HOMENAGEM DA AMULMIG
À MEMÓRIA DO DESEMBARGADOR
RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIÚZA
A Academia Mineira de Letras prestou, no último dia 2 de agosto, uma homenagem à memória do acadêmico RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIÚZA, desembargador e professor. A acadêmica Maria Inês Chaves de Andrade, secretária geral da Amulmig (Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais) proferiu na ocasião, em nome de sua entidade, o discurso abaixo reproduzido.
"Boa
noite. Cumprimento o Acadêmico Rogério Faria Tavares, DD. Presidente da Academia Mineira de Letras; e as demais autoridades presentes em nome do Presidente da Academia Municipalista
de Letras que aqui represento, o Acadêmico Cesar Pereira Vanucci, ora ausente
em virtude das comemorações de seu aniversário e, sobretudo, os colegas da Associação
dos Ex-Estudantes de Portugal, na pessoa do Dr. Octacílio Christo, neste
momento de homenagem a nosso Presidente, Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza,
membro desta Academia de Letras de Minas Gerais.
Há
um provérbio oriental que a nós se nos põe pela consciência de que “homens
fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens
fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Então, vou
à geração de homens da cepa do Prof. Ricardo Fiúza para reverenciar-me diante
dela e nela, particularmente deificá-lo, hoje e nesta Casa, porquanto seja nela
onde se imortalizou.
Ora,
a mortalidade afeta os afetos e faz-nos sofrer cotidianamente diante da falta, por
tudo que, na filigrana da sensibilidade, ourivesaria em marca d’água, temos por
inapreçável: o beijo, o abraço, o cheiro, o tom de voz, o olhar, a
possibilidade de qualquer súbito de encontro. Mas, perder um homem com a
consistência do Professor Ricardo Fiúza, de repente, atenta muito mais que com
saudade contra todos nós -restasse apenas ela já seria muito – porquanto nossa
fragilidade temporal,mais do que a nos lembrar que temporários, assacada contra
os homens fortes de nosso tempo, nos expõe à orfandade, subitamente, relevando
de nós nossa fraqueza, a que se amparava até então sob a égide de sua presença
para sugerir musculatura. Por isso, é preciso, muito preciso que nesta época de
homens fracos e tempos difíceis, a perenidade da presença do Prof. Ricardo
Fiúza,prenunciada por sua imortalidade declarada em vida, seja trazida à baila sempre
nesta Academia de Letras pela transcendência dos valores que ele proclamou,
forjados todos sob a mesma força que o submeteu em outros tempos difíceis, aqueles
em que se deu por soldado o imortal, lacrado, pois, o guerreiro à solda, para
que, definitivamente, amalgamada aparência e essência, exsurgisse um homem cuja
fidalguia reverberou sempre uma nobreza espiritual indiscutível e uma portentosa
riqueza interior.
Proclama-se,
que o homem não se confunde com sua obra, tanto há a preservá-la dele pelas
vezes em que sua moralidade, sua convicção particular de certo e errado e de
justo e injusto, nalguma circunstância ou mais, atente contra o que da Razão entendeu
por comunicar, objetivamente, não se autorizando, pois, que seu legado
intelectual se comprometa sob uma subjetividade manifestamente espúria. Então, sobreleva-se
mais aqui a medida do Prof. Ricardo Fiúza enquanto grande homem, este cuja
estatura dá-nos, da grandeza verdadeira das coisas, a dimensão exata da
existência, a partir do que ele enxergava e dava a ver, porque exemplo, um
dentre os que arrastam enquanto a palavra, seja o léxico e a Bíblia,
frustram-se a educar. O memorial vivo e vivificado de um imortal como o
professor Ricardo Fiúza, cuja obra paralelamente a ele também se imortaliza na
confusão de uma mesma verdade moral e ética, dobra as chances de a juventude
poder apreender a propósito dos homens fortes, porque talvez ele os possa
arrastar como exemplo nestes tempos de tanta debilidade, enquanto
desmoraliza-se a palavra. Penso que talvez por isto, o professor Ricardo Fiúza tenha
se tornado constitucionalista e como tal imortalizado-se como autor a propósito
de tudo quanto versava a Constituição da República Federativa do Brasil. Ele
soubera que a voz do povo é a voz de Deus e deu-se à ausculta, tão culta quanto
sua formação acadêmica lhe proporcionara,aquela gravada sob os tempos difíceis
do menino nascido dois anos antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial. A
vontade do povo sancionada e proclamada na Carta Magna de 1988 exigiu dele
oração, coordenada, subordinada, adjetiva, substantiva e de fé, no sacerdócio
de sua Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
autoria de seus livros e no exercício de sua docência na Faculdade de Direito Milton
Campos.Tinha vivido tempos muito difíceis até poder pô-la sob seu crivo de
cidadão e democrata, servidor público e professor de direito constitucional.
Nosso
Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza ora dribla a mortalidade e vive eternamente
conosco. Na literatura, em obras de ficção ou de caráter mitológico, há vários
registros desse desejo do homem de prolongar-se na vida muito mais do que
prolongá-la ela mesma, sendo o primeiro anseio demanda do herói e o segundo, do
homem comum. Comumente, o pensamento sobre a imortalidade toma a eternidade de
dois modos: ou como uma paixão pelo prazer de viver que se quer continuado ou como
uma maldição – dos deuses, das trevas, ou de criaturas malignas, que prendem os
humanos em um tempo que nunca lhes passa.
Mas,
eternizar-se na história a partir de seus feitos é uma outra história, aquela
que sempre conduziu a luta para vencer a mortalidade no fomento de narrativas
heroicas, feitos grandiosos e aventuras épicas. Hodiernamente, enquanto o primeiro
desejo de imortalidade incita pesquisas médicas e científicas pelo
enfrentamento do tempo da natureza, o segundo expõe o acadêmico no embate
contra as agruras destes tempos difíceis. Ora, a imortalidade em tempos de
comprometimento da vida humana sobrepesa do homem forte a consciência e provoca
textos sobre todos os contextos, intervenções objetivas na face ética de um
mundo que clama para que alguém possa dizer da beleza que perscruta a
humanidade e os bichos-homens, em sua fragilidade e impotência, não podem
reconhecer, porque é efetivamente com os confrades e as confreiras de Academus
que resta a força pelo enfrentamento de tempos difíceis, já que há muito a
Escola de Platão conclama a mesma pedagogia da palavra pela tessitura do ser
humano enquanto projeto intelectual daquele que se diz, enquanto homem apenas,
imagem e semelhança de Deus.
O
professor Ricardo Fiúza foi um ser humano porque sempre misericordioso, bom, leal,
justo, solidário e sendo, acolheu-nos todos quantos lhe tenhamos chegado em
pleito. Fui apresentada ao mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa por ele, como por suas mãos afetuosas, fui acolhida na capital lusitana.
Mais tarde, fiz-lhe dedicatória na tese de doutorado porque sobre a
fraternidade e sendo, haveria de estar tamanho magistério vivo a propósito.
Ele
conheceu mirantes com a responsabilidade de quem aprendeu que a ignorância mata
e de tanto saber, viveu sobejamente. Sábio, assumiu pontos de vista de
doutrinador e porque saber vem de sabor, assumiu câmera fotográfica e deu-nos a
experimentar delícias de sua história particular. Na foto do aluno
607/fiuza-cpor, tirada em 1957, a dedicatória do soldado de infantaria para mim
“com o abraço do ‘infante’” em que destacou ele mesmo, pois, o título
monárquico que sem dúvida lhe cabia, fosse príncipe de quepe em lugar da coroa.
