sexta-feira, 13 de julho de 2012

Quebrando jejum

Cesar Vanucci *

“Muitas novelas da nossa televisão são reveladoras de uma
efervescência artística que enaltece a inteligência criativa do brasileiro.”
(Antônio Luiz da Costa)

Havia jurado de pés juntos, algum tempo atrás, não mais acompanhar um capítulo que fosse de qualquer novela. Tudo por conta das estripulias jurídicas encaixadas no enredo daquele seriado em que a excepcional atriz Fernanda Montenegro viveu o papel de mãe do excelente ator Tony Ramos.
A facilidade com que, valendo-se de artimanhas que não lograriam ludibriar na vida real nem mesmo um garoto de pré-primário, os vilões protagonizados pelos bons atores Reinaldo Gianechini e Mariana Ximenes se apoderaram do controle de gigantesco complexo industrial, passando pra traz os donos do negócio e seu experiente corpo de advogados deixou-me, mais do que atônito, injuriado. Façam-me o favor. Sei perfeitamente, como qualquer outra pessoa, que as tramas folhetinescas nutrem-se naturalmente de uma alentada dose de fantasia. Mas até pra isso, vamos e venhamos, há que se estabelecer um limite, nascido do bom senso, que não pode assim, sem mais, nem menos, como ocorreu no caso em tela, ser estridentemente ultrapassado.
Posteriormente, amigos que viram e apreciaram muito a minissérie “Rei David” incentivaram-me a retroceder na “inabalável” decisão de não mais assistir novela. Prometi ver e opinar, mas acabei não o fazendo, apesar das referencias positivas recolhidas a respeito do trabalho de qualidade ascendente do núcleo de dramaturgia da Record.
Mas agora, tocado, sobretudo, pela lembrança das inesquecíveis imagens da “Gabriela” exibida anos atrás, que trazia no elenco, entre outros, Sonia Braga, Armando Bogus e Paulo Gracindo, resolvi botar termo ao jejum de noveleiro e encarar os primeiros capítulos do novo seriado com o mesmo título e tema do saboroso romance do genial Jorge Amado. Confesso, em honesta manifestação, que gostei do que vi. Supunha que a tarefa de reviver a contento os personagens de Gabriela, do turco Nacib e do coronel Ramiro, da primeira novela, pudesse representar proeza não apenas difícil, mas impossível. Constatei que, todavia, a tarefa confiada a Juliana Paz, Humberto Martins e Antonio Fagundes vem sendo executada com esmero e brilho. E isso sem mencionar a boa performance do restante do time de atores e atrizes. A fotografia merece um registro à parte. É simplesmente deslumbrante. Tudo faz crer, à vista do exposto, que essa segunda versão de “Gabriela” se manterá no mesmo patamar da primeira. Ou seja, uma produção requintada, brasileiríssima na concepção e execução, amostra eloquente a mais do excepcional poder criativo de nossa dramaturgia televisiva. Uma dramaturgia que vem alcançando, com contribuição valiosa da Rede Globo, níveis de superações surpreendentes, como ficou patenteado, entre outros momentos, no desempenho do saudoso Armando Bogus no papel do turco Nacib, inquestionavelmente superior ao do famoso Marcelo Mastroiani no filme baseado na mesma trama.

Uma dica para os telespectadores: está valendo a pena sintonizar a “TV Universitária”, graças à esplêndida programação cultural que vem colocando no ar, notadamente em função das produções da TV Sesc. Dia desses, deleitei-me, de modo especial, com um grupo de dança contemporânea de São Paulo e suas arrebatantes coreografias baseadas no repertório da “bossa nova”, e, na seqüência, com um outro espetáculo musical conduzido por Artur Verocay, compositor e arranjador do primeiro time. Verocay reuniu, em apresentações inesquecíveis, entre outros craques, Nivaldo Ornellas, Danilo Caymi e Célia.


Eta, mundo velho de guerra!

“Não se deve julgar Deus por este mundo,
pois é um esboço dele que não deu certo.”
(Van Gogh)

Este mundo velho de guerra sem porteira, em seu frenético giro pelas vastidões cósmicas repletas de inexplicabilidades, continua a expor, dramaticamente, os contrassensos, as emoções sofridas, as reações amalucadas, os despropósitos das multidões que o povoam.

