sexta-feira, 4 de setembro de 2020

 
Hiroshima e Nagasaki

 Cesar Vanucci

“Meu Deus! O que foi que nós fizemos?”
(Robert Lewis, co-piloto da fortaleza voadora que lançou a bomba atômica sobre Hiroshima)
 
O mundo está a relembrar, nos dias que correm, o apavorante episódio que, há 75 anos, fez de Hiroshima e Nagasaki cidades-símbolos do holocausto.
A colossal tragédia já foi analisada em livros, reportagens, tribunas, atos cívicos, exposições, por historiadores, dirigentes políticos, militares, educadores, cientistas, gente do povo, pessoas que ajudaram a apertar o botão fatídico naquela manhã de agosto de 1945 e, também, como não poderia deixar de ser, por parentes das vítimas fatais e dos sobreviventes.
São relembranças que carregam no bojo uma profusão de versões. Há a versão dos vencidos e a versão dos vencedores. A versão dos estrategistas. A de cientistas que se ocupam com entusiasmo dos avanços tecnológicos da física e do ingresso da humanidade na era nuclear. E a dos humanistas, preocupados com os enfoques demasiadamente técnicos da questão. Existem, ainda, versões militar, jurídica, ética e moral. Todas escoradas numa superabundância de argumentos solidamente plantados nas mentes de seus propagadores.
Alega-se de um lado que, se os Estados Unidos não tivessem optado pela bomba, a invasão do Japão teria custado o sacrifício de 500 mil vidas americanas. Reforça-se a alegação com o argumento de que havia uma nova arma para ser empregada e que o país chegou primeiro que os adversários na disputa pelo domínio nuclear. Em contraposição, afiança-se que a estimativa de baixas na provável invasão foi ardilosamente exagerada, de modo a provocar comoção e justificar o lançamento do artefato. Os Estados Unidos bem que poderiam ter promovido, com a presença de observadores neutros e de representantes nipônicos, uma demonstração prévia do poder catastrófico da arma. O ato valeria como um ultimato e ao adversário, comprovadamente fragilizado àquela altura, não restaria alternativa que não a capitulação.
 No extenso capítulo da condenação à atitude dos vencedores sustenta-se ainda que a bomba foi lançada menos com o intuito de levar o Japão à rendição e mais com o sentido de protocolar um recado claro e explícito à União Soviética. Uma espécie de carta de apresentação, com currículo e referências à mostra, para o pós-guerra. Para a desgastante “guerra fria” que se estendeu, com muito sofrimento e angústia, até a Perestróica, a glasnost, a derrubada do famigerado “muro de Berlim” e o consequente desmoronamento da estrutura comunista. Os anos de chumbo da “guerra fria” foram marcados, todos sabem, pela ampliação do clube atômico, que absorveu como novos associados a Rússia e outros países da antiga União Soviética, a Inglaterra, a França, a China, a Índia, o Paquistão, o Israel, a Coréia do Norte e, provavelmente, a África do Sul. E sabe-se lá mais quem!... Só que os arsenais de agora fazem dos modelos, disparados contra alvos japoneses, autênticas peças de museu, valha-nos Deus!...
Outro argumento contestatório à posição estadunidense está contido na seguinte indagação: por que o repeteco, dias depois de Hiroshima, da bomba atirada em Nagasaki? Uma única bomba não teria sido suficiente para dobrar a arrogância do Império do Sol Nascente?
Nessa hora em que afloram relembranças do histórico acontecimento, não há como esquecer a atuação dos cientistas engajados no projeto concebido em Los Alamos. Receosos de que Hitler chegasse primeiro à construção da bomba, eles fizeram um apelo a Roosevelt para que apressasse as pesquisas. Depois dos eventos de Hiroshima e Nagasaki, muitos deles, como Robert Oppenheimer, ousaram propor a abolição das armas atômicas. Sofreram estrondosa e amarga desilusão. A questão já havia escapulido ao seu controle.

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