Mero casuísmo, nobre Ricardo já que fora mesmo ungido onde o amor construiu
reino para pôr, de seguida, sua Dona Janice, e os miúdos, Diga e Gina seus,
mais quantos lhes tenham cabido na alma.
Um
imortal de texto escrito e imagético como o Professor Ricardo Fiúza soube do
valor da palavra, a que com ela nunca faltou por caráter, exatamente a palavra
que falha hoje, seja por deslealdade ou por constrição vocabular, a palavra que
de tanto valor é sinônimo de Bíblia, ela, a palavra de Deus e Ele, o Verbo, de
Quem a sociedade humana quer-se aprochegar sem a valorar e sem dar-se à
conjugação, a conjugação de todos os esforços para o empreendimento de uma ação
de ser humano em relação ao outro até que todo homem se reconheça humano,
sendo. Ora, pois, que senão através da palavra e do verbo, então, não há como
achegar-se à divindade humana imanente em nós para dar-lhe a devida encarnação
essencial, constrangida de tanta aparência, da que a essência quase nunca
reverbera.
Por
silogismo lógico, se todo homem é mortal, o Professor Ricardo Fiúza não era
homem e porque imortal e senão Deus, certamente, o ser humano que a Academia
acolhe por similitude de essência com o Pai através da obra que se diviniza
entre os homens através do tempo e do espaço.
A
língua portuguesa para o Professor Ricardo Fiúza tinha uma contextura especial.
O povo de Camões e Vieira e Florbela e Pessoa, Eça e outras pessoas também
tinham dele todo carinho do mundo. O professor Ricardo Fiúza era um perdido por
Portugal tanto lá se tenha encontrado em suas raízes como vincado outras porque
sobrinha às vezes é também pequena sobra de uma ascendência imensa, a sua que
já vivia há muito encastelada na Torre de Belém.
Para o professor Ricardo Fiúza, não
havia como seu coração escolher entre Brasil e Portugal porque a lusofonia para
ele era soberana, senhora e rainha de todo território e povo que se sentissem
amalgamados por um mesmo sentimento patriótico, aquele que o Livro do Desassossego
de Bernardo Soares comunica através de Fernando Pessoa a propósito do mesmo
amor: Minha pátria é a língua portuguesa.
Assim,
nestes tempos difíceis e de homens fracos, enquanto se compromete nosso país
sob todas as formas e reformas, a pátria conformada na língua portuguesa roga
para que o exemplo de seres humanos como o Professor Ricardo Fiúza arraste os
diálogos e a comunicação entre os homens, de modo que eles se façam compreender
e compreendam como tenham acesso ao entendimento. Nas nossas relações sociais é
preciso privilegiar-se o verbo e o verbete à força física e à estupidez, mais
porque, já que nascida uma “ciência cognitiva”, sob a reunião de ferramentas de
psicologia, da ciência da computação, da linguística, filosofia e neurobiologia
não há como restar-nos, seja como for, constrangidos em nossa comunicação e
proclame de tudo quanto transcenda da Razão antes da Bastilha.
O
Professor Ricardo Fiúza herdou o mesmo gosto de dizer e de palavrar de Pessoa e
este seu legado agora ele no-los deixa, num momento histórico em que a educação
de nosso povo se ressente de abandono. Nossa pátria é a língua portuguesa, especialmente
no território acadêmico das letras e é nele que a temos de proteger, de lutar
por ela e através dela enfrentarmos a hipnótica narração do mundo e a descrição
acusatória da existência, a nos conduzir e aos nossos pela trilha de um destino
já traçado e limitante.
Professor
Ricardo Fiúza, a si minha infinita admiração por sua impecabilidade em tudo
quanto realizou e minha gratidão pelo exemplo de sua palavra, porque tão
educativa quanto arrebatadora, tenha sido afetuosa, jurídica, literária ou
jornalística e onde sua dignidade nunca conheceu ladrões nem ferrugem. Muito
obrigada.
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