sexta-feira, 16 de setembro de 2016







Um novo clangor de emoções

Cesar Vanucci

“O Brasil é o país das realizações impossíveis!”
(Carlos Nuzman, presidente do Comitê Paralímpico
Brasileiro, na abertura dos Jogos Paralímpicos)


O Brasil repetiu a dose. Extrapolou de montão. Extasiou o mundo com uma festa inaugural sem similitude na crônica dos Jogos Paralímpicos.

O que bilhões de pessoas, em todos os continentes, puderam contemplar, via televisão, foi algo soberbo, de indescritível beleza. Um bombardeio sensorial tão deslumbrante que não nos acode, aqui, na busca de definição exata para o que foi mostrado, nenhuma outra expressão além da empregada, certa feita, obviamente noutro contexto, pelo genial Ary Barroso: clangor de emoções! Isso mesmo, sem tirar nem por: o pontapé inicial da Paralimpíada foi precisamente um clangor de emoções.

Bolado com engenho artístico, talento poético, utilização adequada de tecnologia visual de ponta, o espetáculo consistiu num desfile de emoção atrás de emoção, do começo ao fim. Pôs à prova, outra vez mais, a capacidade brasileira em promover empreendimentos de magnitude de dimensão internacional. A programação das competições, na sequência, marcadas por incomum brilhantismo, reafirmou o elevado grau de competência existente entre nós para formatar projetos culturais e esportivos capazes de polarizar a atenção e despertar a paixão das multidões.

A abertura da Paralimpíada transmitiu recados de pronunciado conteúdo humanístico e gravou imagens duradouras na memória popular. Vale a pena relembrar algumas dessas imagens. O salto acrobático inacreditável do cadeirante na descida vertiginosa da rampa. A performance primorosa da belíssima modelo de pernas mecânicas, “contracenando” com o robô. A esfuziante roda de samba, conduzida por bambas do batuque carioca, lembrando simbolicamente que a roda é instrumento essencial no processo civilizatório e de extrema utilidade na locomoção de pessoas portadoras de necessidades especiais. A magistral execução do Hino Nacional pelo maestro João Carlos Martins, um exemplo admirável de superação humana no mundo das artes. O quebra-cabeça formado com fotos dos atletas, configurando ao final da esplendorosa montagem um coração pulsante contendo como mensagem o sentimento do mundo. As modulações coreográficas arrebatantes compondo símbolos e aspectos frisantes das rotinas de vida dos abnegados participantes das competições. O deslocamento decidido do atleta na cadeira de rodas pela escadaria íngreme em busca de espaço que lhe favorecesse acesso ao topo, no desfrute de um legítimo direito.

Junto com essas e muitas outras também envolventes imagens, foram propagadas mensagens de celebração da vida; de respeito às diversidades que recheiam a aventura humana; de estimulante apoio ao esforço de todos quantos se empenham na superação das adversidades geradas pelo jogo da vida; de exaltação dos direitos fundamentais; de convocação universal a práticas do solidarismo social e de acatamento pleno às diferenças que permeiam a convivência comunitária.

Não faltaram até mesmo, em meio à festividade, quando das falas dos organizadores dos Jogos, tendo como alvo o presidente Michel Temer, presente à cerimônia em atitude deliberadamente discreta, manifestações democráticas de inconformismo popular com referência às posições políticas governamentais. Apupos intensos foram ouvidos à hora em que os oradores aludiram à colaboração recebida dos Poderes Públicos. Como todos os demais recados transmitidos, tais manifestações fazem jus, naturalmente, a reflexões.

Em suma, como bem sublinhou o presidente do comitê organizador, Carlos Nuzman, o Brasil fez ver ao mundo, mais uma vez, que é mesmo o País das realizações impossíveis.


Aquarius, o filme

Cesar Vanucci

“Cinema de qualidade, uma pérola no meio de produções duvidosas.”
(Marcello Azorino, no “Observatório do Cinema”)


Vendo “Aquarius”, repetiu-se comigo algo que apreciava muito fazer diante de filmes de excepcional valor artístico, nos tempos de cinemeiro inveterado: permaneci firme na poltrona da sala de exibição “mode quê” poder assistir a “segunda sessão”. Asseguro, em reta e lisa verdade, que “Aquarius” é filme de encher os olhos. Digno de ser visto mais de uma vez.

