Arte
brasileira mundialmente consagrada
Cesar Vanucci
“O
momento brasileiro é de forte intolerância”.
(Cineasta Karim Ainouz, agraciado no Festival de Cinema de
Cannes)
A
cultura brasileira, tão depreciada ultimamente em esbravejantes e bolorentas
reações do radicalismo talibã que anda vicejando por ai, continua colhendo
merecidas louvações em círculos categorizados da inteligência universal.
A
concessão recente do prêmio “Camões”, mais alta condecoração outorgada nos
domínios da literatura em países de fala portuguesa, configurou - para gáudio
das pessoas verdadeiramente identificadas com o espírito de brasilidade -
amostra pujante da atividade cultural alojada na paisagem nacional. Chico
Buarque de Hollanda, o agraciado, é um impecável representante da criatividade
artística de nossa gente. Compositor inspirado, romancista festejado,
desassombrado arauto, com sua arrebatante arte, de clamores humanitários,
lembra muitíssimo no trabalho de disseminação cultural promovido, a lendária figura
de Vinicius de Moraes. Parceiro e amigo que deixou obra gravada para sempre na
sensibilidade e simpatia das ruas.
Nem bem
o anúncio alusivo à premiação concedida a Buarque de Hollanda ganhava o
conhecimento público, e lá, em Cannes, no mais importante e badalado festival
cinematográfico do mundo, um filme brasileiro era apontado, por júri de
cineastas de elevada qualificação, como o melhor do segmento intitulado “Um
Certo Olhar”, que integra a seleção oficial no certame. “A vida invisível de
Eurídice Gusmão”, baseado em livro de Martha Batalha, longa dirigido por Karim Ainouz, foi a película que recebeu o cobiçado
laurel. A trama retrata a história de duas irmãs, com vidas distanciadas uma da
outra, que acabam sendo inseridas, no cotidiano, em ambientes alvejados por
impiedoso machismo. Ao ser inteirado da decisão do júri, Ainouz dedicou o
prêmio, em especial, à magnífica atriz Fernanda Montenegro, protagonista do
filme, bem como, de uma maneira mais geral, “a todas as mulheres do mundo”
marcadas pela intolerância machista. Exaltou a “vivacidade do cinema
brasileiro”, assinalando que o nosso país atravessa “momento de intolerância
muito forte”, em que o obscurantismo cultural desfere “ataques gigantescos à
cultura e à educação”. Almejou, em declaração à imprensa, um futuro melhor para
a sociedade brasileira. A vitoriosa produção será lançada nas telas brasileiras
em novembro vindouro.
A premiação agora recebida se junta a outros lauréis
conquistados por artistas brasileiros em Cannes. Em 1962, a “Palma de Ouro” foi
atribuída a “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte. Em 1969,
Glauber Rocha foi considerado o melhor diretor por “O Dragão da maldade contra
o Santo guerreiro”. Fernanda Montenegro ganhou condecoração como atriz pela
atuação, em 1986, no filme “Eu sei que vou te amar”. Pelo desempenho em “Linha
de passe”, de 2008, Sandra Corveloni também abiscoitou prêmio como atriz.
E não é que, pouco depois da consagradora vitória do nosso
cinema acima relatada, outra fita brasileira foi igualmente indicada, debaixo
de aplausos da crítica e do público, para “Prêmio do Júri” no mesmíssimo
majestoso e triunfal cenário de Cannes! O notável feito histórico foi alcançado
por “Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça
Filho e Juliano
Dornelles. A narrativa premiada foi reconhecida como uma manifestação de
denúncia e resistência a desmandos, arbitrariedades e injustiças praticados
contra gente humilde de povoados rurais desassistidos das políticas públicas.
Kleber Mendonça Filho, que competiu pela “Palma de Ouro” em 2016 com a fita
“Aquarius”, ao receber o prêmio de 2019, ressaltou o seguinte: “Trabalhamos
para a cultura no Brasil e o que precisamos é de seu apoio”. O co-diretor
Dornelles dedicou a láurea “a todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil,
na ciência, na educação e na cultura”. Na coletiva de imprensa, Mendonça
admitiu temer que “a política de financiamento a favor da arte venha a ser
objeto de golpes sombrios”. A seu lado, Dornelles, acrescentou: “Apesar de
tudo, vamos continuar fazendo filmes em contato com a realidade”.
Os brasileiros mostram-se orgulhosos dessas façanhas
produzidas por patrícios talentosos que tão bem sabem exprimir, em criações
artísticas exuberantes, o sentimento nacional.
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