sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O peregrino do futuro

Cesar Vanucci

“Só o homem pode ajudar o homem a decifrar o mundo”.
(Pierre Teilhard de Chardin)

Há pouco mais de ano, neste mesmo acolhedor espaço, habitualmente usado para propagação dos singelos conceitos deste escriba bem intencionado, mas de apoucados conhecimentos, registrei magistrais pensamentos de um personagem extraordinário, Pierre Teilhard de Chardin. Apontado como “O peregrino do futuro” por um de seus biógrafos, esse padre de mente prodigiosa e avantajada sabedoria, jesuíta como o magnífico Papa Francisco, entrou na história como um dos mais fulgurantes pensadores de vanguarda.

No texto em foco, versando o tema “A religião e a espiritualidade”, Chardin ressalta a importância fundamental do ecumenismo como fator de promoção da paz universal e do bem-estar social. Algo sabidamente ignorado, quando não hostilizado, por um mundão de adeptos de variados cultos, em diferentes latitudes geográficas. Pessoal que enfrenta tremendas dificuldades em conciliar o fervor dos fazeres religiosos com práticas saudáveis de elevação humanística e espiritual. Vale a pena anotar três frases emblemáticas da mensagem de infinita beleza aludida acima. Ei-las: “A religião não é apenas uma, são centenas. A espiritualidade é apenas uma”; “A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer e querem ser guiados. A espiritualidade é para os que prestam atenção à sua voz interior”; “A religião tem um conjunto de regras dogmáticas. A espiritualidade convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo”.

No papo de hoje com o culto leitorado, peço permissão para alinhar outras pérolas da chardiniana sabedoria. São igualmente reveladoras da estupenda dimensão da cultura filosófica que exorna a trajetória sacerdotal e científica do aclamado teólogo francês, nascido em 1º de maio de 1881 e “encantado” (como diria nosso Guimarães Rosa) em 10 de abril de 1955. É desagradável, mas não pode deixar de ser recordado, de passagem, que sua obra foi alvo de impiedosas restrições por parte do “Santo Ofício”, e que o notável jesuíta foi forçado pelos superiores a prolongados e aviltantes exílios. Apesar das provações a que foi submetido pelo obscurantismo cultural, Teilhard de Chardin manteve incólume “fé fundamental no valor, infalibilidade e bondade do mundo, (...) fé no homem, na sua capacidade reflexiva e afetiva (...) para além da tranquilidade e do prazer; (...) fé num Ultra-Humano acima de nós e à nossa frente”, como sublinha José Luiz Arcanjo, no perfil biográfico que dele traça.

Convido todos, agora, para o desfrute de outros trechos das lições de vida deixadas pelo portentoso pensador. Vamos lá: “Só o homem pode ajudar o homem a decifrar o mundo”; “Toda energia consciente é, como o amor, a base da esperança”; “Se meus escritos são de Deus, passarão. Se não são de Deus, só resta esquecê-los”; “A pessoa é essencialmente cósmica”; “O homem é o único ser não apenas que sabe, mas que sabe que sabe”; “Deus é o coração de tudo”; “No Mundo material, o fenômeno essencial é a Vida (porque interiorizada). No Mundo vivo, o fenômeno essencial é o Homem (porque reflexivo)”; “A matéria está toda carregada de possibilidades sublimes”; “A fé tem a necessidade de toda a verdade”; “O passado me revelou a construção do futuro”; “Um novo domínio de expansão psíquica: eis o que nos falta, e eis o que está precisamente diante de nós, se apenas erguemos os olhos. A paz na conquista, o trabalho na alegria: ambos nos esperam, para além de qualquer império oposto a outros impérios, numa totalização interior do Mundo sobre si mesmo, - na edificação unânime de um Espírito da Terra”.

Em setembro de 1981, na celebração do centenário de Teilhard de Chardin, reunindo figuras exponenciais das ciências humanas e ciências exatas, a Unesco emitiu uma medalha que traz, no anverso, a efígie do sábio jesuíta e, no reverso, mapa-mundi ostentando, ao centro, a expressão grega Ômega, símbolo teilhardiano da convergência final na evolução universal. A medalha comporta ainda esta inscrição: “Compreensão e respeito sagrado pelo humano”.

Arrematando estas considerações, não resisto à tentação de, mais uma vez registrar neste espaço outra frase primorosa desse verdadeiro gênio autor de obra considerada pelo saudoso Evaristo Arns “uma lareira que nos aquece no frio inverno em que se tenta envolver a humanidade”. Aqui está a frase: “Na escala cósmica, só o fantástico tem probabilidade de ser real. Na escala cósmica, as coisas não são tão fantásticas como a gente imagina ser, mas muito mais fantásticas do que a gente jamais conseguirá imaginar”.

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