quinta-feira, 19 de dezembro de 2019


O líder classista que acaba de partir

Cesar Vanucci

“Um cidadão de peso e medida.”
(Expressão ouvida de um panificador na missa de 7º dia de Danilo Savassi)

A gratidão é irmã gêmea do amor. Guardo este conceito no arquivo da memória desde os risonhos tempos da adolescência. Foi-me passado, na sala de aula, no antigo Liceu do Triângulo Mineiro, pelo professor José Peppe Junior, cidadão de invejável formação humanística, já não mais entre nós. O Liceu foi a planta de ensino embrionária da frondosa Universidade de Uberaba, criada pelo genial Mário Palmério.

Dia desses, a frase ressoou forte na mente, quando compartilhava, com os familiares enlutados, das emoções suscitadas pelas lembranças da vida e obra de Danilo Achiles Savassi, por ocasião da celebração da missa de 7º dia, em sua intenção, na Igreja da Santíssima Trindade, no bairro Gutierrez, Belo Horizonte. Imaginei, naqueles instantes, tomado de certeira convicção, que em nenhum estabelecimento ligado às atividades de produção e comercialização na faixa de atuação do Sindicato da Indústria de Panificação de Minas Gerais e da Associação Mineira de Panificação, a notícia da partida do ilustre personagem deixou de ser anotada com o mais sincero sentimento de pesar. Imaginei, também, que nessas mesmas horas, numerosos comentários se fizeram ouvir, em palavras encharcadas de carinho, simpatia e gratidão, sobre atos e decisões assumidos, em longa e fecunda trajetória, pelo líder classista e sindical de maiúscula projeção arrebatado ao nosso convívio.

Fiquei conhecendo Danilo nos idos de 65, ao transferir minha residência de Uberaba para Belo Horizonte. Eu era advogado do Sesi naquela encantadora cidade, acumulando esta função  com as de jornalista e professor. O saudoso Fábio de Araujo Motta, então presidente do Sistema Fiemg, aquinhoou-me com o honroso convite para assumir o cargo de Superintendente da instituição. Nele permaneci por todo o tempo das gestões do próprio Fábio, de Nansen Araujo e José Alencar Gomes da Silva. Na chegada a BH fui acolhido de forma bastante fraternal pelos ilustres integrantes do núcleo empresarial que, com descortino e competência, assessorava diretamente o presidente na condução dos destinos da valorosa entidade. Savassi fazia parte deste núcleo, que marcava presença constante no gabinete ocupado por Motta, de onde eram expedidas as diretrizes e ordens superiores para as febricitantes operações executadas pelos órgãos do Sistema: Sesi, Senai, Ciemg, Casfam, Iel, além dos sindicatos filiados, muitos deles com sede na Casa da Indústria.

Diretor tesoureiro da Fiemg, Danilo presidia, ainda, o sindicato patronal representativo da classe panaderil. Ele não ocultava o orgulho que sentia por pertencer à “nobre classe panaderil”. A expressão “panaderil” remete-me a uma cena de que fui testemunha ocular. Á guisa de provocação entre amigos um empresário de outro setor levantou dúvidas a respeito da legitimidade do vocábulo para classificar o segmento dos panificadores. Danilo, muito no seu estilo franco, tinha a resposta engatilhada na ponta da língua. Desfez, com exuberantes informações, o questionamento arguido. Deu-se ao luxo de citar trecho extraído de conto de autor português do século XIX onde o vocábulo “panaderil” havia sido empregado.

A causa classista em que empenhou talento, criatividade, capacidade empreendedora e poder de liderança, o empolgava. Era, pode-se dizer, uma de suas razões de viver. Sua sintonia com os companheiros de jornada, nos anseios comuns, nascidos do labor cotidiano dos panificadores, era perfeita, repleta de simpatia e afetividade. Porta-voz de fala vibrante dos pleitos e reivindicações grupais, ele revelou-se sempre, também, colega fraternal. Mostrava-se permanentemente disposto a dar apoio em horas dificultosas ou adversas. Sua proverbial solicitude e disposição para o diálogo, sua diligente atuação e prestimosidade, dele fizeram conselheiro intensamente demandado. Companheiros de empreitadas empresariais, colaboradores de órgãos do Sistema Fiemg procuravam-no, amiúde, para pedir sua intervenção na busca de soluções para problemas pessoais.

A padaria Savassi, de sua propriedade, que funcionou anos a fio em ponto estratégico numa parte nobre da paisagem belorizontina, tornou-se ponto de incrementada convergência popular. Transformou-se em reluzente referência, em símbolo marcante de ações comunitárias voltadas para atividades culturais, recreativas e comerciais. Acabou batizando oficialmente um dos mais charmosos e trepidantes pedaços de chão da geografia urbana da capital das Alterosas.

Repito aqui o que disse, na missa de 7º dia, à estimada viúva dona Naly e filhos, sobre o prateado amigo que acaba de “partir primeiro”, conforme a lírica definição camoniana: o esplêndido legado de Danilo, como dirigente classista, foi de molde a garantir eterna gratidão por parte de seus companheiros da classe “panaderil”.

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