“Incidente”
em carnaval de outrora
Cesar
Vanucci
"Uma ocorrência escabrosa!"
(Palavras do presidente do clube a respeito
dos preservativos largados na sala de estar)
As
reviravoltas nos usos e costumes mundanos são desconcertantes. Falamos disso em
narrativa anterior. Voltamos ao assunto trazendo do baú episódio ocorrido há
mais de meio século, em período carnavalesco, tendo sob mira objeto que, no
passado, todo mundo considerava de pecaminosa serventia e que, em tempos de
hoje, é alvo de intensas campanhas educativas, de teor profiláxico, nos
veículos de comunicação em massa.
Em
dias recentes, próximos de uma folia carnavalesca, o carro de um conhecido
emparelhou-se com o meu na descida da avenida, de frente ao "farol",
como se diz em dialeto paulistês. Ele jogou pela janela uma pergunta que, por
força das circunstâncias, não pude responder na hora: - Escuta aqui, meu chapa,
o que há de tão engraçado pra você aí, sozinho no fusca, cair de repente na
risada?
Explico, agora,
respondendo à pergunta, a razão do riso solitário no flagrante de rua. Eu havia
acabado de guardar no porta-malas uma sacola atulhada de preservativos, a serem
distribuídos por ONG envolvida em campanha preventiva de saúde. Ao transportar
o material, bateu-me a lembrança de uma festa carnavalesca dos anos 50. O fato
relembrado, inspirando confrontação dos costumes vigorantes em épocas bastante
distanciadas, deu causa à reação que tanto intrigou o conhecido. História na
sequência relatada.
A batucada
carnavalesca ia à toda no suntuoso clube, "frequentado pela nata de nossa
progressista sociedade," segundo a abalizada opinião do festejado
colunista do jornal da cidade. A moçada, trazendo nas mãos lança-perfume,
serpentina e saco de confete, rodopiava pelo salão ricamente decorado, entregando-se com
animação às relativamente bem comportadas brincadeiras, típicas dos folguedos,
toleradas nas posturas morais dominantes. Das mesas, ao redor da regurgitante pista
de dança, pais zelosos acompanhavam as graciosas evoluções das filhas donzelas
com suas fantasias multicoloridas, de apurado gosto.
De súbito, percorreu
o salão, de mesa em mesa, trazido pelo vento do espanto e da indignação, um
chocante relato. A esposa do diretor social, dama de peregrinas virtudes e de
alta respeitabilidade, acabara de testemunhar, entre soluços e lágrimas, na sala
de estar do reservado feminino, algo "danado de indecente". A
"escabrosa ocorrência", tomando emprestadas as palavras do ilustre
presidente do clube na reunião de emergência montada para uma tomada enérgica
de providências, consistiu na descoberta, largadas sobre o confortável divã
onde madame se refestelava depois de haver retocado a maquiagem, de duas
"camisinhas de vênus" com indícios de uso recente. A primeira versão
extraída dos fatos dizia que um casalzinho "prafrentex" havia
resolvido mandar pra cucuia, na cara e na coragem, valendo-se de momento de
distração da vigilância, as sadias regras da moral e dos bons costumes.
Chegou-se mesmo, com certo açodamento, à citação de nomes de supostos autores
da "sórdida proeza". O que acabou acendendo comentários maledicentes
e, mais tarde, malquerenças familiares insanáveis. Outra versão posta nas
especulações arguia a hipótese de que "aquelas indecências" houvessem
sido lançadas por um estudante, malcaratista juramentado de cidade vizinha,
depois de encher a cara com umas e outras. O auê à volta do "ato de
depravação", cujos pormenores ficaram para sempre inexplicados, afetou de
modo irreparável a festa. Honrados chefes de família, batendo duro os
calcanhares, convocaram as distintas consortes e amuados rebentos para se
recolherem mais cedo aos respectivos domicílios. A presença de foliões no baile
seguinte, "terça-feira gorda", sem intenção de trocadilho, foi magra.
Bem aquém das expectativas, tamanha a dimensão do escândalo.
A
história rendeu outros ruidosos desdobramentos. Numa assembléia religiosa, dias
depois, devotos piedosos acompanharam, compenetrados, incandescente prédica
tendo como foco o "abominável caso", com o pregador caprichando nas
citações das passagens bíblicas que se ocupam de Sodoma e Gomorra.
Quem,
dentre as testemunhas oculares do bololô armado no salão, ousaria imaginar que
os "indecorosos artefatos de látex", mercadoria clandestina
incogitável nos hábitos de consumo das pessoas de bem, passariam num futuro não
tão distante a ser maciçamente distribuídos, com expressas recomendações
paternas aos mancebos e moçoilas em flor no sentido de que soubessem
conservá-los ao alcance das mãos, guardadinhos nos bolsos e nas bolsas, pra
acudir a quaisquer emergências?
Nenhum comentário:
Postar um comentário