sexta-feira, 9 de agosto de 2019


HOMENAGEM DA AMULMIG 
À MEMÓRIA DO DESEMBARGADOR 
RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIÚZA



A Academia Mineira de Letras prestou, no último dia 2 de agosto, uma homenagem à memória do acadêmico RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIÚZA, desembargador e professor. A acadêmica Maria Inês Chaves de Andrade, secretária geral da Amulmig (Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais) proferiu na ocasião, em nome de sua entidade, o discurso abaixo reproduzido.

"Boa noite. Cumprimento o Acadêmico Rogério Faria Tavares, DD. Presidente da Academia Mineira de Letras; e as demais autoridades presentes em nome do Presidente da Academia Municipalista de Letras que aqui represento, o Acadêmico Cesar Pereira Vanucci, ora ausente em virtude das comemorações de seu aniversário e, sobretudo, os colegas da Associação dos Ex-Estudantes de Portugal, na pessoa do Dr. Octacílio Christo, neste momento de homenagem a nosso Presidente, Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza, membro desta Academia de Letras de Minas Gerais.
Há um provérbio oriental que a nós se nos põe pela consciência de que “homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Então, vou à geração de homens da cepa do Prof. Ricardo Fiúza para reverenciar-me diante dela e nela, particularmente deificá-lo, hoje e nesta Casa, porquanto seja nela onde se imortalizou.
Ora, a mortalidade afeta os afetos e faz-nos sofrer cotidianamente diante da falta, por tudo que, na filigrana da sensibilidade, ourivesaria em marca d’água, temos por inapreçável: o beijo, o abraço, o cheiro, o tom de voz, o olhar, a possibilidade de qualquer súbito de encontro. Mas, perder um homem com a consistência do Professor Ricardo Fiúza, de repente, atenta muito mais que com saudade contra todos nós -restasse apenas ela já seria muito – porquanto nossa fragilidade temporal,mais do que a nos lembrar que temporários, assacada contra os homens fortes de nosso tempo, nos expõe à orfandade, subitamente, relevando de nós nossa fraqueza, a que se amparava até então sob a égide de sua presença para sugerir musculatura. Por isso, é preciso, muito preciso que nesta época de homens fracos e tempos difíceis, a perenidade da presença do Prof. Ricardo Fiúza,prenunciada por sua imortalidade declarada em vida, seja trazida à baila sempre nesta Academia de Letras pela transcendência dos valores que ele proclamou, forjados todos sob a mesma força que o submeteu em outros tempos difíceis, aqueles em que se deu por soldado o imortal, lacrado, pois, o guerreiro à solda, para que, definitivamente, amalgamada aparência e essência, exsurgisse um homem cuja fidalguia reverberou sempre uma nobreza espiritual indiscutível e uma portentosa riqueza interior.
Proclama-se, que o homem não se confunde com sua obra, tanto há a preservá-la dele pelas vezes em que sua moralidade, sua convicção particular de certo e errado e de justo e injusto, nalguma circunstância ou mais, atente contra o que da Razão entendeu por comunicar, objetivamente, não se autorizando, pois, que seu legado intelectual se comprometa sob uma subjetividade manifestamente espúria. Então, sobreleva-se mais aqui a medida do Prof. Ricardo Fiúza enquanto grande homem, este cuja estatura dá-nos, da grandeza verdadeira das coisas, a dimensão exata da existência, a partir do que ele enxergava e dava a ver, porque exemplo, um dentre os que arrastam enquanto a palavra, seja o léxico e a Bíblia, frustram-se a educar. O memorial vivo e vivificado de um imortal como o professor Ricardo Fiúza, cuja obra paralelamente a ele também se imortaliza na confusão de uma mesma verdade moral e ética, dobra as chances de a juventude poder apreender a propósito dos homens fortes, porque talvez ele os possa arrastar como exemplo nestes tempos de tanta debilidade, enquanto desmoraliza-se a palavra. Penso que talvez por isto, o professor Ricardo Fiúza tenha se tornado constitucionalista e como tal imortalizado-se como autor a propósito de tudo quanto versava a Constituição da República Federativa do Brasil. Ele soubera que a voz do povo é a voz de Deus e deu-se à ausculta, tão culta quanto sua formação acadêmica lhe proporcionara,aquela gravada sob os tempos difíceis do menino nascido dois anos antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial. A vontade do povo sancionada e proclamada na Carta Magna de 1988 exigiu dele oração, coordenada, subordinada, adjetiva, substantiva e de fé, no sacerdócio de sua Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na autoria de seus livros e no exercício de sua docência na Faculdade de Direito Milton Campos.Tinha vivido tempos muito difíceis até poder pô-la sob seu crivo de cidadão e democrata, servidor público e professor de direito constitucional.
Nosso Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza ora dribla a mortalidade e vive eternamente conosco. Na literatura, em obras de ficção ou de caráter mitológico, há vários registros desse desejo do homem de prolongar-se na vida muito mais do que prolongá-la ela mesma, sendo o primeiro anseio demanda do herói e o segundo, do homem comum. Comumente, o pensamento sobre a imortalidade toma a eternidade de dois modos: ou como uma paixão pelo prazer de viver que se quer continuado ou como uma maldição – dos deuses, das trevas, ou de criaturas malignas, que prendem os humanos em um tempo que nunca lhes passa.
