segunda-feira, 21 de novembro de 2011

As grandes potências


Cesar Vanucci *

“Toda grande potência troça dos demais.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

As grandes potências são contra a bomba. Dos outros. Possuem estocados artefatos nucleares suficientes para destruir a galáxia inteira. Falam, de vez em quando, até em colocar em órbita permanente no espaço sideral, em caráter naturalmente “preventivo", satélites equipados com suas armas de devastação definitiva. Continuam a desbravar os assustadores domínios bélicos da energia atômica, patrocinando experiências nunca interrompidas, apesar dos propósitos de não beligerância proclamados em exasperante retórica. Viram bicho, vociferam ameaças de fazer estremecer céus e terras quando um país não pertencente ao seu fechadíssimo clube, dá mostras de querer "quebrar a paz e a harmonia mundiais", que elas, as grandes potências, tão bem têm sabido preservar, sabe lá Deus como. Entenda-se como tentativa de ruptura com a paz, tranquilidade e harmonia reinantes neste nosso planeta qualquer iniciativa que leve à construção de uma bomba como aquelas que reduziram a pó as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki. As grandes potências fazem sempre questão, em seu alardeado apego à paz, de deixar consignada sua posição contrária à bomba. Dos outros.

As grandes potências manifestam-se contrárias também às armas bacteriológicas e quaisquer outras armas que provoquem a destruição em massa de vidas e patrimônios. Armas dos outros, bem entendido. No que lhes diz particularmente respeito, têm na conta de um direito de outorga divina o armazenamento, em silos subterrâneos, de milhões de frascos com toda sorte de vírus mortíferos. Tão mortíferos que podem, a umas poucas aplicações na atmosfera, em reservatórios de água, em locais de grande concentração, varrer da face da terra, em curtíssima fração de tempo, toda manifestação de vida humana.

As grandes potências, em passado não muito distante, demonstraram não ser favoráveis à derrubada de aviões clandestinos que eventualmente possam cruzar o espaço aéreo dos territórios nacionais. Dos outros. Fizeram saber, na ocasião, por intermédio de suas chancelarias, que lhes aborreceria imaginar nações emergentes, como (por exemplo) o Brasil, a aporem sua concordância num pacto internacional favorável ao abate de aeronaves que violassem sua soberania. Por conta dessa recomendação das grandes potências, o Brasil (por exemplo) colocou-se, anos a fio, até uma ruptura com o abuso tomada no governo FHC, na condição de impotente espectador diante do fato perturbador de aviões de diferentes procedências, transportando drogas, contrabando, produtos de pirataria ecológica, a singrarem de lado para outro os céus da Amazônia. Onde, aliás, sem permissão oficial, andou circulando, também, algum tempo atrás, todo desenvolto, com “direito” a aterrissagem e tudo mais, sem pedido oficial prévio de pouso, um avião de transporte militar francês conduzindo oficiais de alta patente para negociar resgate de reféns com guerrilheiros colombianos. Depois da intolerável façanha, diante de protesto formal do Itamarati, a chancelaria do “Champs Elysées” formulou pedido de esfarrapada desculpa.

As grandes potências declaram-se sempre, além do mais, contrárias a violentação do meio ambiente. Quando praticada pelos outros. É claro. Costumam recusar-se, na parte que se lhes toca, a botar em prática, mesmo quando as subscrevam, resoluções que forcem seu parque industrial a reduzir a carga de poluentes despejada na atmosfera, causa principal do constante adelgaçamento da camada de ozônio.

As grandes potências são contra ainda os subsídios agrícolas e outras formas de protecionismo mercadológico. Dos outros. No plano doméstico, deitam e rolam com relação aos mesmíssimos procedimentos que, farisaicamente, condenam em ações alheias. Não se enrubescem em adotar, no tocante às ações dos outros, ferozes represálias.

Conclusão a extrair dos fatos. As grandes potências estão contra. Os outros.



Um artista gigantesco


“Precisamos de afeição e doçura.”
(Charles Chaplin)

Charles Chaplin não foi apenas grande, ele foi gigantesco. É o que constata – fico sabendo pela “Wikipédia” – o escritor estadunidense Martins Sieff ao comentar livro que focaliza a vida do criador do imortal Carlitos.

Alçado à categoria dos cineastas do time titular desde o cinema mudo, onde usou e abusou com talento e originalidade dos recursos da mímica na chamada “comédia pastelão”, Chaplin encantou, enterneceu e arrebatou multidões. Alguns dos filmes que produziu e interpretou - caso, por exemplo, de “Luzes da Cidade” - conseguiu mesclar imagens e lirismo num grau de intensidade quase impossível de ser reproduzido em qualquer tipo de entretenimento, por mais criativo e refinado que possa ser.

Sua contribuição ao desenvolvimento do cinema, como produtor, diretor, autor, ator, empresário (ele bancava seus filmes) valeu-lhe prêmios e condecorações que, bem provavelmente, ninguém do ramo, depois dele, jamais conseguiu alcançar. Falecido aos 88 anos, em 1977, tornou-se personagem lendário na história cultural do planeta.

Menos conhecidas de que suas obras cinematográficas, suas citações e registros literários ajudam a compor-lhe o perfil de homem sábio, genial, sensível aos dramas humanos.

Aqui estão algumas amostras de sua interpretação das coisas da vida.

Sobre a humildade: “Pensamos demasiadamente / Sentimos muito pouco / Necessitamos mais de humildade / Que de máquinas. / Mais de bondade e ternura / Que de inteligência. / Sem isso, / A vida se tornará violenta e / Tudo se perderá.”

Sobre o homem: “Conhecer o homem – esta é a base de todo o sucesso.”

Assunto importante: “O assunto mais importante do mundo pode ser simplificado até ao ponto em que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Isso é – ou deveria ser – a mais elevada forma de arte.”

Sobre a vida: “A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.”

Sobre a felicidade: “Não preciso me drogar para ser um gênio. Não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz.”

Uma proposta de reformulação do ciclo da vida (recentemente um outro cineasta lançou curioso filme em que o personagem, a exemplo do que é colocado linhas abaixo por Chaplin, nasce idoso e vai se tornando mais jovem à medida que o tempo rola): “A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?”

Sobre o relacionamento humano: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.”

Nada é permanente: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Nada é permanente nesse mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas. A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.”

Pecado e virtude: “Creio que o pecado é realmente um mistério tão grande como a virtude.”

Sobre a beleza: “A beleza existe em tudo – tanto no bem como no mal. Mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.”

Homens e máquinas: “”Não sois máquinas! Homens é o que sois!”

Humanidade: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”

O melhor autor: “O tempo é o melhor autor. Sempre encontra um final perfeito. Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre.”

A busca do céu: “Se não consegues entender que o céu deve estar dentro de ti, é inútil buscá-lo acima das nuvens e ao lado das estrelas. Por mais que tenhas errado e erres, para ti haverá sempre esperança, enquanto te envergonhares de teus erros.”

(cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Histórias de quadrinhos


Cesar Vanucci *

“Nocivo alimento mental proporcionado
à infância e à juventude.”
(Vivaldo Coaracy, numa critica,
nos anos 50, aos quadrinhos)

Meninos, eu vi. Ninguém me contou. Eu é que vi. Deu-se nos distantes tempos da meninice. A escola primária ficava perto de casa. As sacolas para carregar livro, caderno, lápis, borracha, régua e apontador eram submetidas, dia sim, outro também, a revistas executadas no capricho pelas diligentes ajudantes da secretaria, com seu olhar inquisidor e disposição nada complacente.

Tais revistas colocavam sob dardejante mira – o trocadilho no caso vem pronto – “revistas inconvenientes”. Publicações que adultos cônscios de seus sagrados deveres, guardiões impertérritos dos valores familiares, catalogavam na conta de atentatórias à moral e aos bons costumes. Material vulgar, despojado de mérito literário, subversivo do ponto de vista pedagógico e cultural, na abalizada e inquestionada avaliação da zelosa diretora e conspícuos integrantes do abalizado corpo docente do estabelecimento. Desenhos e textos nocivos que desestimulavam os jovens a desenvolverem o gosto pela leitura, o saudável hábito da frequência aos livros.

Agravando tudo, a opinião inquestionada dos eméritos educadores batia com a de extremosos pais e a de doutos representantes do Juizado de Menores. Os comissários do Juizado, geralmente voluntários, orientados pelo titular da Vara, costumavam, até mesmo, de quando em vez, em sortidas moralizantes, aplaudidas pela comunidade, visitar bancas de venda, com o meritório propósito de impedir o repasse a menores das extravagantes publicações, que tanto mal disseminavam pela aí. Ler ou ter sob posse um gibi era coisa inominável, deletéria, malsã. A restrição severa fazia da “infração” pecado mortal, a ser expungido da consciência pesada dos garotos enredados nos “delitos” com manifestações sinceras de arrependimento, se possível, no confessionário.

