sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Cada qual na sua

Cesar Vanucci *

“Não queiram os representantes do Judiciário
 trasladar para a legislação (...) a sua bela atividade de julgar.”
(Alexandre Gonçalves Amaral, saudoso Arcebispo)


Retiro do baú um texto preciosíssimo, de refulgente atualidade. O autor é ninguém mais, ninguém menos do que Alexandre Gonçalves Amaral, primeiro Arcebispo de Uberaba, falecido em 2002, ao seu tempo de pleno vigor físico e intelectual considerado “o maior orador sacro do Episcopado brasileiro” na opinião de outro Prelado ilustre, Dom Benedito de Ulhoa Vieira.

O texto em referência, intitulado “Encantadora harmonia de poderes diferenciados”, divulgado em 1970, encerra uma ode à democracia e projeta, com suprema clareza e sabedoria, o que vem a ser, na verdade, a decantada autonomia dos Poderes. Deixa para os exercentes da vida pública lições lapidares.

Reveste-se de singular importância e oportunidade neste momento da vida brasileira em que assistimos pela imprensa uma polêmica envolvendo representantes do Judiciário e do Legislativo acerca de suas competências institucionais no que concerne à cassação dos mandatos de parlamentares condenados em ações judiciais.

Alexandre, autor de mais de cinco mil artigos de rico conteúdo humanístico e espiritual à espera de uma editora que se interesse pela propagação de ensinamentos que resistem à voragem dos tempos, explica no trabalho que “a harmonia vital, no conjunto orgânico, depende de que cada órgão vivo se desempenhe de toda a sua missão que lhe é assinalada, mas somente dela.” Lembra que “assim é também no organismo social”, recomendando depois aos detentores dos Poderes Públicos roteiros impecáveis de atuação.

Pontua magistralmente: “Não pretendam os legisladores imiscuir-se em questões atinentes ao Poder Executivo. Não pretendam os Agentes Executivos invadir o campo da legislação. Não queiram os representantes do Poder Judiciário trasladar para a legislação ou para a execução a sua bela atividade de julgar. Não queiram as Forças Armadas decidir questões dos outros três Poderes.”

E mais adiante: “Cada qual, na sua esfera de atividade, sem invasões indébitas de responsabilidades alheias e sem fugas covardes às próprias responsabilidades, concorrerá, serena e eficazmente, para a harmonia do organismo social.”

O artigo se alonga em considerações exemplares sobre a conduta ideal que os cidadãos têm o direito de esperar de seus representantes. Assinala, por exemplo, que “a missão de um legislador é bem mais elevada do que a remoção de funcionários públicos, que, muitas vezes pertencem a entidades que deveriam purificar-se de certas ingerências indébitas, dotadas que são de certa autonomia, no campo específico das suas atividades.” Lembra, também, que “muitas vezes, até elementos destacados da comunidade social exigem dos nossos legisladores coisas que não são propriamente da sua alçada”, acrescentando não ser raro “que sejam elogiados os nossos legisladores por realizações marginais à sua nobre função, muito mais do que pelo desempenho discreto de sua nobilitante missão.”

A leitura do trabalho de Alexandre fortaleceu bastante a opinião que tenho ajuizada a respeito do debate ora aflorado na mídia sobre a quem ficará afeta, na queda de braço dos Ministros do Supremo com os Parlamentares, a atribuição de avaliar a conveniência de cassação dos mandatos.

A competência legal, constitucional, não há fugir dessa interpretação, pertence à Câmara de Deputados. O Poder Legislativo, a seu turno, não poderá, de maneira alguma, diante de insofismável imposição moral, ignorar na apreciação do assunto, observados todos os procedimentos regimentares aplicáveis, a suprema gravidade das decisões judiciais condenatórias envolvendo alguns de seus pares. Que cada Poder assuma a parte que lhe diz respeito em sua importante missão institucional. É assim que a democracia funciona.


