sexta-feira, 8 de março de 2019


Brasil, país do carnaval

Cesar Vanucci

“O carnaval é a única festa nacional
que consola a gente (...) da queda do mil-réis,
da política, dos programas de salvação pública!”
(Ribeiro Couto – 1898-1963)

Abram alas. Deixem o carnaval passar. Com seu fascínio irresistível, com sua exuberância multicolorida, com suas ruidosas e inconfundíveis manifestações, a assim denominada folia momesca cria condições, por paradoxal que possa parecer, para uma pausa no torvelinho da existência. E se o ritmo das ocorrências rotineiras vem sendo marcado por desafinações perturbadoras, como as que estão sendo dadas a perceber na cena brasileira nestes dois primeiros meses de acumulação de problemas no nada bento, até aqui, ano de 2019, o intervalo aberto revela-se propício para descontração, apaziguamento de ânimos, diversão, meditação, por ai, de acordo com as diversificadas opções de gosto de uma freguesia acossada por tanto sufoco. O melhor a fazer, foliões ou não, é tirar partido do bem-vindo recesso.

 Brasil, país do carnaval! Há quem demonstre algum ou mesmo forte desconforto com a designação. Franzindo a testa em sinal de quem comeu e não gostou, coloca desdém na voz sempre quando chamado a falar da feérica celebração popular. Deixa cair a opinião de que tudo isso não passa de baita despropósito. Algo que, em seu distorcido parecer, empobrece pra valer a cultural nacional.

É claro que a turma partidária desse ponto de vista está rotundamente equivocada. Como também é notório que parte dessa minoria de viventes preconceituosos em relação ao carnaval não encontra motivos para se  rejubilar com o fato de que sermos reconhecidos como o “país do futebol”. Não é improvável, ainda, que se sintam mais a vontade numa comemoração, por exemplo, do “halloween”, do que numa festa junina com aquele sabor típico roceiro descrito nos poemas e no canto de Catulo da Paixão Cearense, primeiro violão da Sinfônica poética brasileira. Ou até mesmo que achem naturalíssimo o emprego pedante, num trivial papo com conhecidos, de expressões em “inglês moroless”, como “feedback”, “brunch”, “feeling” (e por aí segue...), empregadas abusivamente para classificar situações obvias do cotidiano.

Não nos importemos, todavia, com o que alguns poucos pensam e dizem do carnaval. As vibrações ricas em calor humano, magnéticas, contagiantes desse inigualável festejo, aqui por nossas bandas, são únicas, têm marca registrada. Exprimem admiravelmente, como acontece também no reino do futebol, o modo de ver e sentir de nossa gente. Estampam, de forma magistral, as múltiplas faces da genuína cultura nacional.

Disponho-me a contar, em seguida, coisas amenas de outros carnavais. Naquele tempo, sabe seu moço, a criação musical revelava-se mais pujante. O carnaval era época geralmente reservada para lançamento de belos sambas e marchas, boa parte deles até hoje com lugar assegurado na memória das ruas.

“Alalaô”, “Chiquita Bacana”, “A Jardineira”, “Não me diga adeus” são alguns clássicos da incomparável canção popular brasileira nascidos nos teatros-revistas e nas rádios, por ocasião do então chamado “tríduo momesco”. Essa expressão aí, por sinal, acabou caindo em desuso em tudo quanto é parte, mas, na verdade, um pouco mais mesmo na Bahia, já que o carnaval na “boa terra” costuma começar bem antes e acabar muito depois, como é sabido por todos e desfrutado por muitos.

Autores e intérpretes musicais se preparavam, então, para o carnaval com o mesmo capricho e cuidado de qualquer artista na antevéspera de uma temporada de espetáculos. O concurso das melodias carnavalescas fazia parte do show. Servia de trampolim para a glória.

Naquele tempo, o lança-perfume não era considerado esguicho alucinógeno. Todo folião digno do nome trazia-o sempre ao alcance da mão, nos salões e nas ruas. Os mais abonados adquiriam artefatos metálicos. Os outros consumiam os de vidro, mais em conta. Tinha-se por certo, na consciência coletiva, que o dano extremo que o emprego do lança-perfume conseguia produzir era um ardor incômodo, quando o gélido jato das bisnagas atingia o olho de algum desprevenido folião. Vez por outra, alguns poucos carnavalescos, debaixo da reprovação da maioria, se compraziam em promover duelos de lança-perfume. Contrariavam, assim, a regra pacificamente aceita de que o lança-perfume nada mais devia ser do que forma galante de aproximação.

O carnaval bem diferente de agora projetou nos últimos anos, graças sobretudo à cobertura da televisão, uma visão panorâmica impressionante da capacidade artística brasileira. A alegria, que costuma explodir franca e espontânea em tudo quanto é espaço ocupado pelos foliões, serve de pano de fundo para que sejam expostas – repetimos - as múltiplas e arrebatantes faces da cultura nacional.

As tradições, os símbolos folclóricos, os mitos, os costumes de cada região, trabalhados por carnavalescos criativos, ganham colorido e vibração nas manifestações. E deixam no espírito popular a certeira certeza de que, seja no Rio, ou em São Paulo, ou Belo Horizonte, nas cidades históricas de Minas, na Bahia, em Pernambuco, ou no Amazonas, vive-se, todos os anos, nessa época, em todo o Brasil afinal, um festejo incomparável em matéria de promoções a envolver multidões. Produto pra desfrute turístico que nenhum outro país do planeta tem condições, vontade e capacidade de oferecer.

País do carnaval, sim! Com orgulho.

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