Meninos, eu vi. Vi, muitas vezes, escolar pego no flagra com histórias de quadrinhos na sacola a receber exemplar punição pela gravíssima falta cometida. Revistinha apreendida, na sala da diretora, o guri ouvia, cabisbaixo, severa admoestação. Se configurada reincidência, era convidado a estender a mão para receber os impactos doridos da temível palmatória. O castigo podia comportar outra alternativa. Quinhentas ou mil linhas depois das aulas. Uma repetição interminável, no caderno, de frase contendo o solene compromisso de nunca mais incidir no abominável erro.

Rememorando esses lances desconcertantes, relacionados com o absurdo preconceito vigente, muitas décadas atrás, quanto aos quadrinhos, sinto até um certo embaraço em acrescer ao relato feito outra cabulosa revelação, pertinente a ocorrências das quais fui também testemunha, com estes olhos que um dia a terra vai comer (só que, dependendo de minha exclusiva vontade, daqui um tempão). Gibis arrancados das mãos e pastas da petizada devorados por “saneadoras” labaredas no pátio da escola, debaixo de gáudio inquisitorial, para não sobrar dúvida alguma quanto à influência daninha que essa modalidade marginal de comunicação exercia no inocente espírito infantil.

Tão efervescentes relembranças chegam por causa de mais um FIQ. Festival Internacional de Quadrinhos, evento realizado sempre com absoluto sucesso, na capital das Gerais. Reconhecido como o maior evento de quadrinhos da América Latina, com convidados de todas as partes do mundo, contando com o patrocínio da Fundação de Cultura e ilustres parceiros. A programação abrange, a cada versão, exposições, oficinas, palestras, debates, mostras de filmes e, obviamente, enorme e esplêndida feira de quadrinhos. Na realidade, o que se vê e se aplaude nessa iniciativa cultural é uma explosão feérica de talento, criatividade e arte. Uma demonstração exuberante da importância do quadrinho como expressão nobre da cultura popular.

E os contestadores, daqueles tempos, das histórias em quadrinhos, que consideravam o gênero um processo terrorista destinado a abalar os alicerces da cultura e da inteligência humana? E aqueles que viam nos cosmonautas do gibi, singrando o campo azul do céu em suas espaçonaves, atiçando a imaginação infantil e devassando os horizontes insuspeitados do porvir, um símbolo repulsivo de degradação cultural? Será que algum dia qualquer, mais pra frente, tiveram consciência de terem estado presos a fossilizados paradigmas culturais, à uma acanhada percepção dos fenômenos sociais, que impediam compreendessem a extraordinária revolução que se processava debaixo de seu vesgo olhar de censura e desconfiança? Será que entenderam, nalgum momento, que as historietas tão bem boladas de Flash Gordon, para ficar num único exemplo de “herói dos quadrinhos”, tanto quanto os livros de astronomia, ajudaram a escancarar nossa visão para os prodígios da vastidão cósmica? Fizeram desabrochar as potencialidades da mente com relação a achados tecnológicos assombrosos?

As fogueiras acesas com gibis, as machucaduras produzidas pelas palmatórias, as cansativas e exasperantes linhas, as admoestações com toque policialesco não conseguiram, visto está e o FIQ comprova isso, sofrear os avanços humanos, em matéria de interpretação da vida, propostos pelas fascinantes histórias em quadrinhos. Isso aí!



O que querem os Professores



“Grevista é alguém que deixa,
às vezes, de trabalhar para poder trabalhar.”
(Julio Camargo)

Houve considerável esforço, com o prestimoso concurso de boa parte da mídia, em se rotular de “política” a recente greve dos professores da Rede Estadual de Educação.

O movimento, com extensão de quase três meses e repercussões marcantes em todas as áreas da comunidade, agregou compreensivelmente expressivos apoios políticos, em todos os partidos por sinal, mas não foi inequivocamente uma “greve política”, na caracterização depreciativa incorretamente propagada. O que a incalculável multidão composta de profissionais da educação, concentrada diariamente nas imediações do Parlamento Mineiro, cuidou de transmitir às autoridades e à sociedade foi seu justificável inconformismo diante do tratamento injusto que se lhe tem sido dispensado ao longo dos anos em razão de uma política remuneratória que faz questão solene de ignorar direitos elementares e que, arrogantemente, menoscaba até decisões transitadas em julgado. Diante da incompreensível resistência dos setores competentes em se sentarem à mesa para as negociações recomendáveis, à categoria não sobrou outra alternativa senão a da paralisação das aulas, com todas as consequências desagradáveis daí advindas. Ninguém de bom senso ousará por certo classificar de extravagante ou absurda a pretensão dos educadores. O que simplesmente almejam é se verem contemplados com salários que respeitem o piso fixado pela Suprema Corte, ou com estipêndios (vá lá!) equivalentes, pelo menos, aos de outras respeitáveis categorias do serviço público. Soldados da PM em início de carreira, pra ficar num exemplo.

A providencial intervenção de parlamentares, conscientes da extensão e gravidade do problema e da legitimidade das reivindicações trazidas pelos agentes da Educação, recolocou a candente questão nos trilhos certos. Fica-se a esperar agora, com as portas finalmente abertas ao diálogo, instrumento democrático importantíssimo na construção de convergências, infelizmente desprezado a princípio pelo Governo, que se chegue logo, nos entendimentos em curso ao tão almejado desfecho dessa situação. Um desfecho que implicará inapelavelmente, a prevalecerem o bom senso e a consciência social, no reconhecimento das postulações da classe, que outra coisa não significam além de um brado carregado de expectativa e esperança em favor da dignidade profissional.

Estou sendo posto a par, no momento preciso em que estas considerações são encaminhadas à publicação, de uma inesperada contramarcha nas negociações entre as partes. Faço votos para que o impasse seja o mais rapidamente possível contornado, de maneira a ficarem resguardados todos os respeitáveis interesses colocados em jogo nessa momentosa questão.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sábado, 12 de novembro de 2011

O lado místico de Rosa

Cesar Vanucci *

“Mexendo em velhos papéis, encontrei
um texto precioso de Guimarães Rosa...”
(Luiz de Paula Ferreira, escritor)

Guima são muitos. O universo literário rosiano, povoado de pontos cintilantes, parece ser regido pela mecânica cósmica da expansão contínua. Ganha, de tempos em tempos, nova dimensão. Os observadores deparam-se, ao devassar com suas lunetas os horizontes ilimitados da obra do autor de “Sagarana”, com descobertas as mais fascinantes. Nenhuma delas ofusca a outra. Tudo faz parte de um todo harmonioso, que fala das múltiplas e inesgotáveis facetas de um gênio da criação literária. Um intelectual que escalou altitudes himalaianas e soube, como bem poucos, valer-se do recado artístico para atingir, certeiramente, as profundezas da alma humana.

Guimarães Rosa são muitos. E, singularmente, único, sem que se possa vislumbrar na afirmativa qualquer paradoxo. Revela-se único ao ostentar - categorizado mensageiro da boa palavra literária, da palavra que encanta e arrebata - essa profusão de saberes incomuns que tornam tão reluzente o seu legado de idéias.

Há o Guimarães recriador de linguajares de ricas cadências e tinturas. Há o paisagista de um sertão bravio, espantosamente real. Uma faixa de chão de consideráveis proporções dominada por ritmos e critérios peculiares de vida, inalcançáveis na visão utilitarista urbana. Há o retratista portentoso de perfis inesquecíveis. Desenhista de tipos esfuziantes na maneira singela de agarrar as dádivas da vida, projetados das emoções e paixões das multidões anônimas. Há o contador insuplantável de estórias brotadas das vivências simples da gente do povo, com seus ditames éticos rudes que costumam ressoar incompreensíveis em ouvidos eruditos. E há, ainda, o prosador clássico dos achados poéticos inebriantes, das metáforas antológicas e das alegorias eletrizantes. “O alquimista do coração”: é assim que ele é mostrado em livro do escritor mineiro José Maria Martins. Sua literatura, segundo ainda o escritor citado, é levada a extremos de sutileza e inovação, ampliada “a recantos do mar da existência nunca d’antes explorados”, já que ele “tinha a capacidade de transpor a fronteira que separa o universo das manifestações temporais daquele da casualidade profunda”.

