimentos em regiões distantes. O Brasil ainda não havia despertado para as conquistas do desenvolvimento, incrementadas sobretudo na “era JK”. Incontáveis registros de fatos relevantes passavam desapercebidos, diferentemente do que hoje ocorre, do grande público em escala nacional. Ficavam circunscritos a ambientes mais fechados. Mesmo quando divulgados com intensidade, naturalmente relativa, alcançavam ressonância reduzida, se consideradas as dimensões continentais do país.
Nessa época, em ambiente interiorano, fase da adolescência, tomei conhecimento do maior fenômeno de memorização de textos de que já ouvi falar. O assim chamado “Salão Grená” da PRE-5, Rádio Sociedade do Triângulo Mineiro, Uberaba, funcionava como um centro cultural. Provido de 500 poltronas, localizado em ponto estratégico do centro urbano, abrigava eventos artísticos, culturais, mesas-redondas, por aí. Para boa parte das promoções realizadas havia cobertura radiofônica, o que ampliava, consideravelmente, a divulgação. A emissora, pioneira na região, pertencia ao grupo “Lavoura e Comércio”, criado pelo saudoso jornalista Quintiliano Jardim. O jornal diário circulou por mais de cem anos, até o comecinho deste século.
Colegial fissurado em manifestações culturais, vi atuar, no local, numa série de aplaudidas audições, um cidadão dotado de capacidade inigualável para memorizar textos. Jamais tive notícia, nem antes nem depois de conhecê-lo, de ninguém com predicado – ou que outro termo possa existir para classificar seu desempenho – em condições ligeiras de igualá-lo naquilo que fazia.
Ele reproduzia, com absoluta exatidão, palavra por palavra, detendo-se nas pausas recomendadas pela pontuação, textos inteiros, de qualquer natureza, verso ou prosa, com ou sem menção de números, lidos cuidadosamente por outrem. Discursos, poemas, trechos de romance, trabalhos técnicos, tudo era absorvido com precisão. E, ao depois, repetido. A reação da platéia oscilava entre a perplexidade e o deslumbramento. Lembro-me bem de que, ao anunciá-lo, o mestre de cerimônia narrava saborosas historietas, alusivas a demonstrações dadas pelo nosso personagem, em respeitáveis ambientes freqüentados por líderes políticos e intelectuais de renome. Nem bem o expositor, debaixo de aplausos, dava por finda a fala nesses encontros e já o cidadão dono de memória prodigiosa surgia em cena, solicitando permissão para usar da palavra. Em tom sério, pondo todo mundo confuso e nervoso, “garantia” que o texto apresentado não passava de “descarado plágio”. Tanto isso “era verdade”, acrescentava ele, confessando-se o “verdadeiro autor” do texto, que iria repeti-lo, ali, naquele mesmo momento, parcial ou integralmente, sílaba por sílaba. A atmosfera pesada reinante só se desfazia quando, entre risos e pedidos de desculpas, surgia a explicação acerca dos inacreditáveis dons de memorização do “inoportuno” aparteante.
Nunca me esqueci do nome desse cidadão, tão vigorosa a impressão que deixou registrada, de suas habilidades incomuns, no espírito dos que testemunharam essas proezas nas diversas vezes em que se apresentou no “Salão Grená”: Eurícledes Formiga. Os anos se amontoaram, nada mais ouvi contar, adiante, a seu respeito. Até que, algum dia, um conhecido falou-me da existência em Belo Horizonte de um centro espírita que traz esse nome como patrono. Imaginei naturalmente tratar-se da mesma pessoa. Mas, tanto quanto me recorde, naqueles tempos, a fantástica condição de produzir “reprografia cerebral” de Euricledes, reconhecida como inexplicável e extraordinário fenômeno, não se achava vinculada a nenhuma atividade de cunho religioso.
Comentei o fato com um grande amigo e dele colhi, a respeito do Euricledes Formiga, um sugestivo depoimento, que prometo reproduzir na sequência.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
Convite - II ENCONTRO CULTURAL DA AML