Carnaval,
clarão de esperança
Cesar
Vanucci
“O
Brasil cultiva concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida.”
(Domenico de Masi, sociólogo italiano)
Na
pauta, outra vez, carnaval. No desfrute do vigor físico e mental proporcionado
por quatro decênios de vida útil, já festejados pela segunda vez consecutiva,
confesso-me, em boa e lisa verdade, adepto entusiasta do carnaval. Não me
animo, tá claro, no curso dos ruidosos folguedos, a vestir “uma camisa listrada
e sair por aí (...) carregando um pandeiro na mão”, como proposto na canção de
Assis Valente, tornada famosa na magistral interpretação de Carmem Miranda.
Minha participação na “algazarra momesca” se adstringe a acompanhar, lá de casa
mesmo, com discretas batidas de pés, batucando à distância, as multicoloridas
evoluções coreográficas na base do improviso ou ensaiadas no capricho por
escolas de samba, blocos, trios elétricos e foliões isolados, projetadas na
telinha. Tão manifesta simpatia pela causa carnavalesca – mostra pujante da
autêntica cultura brasileira – leva-me a adotar, como articulista, o estilo
baiano de celebrar o carnaval, qual seja, começando bem antes e espichando o
ronco das cuícas além do prazo institucionalmente designado para tanto. Este papo introdutório ajuda explicar a razão
pela qual as maltraçadas de hoje retomam o tema, mesmo depois do carnaval que
passou...
O
carnaval brasileiro, “uma tradição venerável, adorada”, conforme assinala
Gilberto Amado, constitui sempre uma explosão feérica de alegria espontânea,
propícia à confraternidade social. Incomparável em relação a qualquer outra
manifestação cultural capacitada a atrair multidões, estremece de contaminante
entusiasmo ruas e lares, mentes e corações. Merece ser apontado como um clarão
de esperança.
Dá
pra perceber que a festividade carnavalesca deste ano de 2019, com sua
democrática e brejeira interpretação das coisas da vida, acionando dezenas de
milhões de pessoas em tudo quanto é canto, quebrou padrões, superou
expectativas. Alcançou retumbância maior do que em outros momentos, embora isso
pudesse ser pratrazmente enxergado como inatingível proeza. Consideradas as
inusitadas proporções assumidas pelo chamado “tríduo momesco” - que na quase
totalidade dos lugares, a começar pela Bahia de inesgotável fôlego, deixou há
muito de ser apenas um “tríduo” -, contrariou em cheio prognósticos acerca de
eventual retração na participação popular. Alguns sustentavam a hipótese, como natural
consequência inevitável da crise.
O
que se viu foi algo diferente do que se imaginou. O transbordamento de emoções
genuínas extrapolou os limites concebíveis. Escancarou as inexauríveis
potencialidades humanas que fazem da Nação brasileira um pedaço de mundo tão
especial. Para os especialistas em
Ciências Sociais afigura-se, agora, indeclinável a tarefa de interpretar
adequadamente esse possante sopro de energia que costuma acionar a gente do
povo nessas estupendas afirmações culturais e humanísticas. Material abundante
para reflexões de sociólogos e antropólogos foi despejado, durante a
celebração, nas praças públicas, do Oiapoque ao Chuí, sugerindo a conveniência
de explicações por parte dos mencionados estudiosos dos fenômenos sociais. Fica
bem evidenciado que as manifestações flagradas se contrapuseram à atmosfera
pesada, sombria, de timbre derrotista ininterruptamente propagada no noticiário
nosso de cada dia.
Face
ao exposto dá, então, pra perceber melhor aquilo que o sociólogo italiano Domenico
de Masi proclama: a cultura da inteligência e a contemplação da beleza
desvelam, no caso brasileiro, atrás de motivos de medo, radiosas ocasiões de
esperança. E isso graças à benfazeja circunstância de que, ainda no entender do
pensador, o modelo de vida brasileiro acena sempre com perspectivas alentadoras
no tocante às conquistas do futuro. Representa exemplo eloquente de proposta de
vida bela e colaborativa. Mas o melhor mesmo é deixar que o próprio Domenico se
encarregue de explicar, com a paixão que nutre pelas coisas brasileiras e
encantamento que sente pelo jeito de ser de nossa gente, no que consiste
realmente esse estilo de vida enaltecido. “O Brasil, apesar de assolado pela
violência, pela escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, pela corrupção,
pela carência de infraestrutura, cultiva uma concepção poética, alegre, sensual
e solidária da vida, uma propensão à amizade e à solidariedade, um
comportamento aberto à cordialidade”.
O que ele falou e disse parece primorosamente
retratado no carnaval brasileiro, não é assim mesmo?
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