E eis que, agora, de repente, nas imediações dos 55 anos do lançamento de “Grande Sertão, Veredas”, desponta um Guimarães Rosa de insuspeitados (e confessos) envolvimentos com as manifestações mágicas, de certo modo inextricáveis, da paranormalidade. A intrigante revelação chega por intermédio de um respeitado intelectual, com apreciável contribuição à causa da cultura. O meu dileto amigo, Luiz de Paula Ferreira, escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas, figura de relevo na cena empresarial. A carta que me envia diz tudo: “Prezado Cesar, Mexendo em velhos papéis, encontrei um texto precioso de Guimarães Rosa, publicado há quase 40 anos no “Estado de Minas”, citando fenômenos paranormais presentes na vasta produção literária que lhe valeu merecidamente ser incluído na relação dos 100 maiores escritores de todos os tempos. Conhecendo seu gosto pelo estudo de fenômenos dessa natureza, estou anexando o texto que é muito rico e merece ser avaliado e divulgado em suas crônicas. Referindo-se ao “Grande Sertão, Veredas”, ele diz: “Quanto ao “Grande Sertão, Veredas”, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido por forças ou correntes muito estranhas.” Do amigo, Luiz de Paula Ferreira”.
No artigo em questão, Guimarães solta o coração para confissões que abrem instigantes perspectivas na avaliação de sua fabulosa obra. Comenta seus “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.” Um texto preciosissimo que deixa evidenciados, em boa interpretação parapsicológica, os dons paranormais de que o escritor era, indiscutivelmente, possuidor. Na sequência, a reprodução desse escrito surpreendente.


A confissão de Guimarães

“Sua obra suscita mais tentativas de decifração
do que a de qualquer outro escritor.”
(Paulo Rónai)

Conforme já contado, Guimarães Rosa confessou, 40 anos atrás, em artigo no “Estado de Minas”, reavivado pelo escritor Luiz de Paula Ferreira, seu entranhado envolvimento com fenômenos ligados às percepções extra-sensoriais. Do instigante texto ressalta claro que sua obra literária – obra que “suscita mais tentativas de decifração do que a de qualquer outro escritor”, segundo Paulo Rónai – foi marcada, desde sempre, por intuições e impulsos mágicos, de nítida configuração parapsicológica, inexplicáveis à luz do conhecimento consolidado.
Mas já é tempo de satisfazer a curiosidade do leitor, a respeito da confissão do autor de “Tutaméia”, falando de seus dons paranormais. O artigo tem por título “Vida – arte – e mais?”.
“Tenho de segredar que – embora por formação ou índole oponha escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em principio rechace a experimentação metapsiquica – minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. Sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos. Dadas vezes, a chance de topar, sem busca, pessoas, coisas e informações urgentemente necessárias.
No plano da arte e criação – já de si em boa parte suplinar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza – decerto se propõem mais essas manifestações. Talvez seja correto eu confessar como tem sido que as estórias que apanho diferem entre si no modo de surgir. À Buriti (Noites do sertão), por exemplo, quase inteira, “assisti”, em 1948, num sonho duas noites repetido. Conversa de Bois (Sagarana), recebi-a, em amanhecer de sábado, substuindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerara como definitiva ao ir dormir na sexta. A Terceira Margem do Rio (Primeiras estórias) veio-me, na rua, em inspiração pronta e brusca, tão “de fora”, que instintivamente levantei as mãos para “pegá-la”, como se fosse uma bola vindo ao gol e eu o goleiro. Campo Geral (Miguilim e Manuelzão) foi caindo já feita no papel, quando eu brincava com a máquina, por preguiça e receio de começar de fato um conto, para o qual só soubesse um menino morador à borda da mata e duas ou três caçadas de tamanduás e tatus; entretanto, logo me moveu e apertou, e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e ligação de suas partes. O tema de O Recado do Morro (No Urubuquá, no Pinhém) se formou aos poucos, em 1950, no estrangeiro, avançado somente quando a saudade me obrigava, talvez também sob razoável ação do vinho ou do conhaque. Quanto ao Grande Sertão: Veredas, forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas.
Aqui, porém, o caso é um romance, que faz anos comecei e interrompi. (Seu título: A Fazedora de Velas). Decorreria, em fins do século passado, em antiga cidade de Minas Gerais, e para ele fora já ajuntada e meditada à massa de elementos, o teor curtido na idéia, riscado o enredo em gráfico. Ia ter principalmente, cenário interno, num sobrado, do qual – inventado fazendo realidade – cheguei a conhecer todo canto e palmo. Contava-se na primeira pessoa, por um solitário, sofrido, vivido, ensinado. Mas foi acontecendo que a exposição se aprofundasse, triste, contra meu entusiasmo. A personagem, ainda enferma, falava de uma sua doença grave. Inconjurável, quase cósmica, ia-se essa tristeza passando para mim, me permeava. Tirei-me, de sério medo. Larguei essa ficção de lado. O que do livro havia, e o que se referia, trouxou-se em gaveta. Mas as coisas impalpáveis andavam já em movimento. Daí a meses, ano-e-meio, ano – adoeci, e a doença imitava, ponto por ponto, a do Narrador! Então? Más coincidências destas calam-se com cuidado, em claro não se comentam. Outro tempo após, tive de ir, por acaso, a uma casa – onde a sala seria, sem toque ou retoque, a do romanceado sobrado, que da imaginação eu tirara, e decorara, visualizado frequentando-o por oficio. Sei quais foram, céus, meu choque e susto. Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”


Acontecências paranormais

“Tudo isto é verdade. Dobremos de silêncio.”
(Guimarães Rosa, em artigo escrito há mais de 40 anos)

Restou cabalmente provada, no depoimento do próprio autor, a incomum capacidade de Guimarães Rosa de poder atingir, com prodigiosa frequência, latitudes superiores na captação das energias sutis que compõem este nosso universo povoado de inexplicabilidades. Energias essas ainda indecifráveis do ponto de vista do conhecimento científico consolidado.
Depois de anotar que, por formação ou índole costumava opor “escrúpulo crítico a fenômenos paranormais”, o escritor viu-se obrigado a reconhecer que sua vida, sempre e desde cedo, “se teceu de sutil gênero de fatos.” E que fatos tão singulares, “entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza”, são mesmo esses, afinal de contas? A resposta chega de imprevisto, fulminante, de forma a esmorecer costumeiras dúvidas suscitadas pela proverbial dificuldade humana em avaliar situações consideradas fantásticas, misteriosas ou enigmáticas: “sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos.”
Foi, por exemplo, num sonho premonitório, “duas noites repetido”, que a estória de “Buriti”, constante de “Noites do Sertão”, tomou forma em 1948. É o que atesta, com franqueza e sem rebuços, o autor de “Tutaméia”. Os estudiosos dos fenômenos abarcados pela Parapsicologia não hesitarão em apontar, nessa revelação, a faculdade de precognição entre os dons singulares do escritor. E qual classificação atribuir ao relato de Guimarães concernente a “Conversa de bois”, do enredo de “Sagarana”? “(...) Recebi-a, em amanhecer de sábado, substituindo-se a penosa versão diversa, apenas também sobre viagem de carro-de-bois e que eu considerava como definitiva ao ir dormir na sexta”, sublinha o autor. O ato de haver “recebido” dá o que pensar. Esse mesmo processo intrigante de “recepção”, dir-se-á (à falta de definição melhor) mágica, ocorre em muitos outros momentos da fecunda trajetória literária de Guimarães, segundo informações dele próprio. É assim em “A terceira margem do rio” (“Primeiras estórias”). Assim, igualmente, em “Campo Geral”. (“Miguelim e Manuelzão”). Uma das estórias brotou na rua, “em inspiração pronta e brusca”, vinda “de fora”. A outra “foi caindo já feita no papel” (...) “e, chegada ao fim, espantou-se a simetria e a ligação de suas partes”. Será que a hipótese da “escrita automática”, também conhecida por psicografia, pode ser encaixada como tentativa de explicação? Ou o que aconteceu guardará sinais de similitude, de alguma maneira, com um “esclarecimento” que me foi passado, de certa feita, pelo consagrado autor espanhol J.J.Benitez? Perguntei-lhe em quais fontes se inspirara para o impressionante relato sobre a vida de Cristo que compõe a saga “Operação Cavalo de Tróia.” Pelo que deduzi da resposta, tudo provinha de um manancial de conhecimentos existente num plano superior. As informações teriam sido obtidas por percepção extra-sensorial, um tipo de “canalização” ainda não devidamente codificado. Guimarães Rosa parece querer dizer coisa parecida em seu artigo, quando fala de “Grande Sertão, Veredas”: “(...) forte coisa e comprida demais seria tentar fazer crer como foi (o livro) ditado, sustentado e protegido – por forças ou correntes muito estranhas”.
A precognição ganha sentido, mais uma vez, no caso de um outro romance que “faz anos, comecei e interrompi” (“A fazedora de velas”). A doença que veio a acometer o escritor, bem como a visualização antecipada que teve do interior de uma casa visitada, anos depois, “por acaso”, que haviam sido projetadas no romance, causando-lhe “choque e susto”, são elementos a mais a considerar na análise das fantásticas situações, de características iniludivelmente paranormais, vividas pelo genial Guimarães Rosa.
Não há como negar: as intrigantes revelações acerca da paranormalidade do escritor, ouvidas de sua própria boca, reclamam atenções maiores dos estudiosos de sua fabulosa obra.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)



quarta-feira, 2 de novembro de 2011



A Assembléia e a Dívida




Cesar Vanucci *

“Em 1998, a dívida do Estado era de 18 bilhões.
Agora é superior a 64 bilhões.”
(Revelação do SindFisco)


Assumindo posição vanguardeira face à incandescente questão da dívida pública mineira, a Assembléia Legislativa do Estado implantou a “Frente Parlamentar em Defesa da Renegociação da Dívida Pública do Estado de Minas Gerais.”