Recados brasileiros

“Imagino um Judiciário sem firulas, sem floreios e sem rapapés”.
(Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF)

A qualificação profissional e a condição ilibada do novo presidente do Supremo Tribunal Federal, que ganhou notoriedade nacional graças ao estilo independente e altivo de sua atuação na relatoria do “mensalão”, respaldam naturalmente a indicação de seu nome para o exercício das importantes funções. Mas as circunstâncias de ser o primeiro patrício negro a assumir o cargo confere uma dimensão extraordinária, de significado histórico todo especial, à escolha.
A democracia brasileira continua a dar provas de sua pujança. Já fez no passado de um ex-pau-de-arara, operário, um Presidente da República. Elegeu Presidente uma mulher. Coloca, agora, no comando da mais alta corte do país um negro. Que belo recado, de sentido humanístico, transmitido a um mundo que, de modo geral, confronta ainda barreiras de difícil transposição para assimilar as diversidades ideológicas, sociais, raciais, culturais, religiosas e se desvencilhar de preconceitos e intolerâncias seculares que costumam, em tantos lugares, tornar a convivência comunitária insuportável!

Na cúpula ibero-americana, em Cadiz, Espanha, a Presidenta Dilma Rousseff fixou, com bastante lucidez, a posição brasileira diante de questões momentosas que afligem a humanidade. Exortou os europeus a combaterem a crise recessiva com medidas de estímulo ao crescimento econômico e social, e não com arrochos fiscais insuportáveis e penalizações severas aos assalariados. Acenou com o exemplo brasileiro, explicitando que a política aqui executada, conferindo primazia ao social, produziu frutos compensadores.
Outra manifestação de Dilma que deixou vigorosa impressão na platéia que a aplaudiu disse respeito à postura diplomática de nosso país com relação aos acontecimentos permanentemente turbulentos do Oriente Médio. Favorável à implantação do Estado da Palestina, inexplicavelmente procrastinada há décadas, desejosos de que israelitas e palestinos consigam estabelecer as bases de uma convivência harmoniosa, os brasileiros repudiam as ações radicais de que a região é palco, desaprovando também a desproporcionalidade no emprego da força militar do Estado do Israel nas retaliações a agressões praticadas por seus opositores.
Fala de verdadeira estadista. Pena que por aqui os grandes veículos de comunicação não dispensaram aos pronunciamentos a atenção que fizeram por merecer.

Na grande mídia nacional, exceção feita à “CartaCapital”, de onde extraio as desconcertantes revelações, nada tenho visto a respeito dos danos irreparáveis causados à saúde pelo amianto. Fico sabendo, numa entrevista dada pelo promotor italiano Raffaele Guariniello, que conseguiu a condenação a 16 anos de prisão dos empresários Stephan Sclmidheny, suíço, dono da empresa “Eternit”, e Jean Louis Marie, da “Marchienne”, que “a história do amianto é um pouco da história da estupidez humana.” Segundo o procurador, “o julgamento na Itália (sobre o assunto do amianto) foi um marco histórico.” “Os dados são inequívocos – garante, adicionando alarmante informação: o amianto causa mesotelioma, um câncer mortal, mesmo para quem aspire pequena quantidade do produto.
Outro dado inquietante, liberado pelos órgãos técnicos da ONU: o amianto mata anualmente cerca de 110 mil indivíduos em todo o mundo.
Estas declarações incisivas, estranhavelmente omitidas ao grande público, ganham enorme significado diante da constatação de que, neste preciso momento, no STF (Supremo Tribunal Federal), vem sendo discutido, obviamente sem alarde, o “uso controlado” do amianto, como desejam as empresas do ramo que operam no Brasil.
No ver do promotor italiano, no interesse da vida humana, o Brasil deveria, adotando política semelhante à que se adotou na Itália e em outros países, proibir definitivamente o emprego do produto.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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