Incidente
carnavalesco de outrora
Cesar Vanucci
"Uma
ocorrência escabrosa!"
(Palavras
do presidente do clube a respeito
Mais uma historietazinha relacionada com
preservativos nos usos e costumes populares.
Foi pouco antes de um animado "tríduo
momesco" de meia dúzia de anos atrás. Como sabido, o tríduo momesco deixou
de ser assim chamado quando em tudo quanto é canto a folia acabou sendo
esticada por mais dias. Na Bahia de Todos os Santos e dos atabaques
ininterruptos, até por tempo indeterminado. Sem hora pra começar nem acabar. O
carro de um conhecido emparelhou-se com o meu na descida da Afonso Pena, de
frente ao "farol", como se diz em dialeto paulistês. Ele jogou pela
janela uma pergunta que, por força das circunstâncias, não pude responder na
hora: - Escuta aqui, meu chapa, o que há de tão engraçado pra você aí, sozinho
da Silva no fusca, cair de repente na risada?
Explico, agora,
respondendo à pergunta, a razão do riso solitário no flagrante da avenida. Eu
havia acabado de guardar no porta-malas uma sacola atulhada de preservativos, a
serem entregues a uma organização que dá guarida a excluídos sociais. Ao
transportar o material, bateu-me a lembrança de uma festa carnavalesca de uns
60 anos atrás. O episódio relembrado naquela hora, inspirando confrontação com
os costumes vigorantes em épocas bastante distanciadas, deu causa à reação que
tanto intrigou meu amigo. História seguinte.
A batucada
carnavalesca ia à toda no suntuoso clube, "frequentado pela nata de nossa
progressista sociedade," segundo a abalizada opinião do festejado
colunista do jornal da cidade. A moçada rodopiava pelo salão ricamente decorado, entregando-se com
animação às relativamente bem comportadas brincadeiras, típicas dos folguedos,
toleradas nas posturas morais dominantes. Das mesas, ao redor da regurgitante
pista de dança, pais zelosos acompanhavam as graciosas evoluções das filhas
donzelas com suas fantasias multicoloridas, de apurado gosto. De súbito,
percorreu o salão, de mesa em mesa, trazido pelo vento do espanto e da
indignação, um chocante relato. A esposa do diretor social, dama de peregrinas
virtudes e de alta respeitabilidade, acabara de testemunhar, entre soluços e
lágrimas, na sala de estar do reservado feminino, algo "super
indecente". A "escabrosa ocorrência", tomando emprestadas
palavras do presidente do clube na reunião de emergência montada para uma
tomada enérgica de providências, consistiu na descoberta, largadas sobre o
confortável divã onde madame se refestelava depois de haver retocado a
maquiagem, de algumas "camisinhas de vênus" com indícios de uso
recente. A primeira versão extraída dos fatos dizia que um casalzinho "prafrentex"
havia resolvido mandar pra cucuia, na cara e na coragem, ali mesmo, valendo-se
de momento de distração da vigilância, as sadias regras da moral e dos bons
costumes. Chegou-se mesmo, com certo açodamento, à citação de nomes de supostos
autores da "sórdida proeza". O que acabou acendendo comentários
maledicentes e, mais tarde, malquerenças familiares insanáveis. Outra versão
posta nas especulações arguia a hipótese de que "aquelas indecências"
houvessem sido lançadas por um estudante, malcaratista juramentado de cidade
vizinha, depois de encher a cara com umas e outras. O auê à volta do "ato
de depravação", cujos pormenores ficaram para sempre inexplicados, afetou
de modo irreparável a festa. Honrados chefes de família, batendo duro os
calcanhares, convocaram as distintas consortes e amuados rebentos para se
recolherem mais cedo aos respectivos domicílios. A orquestra recolheu também os
instrumentos antes da hora. A presença de foliões no baile seguinte,
"terça-feira gorda", sem intenção de trocadilho, foi magra. Bastante
aquém das expectativas.
A história rendeu outros ruidosos
desdobramentos. Numa assembleia religiosa, dias depois, devotos piedosos
acompanharam, compenetrados, incandescente prédica tendo como foco o
"abominável caso", com o pregador caprichando nas citações das
passagens bíblicas que se ocupam dos pecaminosos malfeitos ocorridos em Sodoma
e Gomorra.
Quem, dentre as testemunhas oculares do
bololô armado no baile carnavalesco poderia supor na época, mesmo dando trela
ao mais ousado voo de imaginação que os "indecorosos artefatos de
látex", mercadoria clandestina incogitável nos hábitos de consumo das
pessoas de bem, passariam num futuro não tão distante a ser maciçamente
distribuídos na praça, com beneplácito oficial? Mais ainda: e com expressas
recomendações paternas e maternas, aos mancebos e às moçoilas em flor, no
sentido de que cuidassem de conservá-los sempre ao alcance da mão, guardadinhos
nos bolsos e nas bolsas, pras eventuais emergências?...
Eta mundo velho de guerra sem fronteira!
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