quinta-feira, 30 de maio de 2019


Arte brasileira mundialmente consagrada

Cesar Vanucci

“O momento brasileiro é de forte intolerância”.
(Cineasta Karim Ainouz, agraciado no Festival de Cinema de Cannes)

A cultura brasileira, tão depreciada ultimamente em esbravejantes e bolorentas reações do radicalismo talibã que anda vicejando por ai, continua colhendo merecidas louvações em círculos categorizados da inteligência universal.

A concessão recente do prêmio “Camões”, mais alta condecoração outorgada nos domínios da literatura em países de fala portuguesa, configurou - para gáudio das pessoas verdadeiramente identificadas com o espírito de brasilidade - amostra pujante da atividade cultural alojada na paisagem nacional. Chico Buarque de Hollanda, o agraciado, é um impecável representante da criatividade artística de nossa gente. Compositor inspirado, romancista festejado, desassombrado arauto, com sua arrebatante arte, de clamores humanitários, lembra muitíssimo no trabalho de disseminação cultural promovido, a lendária figura de Vinicius de Moraes. Parceiro e amigo que deixou obra gravada para sempre na sensibilidade e simpatia das ruas.

Nem bem o anúncio alusivo à premiação concedida a Buarque de Hollanda ganhava o conhecimento público, e lá, em Cannes, no mais importante e badalado festival cinematográfico do mundo, um filme brasileiro era apontado, por júri de cineastas de elevada qualificação, como o melhor do segmento intitulado “Um Certo Olhar”, que integra a seleção oficial no certame. “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, baseado em livro de Martha Batalha, longa dirigido por Karim Ainouz, foi a película que recebeu o cobiçado laurel. A trama retrata a história de duas irmãs, com vidas distanciadas uma da outra, que acabam sendo inseridas, no cotidiano, em ambientes alvejados por impiedoso machismo. Ao ser inteirado da decisão do júri, Ainouz dedicou o prêmio, em especial, à magnífica atriz Fernanda Montenegro, protagonista do filme, bem como, de uma maneira mais geral, “a todas as mulheres do mundo” marcadas pela intolerância machista. Exaltou a “vivacidade do cinema brasileiro”, assinalando que o nosso país atravessa “momento de intolerância muito forte”, em que o obscurantismo cultural desfere “ataques gigantescos à cultura e à educação”. Almejou, em declaração à imprensa, um futuro melhor para a sociedade brasileira. A vitoriosa produção será lançada nas telas brasileiras em novembro vindouro.

A premiação agora recebida se junta a outros lauréis conquistados por artistas brasileiros em Cannes. Em 1962, a “Palma de Ouro” foi atribuída a “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte. Em 1969, Glauber Rocha foi considerado o melhor diretor por “O Dragão da maldade contra o Santo guerreiro”. Fernanda Montenegro ganhou condecoração como atriz pela atuação, em 1986, no filme “Eu sei que vou te amar”. Pelo desempenho em “Linha de passe”, de 2008, Sandra Corveloni também abiscoitou prêmio como atriz.

E não é que, pouco depois da consagradora vitória do nosso cinema acima relatada, outra fita brasileira foi igualmente indicada, debaixo de aplausos da crítica e do público, para “Prêmio do Júri” no mesmíssimo majestoso e triunfal cenário de Cannes! O notável feito histórico foi alcançado por “Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A narrativa premiada foi reconhecida como uma manifestação de denúncia e resistência a desmandos, arbitrariedades e injustiças praticados contra gente humilde de povoados rurais desassistidos das políticas públicas. Kleber Mendonça Filho, que competiu pela “Palma de Ouro” em 2016 com a fita “Aquarius”, ao receber o prêmio de 2019, ressaltou o seguinte: “Trabalhamos para a cultura no Brasil e o que precisamos é de seu apoio”. O co-diretor Dornelles dedicou a láurea “a todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, na ciência, na educação e na cultura”. Na coletiva de imprensa, Mendonça admitiu temer que “a política de financiamento a favor da arte venha a ser objeto de golpes sombrios”. A seu lado, Dornelles, acrescentou: “Apesar de tudo, vamos continuar fazendo filmes em contato com a realidade”.

Os brasileiros mostram-se orgulhosos dessas façanhas produzidas por patrícios talentosos que tão bem sabem exprimir, em criações artísticas exuberantes, o sentimento nacional.

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