Pra onde quer que o olhar se volte tem algo desconcertante pintando no pedaço. Nos convulsionados territórios do Oriente, onde prevalece sempre uma confusão das arábias, nem se fala! No Iraque, sabidamente “democratizado” e “pacificado” pelas forças de ocupação da coalizão anglo-americana, os carros-bomba explodem todos os dias em locais de grandes aglomerações, ampliando as estatísticas apavorantes de um morticínio sem data pra acabar.

No Afeganistão, as tropas da OTAN e as milícias talebãs e seus aliados da sinistra “Al Qaeda” confrontam-se em batalhas que preferencialmente escolhem vitimas na indefesa população civil. Nenhum dos contendores sente-se à vontade para proclamar vitória. O domínio de certas zonas urbanas pertence a um dos lados. O controle de imensas áreas de população rarefeita ao adversário. Igualzinho ocorreu, anos atrás, quando os invasores desse país onde judas perdeu as botas foram os russos. O cenário social e econômico, por outro lado, tanto tempo transcorrido desde a invasão, não se alterou um tiquinho que seja. A miséria campeia, os direitos humanos, sobretudo das mulheres, são clamorosamente espezinhados. Já as plantações de papoula, essenciais à produção de heroína que abastece os “mercados” ocidentais, são toleradas quando não incentivadas, representando fonte de renda para os clãs feudais que partilham o poder. E uma pergunta incômoda permanece suspensa permanentemente no ar: quem, afinal de contas, responde pelo suprimento das armas que dão sustentação ao esforço de guerra dos fanáticos guerreiros talebãs? A resposta poderá ser aterrorizante.

Na Líbia, onde o terror imperante nos tempos da ditadura Kadafi foi devidamente substituído pelo terror implantado pelos sucessores de Kadafi, as bandeiras da Al Qaeda tremulam em prédios públicos. E os “parceiros” das diferentes correntes ideológicas encasteladas no governo “democrático” instituído em Trípoli são protagonistas de frequentes escaramuças onde o sangue jorra pra valer.

A tremenda encrenca síria, de motivação tribal, acumula atrocidades inenarráveis produzidas por um regime despótico, de décadas. A reação inflamada contra o que já pode ser visto como uma guerra civil não consegue deter a mortandade. E, para muitos analistas, a retórica das grandes potencias camufla o desejo de deixar as coisas correrem pra ver só como é que ficam, avaliada a variável geopolítica de que a retirada de cena do empedernido ditador Bashar al-Assad possa dar acesso ao poder de grupos mais indigestos, se é possível conceber-se ainda tamanha provação a mais para o povo sírio.

O Egito é bem um exemplo eloquente de recuos deploráveis na marcha para a democracia. Os militares, verdadeiros donos do poder desde os tempos de Mubarak, não parecem dispostos a abrir mão de seus privilégios. Dissolveram o Congresso, atribuíram-se prerrogativas de legislar, julgar e de gerenciar os negócios públicos, tornando quase que decorativa a posição do presidente recentemente eleito. Com a mobilização popular nas praças, reprimida mas ainda demonstrando alguma capacidade de resistência, a situação na terra dos faraós só tende, futuramente, a complicar-se.

Dos demais países alcançados pela hoje declinante onda da “primavera árabe”, a grande mídia ocupa-se pouco. Teme-se estejam ocorrendo nalguns lugares retrocessos funestos. Da Arábia Saudita, reino tão fechado quanto a Coréia do Norte, o que se sabe com certeza é que o autoritarismo feudal imposto aos súditos pela realeza não se mostra realmente disposto a quaisquer concessões na linha do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.

E tem, por último, uma revelação incrível, esta chegada do conturbado Oriente Médio, onde as “negociações de paz” permanecem em compasso de espera apesar das resoluções sucessivas da ONU em favor da criação do Estado da Palestina, todas elas, também, sucessivamente desrespeitadas. Sem o alarde que fato tão relevante, face às naturais implicações geopolíticas embutidas, faz por merecer, a Alemanha vendeu seis submarinos nucleares para o Estado de Israel. Três deles já estão em operação e carregam ogivas capazes de varrer qualquer lugar do mapa. O complexo midiático conservou-se mudo e quedo que nem penedo a respeito. As grandes potencias também preferiram o silêncio. Silêncio danado de estridente.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

Um comentário:

renata.ferri disse...

Olá Vanucci!
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