quinta-feira, 14 de novembro de 2019


A decisão do Supremo

Cesar Vanucci

“Nenhum juiz é contrário à repressão da corrupção com rigor.”
(Ministro Celso de Mello)

É assim que as coisas funcionam na democracia, um regime que estampa, inequivocamente, defeitos e falhas nascidos de circunstâncias e contradições próprias da vida, mas que é, sem mais a mais tênue sombra de dúvida, o único consentâneo com a dignidade humana. O Supremo falou, está falado. A decisão que se tomou, no tocante à prisão em segunda instância, contemplou sensatamente a rigorosa primazia do preceito constitucional sobre quaisquer outras formulações e sofísticos argumentos de natureza jurídica, concebidos – justo supor - dentro da mais lisa das intenções.

O que a Carta Magna proclama, no artigo 5º, não dá margem a tergiversações. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, registra o texto. É de clareza cristalina o entendimento. A culpabilidade em processos conduzidos pela Justiça só se configura em sentenciamento definitivo proferido após esgotadas todas as possibilidades recursais concedidas no Estado de direito aos cidadãos. Noutras palavras, só depois de ocorrer aquilo que, no linguajar jurídico é conhecido por “trânsito em julgado”.

O preceito constitucional não comporta casuísmos, reinterpretações ditadas por conveniências políticas ou sociais, ou de qualquer outra natureza, mesmo que acionadas pelo respeitável propósito de impedir possam praticantes de atos delituosos desfrutar de impunidade. A medida aprovada – seja frisado com ênfase – não significa impunidade, prescrição de pena, interrupção de processo, admissão sumária de descabida inocência, afrouxamento dos mecanismos legais de enfrentamento de crimes, favorecimentos indevidos, por isso repudiáveis, a acusados de infringirem as leis, condescendência com corrupção. Como bem explicou o Ministro Celso de Mello, nenhum juiz da Alta Corte é contrário à repressão da corrupção com vigor. É imperioso, no entanto, seja respeitado o esquema legal definido na Constituição. “A repressão ao crime não pode efetivar-se com transgressão às garantias fundamentais”, frisa o magistrado. Acrescenta, com firmeza: “A proteção das liberdades representa encargo constitucional de que o Judiciário não pode demitir-se, mesmo que o clamor popular manifeste-se contra.”

A lúcida ponderação contribui para melhor compreensão da decisão em que o Supremo submete toda e qualquer tramitação processual ao abrigo da regra constitucional. Fica evidente que o ato, de legitimidade irrecusável, não é passível de fomentar, nos círculos democráticos, reações que possam lembrar ligeiramente manifestações de torcida organizada, em saída de estádio, face a placar adverso ao clube de sua predileção.

Onde nos parece haver o Supremo cometido gesto falho, em toda a história, é na delonga que marcou o estudo da questão sob exame. Isso deu causa a que o foco jurídico constitucional fosse deslocado para polêmicas ruidosas, marcadas, de parte a parte, por exacerbadas paixões, quando o que esteve em jogo, o tempo todo, nada mais foi, senão e apenasmente, a correta aplicação de um princípio constitucional.

A soltura de Lula, Azeredo e outros réus condenados em segunda instância não significa jeito maneira tenham eles sido absolvidos dos graves delitos que lhes são imputados. Significa, de acordo com o ditame constitucional, que os réus dispõem ainda de prazos recursais, previstos em lei, para se defenderem das acusações.

Uma outra conclusão se impõe dentro desta linha de considerações. Chegada a hora de o Judiciário, em seu afã de aprimoramento do trabalho que lhe toca institucionalmente executar, promover estudos que levem à implementação de mecanismos mais ágeis de atuação capazes de sobreporem-se à morosidade processual tantas vezes detectada em sua edificante missão.

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