quinta-feira, 1 de junho de 2023

Dia da Indústria, 1976.

 


     

 “A democracia é, antes de tudo, um estado de espírito.” (Pierre Mendes-France, ex-primeiro ministro da França)

 

 

A celebração, 25 de maio, do “Dia da Indústria”, dentro da costumeira atmosfera de pompa e brilho que a Federação das Indústrias de MG empresta ao evento, recordou-me episódio de grande sabor histórico vivido numa dessas comemorações, há 47 anos. À falta de divulgação adequada, por culpa da rígida censura vigente na época, o caso acabou não ganhando a notoriedade a que fez jus, permanecendo na obscuridade de esquecimento quase total. Os registros disponíveis acerca do papel desempenhado pelas lideranças empresariais na redemocratização do país praticamente o ignoraram. Desconheceu-se da ocorrência o seu caráter precursor, o seu altivo e prenunciador apelo liberal.

Maio de 1976. Era a primeira vez, na história da festividade, que além do “Mérito Industrial”, atribuído a pioneiros, se iria conferir o título de “Industrial do Ano”. A escolha recaiu em Hélio Pentagna Guimarães, dirigente do poderoso grupo Magnesita, reconhecido como cidadão dotado de todos aqueles dons vocacionais que compõem o perfil do grande empresário: arrojo, dinamismo, força criativa, vigor, sensibilidade social. Dons acrescidos de sólida formação liberal, concepção profissional avançada, inteligência aguda e  rica experiência de mundo, identificando familiaridade na teoria e na prática com as modernas correntes do pensamento humanístico. Pentagna, de saudosa memória, foi um símbolo dos valores enaltecidos na manifestação.

Fábio Motta, saudoso dirigente da Fiemg, tinha Pentagna na conta de dileto companheiro. Mencionava sempre as posições firmes por ele assumidas na lida classista e empresarial, detendo-se, particularmente, na postura que teve nos idos de 60, quando se opôs com veemência à tentativa de um grupo interessado em intervir nos destinos da entidade.

Mas, eis que chegamos ao auditório do edifício “Louis Ensh”, antiga “Casa da Indústria”, para festejar o “dia da indústria” de 1976. Mundo oficial e empresarial condignamente representados. Uma multidão de convidados se acotovelando nos insuficientes espaços do auditório, saguão e jardins. A grande maioria acompanhando o desdobramento da cerimônia pelo sistema de som.

Chega a hora do agradecimento. O que se passa a ouvir vai entrar para a antologia política. Deixados pra traz os trechos introdutórios, o orador mergulha resoluto, consciente, na parte conceitual – uma baita de uma mensagem política, reveladora de que a democracia, antes de tudo, é um estado de espírito. A mensagem é recebida por um público eletrizado, dividido entre a ansiedade e a surpresa. No recinto baixa um silêncio de cemitério etrusco. Desfaz-se, como que por encanto, o burburinho característico dos atos de grande afluência, originário da impaciência de convidados que mal conseguem se aguentar de pé nos exíguos territórios em que alojam seu desconforto. De muitas pessoas percebe-se uma toada ofegante na respiração.

Enquanto isso, com o domínio da cena, a fala do homenageado se converte numa análise lúcida da realidade política, econômica e social, voltada para clara e inequívoca concitação: seja promovida logo a reabertura política sonhada por tanta gente. Pela vez primeira, em anos, em acontecimento público concorrido, empresário renomado defende ardorosamente a democracia, associando-a, como parceira indispensável, à luta pelo desenvolvimento. Discurso concluído, as palmas surgem, de início, tímidas, descompassadas, lembrando motor de carro ativado, mas não liberado ainda de todo para o arranque. Já depois, noutra cadência, impetuosas, desmancham-se em borbulhante aplauso. A festa da indústria registrou, naquela noite memorável, com toque épico, uma vigorosa proclamação de fé democrática e de crença nos destinos do Brasil.

Isso se deu meses antes do célebre protocolo firmado por um grupo de industriais paulistas, apontado ao equívoco das anotações coletadas pela história, como a primeira manifestação do empresariado em favor das liberdades públicas.

Nenhum comentário:

A SAGA LANDELL MOURA

O “X” da questão.

  *Cesar Vanucci “Babaca e hipócrita”. (Jornalista Guga Chacara, sobre Elon Musk)   A insolência do gringo endinheirado, agredindo i...