sábado, 21 de maio de 2022

 

O exílio e o retorno

 

Cesar Vanucci

 

“Sua fé foi sempre muito grande.”

(Frei Manoel, dominicano, irmão da Madre)


Do México, recolhida aoConvento das Irmãs de São José deLyon, onde permaneceu em exílioforçado até a anistia em 1979, Madre Maurina Borges da Silveira encaminhou inúmeras correspondências às autoridades brasileiras, pedindo permissão para regressar a terra natal. Existem indícios de que, em alguns setores do governo, houve quem se desse conta, em dado instante, da necessidade de se proceder a um reexame do doloroso caso da freira impiedosamente alvejada pela boçalidade e paranoia dos agentes da lei. 

Em julho de 1971, a 2ª Auditoria da 2ª Comissão da Justiça Militar aconselhou o retorno da Madre. Esse posicionamento, unânime e inédito, foi tomado num período ainda de violenta repressão. Pode ser interpretado como indicativo de que algumas pessoas no mundo oficial mostravam-se preocupadas, de certa maneira, com o tamanho do abacaxi que teria de ser, mais adiante, forçosamente descascado na tentativa de se oferecer uma explicação para as ignomínias praticadas contra Maurina. A sentença em questão, segundo revelado pelo antigo “Jornal do Brasil”, levou em consideração que “provas colhidas em Juízo” autorizavam “a presunção de que Maurina foi incluída na lista de presos a serem trocados pelo cônsul do Japão, por insidiosa manobra de guerra psicológica, por parte dos militantes da subversão.” Na mesma decisão, fazia-se a ressalva de que a religiosa “suplicou, até o último momento”, antes do embarque rumo ao México, para que a deixassem ficar no país. De algum modo, o Ministro Alfredo Buzaid sensibilizou-se com o argumento. Chegou mesmo a elaborar exposição de motivos ao então Presidente Médici com minuta de decreto até assinada revogando o banimento da freira. O expediente ficou paralisado até junho de 76, alcançando, já aí, o governo Geisel. O sucessor de Buzaid na pasta da Justiça, Armando Falcão, deu andamento ao processo retido emitindo parecer conclusivo nos seguintes termos: “Minha opinião é contrária à concessão da permissão da vinda da interessada, por inoportuna e inconveniente. Vossa Excelência, entretanto, no seu alto critério, se dignará de decidir como mais acertado lhe parecer.” Conforme ainda o JB, Geisel decidiu. Fechou com Armando Falcão. 

Madre Maurina continuou, à vista disso, a amargar o indesejado exílio. Nessa tormentosa fase, seu pai, Antônio Borges da Silveira, veio a falecer. Negaram-lhe também o direito de comparecer ao sepultamento. 

De volta ao Brasil, beneficiada pela anistia, a religiosa retomou suas atividades na congregação franciscana, com o mesmo inquebrantável espírito de fé que marcou toda sua trajetória de vida, dedicando-se ao trabalho apostólico de sempre. 

Em 5 de março de 2011, aos 87 anos de idade, cercada do carinho das colegas de hábito, em Araraquara, Estado de São Paulo, Maurina deixou este mundo. Embora as vicissitudes enfrentadas, registradas parcialmente nesta sequência de artigos, a morte desta freira valorosa, mineira de Perdizes, condenada ao martírio num momento trevoso da história brasileira, passou inexplicavelmente desapercebida aos olhares da mídia e dos próprios órgãos de defesa dos direitos humanos. 

Tanto quanto pude constatar, o reverente pronunciamento do Deputado Adelmo Carneiro Leão, sobre sua vida e obra, na tribuna da Assembleia Legislativa, estranhavelmente sem repercussão midiática, foi o único registro significativo feito em Minas Gerais a respeito do caso. Na internet, colhi também alguns dados que serviram de fonte para a elaboração destes artigos. No mais, o que prevaleceu foi um inexplicável e sepulcral silêncio. Não sei dizer, mas ponho-me a fazer elucubrações a propósito, se essa ausência de registro, pelo menos por parte das organizações de direitos humanos, tenha decorrido de o fato da religiosa não haver, ao contrário do que a acusavam seus algozes, se inclinado por qualquer tipo de militância política. Circunstância, cá pra nós, que não deveria ser de molde também a justificar a falta de divulgação.

Na sequência o final do relato.

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