Esse bloco pluripartidário, iniciativa dos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, nasce da imperiosa necessidade de se descobrir, por meio de debate amplo, em termos de cristalina transparência democrática, alternativas para a quitação dos débitos contraídos pelo Estado, de forma que se mostre financeiramente viável aos cofres públicos estaduais e sem molestar, ao mesmo tempo, as contas da União. O levantamento dos números da dívida mineira pegou todo mundo de surpresa. Afinal de contas, a realidade estampada de repente desmoronou a história, intensamente alardeada, do chamado “déficit zero”.

No lugar do “déficit zero” o que despontou nos registros contábeis, por força de diligente trabalho de auditoria, foi um déficit astronômico, estimado entre 67 bilhões e 70 bilhões de reais. Dinheiro para encardir, como se costumava dizer noutros tempos. A dívida, que só vem fazendo crescer em consequência de perversa acumulação de juros e correção, carece ser paga. Mas, na opinião de especialistas na matéria, não há como fazê-lo sem produzir um impacto com feição de tsunami social. Sem arcar com pesadíssimos ônus, a médio e longo prazos, em detrimento – ta claro - de respeitável interesse público. A renegociação desenha-se inevitável.

Faz-se oportuno, nesta hora, recompor a história dessa dívida pra entender como as coisas foram se processando até que os números conseguissem galgar a altitude himalaiana inimaginável das apreensões gerais. Em 1998 (governo Eduardo Azeredo), quando totalizava R$ 18,5 bilhões, a dívida de Minas foi objeto de negociação com o governo federal (FHC). Proclamou-se, na ocasião, em verso e prosa, que o pacto firmado havia sido bastante satisfatório. Não foi bem assim. Mais de uma década transcorrida, Minas já despendeu a bagatela de R$ 40,12 bilhões (valores corrigidos) em pagamentos aos credores. Nada obstante, continua devendo mais, muito mais mesmo do que já pagou.

Mas, porque cargas d’água, a dívida, pretensamente tão bem negociada, cresceu desse modo assustador? Ela foi – e isso provocou o surgimento da Frente Parlamentar – negociada com base na Tabela Price: juros de 7,5% ao ano, com correção, mais IGP-DI, um dos maiores índices de cálculo da inflação no país – ressalte-se -, com a fixação de um limite de comprometimento de até 13% da Receita Líquida Real, pelo prazo de 30 anos.

Pela Tabela Price, o devedor inicialmente paga mais juros, ao mesmo tempo que vai amortecendo parcelas menores do montante. Do meio do contrato em frente, os juros diminuem à medida que o saldo devedor vai sendo reduzido.

Mas veja, agora, a situação nua e crua vivida pelo Estado no tocante ao assunto. Os gastos onerosos com o pagamento da dívida não têm sido suficientes para cobrir sequer os juros. Via de consequência, o volume do débito não parou de crescer entre 1998, quando se fechou a negociação, e 2009. Crescimento – pasmem - de “apenasmente” 205 por cento.

Pelo refinanciamento feito, o Governo Federal estipulou pesadas obrigações quanto a metas e compromissos. Fixou parâmetros pra tudo: dívida em relação à Receita Líquida Real (RLR), resultado primário, despesa com o funcionalismo público, arrecadação com receita própria, privatizações, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial, aumento nas despesas de investimento em RLR. Minas Gerais viu-se forçada, com tamanha carga de imposições, a aplicar, anualmente, em juros e amortização, algo por volta de R$ 3 bilhões. Cifra equivalente a quase um orçamento inteiro da Saúde Pública. Enquanto isso - repita-se -, a dívida pública só cresceu.

Não bastassem todos esses perturbadores elementos, defronta-se o Estado, ainda, como devedor, com a obrigação de se enquadrar rigorosamente nas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, posta para vigir no governo Fernando Henrique. Essas regras definem o bloqueio das receitas dos Governos Estaduais que se revelem inadimplentes no que concerne à quitação no prazo exato dos valores acordados.

A encrenca, percebe-se por tão copiosos registros, é colossal. A renegociação da dívida assume características dramáticas. Virou, por assim dizer, questão de vida ou de morte. O problema suscitado – não há como deixar de reconhecer - é de suprema magnitude. A busca empenhada de soluções passa por uma discussão ampla, geral e irrestrita. Pede reflexão e estudos de todos os setores engajados em políticas públicas e empreitadas voltadas para o desenvolvimento econômico e social.

A Assembléia Legislativa de Minas age com bom senso ao colocar em sua febricitante agenda tema tão momentoso e relevante.





Renegociação inevitável





“A proposta de renegociação da dívida, feita pelo Parlamento
mineiro, passa a ser, agora, uma bandeira de todos nós.”
(Antônio M. Bernardes, leitor)


Por onde circulo, constato que a reação das pessoas diante da inesperada revelação acerca da dívida pública mineira é de completo aturdimento. Não poucos cidadãos, alcançados em cheio pela retórica marqueteira do “déficit zero”, chegam até a expressar dúvidas quanto a legitimidade da informação.

Mas, falando francamente, não há mais como ignorar a linguagem nua e crua dos números. A dívida do Estado, que era da ordem de 18 bilhões de reais em 1998, oscila hoje entre 64 bilhões e 70 bilhões. Isto vem devidamente enunciado nos trabalhos feitos pelos qualificados especialistas em matéria fiscal e auditagem que embasaram a decisão vanguardeira da Assembléia Legislativa de Minas – vanguardeira em termos brasileiros - de trazer a debate público a conveniência de se renegociar o acordo firmado, no mencionado ano (governos Eduardo Azeredo e Fernando Henrique Cardoso), envolvendo o pagamento da dívida mineira com a União.

Como acentuado na justificativa da proposta de constituição da Frente Parlamentar multipartidária para a Renegociação da Dívida Mineira, encabeçada pelos deputados Adelmo Leão e Carlin Moura, integrada por 51 parlamentares e aprovada pelo presidente da Casa, deputado Dinis Pinheiro, Minas Gerais já despendeu, no serviço da dívida, 44 bilhões em valores corrigidos, sem conseguir reduzí-la um ceitil que seja. Em 2010, a assim chamada dívida contratual pulou para 64 bilhões, ficando em termos gerais assim composta: dívida interna, compromisso assumido pelo Estado com a União, 61.4 bi; dívida externa, 3.7 bi. O total apurado abarca dívida com a Cemig, estatal mineira, da ordem de 5 bilhões. As explicações fornecidas a propósito do débito (também sempre ascendente, ao que se revela) com a Cemig, assinalam que, na época de implantação do Plano Real, foi criada uma conta contábil, a Conta de Resultados a Compensar (CRC), gerada a partir das insuficiências tarifárias das concessionárias de energia elétrica, em razão da circunstância de que, até 1993, era garantida às empresas uma remuneração legal mínima de 10% ao ano. As tarifas eram definidas a partir do custo de serviço da concessão, mas, até essa ocasião, foram usadas pelo Governo Federal como instrumento para conter a inflação. Com isso, as empresas de energia não conseguiam atingir a rentabilidade mínima e o Governo Federal passou a gerar créditos para as concessionárias na CRC (Conta de Resultados a Compensar). A União arcava com a diferença entre o que deveria ser cobrado e a tarifa que era efetivamente praticada pelas empresas de energia, de modo que estas não apresentassem déficit.

Em 1994, o Governo Federal autorizou a utilização desses créditos de CRC para liquidar pendências das concessionárias com entidades do próprio Governo Federal e outras empresas do setor. A Cemig, no entanto, não utilizou a totalidade desses créditos de CRC no encontro de contas permitido pela Lei 8727, de 1993, passando a contar com expressivo saldo positivo. Em 1995, quando renegociou sua dívida com a União, o Governo de Minas usou os créditos de CRC que a Cemig possuia, cedidos ao Estado por meio de um contrato de cessão de créditos, a fim de quitar parte da dívida de Minas. Foi desta forma que o Estado tornou-se devedor da estatal de energia.

A negociação de 1998 - alvo de severas críticas, como se recorda, do governador Itamar Franco - estabeleceu o oneroso IGP-DI como índice de correção, fixando também em 7.5% o juro a ser pago. Não deixa de ser intrigante o fato de que, noutros Estados, onde ocorreram à mesma época negociações do gênero, o valor acertado no tocante ao juro tenha sido menor: 6%.

A dramática situação posta à apreciação do Governo, classe política e sociedade conduz uma certeza: nos termos vigentes, a dívida é impagável. Compromete irremediavelmente o futuro de Minas.

A renegociação, como pretende o Parlamento de Minas, se faz assim inevitável. A alteração do indexador de correção, a redução do índice de juro são medidas obviamente cogitáveis. Mas não se pode deixar de pensar também no recálculo da dívida, no conhecimento cristalino e transparente da natureza dos débitos.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011


Seguem-se, para conhecimento do leitor, o prefácio (Olavo Machado Junior, presidente da Fiemg) e a introdução do livro (Cesar Vanucci).


Prefácio

Zé Alencar, um grande brasileiro

Olavo Machado
Presidente da Federação das Indústrias
do Estado de Minas Gerais - FIEMG

Um dia, alguém perguntou ao Zé Alencar: – De onde o senhor é, onde é a sua terra? Com o seu jeitão despachado e bem humorado, ele respondeu: – Tenho muitas. Nasci em uma cidade, trabalhei em várias, casei em outra... Minhas terras são muitas.
É verdade, e tudo começou em um pequeno povoado de nome Itamuri, no município de Muriaé, na Zona da Mata Mineira, onde o nosso Zé nasceu. Aos sete anos, já ajudava o pai, na loja. Aos 15, deixou a casa
dos pais para trabalhar como balconista em Muriaé. Aos 17 ainda era balconista, mas noutra cidade, Caratinga. Aos 18, com 15 contos de réis emprestados pelo irmão mais velho, Geraldo – história que ele nunca se cansava de contar - e emancipado pelo pai, já era dono de loja - A Queimadeira -, uma campeã de preços baixos, em Caratinga.
De lá para cá, Zé Alencar não parou de fazer o que mais sabia – empreender, empreender e empreender sempre, como cidadão, empresário e líder político.
Como empresário, depois de começar como pequeno lojista criou e fez crescer a Coteminas, transformando-a, em poucos anos, em líder de um dos maiores grupos têxteis do Brasil e do mundo. Na política, sem nenhuma experiência e militância anteriores, chegou ao Senado e, em seguida, à Presidência da República – Zé Alencar foi o vice que por mais vezes e por mais tempo presidiu o País.
Nos últimos anos de sua vida, atacado por um câncer insidioso, lutou bravamente, com a altivez que sempre o caracterizou, doando-se como exemplo aos brasileiros, como fez, por exemplo, ao recomendar cuidados preventivos com a saúde e ao recomendar ao então ministro da Saúde, José Carlos Temporão, a instalação de equipamentos apropriados na rede do SUS. É a história deste homem corajoso, múltiplo e singular a um só tempo, que se conta em “José Alencar – Missão Cumprida”, de Cesar Vanucci.
Tive o privilégio de conviver e aprender muito com o “doutor Alencar”, especialmente na FIEMG, onde nos encontramos no começo dos anos 80. Como o leitor verá nas páginas de Missão Cumprida, na Casa da Indústria ele construiu uma grande obra, levando o SESI e o SENAI para as diversas regiões de Minas. Na vida política, foi, sempre, uma voz elevada na defesa da indústria nacional. Discreto, desempenhou missão de reconhecido protagonismo na última década do século 20 e na primeira do século 21.
Como os grandes homens, Zé Alencar era movido por sonhos e, do maior deles, tomei conhecimento em uma história contada por ele mesmo, entremeada por deliciosas gargalhadas: “Ainda vou ver o Brasil ter uma moeda estável. Irei a Paris, pedirei um Borgonha de boa safra e pagarei com o nosso Real. Terei o prazer de ouvir o garçom pedir desculpa, lamentar não ter uma moeda tão forte quanto a nossa e perguntar se poderia me dar o troco em dólar ou em franco”. Este sonho, Zé Alencar ajudou a tornar realidade.
Zé Alencar foi, sim, um homem de muitas terras e de muitas atividades. No entanto, umas e outras sempre convergiram para traduzir o que, de fato, ele foi: um grande brasileiro, dedicado e apaixonado pelo seu País. É assim que me lembro do Zé Alencar. É assim que reverencio sua memória.







Introdução


Missão cumprida

Cesar Vanucci

“Até a morte, tudo é vida.”
(Cervantes, “Dom Quixote”)

A vida humana é finita. Um tremeluzir de relâmpago na vastidão da eternidade. A gente principia a morrer quando nasce. Começa a arrumar a mochila da partida na própria hora da chegada. Richard Bach explica magistralmente o indesvendável e excitante mistério da aventura humana quando registra existir um jeito muito simples de saber se está cumprida a missão de alguém: se está vivo, não está.
No caso de José Alencar Gomes da Silva – o Vice-Presidente que nos conquistou com copiosos exemplos de apreço à causa pública e que nos emocionou com a bravura indômita demonstrada em atos inequívocos de seu dia a dia, mostrando-nos que a vida é um dom precioso a ser desfrutado e preservado – a missão foi cumprida. Esplendidamente cumprida.
É disso que se procura dar notícia no material de leitura da sequência.
Estão aqui enfeixados comentários que lancei, logo após a partida do grande brasileiro, em jornais e blogs, com os quais colaboro, com destaque especial para o “Diário do Comércio”, de Belo Horizonte, e artigos, também de minha autoria, divulgados em momentos anteriores à sua morte.
O livro abre espaço para manifestações de outros amigos e olaboradores do querido personagem. Rememora, ainda, momentos em que Lula e Alencar se enxergaram parceiros de épica empreitada. A empreitada
Que conduziu, numa proeza sem precedentes, dois representantes
da imensa legião dos Silvas brasileiros, ambos de origem humilde, desprovidos do verniz doutoral universitário, mas laureados nas ásperas refregas da escola da vida, por dois mandatos consecutivos, ao supremo comando da República. Mandatos esses transcorridos num período de
realizações incomparáveis que atraíram as atenções e a admiração do mundo inteiro para o esforço irrefreável de nosso povo na conquista do futuro.
A leitura destas páginas concorrerá, de algum modo, para que o leitor, inteirando-se de mais informações a respeito da obra de Alencar em sua peregrinação pela pátria terrena, conclua como ele certamente o fez, louvado em Cervantes (por sinal, autor de sua especial predileção), que “até a morte, tudo é vida.”

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Paralisação dos médicos (1)


Cesar Vanucci *


“O incremento financeiro dos Planos de Saúde foi de 129 por cento.”
(Informação do comando de greve)

 A paralisação, já por duas vezes, em caráter de advertência, nos serviços de atendimento do assim denominado Sistema de Medicina Complementar, pede reflexão serena, em sintonia naturalmente com os anseios populares. A decisão extrema dos profissionais de saúde encerra o mérito de desnudar uma situação que carece ser enfrentada com bom senso e determinação.

A política de remuneração insatisfatória à mão de obra especializada, arrastada a exageros insuportáveis por obra das operadoras dos Planos de Saúde, constitui, iniludivelmente, uma sonegação de direitos. Um acinte, de certo modo, à dignidade profissional. Tende a afetar a qualidade dos serviços prestados. Não há contestar. Os valores pagos pelos procedimentos médicos chegam a ser chocantes. Isso vem configurado nas denúncias trazidas a lume pelos representantes da categoria. O alerta foca a valorização do trabalho profissional, a valorização da assistência ofertada pelos Planos de Saúde. Os médicos confessam-se solidários aos usuários da rede, que sofrem com as glosas e as filas de espera. As indesejáveis situações são denunciadas pela Federação Nacional dos Médicos, Conselho Federal de Medicina, Associações e Sindicatos médicos.

As 1044 operadoras de Planos de Saúde que atuam no País movimentaram, em 2010, estimativamente, 70 bilhões de reais. O número de usuários envolvidos é de quase 46 milhões, o equivalente a 24 por cento da população. Os 160 mil médicos ligados ao esquema realizam 223 milhões de consultas, acompanhando quase 5 milhões de internações.

Entre 2000 e 2009, os reajustes autorizados aos Planos acumularam 133 por cento. O indicador corresponde a 23 pontos percentuais a mais que os 106 por cento registrados no mesmo período pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPCA).

No mesmo espaço de tempo, os Planos alcançaram incremento financeiro de 129 por cento. Sua receita global saltou de 28 bilhões para quase 66 bilhões de reais. De acordo com as avaliações dos organismos da representação médica, o valor da consulta, nesse período de expressivos avanços nas receitas e resultados, subiu apenas 44 por cento.

Não poucas operadoras remuneram os médicos, atualmente, na base de 25 reais por consulta. A remuneração por outros procedimentos não deixa também de escandalizar. Por um cateterismo cardíaco, paga-se ao médico entre 149 reais e 305 reais. Uma cirurgia de ouvido é cotada entre 45 reais e 97 reais. Um eletrocardiograma entre 10 e 16 reais. Um ato ortopédico de imobilização de membros fica entre 6 reais e oito reais. E por aí vai...

Outro item de suma gravidade nesse relacionamento desarmonioso, conforme denunciam os médicos, diz respeito à aviltante bonificação oferecida pelos Planos de Saúde aos profissionais que se comprometam – ora, veja, pois! -  a não solicitar exames complementares nas consultas. A aceitação passiva desse inaceitável estado de coisas não pode mais perdurar em nome dos mais comezinhos princípios que regem o relacionamento profissional. Aguarda-se que, com a intervenção óbvia das autoridades responsáveis pela Saúde, o impasse gerado pela intransigência das operadoras dos Planos possa ser desfeito, sem delongas, por meio da celebração de acordos que contemplem tabelas remuneratórias em consonância com o tratamento respeitoso à dignidade profissional ao qual a classe médica faz jus.

A avaliação do que vem ocorrendo inspira também um outro tipo de reflexão, não menos importante.



Paralisação dos médicos (2)


“Uai! Mas os planos de saúde não são gerenciados pelos próprios médicos!”
(Thelma Garcia, usuária de Plano de Saúde)

No arremate das considerações feitas no artigo anterior acerca da paralisação dos médicos, em caráter de advertência, já por duas vezes, nos serviços de atendimento dos Planos de Saúde, chamamos a atenção do leitor para um aspecto essencial a ser debatido nessa questão enfocada pelos prestadores dos serviços médicos. Como é do conhecimento amplo, geral e irrestrito da sociedade, a maior operadora de planos de saúde no território nacional – a Unimed – nasceu de um trabalho de arregimentação promovido no seio da valorosa comunidade médica. Organizada louvavelmente com propósitos cooperativistas, essa instituição detém, no cenário nacional, a maior parcela de convênios na área da prestação de serviços atribuída ao chamado Sistema de Assistência Médica suplementar. A origem de outros Planos de Saúde assemelha-se à da Unimed.

Deplora-se na atuação desses organismos, nascidos sob saudável inspiração cooperativista, o caráter exageradamente mercantilista que, muitas vezes, rege suas ações, em flagrante dissonância com as nobres finalidades propostas em seus começos, objeto de aplausos por parte dos componentes da nobre categoria médica e da sociedade, de modo geral. A prevalência de critérios mercantilistas sobre outros respeitáveis valores tem sido de molde a afetar os interesses dos cooperados e também dos usuários.

Não pode passar sem reconhecimento, ainda, que a Unimed, de modo bastante especial, como outras organizações congêneres, costumeiramente geridas por colégios compostos de profissionais do segmento médico, dispõem de favoráveis condições para desempenhar papel moderador de relevância na política de preços cobrados aos usuários e de remuneração paga aos médicos pelos Planos. Faz sentido, sim, imaginar que a campanha dos médicos em favor de remuneração condigna pelos serviços prestados possa chegar de forma mais rápida aos objetivos almejados a partir do momento em que organizações responsáveis pelos Planos de Saúde, dirigidos por médicos, se compenetrem ser de seu dever alterar substancialmente as linhas da trajetória adotada no relacionamento com a classe que, afinal de contas, representam. A posição dessas instituições com relação ao palpitante assunto balizará infalivelmente a conduta de todo o importante Sistema da Saúde Complementar, criando um relacionamento bem mais positivo com a cadeia usuária.

Esse aspecto essencial no debate em tela não pode nem deve ser subestimado pelas pessoas realmente engajadas na busca de solução justa e equânime para esse  problema da depreciação constante dos valores remuneratórios dos encarregados de zelar, nos consultórios, nas clínicas e noutros pontos de atendimento, pela saúde dos usuários.


* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Celebração refulgente

Cesar Vanucci *

"Despertar nos corações o desejo de servir é missão de todo
 Leão e conduz a uma sociedade participativa responsavel... "
(Rosane T. Jahnke Vailatti)


Todos os anos, no mês de outubro, sempre circundada de refulgente brilho, acontece a celebração da “Semana Mundial do Serviço Leonistico”. Trata-se da promoção de maior relevo no calendário de comemorações do Movimento dos Lions Clubes em Minas Gerais. Patrocinada pela Governadoria do Distrito LC-4 de Lions, por clubes da circunscrição, e pela Academia Mineira de Leonismo, contando com o apoio da Assembléia Legislativa de Minas e Sistema Fiemg, a “Semana” de 2011, consagrada a uma reflexão sobre o papel da Mulher na sociedade contemporânea, abrangeu extensa programação. Os atos cívicos e culturais realizados foram acompanhados com vibração por públicos numerosos.

Reportando-nos aos principais eventos, merece destaque, primeiramente, a sessão festiva do dia 1º de outubro, no auditório da Federação das Indústrias. A Academia Mineira de Leonismo empossou, na ocasião, quatro novas Acadêmicas: Carmen Lúcia Camargos Redoan, Maria Celeste Martins, Sonia Maria Queiroga Ferreira e Vilma Raid Fernandes

A presidente da Junta Comercial de Minas, ex-Secretária de Estado Ângela Maria Pace Silva de Assis, proferiu aplaudida palestra sobre as lutas e conquistas da Mulher. A parte artística esteve a cargo da Professora de canto e cantora Renata Vanucci, que interpretou canções da MPB com nomes de mulheres nos títulos. Os trabalhos foram dirigidos por Sóter do Espírito Santo Baracho, presidente da Academia.

No dia 8 de outubro, pela manhã, outra assembléia festiva foi realizada, tendo por palco o majestoso Auditório JK, na Cidade Administrativa, que ficou com as dependências inteiramente tomadas. Autoridades, dirigentes de núcleos do leonismo em Minas e no Brasil, representantes de diversificados setores da comunidade, participaram de belo encontro de confraternização, que serviu para homenagear, de acordo com a temática da “Semana”, Mulheres de singular projeção nas atividades culturais, jurídicas, políticas e sociais.

Rosane T. Jahnke Vailatti, brasileira de Santa Catarina, ex-Diretora Internacional e primeira Mulher a se candidatar à Presidência Internacional do Lions, veio especialmente de Nova Iorque para receber a comenda “JK – Cultura, Desenvolvimento e Civismo”, conferida pela Academia Mineira de Leonismo. Discursou em nome de todas as personagens femininas agraciadas na cerimônia com o troféu “Lions – Solidariedade Social”. As homenageadas com o referido troféu foram Andréia Aparecida Silva Donadon leal, escritora; Ângela Maria Pace Silva de Assis, empresária e ex-Secretária de Estado; Ângela Togeiro Ferreira, escritora; Cely Maria Vilhena Falabella, escritora; Cláudia Brenke Diniz Vieira, dirigente de organizações sociais; Cleube de Freitas Pereira, desembargadora, vice-presidente do TRT; Consuelo Oliveira Schettini, coordenadora de ações sociais; Deli Maria Bianchetti dos Santos, dirigente de trabalhos sociais; Deoclécia Amorelli Dias, primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente num Tribunal em Minas; Emília Facchini, desembargadora, Vice-Presidente do TRT de Minas; Geny Gomes de Abreu Labanca, líder comunitária de Aglomerado; Helena Jobim, escritora; Hérica Soraya Albano Teixeira, médica, com trabalhos sociais;  Íris de Avelar Paiva, mentora de ações assistenciais; Ivana Eva Novais de Souza, dirigente de creche; Luzia Maria Ferreira, deputada estadual, primeira mulher a presidir a Câmara Municipal de Belo Horizonte; Macaé Evaristo, Secretária Municipal de Educação de Belo Horizonte; Maria Aparecida Neves Thibau (Cecy Thibau), militante de instituições culturais e humanitárias; Maria Conceição A. Parreiras Abritta, presidente da Academia Feminina Mineira de Letras; Maria de Fátima da Silva Sanson, militante de organizações humanitárias; Maria de Nazareth G.Teixeira da Costa, dirigente de organizações sociais; Maria Edite Pereira Lopes (Didi), Secretária de Assistência Social em Pompeu; Maria José Lage Ottoni, dirigente de ongs voltadas para atividades sociais; Marisa Nogueira Souto Camargos, coordenadora de ações sociais; Maria Norma Moraes Silva, médica, com atuação em obras humanitárias; Rita Jardim Carnevalli, coordenadora da Pastoral da Criança na Arquidiocese de Belo Horizonte; Rosa do Menino de Jesus, dirigente comunitária; e Vera Lúcia Bernardo Teixeira, coordenadora de grupos sociais.

