*Cesar Vanucci
“choque elétrico e “spray” de
pimenta eram aplicados nos “trabalhadores”” (fiscal do MT acerca das condições
de trabalho em Bento Gonçalves)
Este
nosso mundo velho de guerra, mundo do bom Deus onde o tinhoso costuma implantar
detestáveis enclaves, continua nos surpreendendo com suas inimagináveis narrativas.
Algumas de arrepiantes impactos. Ferem direitos sagrados. Alvejam em cheio a
dignidade humana.
Caso
sem tirar nem pôr dessa inacreditável notícia de trabalho escravo em Bento
Gonçalves, Rio Grande do sul. Ampla divulgação pela mídia acentua que o Min. do
Trabalho flagrou em vinícolas da região condições de trabalho análogas ao da
escravidão. Resgataram 207 operários submetidos a degradante tratamento. As
“modernas senzalas” dispunham de aparelhos de choque elétrico e de “sprays” de
pimenta utilizados na “relação trabalhista”. Situações assemelhadas têm sido identificadas
pela fiscalização noutras partes do país.
Humanistas,
defensores dos direitos humanos, cidadãos dotados de sensibilidade social se
perguntam, tomados de estupefação e santa indignação, como algo desse gênero
pode prosperar em pleno século XXI, molestando tão ruidosamente os brios da
nacionalidade e envergonhando um setor produtivo relevante no plano econômico.
Provocou pasmo argumento atribuído à representação das organizações pilhadas em
flagrante delito trabalhista, ao proclamarem que o trabalho escravo está
relacionado com a falta de mão de obra.
O
chocante episódio reavivou em minha memória história ocorrida a mais de meio
século. Relato-a em seguida.
O
antigo "Correio Católico", vibrante diário (mais de 10 mil
assinantes) da arquidiocese de Uberaba, e que provocou também reações
enfurecidas de setores radicais, que insistiam em nada ver de reprovável na
ocorrência, estava ligada ao tráfico de seres humanos transportados como
mercadoria nos chamados "paus-de-arara". De quando em vez, década de
50, um desses caminhões, atulhados de nordestinos escorraçados pela seca,
atraídos pelas imagens mirabolantes do tal sul maravilha, despejava sua carga
nas imediações do Mercado de Uberaba, defronte à sede da Delegacia Regional de
Polícia. O que vinha na sequencia daria para estarrecer as imagens de pedra dos
profetas enfileirados por Mestre Aleijadinho no átrio da Igreja de Congonhas. O
leilão humano se desenrolava debaixo da passividade geral. Lembrava leilão
bovino. As ofertas eram precedidas de exames físicos aviltantes, meticulosos.
Operada a transação, a mercadoria, ou seja, o ser humano adquirido, era
conduzido a área próxima, devidamente cercada e vigiada. Permanecia ali até que
o conduzissem, com os companheiros de desgraça, ao seu destino final. Dos
compradores dizia-se serem "generosos credores" dos
"trabalhadores rurais" recrutados no tenebroso processo. A esses
últimos sobrava a "prerrogativa" de, em esfalfante lida rural,
poderem algum dia quitar os débitos e, quem sabe até, ganhar de futuro sua
"alforria", minha Nossa Senhora da Abadia!
A
denúncia do jornal explodiu na Câmara dos Deputados. Estimulou até mesmo, em
certa ocasião, uma ação de resgate, executada com precisão de comandos
israelenses. Ela foi articulada por cidadãos bem situados na comunidade. Nas
caladas da noite, deram fuga a um grupo que havia sido "leiloado" na
véspera, na porta do Mercado, defronte a Delegacia Regional de Polícia, para
prestar serviços a uma meia dúzia de "senhores feudais" responsáveis
pelo pagamento dos custos da "viagem" aos donos dos "paus-de-arara".
O pessoal libertado foi recolhido, por dias, aos vestiários do estádio
"Boulanger Pucci", do Uberaba Sport, por iniciativa do presidente do
clube, Rafael Angotti, o Bolão. Lá fora, as intensas buscas para se saber do
paradeiro dos fugitivos resultaram infrutíferas. Com a solidariedade das
pessoas que os arrebataram do regime de trabalho escravo das previsões
iniciais, homens, mulheres e crianças puderam regressar aos seus pagos
nordestinos.
Jornalista(cantonius1@yahoo.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário