“Uma mega-sena acumulada. Surfei na onda de minha mãe.” (Fernanda
Torres)
Em meio ao torvelinho da aventura humana, pausa convidativa
para poder festejar a inteligência e a arte. Pausa com tudo aquilo que uma
comemoração, ao jeito de conquista de Copa do mundo, possa abarcar. Ou seja:
aplausos ensurdecedores, brados de “viva”, charanga musical, batucada, estouro
de champanhe e por aí vai.
A conquista do Globo de Ouro pela atriz Fernanda Torres,
graças ao seu extraordinário desempenho em “Ainda estou aqui”, obra prima do
consagrado cineasta Walter Salles, confere visibilidade solar à cultura
efervescente que emerge das manifestações artísticas, nas mais variadas
modalidades da gente brasileira. Além de disputar a láurea com algumas das mais
famosas estrelas do cinema internacional, Nanda teve que superar outro
obstáculo que se afigurava à primeira vista intransponível. Seu filme era o
único falado em português, idioma com qual a grande maioria dos jurados não estava
certeiramente, familiarizada. Esbanjou talento para chegar lá. Garantiu
condição propicia, segundo a mídia e critica, para bisar o feito e trazer na
bagagem em seu retorno, o cobiçado “Oscar”. Torcida não vai faltar.
A Fernanda Torres aplica-se, impecavelmente, a emblemática
expressão “Tal mãe, tal filha”. Melhor ainda: “Tais pais, tal filha”. Ela despertou
bem cedo para a ribalta. Encontrou em casa, no pai Fernando Torres e na mãe
Fernanda Montenegro, primeira dama do teatro brasileiro, que há vinte e cinco
anos atrás, por pouco não obteve o “Globo de ouro”, todo incentivo necessários
para carreira cintilante que abraçou, vivendo papéis marcantes, no drama e na
comédia, na televisão, no teatro, no cinema.
Falemos agora do filme. Um colosso de coisas a dizer, os
louvores que vêm arrancando das plateias são mais que justificados. Direção,
elenco e produção técnica impecáveis asseguram grandiosidade a uma narrativa
humanística, aplicada a uma tragédia real ocorrida em tempos obscurantistas na
vida brasileira. O “desaparecimento” de Rubens Paiva, humanista, parlamentar, torturado
e morto durante os “anos de chumbo”, foi contado em livro, lido por milhares de
pessoas, de autoria de seu filho Marcelo Paiva. Walter Salles resolveu projetar
nas telas a dolorida historia. Fê-lo de forma magistral. Deu dimensão universal
ao chocante e estarrecedor caso. Tornou conhecida, em enorme amplitude, a
figura estoica de Eunice, esposa de Rubens, em sua indômita e obstinada luta
pelos direitos humanos e contra os desmandos do totalitarismo. A fusão da
personagem com a intérprete reveste-se de toque poético arrebatante. O filme
convida o expectador a uma reflexão sobre esse dom precioso que é a vida.
Repele implacavelmente as odientas ações humanas que insistem em amesquinhá-la.
Promove o resgate democrático da História. Celebra os valores que tornam a vida
digna de ser vivida.
Jornalista Cesar Vanucci
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