A governadora do Lions, Vilma Raid Fernandes, primeira mulher a exercer o cargo em Minas, explicou o sentido da celebração no discurso de abertura da festividade. Quem também discursou, enaltecendo a promoção, foi o presidente do Conselho de Governadores do Lions, Fábio de Oliveira. Coube a este escriba, como presidente da Comissão Organizadora, também discursar. O pronunciamento será publicado neste espaço na edição vindoura do jornal.

A parte artística da cerimônia, que contou como Mestres de Cerimônia com o jornalista Neymar Fernandes e a presidente do Sindicato dos Artistas de Minas, Magdalena Rodrigues, ficou entregue à magnífica Companhia de Danças do Sesiminas, dirigida pela consagrada coreógrafa Cristina Helena, e do excelente Coral da Assembléia Legislativa , regido pelo maestro Rodrigo Garcia.

Em tudo por tudo, a celebração encaixou-se nos anais do Lions como um momento de esplendor cívico e cultural, com realce para a expressiva homenagem, circundada de afeto, reconhecimento e gratidão, prestada pela instituição a conjunto valoroso de figuras femininas engajadas na construção de um mundo melhor.




Eco e Voz


“Deixei de ser eco. Passei a ser voz!”
(Elza Tamesi)

Este o pronunciamento que fiz, após as saudações protocolares, na celebração do “Dia Mundial do Serviço Leonistico” (8 de outubro), promovida pelo Distrito LC-4 e Academia Mineira de Leonismo, com o apoio da Assembléia Legislativa de Minas e do Sistema Fiemg.

“Saudamos Rosane Terezinha Jahnke Vailatti, tocados pela expectativa e esperança de vê-la galgar, em breve, na condição de primeira mulher a fazê-lo, o topo diretivo da maior organização de serviços do mundo. Recebemo-la aqui, caríssima Rosane, neste amorável encontro de confraternização, juntamente com as outras valorosas homenageadas e com nossa primeira governadora, Vilma, como um símbolo da Mulher deste século 21. Um ser humano na plenitude de suas prerrogativas, que soube sobrepujar penosos obstáculos em sua trajetória emancipacionista, erguidos por milenares despropósitos masculinizantes, nascidos de processos culturais despojados de humanismo e espiritualidade. Valho-me também da ocasião para registrar, com o mais intenso regozijo, o anúncio ontem feito da concessão do Premio Nobel da Paz deste ano, que contemplou três Mulheres valorosas. Da Libéria e do Iêmen, países um tanto quanto esquecidos do resto do mundo.


Minhas Senhoras e meus Senhores,
“Tirante a mulher, o resto é paisagem”. (Dante Milano, poeta)

A dolorida história da emancipação e promoção da mulher simboliza, melhor do que qualquer outro esforço humano de ascensão política, cultural, social, econômica, a história por inteiro das lutas pela conquista dos direitos da cidadania.
Nos óbices defrontados nessas lutas heróicas estão contundentemente inseridos abjetos preconceitos, aviltantes discriminações, asfixiantes camisas-de-força, dogmas esclerosados, presentes, a todo momento, na convivência humana. Frutos malsãos do obscurantismo, do machismo castrador, da insensibilidade para se compreender o sentimento do mundo, o sentido cósmico da vida.

Não é difícil detectar, em instantes de trevas, decretadas pelo preconceito e pela discriminação, que a mulher é invariavelmente penalizada em dobro, em relação ao homem. O racismo a alveja por ser negra, por ser cigana, por ser índia, por ser judia, ou por não ser negra, nem cigana, nem índia, nem judia, e por ser mulher. Ela paga o pato, por assim dizer, por pertencer à etnia errada, em lugares ou momentos errados, na concepção do radicalismo dominante em determinado cenário, e por ser mulher. Por pertencer à religião enjeitada, nas mesmas circunstâncias de ambiente e época, e por ser mulher. Assim por diante.

Comecinho da década de 50, uma cidade do Interior de Minas

Cena da infância, recolhida nas ladeiras da memória. Vejo desenhado ali o perfil da primeira líder feminista que provavelmente conheci. Uma moça de seus trinta anos, dona de semblante extremamente simpático e de corpo bem proporcionado. Trescalava obstinação pelos poros. Revejo-a descendo a ladeira que dava num campo de futebol improvisado, onde a molecada tocava suas peladas movidas a bola de pano, brigas inofensivas e um que outro palavrão ingênuo, às vezes punido com chinelada. A sensação passada era de que Verlaine teria descoberto naquele gracioso desfile vespertino - um gingado coreograficamente impecável - inspiração para seus versos: “Quando ela anda, eu diria que ela dança” (“Quand’elle marche, on dirait qu’elle dance”). Pontualidade, um atributo todinho seu. Podia-se acertar relógio à sua passagem. Naquele justo momento as janelas se fechavam estrepitosamente, em sinal de zanga malcontida. Olhares e murmurações recriminatórios acompanhavam-lhe a trajetória graciosa por detrás das venezianas, até que escapulisse por completo no raio de visão do falso puritanismo entocaiado. Tudo compunha clima de excitante e novelesco mistério. Mistério que aguçava demais da conta a cabeça da gente. Por que as coisas corriam daquela maneira? O que a nossa heroína andava aprontando?

Prepare-se a benevolente platéia para um baita impacto. A nossa personagem, apenas e simplesmente, foi a Mulher que primeiro ousou, naquela aprazível cidade do interior, a desfazer os laços indissolúveis e sagrados do casamento, por meio de proposta de ação de desquite, com um cidadão considerado de reputação ilibada no meio comunitário, ao se ver alvejada constantemente por atos de violência doméstica e pelo comportamento adúltero do parceiro. Ousou mais – “imaginem só o descaramento!” – foi a primeira mulher a desafiar a moral e os bons costumes da sociedade, ao sair vestida de calça comprida nas ruas. E o que é “pior”: às vezes, Santo Deus, fumava em público! Tais lembranças, até certo ponto hilárias, de simbólico surrealismo, chegam a propósito da temática que nos reúne neste amorável encontro de reflexão e confraternização.

Setembro de 2011, sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque

Pela primeira vez na historia da ONU, a Assembléia Geral das Nações Unidas é solenemente aberta com a fala de uma Mulher. Uma brasileira, a Presidenta Dilma Rousseff, Mulher torturada no cárcere, pelo terrorismo de Estado num instante trevoso da história, reconhece, sensatamente, que o Brasil, como os demais paises, ainda precisa fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher, confessando-se orgulhosa de representar, naquele instante, todas as mulheres do mundo. As anônimas que passam fome, as que padecem de doenças, as que sofrem violência e são discriminadas, por exploração econômica, pelo farisaísmo encapuzado, por fanatismo religioso, em diferentes latitudes geográficas e culturais do planeta.

São significativos, é bem verdade, em nosso País sobretudo depois da Constituição Cidadã de 88, os avanços conquistas constatados no desenvolvimento pessoal da Mulher. A trajetória de vida de nossas homenageadas oferece, aliás, relato auspicioso dessas conquistas. Mas existe, ainda, forçoso reconhecer, um oceano inteiro de problemas a ser navegado na busca das soluções mais compatíveis, neste capitulo da aventura humana, com a dignidade das criaturas. De qualquer forma há que se celebrar a utilização, cada dia mais acentuada, do real potencial humano criador do antigamente e impropriamente chamado sexo frágil. Considerada por Heidegger, autêntica “clareira do ser”, a Mulher vem assumindo gloriosamente a palavra, como propõe Elza Tamesi ao apontar o rumo a ser seguido: “Fiz um salto na vida. Deixei de ser eco e passei a ser voz!”

E, por derradeiro, como fruto de inquietação do espírito – consciente de que o espírito humano é que nem o páraquedas: só funciona aberto, como lembra Louis Pauwells  -; e, por derradeiro, repito, trago aqui à reflexão, por parte dos que trabalham incansavelmente em favor da construção de um mundo melhor, mas também dos que, por ignorância ou  miopia social, perseveram na pratica de atos que empobrecem e aviltam a dignidade feminina, uma singela interrogação.

Interrogação que pode parecer um tanto quanto  instigante. E se, de repente, no dia do Juízo final, na hora crucial e decisiva da prestação de contas dos atos praticados em nossa peregrinação pela pátria dos homens, cara a cara com a Suprema Divindade, carregando bem nítida a imagem que do Criador de todas as coisas conservamos em razão de amadurecidas convicções religiosas pessoais, e se nessa hora precisa, a gente descobrir, embargados pela emoção, muitos até tomados de santa estupefação, que Deus é mulher?
E negra?
“Negra – evocando belíssimo poema de Langston Hughes, decorado na adolescência distante -, negra  como a noite é negra.
Negra como as profundezas d’África.”     Palavra de Leão!”