Mas, eternizar-se na história a partir de seus feitos é uma outra história, aquela que sempre conduziu a luta para vencer a mortalidade no fomento de narrativas heroicas, feitos grandiosos e aventuras épicas. Hodiernamente, enquanto o primeiro desejo de imortalidade incita pesquisas médicas e científicas pelo enfrentamento do tempo da natureza, o segundo expõe o acadêmico no embate contra as agruras destes tempos difíceis. Ora, a imortalidade em tempos de comprometimento da vida humana sobrepesa do homem forte a consciência e provoca textos sobre todos os contextos, intervenções objetivas na face ética de um mundo que clama para que alguém possa dizer da beleza que perscruta a humanidade e os bichos-homens, em sua fragilidade e impotência, não podem reconhecer, porque é efetivamente com os confrades e as confreiras de Academus que resta a força pelo enfrentamento de tempos difíceis, já que há muito a Escola de Platão conclama a mesma pedagogia da palavra pela tessitura do ser humano enquanto projeto intelectual daquele que se diz, enquanto homem apenas, imagem e semelhança de Deus.
O professor Ricardo Fiúza foi um ser humano porque sempre misericordioso, bom, leal, justo, solidário e sendo, acolheu-nos todos quantos lhe tenhamos chegado em pleito. Fui apresentada ao mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa por ele, como por suas mãos afetuosas, fui acolhida na capital lusitana. Mais tarde, fiz-lhe dedicatória na tese de doutorado porque sobre a fraternidade e sendo, haveria de estar tamanho magistério vivo a propósito.
Ele conheceu mirantes com a responsabilidade de quem aprendeu que a ignorância mata e de tanto saber, viveu sobejamente. Sábio, assumiu pontos de vista de doutrinador e porque saber vem de sabor, assumiu câmera fotográfica e deu-nos a experimentar delícias de sua história particular. Na foto do aluno 607/fiuza-cpor, tirada em 1957, a dedicatória do soldado de infantaria para mim “com o abraço do ‘infante’” em que destacou ele mesmo, pois, o título monárquico que sem dúvida lhe cabia, fosse príncipe de quepe em lugar da coroa. Mero casuísmo, nobre Ricardo já que fora mesmo ungido onde o amor construiu reino para pôr, de seguida, sua Dona Janice, e os miúdos, Diga e Gina seus, mais quantos lhes tenham cabido na alma.
Um imortal de texto escrito e imagético como o Professor Ricardo Fiúza soube do valor da palavra, a que com ela nunca faltou por caráter, exatamente a palavra que falha hoje, seja por deslealdade ou por constrição vocabular, a palavra que de tanto valor é sinônimo de Bíblia, ela, a palavra de Deus e Ele, o Verbo, de Quem a sociedade humana quer-se aprochegar sem a valorar e sem dar-se à conjugação, a conjugação de todos os esforços para o empreendimento de uma ação de ser humano em relação ao outro até que todo homem se reconheça humano, sendo. Ora, pois, que senão através da palavra e do verbo, então, não há como achegar-se à divindade humana imanente em nós para dar-lhe a devida encarnação essencial, constrangida de tanta aparência, da que a essência quase nunca reverbera.
Por silogismo lógico, se todo homem é mortal, o Professor Ricardo Fiúza não era homem e porque imortal e senão Deus, certamente, o ser humano que a Academia acolhe por similitude de essência com o Pai através da obra que se diviniza entre os homens através do tempo e do espaço.
A língua portuguesa para o Professor Ricardo Fiúza tinha uma contextura especial. O povo de Camões e Vieira e Florbela e Pessoa, Eça e outras pessoas também tinham dele todo carinho do mundo. O professor Ricardo Fiúza era um perdido por Portugal tanto lá se tenha encontrado em suas raízes como vincado outras porque sobrinha às vezes é também pequena sobra de uma ascendência imensa, a sua que já vivia há muito encastelada na Torre de Belém.
Para o professor Ricardo Fiúza, não havia como seu coração escolher entre Brasil e Portugal porque a lusofonia para ele era soberana, senhora e rainha de todo território e povo que se sentissem amalgamados por um mesmo sentimento patriótico, aquele que o Livro do Desassossego de Bernardo Soares comunica através de Fernando Pessoa a propósito do mesmo amor: Minha pátria é a língua portuguesa.
Assim, nestes tempos difíceis e de homens fracos, enquanto se compromete nosso país sob todas as formas e reformas, a pátria conformada na língua portuguesa roga para que o exemplo de seres humanos como o Professor Ricardo Fiúza arraste os diálogos e a comunicação entre os homens, de modo que eles se façam compreender e compreendam como tenham acesso ao entendimento. Nas nossas relações sociais é preciso privilegiar-se o verbo e o verbete à força física e à estupidez, mais porque, já que nascida uma “ciência cognitiva”, sob a reunião de ferramentas de psicologia, da ciência da computação, da linguística, filosofia e neurobiologia não há como restar-nos, seja como for, constrangidos em nossa comunicação e proclame de tudo quanto transcenda da Razão antes da Bastilha.
O Professor Ricardo Fiúza herdou o mesmo gosto de dizer e de palavrar de Pessoa e este seu legado agora ele no-los deixa, num momento histórico em que a educação de nosso povo se ressente de abandono. Nossa pátria é a língua portuguesa, especialmente no território acadêmico das letras e é nele que a temos de proteger, de lutar por ela e através dela enfrentarmos a hipnótica narração do mundo e a descrição acusatória da existência, a nos conduzir e aos nossos pela trilha de um destino já traçado e limitante.
Professor Ricardo Fiúza, a si minha infinita admiração por sua impecabilidade em tudo quanto realizou e minha gratidão pelo exemplo de sua palavra, porque tão educativa quanto arrebatadora, tenha sido afetuosa, jurídica, literária ou jornalística e onde sua dignidade nunca conheceu ladrões nem ferrugem. Muito obrigada.

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