sexta-feira, 27 de abril de 2018


Colecionador de frases

Cesar Vanucci

“Existe uma arte da citação.”
(Valéry Larbaud, anotado por Paulo Rónai 
em seu magnífico “Dicionário de Citações”)

Existe uma natural inclinação humana para colecionar coisas. E o intrigante (para muitos, fascinante) hábito da coleção é praticado de forma fervorosa pelos adeptos. O colecionador costuma cuidar com carinho singular, não perceptível em outros procedimentos de sua rotina de vida, dos objetos colecionados. Agarra-se, também, com entusiasmo às vezes frenético, às chances de poder ampliar, com constantes aquisições, o seu precioso acervo.

A lista de materiais, peças, coisas colecionadas é extensa e profusa, oferecendo surpresas incontáveis. Obras de arte, correspondentes a momentos culturais diferentes, animais raros ou comuns, veículos antigos, gravatas, caixas de fósforo, miniaturas de garrafas de bebida e de carros de corrida, peças de vestuário: a inclinação humana para montar coleções deixa a imaginação correr solta, a voar com o desembaraço de um condor nas alturas andinas. Um tipo de coleção que andou em grande moda no passado é a de selos. O irreverente Pitigrilli dizia, a respeito: no fundo mesmo, o que os colecionadores se esmeram em reunir não passam mesmo de amostras internacionais de escarros.

Este nosso papo introdutório de hoje é pra contar procês que eu também participo, não é de hoje, sem alardes, do nobre ofício de colecionador. Comecei a coleção adolescente. Não me desapartei dela, com o atravessar dos anos, apesar da coleta intermitente, não enquadrada em critérios rígidos de disciplina. Socorrendo-me de livros de citações, de anotações à mão, de registros datilografados ou digitados, de recortes de jornais e revistas, de muitas outras modalidades de impressos, acumulei razoável coletânea de frases. Adágios, ditos de efeito, axiomas, aforismos, máximas, sentenças, ditados, brocardos, versos, manifestações proferidas em tribunais ou entrevistas, expressões nascidas da saborosa linguagem das ruas.

O material reunido trata temas antigos ou atuais. Algumas citações conservam timbre de eternidade. Outras são de duração conceitual efêmera. Utilizo-as invariavelmente no preâmbulo de meus despretensiosos escritos, como estão em condições de atestar os 25 leais e assíduos leitores que inadvertidamente me acompanham há anos.

Valéry Larbaud falava, como lembra Paulo Rónai, da existência da “arte da citação”. Dizia que “Montaigne parecia possuí-la em grau supremo”. Tudo isso posto, achei de bom alvitre, como se costumava dizer em tempos de antanho, arrolar aqui algumas frases marcantes dessa coleção, embalando a expectativa de que delas possam emanar sabedoria e enlevo que aqueçam o espírito e o coração.

De início, frases que contemplam aspectos transcendentes da aventura humana. De Teilhard de Chardin (filósofo, teólogo, antropólogo, paleontólogo, arqueólogo, uma das cabeças pensantes iluminadas do século 20): “Na escala cósmica, só o fantástico tem probabilidade de ser real.(...) Na escala cósmica, as coisas não são tão fantásticas quanto a gente imagina, mas muito mais fantásticas de que a gente jamais conseguirá imaginar.” De Jacques Bergier e Louis Pauwells (geniais autores de “O despertar dos mágicos”): “O espírito humano é que nem o paraquedas. Só funciona quando aberto.” De William Shakespeare: “Há muitos mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia.” Do excelente poeta Raul de Leoni (“Luz Mediterrânea”): “O sentido da vida e o seu arcano é a aspiração de ser divino, no prazer de ser humano.” Do poeta (indiano) Rudyard Kipling, no célebre poema “Se” (tradução de Guilherme de Almeida): “Se podes conservar a fé, quando à tua volta, atribuindo-te a culpa, os outros a perderam. Se confiando em ti mesmo, aceitas sem revolta que duvidem de ti os que não te entenderam (...) És um homem!”. De Aldous Huxley, um pensador com visão plantada no universo e no futuro: “Habitamos uma ilhota perdida, num oceano infinito de inexplicabilidades.” Do evangelho cristão: “As coisas que hão de ser, já foram.” Da sabedoria chinesa: “O peixe é o último a saber que vive dentro d’água.” Da sabedoria germânica: “A serenidade está presente nas coisas que fazemos juntos.”


