quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Testemunha ocular da tormenta

Cesar Vanucci

“Sabemos que canalizações e tamponamentos
 são conceitos ultrapassados em política urbana.”
(Maria Caldas, Secretária de Política Urbana da PBH)

Fui testemunha ocular, ao vivo e no escuro de breu da noite, de um “tsunami” em miniatura. E olhem que eu estou distanciado, cá no pedaço de chão domiciliar, consideráveis léguas das ondas mais próximas do mar bravio! A amostra das águas em fúria, por horas a fio, foi aterrorizante, falar verdade. Conto como foi, “começando pelo comecim”, conforme se diz no saboroso dialeto capiau...

Naquela terça-feira, 27 de janeiro, cheguei em casa, largado o batente, mais cedo do que de costume. A antecipação de horário surpreendeu um conhecido que cruzou meu caminho na entrada do prédio: - “Uai! Você por aqui uma hora dessas? Aconteceu alguma coisa?” Não, não havia acontecido nada diferente, pelo menos até aquele preciso momento. Acabou mesmo acontecendo, só que depois. Tivesse chegado mais tarde teria sido impedido, como ocorreu com outros, de entrar no prédio. Por mais de dois dias ninguém entrou, ninguém saiu.

O edifício em que moro, doze andares, setenta e oito apartamentos, acha-se plantado no sopé da barragem Santa Lúcia, finalzinho da movimentadíssima avenida Prudente de Morais, praticamente num ponto de convergência de várias vias de acesso, com tráfego intenso, aos bairros Santo Antônio, São Bento, Lourdes e aglomerado conhecido por Morro do Papagaio.

De repente, não mais que de repente, precedido desses flashes descomunais que são os relâmpagos, em profusão nunca dantes vista, e de trovões que emitiam sons de artilharia pesada, irrompeu formidando aguaceiro. O que desabou das nuvens carregadas foram pingos d’água cortantes, em quantidade infinitamente superior aos previstos nos boletins meteorológicos. Deu pra perceber, logo de cara, não se tratar de uma chuva forte qualquer. Não era mesmo. Em curta fração de tempo, precipitada de diferentes pontos, de tudo quanto é lado, inclusive copiosamente esguichada das frestas rompidas dos canais de cimento armado subterrâneos das ruas, praças e avenidas, despencou avassaladora caudal. Garagens de prédios ficaram inundadas. Algumas moradias também. Veículos foram arrastados. Até trator. Camadas de asfalto foram revolvidas. Tampos de bueiros foram arremessados longe. Árvores foram partidas ao meio. De meu posto de observação, uma janela do terceiro andar, presenciei o deslocamento de incontável quantidade de carros, uns colidindo com os outros. Muitos deles achavam-se estacionados num habitualmente bucólico trecho da avenida, dotado de canteiros de árvores ao centro, contornado por encostas gramadas com passeios voltados para a avenida Arthur Bernardes e barragem Santa Lúcia. O verdadeiro rio de águas revoltas avistado lá embaixo arremetia tudo que boiava contra muros e portões. Despejava por onde passava lama e detritos de toda ordem. Quando a chuva cessou, transcorridas quase quatro tormentosas horas, e o “rio”, de certo modo, se aquietou, “improvisando” um “leito” para o escoamento da água represada nalguns trechos, demo-nos conta, tomados compreensivelmente de apreensões e temores, de nos encontrarmos “ilhados” em nosso “território doméstico”. Os estragos à volta deixaram todos chocados.

O isolamento forçado durou quase três dias em numerosas residências da área impactada. E, ao que se ficou sabendo, isso não foi registrado apenas na região centro-sul. Outros locais da capital mineira foram desafortunadamente atingidos, também, por inundações. Caso das áreas adjacentes ao Arrudas, onde ocorrem transtornos frequentes, produzidos por chuvas até de menor intensidade.

Retomando o relato pertinente ao que rolou na região centro-sul, onde parte das ocorrências ficou ao alcance de meu atônito olhar: o cenário ao redor, passada a tormenta, projetou-se assustador. Mercê de Deus, esse “incidente geológico” em específico, que deixou impressas na paisagem marcas de destruição contundentes, não registrou vítimas fatais, sabe-se lá por quais misericordiosos desígnios. O inverso sucedeu, doloridamente, enlutando a comunidade, noutros lugares e noutros momentos deste janeiro chuvoso que tanto castigo infligiu às Minas Gerais. Mas já os danos materiais, esses foram bem vultosos. De acordo com estimativas confiáveis, não menos de quinhentos veículos foram destruídos pela implacável avalancha líquida.

Em dias posteriores, o desfile de caminhões de reboque na avenida Prudente de Morais, por exemplo, mostrou-se ininterrupto. O transbordamento pelos lados da barragem Santa Lúcia gerou inesperada torrente nas ruas João Junqueira e Zoroastro Torres. Edificações e calçamento ficaram severamente danificados. Garagens alagadas, elevadores parados, fornecimento de gás interrompido, passeios obstruídos, grossas camadas de lama malcheirosa, tudo isso compôs o quadro dramático que este escriba contemplou.

Animo-me a anotar, sem vacilações, com atenção focada óbvia e estritamente na zona sul de Belo Horizonte, que a Prefeitura se houve com elogiável presteza no esforço de minimizar o desconforto dos moradores e dos que circulam pelos logradouros afetados. Montou uma operação de envergadura para acudir às emergências.

Um comentário:

Arahilda Gomes Alves disse...

Leio no JU e releio neste canto
Aprendo com o mestre,,pq,leirura obrigatória
Obrigada
Arahilda

A SAGA LANDELL MOURA

Pacto sinistro

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