sexta-feira, 22 de março de 2019


Perda de parâmetros

Cesar Vanucci

“É a perda de parâmetros, é o descontrole, é a bagunça administrativa. É a Babel.”
(Ministro Marco Aurélio Mello, do STF)

De princípio, tamanho o espanto suscitado, imaginou-se que se tratasse, como está em moda, de mais uma “fake”. Intriga danada de maldosa nascida, certamente, em redutos ocupados por mafiosos poderosos descontentes diante da eficiente repressão ao crime organizado. Confirmada, contudo, a fidedignidade da denúncia, houve quem admitisse ser o fato de molde a estarrecer um frade de pedra, como era costume dizer-se em tempos de antanho.

A acumulação de detalhes surpreendentes sobre o ocorrido acabou criando ensancha oportunosa para a afirmação de que o estarrecimento de um único frade de pedra não seria suficiente o bastante para explicar tanto aturdimento. O mais adequado era reconhecer no censurável episódio proporção capaz de espavorecer todo o conjunto das estátuas de pedra de sabão, configurativas dos Apóstolos, enfileiradas no adrio da Matriz de Bom Jesus de Matozinhos, Congonhas do Campo, esculpidas pelo genial Aleijadinho, nosso Michelangelo barroco.

Exorbitando em suas atribuições institucionais, superestimando à desmesura o papel, sem dúvida relevante, que lhes toca representar no enredo administrativo, político e jurídico, ilustres componentes da coordenação da “Lava Jato” entenderam, de modo próprio, ao arrepio da lei, de articular a implantação de uma fundação privada abastecida com recursos vultosos pertencentes ao Tesouro Nacional, a ser por eles próprios gerida. A mufunfa, equivalente a um orçamento inteiro da Unicamp, à metade do orçamento do Ministério Público, seria aplicada em iniciativas voltadas “para proteção e promoção de direitos fundamentais afetados pela corrupção, como os direitos à saúde, à educação e ao meio ambiente, dentre outros.”

Em “acordo”, pra dizer o mínimo esdrúxulo, firmado pela turma de Curitiba diretamente com a Petrobras, sem passar pelo crivo de qualquer órgão superior qualificado, como a PGR, o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União, o Congresso, a estatal, atendendo a recomendação exclusiva do grupo, carreou a avultada soma de 2 bilhões 560 milhões de reais para uma conta bancária a ser movimentada com os intuitos propalados.

A dinheirama proveio de acertos procedidos pela petrolífera com a Justiça dos Estados Unidos. Do ponto de vista institucional, moral e legal, o correto seria que tais recursos fossem capitalizados pela empresa, ou destinados a finalidades de interesse público definidas naturalmente por órgãos constitucionalmente competentes, e não por grupo isolado de agentes públicos que se auto-proclame investido de poderes situados consideravelmente além de sua alçada. A grita provocada pela invulgar ocorrência, implicando magistrados, juristas, lideranças políticas e de outros setores da sociedade, foi de tal monta que à Procuradora Geral Raquel Dodge não sobrou outra alternativa que não pedir ao STF a anulação do “acordo”, por nele enxergar inconteste violação dos preceitos constitucionais. Na justificativa do saneador procedimento, ela evocou a autonomia dos Poderes, a necessidade de preservação das funções essenciais à Justiça e os princípios da legalidade, da moralidade, além de se reportar à exorbitância de atribuições constatada na atitude dos subordinados.

Esclareça-se, ainda, a respeito da candente questão que os procuradores envolvidos, após o pronunciamento da Procuradora Geral, requereram a suspensão da criação do fundo privado bilionário que se propuseram a implantar com recursos recuperados da Petrobras.  No pedido de adiamento, formulado perante a Justiça Federal, confessaram-se dispostos a consultar, agora, a Advocacia Geral, a Controladoria Geral e o Tribunal de Contas da União, na busca de soluções adequadas para que os valores restituídos aos cofres públicos sejam usufruídos pela comunidade.

As vigorosas reações à desnorteante atitude dos procuradores acham-se emblematicamente traduzidas em declarações como as reunidas na sequência. Jornalista Élio Gáspari: “A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba”. Jurista Marcelo Mascarenhas: “Se um prefeito ou um governador desviasse a arrecadação de multas para uma ONG escolhida por ele, era condução coercitiva na hora”. Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo: “A mistura entre público e privado, sem a devida fiscalização, não interessa à sociedade. É ato pernicioso, fazendo surgir “super órgãos”, inviabilizando o controle fiscal financeiro. É a perda de parâmetros, e o descontrole, é a bagunça administrativa. É a Babel”.

Encurtando papo: uma incompreensível e desedificante forçação de barra.

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