Vejam mais essas citações

Cesar Vanucci

“Onde do conceito há maior lacuna,
palavras surgirão na hora oportuna.”
(Goethe)

Alguns leitores dão o ar da graça a propósito das crônicas contendo frases e versos musicais selecionados por este desajeitado escriba. Entre eles, houve quem sugerisse, com entusiasmo e insistência, uma nova sequência de citações na mesma linha. Tá claro que não passa desapercebido a este neto dileto de dona Carlota que a sugestão traz implícita a manifestação de que os textos alheios agradam mais do que os escritos do titular da coluna. Querem saber duma coisa? Partilho do mesmo ponto de vista. Tanto assim que resolvi voltar à carga, satisfazendo o pessoal. Mais: prometo, mais na frente, repetir a dose.
As frases de hoje.

Do Presidente Getúlio Vargas, na famosa carta-testamento: “Saio da vida, para entrar na história.”

Do escritor Oto Lara Resende reportando-se às lembranças do passado: “Como a Terra aos olhos de Gagarin, o passado é azul. O passado de que a gente se lembra é ainda mais azul. Dói deliciosamente.”

Ainda sobre o passado. Provérbio russo: “Ter saudades do passado é correr atrás do vento.”

Sobre leis e salsichas. Fala de Bismark, o chamado “chanceler de ferro”: “Se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas!”

Albert Einstein explica, no popular, o que é a famosa “lei da relatividade”: “Você fica com a mulher amada por duas horas; parece que se passaram dois minutos. Você encosta o traseiro na chaleira quente por dois minutos; parece que se foram duas horas.” O genial cientista exprime ainda seu inconformismo com relação a essa nódoa na convivência humana chamada preconceito. “É menos difícil quebrar um átomo, do que quebrar um preconceito.”

O (polêmico) jornalista e escritor inglês Christopher Hitchens comenta a participação dos cidadãos na vida política: “Na Atenas antiga, surgiu uma palavra para designar aqueles que não desejavam participar da vida pública – “idiota”. A palavra só se tornaria um insulto mais tarde. Mas sempre considerei que qualquer um que deseje ficar completamente de fora da vida política é, de fato, um idiota – às vezes um idiota admirável.”

Acerca do pânico nas ruas dos dias de hoje, Luiz Fernando Veríssimo tem a dizer o que se segue: “Parece incrível que ainda se duvide que a guerra urbana no Rio de Janeiro tenha ligação direta com a louca demografia do lugar e que o Brasil está pagando, em horrores repetidos, por anos de descaso e exclusão.”

Duas frases atualíssimas do físico James Hansen, da Nasa, considerado um dos maiores especialistas em clima do mundo. A primeira: “As consequências do efeito estufa serão tão ou mais poderosas a longo prazo que a maior explosão atômica de que se tem notícia.” A segunda (baseada na ideia de se criar, para o clima, uma versão do famoso “relógio do apocalipse”, bolado por cientistas atômicos como um instrumento simbólico para indicar a proximidade da catástrofe nuclear e que hoje, em 2018, está a marcar dois minutos para a meia noite): “Se houvesse um “Relógio do Apocalipse Ecológico”, eu diria que faltam apenas dois minutos para uma catástrofe natural. É pouco, mas dá tempo. E a hora de mudar é agora.”

Vamos ceder a palavra, agora, ao amor.

De Sofocleto: “Amor eterno é o que dura enquanto existe.”

Henri de Régnier exprime-se de forma parecida: “O amor é eterno enquanto dura.” A deixa foi aproveitada por Vinicius de Moraes.

Mahatma Gandhi: “O amor é a força mais abstrata e também a mais pujante que há no mundo.”

Shakespeare: “Amor é dor que desatina sem doer.”

Por último, falemos dos sinais que a vida emite para todos. “Quantas vezes trovejou antes que Benjamin Franklin compreendesse o sinal? Quantas maçãs caíram na cabeça das pessoas antes que Isaac Newton compreendesse o sinal?” (Robert Frost, esplêndido poeta estadunidense).


Que versos mais lindos!