Pena não tenha sido escolhido para representar o Brasil na disputa pelo título de “melhor filme estrangeiro” na premiação do “Oscar”. Para muita gente ligada ao cinema nacional, a não escolha, injusta a mais não poder, decorreu de uma represália do Governo, via Ministério da Cultura. As autoridades competentes não conseguiram, jeito maneira, absorver a ruidosa manifestação contrária ao impeachment de Dilma Rousseff, com faixas e cartazes de “Fora Temer”, que os diretores, atores e produtores promoveram por ocasião do lançamento da fita no “Festival de Cannes”.

Indicado pelo comitê promotor do evento, ao lado de outras 20 películas, para concorrer à “Palma de Ouro” na mostra francesa, “Aquarius” acabou entrando com impetuosidade no circuito mundial a partir de maio, com projeções programadas para dezenas de países. Ao término de sua primeira semana de exibição, em setembro, nas telas brasileiras chegou a contabilizar volume de espectadores só superado, até então, pela fita “Os Dez Mandamentos”. Inscrito em vários outros festivais internacionais, recebendo indicações para “melhor filme” e “melhor atriz” (Sônia Braga) arrematou um monte de prêmios em Amsterdã, Lima, Jerusalém, e Sidney. Vem arrancando, lá fora e aqui dentro, entusiásticos aplausos do público e enaltecedoras referências da crítica especializada. A famosa publicação “Cahiers du Cinéma” relacionou-o entre os dez mais aguardados celuloides da temporada. O “Metacritic”, que calcula uma média aritmética ponderada na análise das críticas e, depois, atribui nota de zero a cem às películas mais elogiadas, conferiu a “Aquarius” uma nota 85, indicativa de “aclamação universal”. O jornal inglês “The Guardian” conferiu-lhe pontuação máxima. O crítico Peter Bradohaw assinalou “tratar-se de um rico e detalhado estudo de personagem, envolvendo o espectador na vida e mente de sua imperiosa protagonista, Clara, interpretada com domínio por Sônia Braga”, num “retrato densamente observado e soberbamente bem escrito de uma mulher de mais idade”.

Na revista de espetáculos “Variety”, o crítico Jay Weissberg entoa loas à obra. Escreveu: “Estrelando a incomparável Sônia Braga como uma viúva abastada, que tenta segurar com as duas mãos seu apartamento contra as pressões dos compradores, “Aquarius” é um estudo de personagem, bem como uma meditação perspicaz sobre a transitoriedade desnecessária do lugar e de como o espaço físico elide com a nossa identidade”. No “Observatório do Cinema” é dito por Marcello Azolino que o filme é bastante maduro “com uma protagonista complexa, elenco de apoio inspiradíssimo e um roteiro que garante excelentes diálogos”. O comentário reconhece ainda que a produção, dirigida por Kleber Mendonça Filho, com cenas rodadas em Recife, “é cinema de qualidade, uma pérola no meio de produções duvidosas, bebendo inspirações “no cinemão europeu, com seus simbolismos, pausas contemplativas nos diálogos e a carência de respostas muitas vezes”.

Na verdade, bastante singelo, conquanto envolvente, o enredo de “Aquarius” concede a Sônia Braga a chance de compor uma interpretação primorosa, raramente vista nas telas.

O desempenho da estrela brasileira, dona de currículo que inclui atuações marcantes em “Gabriela” e “Dona Flor e seus dois maridos”, parece-me digno de um “Oscar”. Clara, a personagem, é uma jornalista sessentona aposentada. Muito apegada ao apartamento onde passou boa parte da vida, recusa-se obstinadamente a vendê-lo aos dirigentes de uma construtora interessada em demolir o prédio para implantar arranha-céu mais moderno no local. Alegando razões sentimentais, enfrenta pressões de toda sorte, inclusive domésticas, para que mude de ideia. Os lances de seu cotidiano, de seus conflitos existenciais, mostrados de maneira terna, capturam irresistivelmente a atenção do espectador. O público acaba  identificando nas cenas projetadas coisas das rotinas de vida da gente  comum. 

Os excepcionais méritos de “Aquarius” ficam ainda evidenciados na competente direção do cineasta Kleber Mendonça Filho, nas esplêndidas atuações do elenco de apoio, com destaque para Humberto Carrão, Maeve Jinkings e Irandhir Santos, na fotografia de apurada qualidade de Pedro Sotero e Fabrício Tadeu, nas partituras musicais escolhidas.




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