sexta-feira, 15 de março de 2019


Carnaval, clarão de esperança

Cesar Vanucci

“O Brasil cultiva concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida.”
(Domenico de Masi, sociólogo italiano)

Na pauta, outra vez, carnaval. No desfrute do vigor físico e mental proporcionado por quatro decênios de vida útil, já festejados pela segunda vez consecutiva, confesso-me, em boa e lisa verdade, adepto entusiasta do carnaval. Não me animo, tá claro, no curso dos ruidosos folguedos, a vestir “uma camisa listrada e sair por aí (...) carregando um pandeiro na mão”, como proposto na canção de Assis Valente, tornada famosa na magistral interpretação de Carmem Miranda. Minha participação na “algazarra momesca” se adstringe a acompanhar, lá de casa mesmo, com discretas batidas de pés, batucando à distância, as multicoloridas evoluções coreográficas na base do improviso ou ensaiadas no capricho por escolas de samba, blocos, trios elétricos e foliões isolados, projetadas na telinha. Tão manifesta simpatia pela causa carnavalesca – mostra pujante da autêntica cultura brasileira – leva-me a adotar, como articulista, o estilo baiano de celebrar o carnaval, qual seja, começando bem antes e espichando o ronco das cuícas além do prazo institucionalmente designado para tanto.  Este papo introdutório ajuda explicar a razão pela qual as maltraçadas de hoje retomam o tema, mesmo depois do carnaval que passou...

O carnaval brasileiro, “uma tradição venerável, adorada”, conforme assinala Gilberto Amado, constitui sempre uma explosão feérica de alegria espontânea, propícia à confraternidade social. Incomparável em relação a qualquer outra manifestação cultural capacitada a atrair multidões, estremece de contaminante entusiasmo ruas e lares, mentes e corações. Merece ser apontado como um clarão de esperança.

Dá pra perceber que a festividade carnavalesca deste ano de 2019, com sua democrática e brejeira interpretação das coisas da vida, acionando dezenas de milhões de pessoas em tudo quanto é canto, quebrou padrões, superou expectativas. Alcançou retumbância maior do que em outros momentos, embora isso pudesse ser pratrazmente enxergado como inatingível proeza. Consideradas as inusitadas proporções assumidas pelo chamado “tríduo momesco” - que na quase totalidade dos lugares, a começar pela Bahia de inesgotável fôlego, deixou há muito de ser apenas um “tríduo” -, contrariou em cheio prognósticos acerca de eventual retração na participação popular. Alguns sustentavam a hipótese, como natural consequência inevitável da crise.

O que se viu foi algo diferente do que se imaginou. O transbordamento de emoções genuínas extrapolou os limites concebíveis. Escancarou as inexauríveis potencialidades humanas que fazem da Nação brasileira um pedaço de mundo tão especial.  Para os especialistas em Ciências Sociais afigura-se, agora, indeclinável a tarefa de interpretar adequadamente esse possante sopro de energia que costuma acionar a gente do povo nessas estupendas afirmações culturais e humanísticas. Material abundante para reflexões de sociólogos e antropólogos foi despejado, durante a celebração, nas praças públicas, do Oiapoque ao Chuí, sugerindo a conveniência de explicações por parte dos mencionados estudiosos dos fenômenos sociais. Fica bem evidenciado que as manifestações flagradas se contrapuseram à atmosfera pesada, sombria, de timbre derrotista ininterruptamente propagada no noticiário nosso de cada dia.

Face ao exposto dá, então, pra perceber melhor aquilo que o sociólogo italiano Domenico de Masi proclama: a cultura da inteligência e a contemplação da beleza desvelam, no caso brasileiro, atrás de motivos de medo, radiosas ocasiões de esperança. E isso graças à benfazeja circunstância de que, ainda no entender do pensador, o modelo de vida brasileiro acena sempre com perspectivas alentadoras no tocante às conquistas do futuro. Representa exemplo eloquente de proposta de vida bela e colaborativa. Mas o melhor mesmo é deixar que o próprio Domenico se encarregue de explicar, com a paixão que nutre pelas coisas brasileiras e encantamento que sente pelo jeito de ser de nossa gente, no que consiste realmente esse estilo de vida enaltecido. “O Brasil, apesar de assolado pela violência, pela escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, pela corrupção, pela carência de infraestrutura, cultiva uma concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida, uma propensão à amizade e à solidariedade, um comportamento aberto à cordialidade”.
O que ele falou e disse parece primorosamente retratado no carnaval brasileiro, não é assim mesmo?

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