Cesar Vanucci

“Tu pisavas nos astros  distraída...”
(Orestes Barbosa, no clássico “Chão de estrelas”, 
composto em parceria com Silvio Caldas)

A crônica literária registra uma manifestação de Manuel Bandeira, que causou na época em que foi feita, anos atrás, grande surpresa e chegou a provocar, até mesmo, um certo clima polêmico. Indagado sobre quais seriam os mais belos versos da poesia brasileira, o grande vate, sem titubeios, respondeu: “Tu pisavas nos astros distraída.” A resposta colocou no foco das atenções um clássico da MPB, “Chão de estrelas”, de onde os versos apontados por Bandeira foram retirados. Conferiu, também, justo realce a um excelente poeta popular que não frequentava os salões acadêmicos mais refinados. Orestes Barbosa, coautor da melodia, ao lado do portentoso intérprete Sílvio Caldas.

Arrostando rançosos preconceitos com o veredito proferido, o autor de “Evocação do Recife” convidou-nos, de certa maneira, com a autoridade de inconteste conhecedor do fascinante oficio da versejação, a aprender extrair das canções populares brasileiras outros achados poéticos.

Partilhando dessa certeza de que a incomparável música popular feita no Brasil é um repositório de poesia da melhor qualidade resolvi, quando de minha passagem pela direção da Rede Minas de Televisão, abrir espaço especial num dos programas que criei (“Um livro aberto”, dedicado à temática literária) para interpretações musicais do cancioneiro nacional. O canto era acompanhado de comentários sobre os versos das composições.

Dentro dessa linha de raciocínio, resolvi também, em certo período, ampliar a tal coleção de frases com letras de melodias conservadas no carinho e enlevo pela memória das ruas.

Algumas delas. “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar; tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar.” (“A felicidade”, tema do filme “Orfeu negro”, Vinicius de Moraes e Tom Jobim).

“Mas que bobagem, as rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti...” (samba-canção “As rosas não falam”, de Cartola).

“Atire a primeira pedra, ai, ai, ai. Aquele que não sofreu por amor.” (“Atire a primeira pedra”, Mário Lago e Ataulfo Alves).

“Vê, estão voltando as flores. Vê, nessa manhã tão linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança, ainda” (marcha-rancho, “Estão voltando as flores”, Paulo Soledade).

“Quem nasce lá na vila, nem sequer vacila em abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo.” (“Feitiço da vila”, Vadico e Noel Rosa).

“Batuque é um privilégio, ninguém aprende samba no colégio.” (“Feitio de oração”, Noel Rosa e Vadico)

“Se a lua nasce por detrás da verde mata mais parece um sol de prata, prateando a solidão.” (“Luar do sertão”, toada, Catullo da Paixão Cearense).

“Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer.” (“Pra não dizer que não falei de flores”, Geraldo Vandré)

“O mundo é uma escola, onde a gente precisa aprender a ciência de viver, pra não sofrer.” (“Pra machucar meu coração”, Ary Barroso)

“Fazer samba não é contar piada, quem faz samba assim não é de nada; um bom samba é uma forma de oração, porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. (“Samba da bênção”, Vinicius e Baden Pawell).

“Ai! Que amar é se ir morrendo pela vida afora. É refletir na lágrima, um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu.” (Serenata do Adeus”, Vinicius de Moraes).

“Nesta viola eu canto e gemo de verdade; cada toada representa uma sodade.” (“Tristeza do Jeca”, toada, Angelino de Oliveira).

“Tu és, de Deus a soberana flor. Tu és de Deus a criação, que em todo o coração sepultas o amor, o riso, a fé e a dor em sândalos olentes.” (“Rosa”, valsa, Alfredo Vianna, o Pixinguinha).

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito...” (“O mar”, Dorival Caymmi).

“Você que só ganha pra juntar. O que é que há? Diz pra mim, o que é que há? Você vai ver um dia em que fria vai entrar. Por cima uma laje, embaixo a escuridão. É fogo, irmão; é fogo, irmão.” (“Testamento”, Vinicius e Toquinho).


A magia da palavra

Cesar Vanucci

“As frases feitas são a companhia cooperativa do espírito.”
(Machado de Assis)

Atento ao fato de que o conhecimento da força das palavras é imprescindível no conhecimento do ser humano, conforme sustentava Confúcio, estou retomando hoje a prazerosa tarefa de enfileirar frases que andei anotando como achados verbais preciosos. A exemplo das que foram anteriormente lançadas neste acolhedor espaço, as frases de agora traduzem sentimentos, emoções, ideias, reflexões que têm muito a ver com a construção humana. Com as visões que temos do significado da existência.