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Atentado à dignidade humana

Cesar Vanucci *


“Um crime contra a humanidade!”
(Presidente Álvaro Colom, presidente da Guatemala)

Colho num canto de página de jornal, um desses espaços reservados para o despejo de calhaus, como se diz no jargão jornalístico, informação estarrecedora. Apoquenta-me bastante a forma indesculpavelmente “discreta” adotada pela mídia para divulgá-la. Os feitos narrados tiveram impactos extremamente perversos na vida de inocentes de comunidades comprovadamente desprotegidas. Gente arrolada, pela arrogância e prepotência dos “senhores do mundo”, como cidadãos de terceira classe. Alvejados impiedosamente em sua dignidade humana.

Mas de que notícia se está mesmo a falar? Desta aqui: Comissão especial constituída pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou a chocante conclusão de que pelo menos 83 cidadãos foram mortos em experiências médicas secretas, promovidas por órgãos governamentais norte-americanos na Guatemala. Aconteceu na década de 40. O relatório a respeito explica que, aproximadamente, 5.500 guatemaltecos foram submetidos a exames e, desses, um total de 1.300 acabaram sendo infectados deliberadamente com doenças venéreas no curso de um programa de cunho alegadamente “cientifico”, elaborado e coordenado pelo “National Institute of Health”, agência vinculada ao Departamento de Saúde estadunidense.

O programa teve desdobramentos entre os anos 1946 e 1948. Os “pesquisadores” norte-americanos, chefiados por um “cientista” de nome John Cutler, usaram cobaias humanas, vários deles portadores de doenças mentais, para apurar se a penicilina, recém descoberta, poderia ser empregada na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A ação “científica” consistia na inoculação de bactérias de blenorragia e sífilis nos elementos “selecionados”, na maioria, prostitutas. As “cobaias” foram estimuladas a manter relações sexuais com soldados, detentos, doentes mentais, por ai. Os “pesquisadores” acompanharam cuidadosamente a “evolução” dos experimentos, com vistas a compor um alentado acervo de “informações úteis” que pudessem vir a orientar ações terapêuticas futuras em ambientes sociais “mais refinados”, povoados obviamente por cidadãos de primeira classe.

O Presidente Obama, dias atrás, apresentou um pedido formal de desculpas ao Presidente da Guatemala, Álvaro Colom. Este, por sua vez, depois de classificar o apavorante incidente de “crime contra a humanidade”, ordenou fosse feita por cientistas guatemaltecos uma outra investigação.

Fica difícil, pacas, entender o comportamento indiferente, distante, da mídia com relação a assunto tão sério. A desnorteante história lança, também, no ar uma pergunta repleta de sombrios pressentimentos: a experiência levada a cabo pelos “cientistas malucos” teria ficado adstrita única e exclusivamente ao território da Guatemala, ou acabou se estendendo também a outras paragens, igualmente desguarnecidas na época (só naquela época?), do vasto “quintal” latino-americano?





Crise econômica e política


“O problema tem componentes políticos fortes.”
(Paul Krugman, Nobel de Economia, sobre a crise estadunidense)

Muitos consideraram inusitada a afirmação da Presidenta Dilma Rousseff classificando o rebaixamento da avaliação de risco dos Estados Unidos da categoria AAA para AA+ de “precipitado e incorreto”. O rebaixamento em questão, feito pela agência de risco “Standard & Poor’s”, equivale a dizer que o país, em termos financeiros, deixou de ser 100% confiável.

Mas Dilma não está sozinha nesse posicionamento crítico ao diagnóstico da agência. O Presidente Barack Obama, como é compreensível imaginar, foi o primeiro a rebater a reclassificação. “Nós sempre fomos e sempre seremos uma Nação AAA. Apesar de todas as crises, temos as melhores universidades, as melhores empresas e os mais inventivos empreendedores”, jactou-se. E não sem poderosos motivos, forçoso reconhecer.

As agências de risco, para muitos uma excrescência criada com intuitos sombrios a serviço da mega-especulação, costumam cometer equívocos terríveis. O Brasil que o diga. Essa aí mesmo, a “Standard & Poor’s”, ostenta em seu currículo, seguramente sem qualquer laivo de orgulho, a anotação de haver contribuído, de forma enfática, para a turbulência financeira que estremeceu o mundo a partir de 2006, com a assim denominada “crise da subprime”. Essa crise, como se recorda, produzindo reações em cadeia em diversas partes do planeta, lançou os Estados Unidos nos braços da recessão. A recessão se fez mais aguda nesse país com as ameaças de concordata, em 2008, de 274 poderosas instituições financeiras. Todas tiveram que ser socorridas pelo Tesouro, em controvertido processo de ajuda, de modo a conseguirem sobreviver. O “valioso contributo” da mencionada agência à formação da bolha que resultou na quebradeira generalizada consistiu no respaldo proporcionado a organizações que se achavam à beira do colapso total. A essas organizações, a agência não titubeou, na véspera da hecatombe, em atribuir, irresponsavelmente, notas de risco generosas.

Da mesma certeza externada pela nossa Presidenta quanto à inconveniência da reclassificação de risco do EUA partilham outros governantes e figuras exponenciais do mundo das finanças. Paul Krugman, detentor de um Prêmio Nobel de Economia, faz parte do time dos que condenam a atitude da agência. Crítico constante da política econômica de Obama, não deixa por menos: chama a “Standard” de “cara de pau”. Vai mais longe. Sustenta que o problema de seu país, neste momento, não se confina apenas ao jogo financeiro. É um embate declaradamente político. “Nossos problemas – assegura – são causados por um único lado. Mais especificamente pela ascensão de uma direita extremista que prefere criar crises a ceder um único centímetro em suas exigências.”

O que Krugman – volte-se a registrar, crítico veemente da ação política de Barack Obama – tenta passar é a idéia de que o problema que ora atormenta a maior economia do mundo tem componentes políticos fortes. Não se reveste das proporções que se lhe estão sendo dadas.

No Brasil, os ex-Ministros Delfim Neto e Luiz Carlos Bresser, entre outros personagens de destaque na vida econômica, estão também persuadidos de que a decisão da agência revelou-se errônea.

E como fica, afinal de contas, nessa encrenca toda, em cenário tão conturbado, a situação brasileira? É pergunta que se ouve com constância. “O Brasil está hoje mais bem preparado do que no passado para suportar um agravamento da crise mundial” – afiança o Ministro da Fazenda Guido Mantega.

Ele está com a razão.  Falaremos disso na sequência.




ËËËËËËËËËË




POEMA DO ACADÊMICO UBIRAJARA FRANCO

Recebemos, com satisfação, esta colaboração do Acadêmico Ubirajara Franco, da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Poema extraído do livro de sua autoria “O Grito da Terra”:


O CANTO DO UIRAPURU


De repente era um lamento...

Dentro da mata gigante,
como também no deserto,
qualquer barulho incerto,
é enredado pelo vento...

Da velha árvore imponente,
pela cruel serra abatida,
era o clamor inocente
de uma triste despedida.

De estalo em estalo tombando,
num triste adeus à floresta,
a silhueta  de seus galhos
eram mãos postas rezando.  

Os pássaros assustados,
seus ninhos abandonados,
partiam todos gritando...
E também a bicharada,
fugia em debandada,
a todos atropelando!...

E aquela virgem floresta,
que ficava bem à beira
do grande Rio Madeira,
viu quando o IRAPURU
-  pássaro sagrado  -
diante dessa malvadez,
partiu, voando de vez...

E aquela parte da mata,
ficou vazia de animais,
de pássaros e de aves,
que foram pra nunca mais...

E o que das árvores resta,
já não se chama floresta.
Quase todo santo dia,
por maldade, por ambição,
alguma daquelas velhas árvores
é morta sem compaixão!

Nunca mais do lobo o uivar,
naquelas noites de lua,
ou da pantera o rosnar,
que sua força acentua...
Não mais o tamanduá  as formigas devorando;
não mais fétido gambá,
seu predador espantando...
Também falantes araras,
enfeitando o azul do céu,
e o bando de capivaras,
nadando no brejo ao léu...
Ou o lamento do sofrê, o grito do gavião;
os arrulhos das juritis, o assobio do azulão.
Não mais aquela mina, a escorregar cristalina,
e também a cachoeira,
colorindo a mata inteira!...

E naquele santuário, fez-se pista clandestina,
onde pousam aviões, transportando  cocaína!
E o canto do UIRAPURU,
desde então entristeceu,
e, cada vez, mais baixinho,
EM SEU PEITO EMUDECEU...

 
                               

A SAGA LANDELL MOURA

As maravilhas naturais do Norte de Minas

    *Cesar Vanucci “Registro quase indestrutível para a posteridade.” (Escritor, J.A.Fonseca)   O Parque Nacional do Peruaçu, com s...