sexta-feira, 17 de maio de 2019


Umas e outras (literárias)

Cesar Vanucci

“O mais inventivo fenômeno literário surgido recentemente no Brasil”.
(Guido Bilharinho sobre o escritor José Humberto Henriques)

● A apreciada “Revista da Academia Mineira de Letras”, em sua última edição, recheada como sempre com trabalhos de excelente conteúdo, estampa esplêndida narrativa intitulada “Além do Chapadão do Bugre e Vila dos Confins, os mamoeiros de um quintal em Medeiros”, atribuindo a autoria, em frisante equívoco, a este desajeitado escriba. Ignoro por completo as circunstâncias que deram causa ao episódio reportado. Assim que me dei conta do ocorrido, contatei a direção da revista, procurando, ao mesmo tempo, identificar o autor do texto em questão, peça literária da melhor supimpitude, premiada em concurso nacional. Apurei tratar-se do aplaudido escritor e poeta José Humberto Silva Henriques, médico conceituado, membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro e da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Prevaleço-me da oportunosa ensancha para falar da admiração que as criações literárias de José Humberto suscitam junto a críticos qualificados e leitores exigentes, graças a qualidade de seu estilo narrativo inovador. O genial Mário Palmerio, titular do escrete brasileiro de romancistas, meu professor nos bons tempos ginasianos em Uberaba, foi quem primeiro me falou (anos 90) da chegada de José Humberto Silva Henriques na cena literária. Deixou claro, não regateando entusiasmo nas referências, que esse mineiro de Brejo Bonito, médico cardiologista e professor em Uberaba, trazia na bagagem talento e preparo mais que suficientes para a conquista de um lugar ao sol no fascinante mundo da prosa e verso. Botando tento no dito do mestre , pude constatar, à primeira leitura de um texto do escritor recomendado, fazer todo sentido a louvação ouvida da boca do autor de “Vila dos Confins”. Com seus mais de 300 livros, que lhe garantem, logo de cara, condição de realce entre os escritores mais prolíficos, José Humberto é reconhecido, por quem realmente entende do ofício das letras, como magnífico ficcionista. Trata-se, “provavelmente, do mais consistente, inventivo e multiforme fenômeno literário surgido recentemente no Brasil”, afiança o renomado escritor Guido Bilharinho. “Araguaia” e “Pernaiada” figuram, em sua vasta obra, como alguns dos títulos mais apreciados.

● “De reinados e de reisados” é obra que faculta ao leitor imersão profunda nos domínios de encantadora vertente da mais genuína arte de raiz. Quem abre a chance pra esse contato prazeroso é a antropóloga, professora, bailarina e terapeuta corporal Juliana Garcia. Valendo-se de seu talento narrativo e afinco desbravador em ações de pesquisa, ela soube extrair de longa e proveitosa convivência com integrantes do quilombo de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis uma reflexão antropológica do melhor nível a respeito de genuína manifestação enraizada na alma comunitária. O circuito festivo anual de tradicional irmandade do congado, com suas singelas louvações, de apreciável sentido místico, aos santos de devoção é retratado magnificamente nessa publicação vinda a lume graças à Lei Municipal de Incentivo a Cultura de Belo Horizonte. Às tantas, nas considerações alinhadas, a autora confessa, a propósito das “famílias herdeiras dos tambores do candombe”, que “com essas pessoas, muitas já não presentes em corpo físico, tenho aprendido sobre os mais ricos e preciosos saberes em torno da cultura herdada, tais como: festa, ancestralidade, corpo, cura, religião.” Revela-se grata “pela contribuição tão necessária deixada ao planeta e ao cosmos: a preciosa lição de resiliência, e de preservação da vida em coletividade.”
Tão substanciosos conceitos conduzem Letícia Berteli a sublinhar, no prefácio, estarmos diante de “belíssimo texto, fruto de um exercício de alteridade, abordado a partir de experiências de convívio, de referenciais teórico e poéticos precisos”. Isso aí!

● Intrigante reportagem na Band deixa escancarado, outra vez mais, o embaraço – para não dizer a notória dificuldade – que acomete certos setores da atividade intelectual na lida com o dilacerante preconceito racial. Embaraço esse que reflete, por sinal, de algum modo, padrão comportamental deploravelmente pressentido, em não poucos instantes, noutras faixas da sociedade. Aglutinando exemplos recolhidos ao longo dos tempos, estudiosos dos fenômenos sociais documentam, numa convincente pesquisa, o empenhado esforço, em sucessivos lançamentos editoriais da obra de consagrados autores brasileiros da raça negra, de apresentá-los ao público leitor, retocando-se-lhes as imagens, como pessoas de epiderme mais clara, ou menos escura... Nesse sutil processo de desfiguração, os magníficos Machado de Assis, Lima Barreto, Cruz e Souza, José do Patrocínio acabam sendo retratados, nas caprichadas ilustrações de seus livros, com traços fisionômicos que os distanciem de sua autêntica origem racial. Origem racial essa magistralmente descrita num belíssimo poema, de soberba afirmação cidadã, do inspirado vate estadunidense Langston Hughes: “Sou negro, / negro como a noite, / negro como as profundezas d’África.”


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