Pra começar, aqui estão alguns pensamentos relativos ao mais inevitável dos fenômenos que acompanham nossa caminhada pela terra dos homens, a morte. De Fernando Pessoa: “A morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto.” De Camões: “As pessoas não morrem, partem primeiro.” De Richard Bach: “Existe um jeito simples de saber se está cumprida a missão de alguém. Se está vivo, não está.” De Guimarães Rosa: “A gente morre para provar que viveu.” Woody Allen: “Não que esteja com medo de morrer. Apenas não queria estar lá quando isso acontecesse.”

Peço a atenção do distinto leitor, em seguida, para uma definição irretocável de saudade, Supunha, até indoutrodia, que o verso alinhado abaixo, extraído de saboroso poema sertanejo, fosse da lavra do magnífico Catulo da Paixão Cearense, incontestavelmente “primeiro violão” da sinfônica brasileira de poetas. Mas ouvindo, com o enlevo costumeiro, o Rolando Boldrin declamar o poema, em seu apreciado programa na TV Cultura, inteirei-me de estar incorrendo em ledo engano. Por não haver conseguido anotar o nome do verdadeiro autor na hora, deixo aqui, um tanto constrangido, de mencioná-lo, partindo logo para a citada definição de saudade. Ei-la: “Sodade é como a grama tiririca, que a gente pode arrancá, virá de raiz pro ar, mas qua! Um fiapo escondido no torrão faz a peste vicejá.”

Registro, em seguida, outra esplêndida definição, esta relativa à expressão confiança. Algo, cá pra nós, que a esperança em dias melhores pra todo mundo, ardentemente cultivada pelas criaturas de boa-vontade em todas as latitudes, aponta como chave mestra para uma convivência humana ideal. O autor é ninguém mais, ninguém menos, do que o poetaço Tiago de Mello: “O homem deve confiar no homem, como a palmeira confia no vento, o vento confia no ar e o ar confia no campo azul do céu.” Da santa Tereza de Calcutá chega este conselho impecável acerca de um vocábulo fundamental no processo de edificação de vida solidária, fraternal e harmoniosa, o amor: “Ame até doer!” A frase da madre remete a um texto lapidar retirado do evangelho de João: “Quem não ama o próximo, que vê, como poderá amar a Deus, que não vê?” Nessa mesma linha ainda. Do poeta, professor e desembargador Lauro Fontoura, de saudosa memória: “Galileia, o luar põe alegorias brancas no cabelo do Mestre. A noite desce como uma bênção. Para os lados de Hebron, a distância se afuma num fundo bíblico de searas. Cristo apanha a seus pés uma criança leprosa. Ergue-a a altura da fronte e beija-lhe a boca. O pequeno, levantando as pálpebras ingênuas e pousando o olhar triste na doçura doirada dos olhos divinos, perguntou: - A tua religião, ó Rabi, cura as minhas feridas?”

As frases agregadas na sequência contemplam a importância, para o exercício da cidadania e para o cultivo do sentimento nacional, do idioma pátrio: “A pátria é o idioma”, acentua o fabuloso Monteiro Lobato. Eça de Queiróz, outro luminar da literatura portuguesa, sobe o tom: “Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra; todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.”

As definições que se seguem são sobre cultura. “Quando ouço alguém falar em cultura, puxo do meu revólver.” A frase, tão ao gosto do radicalismo empedernido, é atribuída a Hermann Goring, integrante da sinistra cúpula nazista. O pensador francês Louis Pauwells, coautor de “O despertar dos mágicos”, bolou, em contraposição, essa outra frase: “Quando me falam em revólver, puxo logo a minha cultura.”

Acerca do direito humano à liberdade de opinião, Voltaire produziu uma frase primorosa, utilizada como lema num dos programas (“Vice-versa”) que criei em minha passagem pela direção da Rede Minas de Televisão: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” Minha nossa! Vejam só quão oportuna se mostra esta frase, com seu fragor de sensatez e bom senso, nesta hora de preconceitos e intolerâncias tão descomedidos!

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