segunda-feira, 8 de maio de 2023

Titicaca e salto do jaguar

 

                                                                       *Cesar Vanucci

 

                                                                        “A quantidade de coisas que chama  a atenção  ajuda o bom senso na pista da explicação.”                                                          (Gotthold Ephraim Lessing, 1729-1781)

 

Vamos dar continuação à nossa incursão por sítios geográficos que representam, com seus marcos indecifráveis, o testemunho vivo do passado misterioso deste planeta azul.

 O lago Titicaca não é bem um lago. É mais uma porção de mar, de grandes proporções, que um colossal deslocamento dos elementos naturais em tempos imemoriais inseriu na acidentada geografia andina. A flora e fauna são típicas de água salgada. Pontilhado de ilhotas, o Titicaca abriga vestígios de civilizações desaparecidas. As famosas fortificações atribuídas aos incas aparecem em diversos pontos. O estilo arquitetônico é o mesmo observado em centenas de sítios arqueológicos dos altiplanos bolivianos e peruanos. Navios turísticos percorrem o trajeto entre um porto boliviano, próximo a La Paz, e o porto peruano de Copacabana, num período de oito horas. Tempo razoável para que se possa admirar o cenário soberbo de um recanto cravejado de lendas e enigmas.

Um dos enigmas, provavelmente o mais atordoante, relaciona-se com a denominação dada a esse mar suspenso. No idioma aymara, falado pelos nativos da região, “titicaca” significa “o salto do jaguar”. Anotou aí? Vamos em frente. Nos anos 60, satélites estadunidenses colheram, a grandes altitudes, imagens do misterioso lago. As fotos deixaram cientistas embasbacados. A configuração do Titicaca é inacreditavelmente, precisamente, a de um jaguar saltando. A indagação irrompe inevitável: explique quem puder, como é que o povo aymara teve acesso a revelação tão estonteante? De quais recursos tecnológicos se teriam valido os ancestrais de Evo Morales, aymara com muito orgulho conforme confessa, para estabelecer essa inconcebível conexão entre o desenho geográfico, captado do alto, e a realidade prosaica de uma cena retirada de seu cotidiano como caçadores?

 Perto do Titicaca existe um “museu antropológico” de priscas eras. Tiahaunaco, a uns 30 quilômetros de La Paz, é uma verdadeira maravilha arqueológica. Menos procurado do que outros sítios famosos dos Andes, como Machu Picchu e todo o conjunto fabuloso de fortificações das imediações de Cuzco (Peru), como Sacsuyaman, Pizac, Ollantaitambo, oferece grandiosidade equivalente a todos eles. No entender de reputados pesquisadores, a construção de Tiahaunaco se situa numa época que antecede em muito aos outros monumentos megalíticos bolivianos e peruanos. Acham até que as grandiosas edificações teriam surgido antes das pirâmides do Egito e do México.

 A fabulosa “porta do Sol”, com incríveis frisos e imagens, focalizada em numerosas obras dedicadas à arqueologia e ao estudo de fenômenos transcendentes, é uma das manifestações arquitetônicas impactantes do lugar. Das escavações emergiu também uma cidadela impressionante, menos conhecida. Com a dimensão de quarteirão urbano amplo, é constituída de pátios espaçosos e rodeada de colunatas. Na parte externa, esculpidas na rocha, aparecem incontáveis efígies com características anatômicas humanas. Entre uma efígie e outra há sempre uma diferenciação morfológica. Um rosto achatado ali, um nariz pontiagudo aqui, uma orelha abanada adiante, um terceiro olho na testa noutro desenho, tudo trabalhado com requinte artístico. Na interpretação de alguns arqueólogos, o que vem projetado é um culto de povos primitivos aos seus deuses... Já as lendas aymaras falam de coisa bem diferente. A cidadela seria uma espécie de museu antropológico. As imagens retratariam seres representativos de civilizações que, em tempos recuados da história, povoaram aquelas bandas misteriosas de nosso planeta.

 Tem mais: os monumentos de Tiahuanaco pertenceriam, por suas características, a um instante da arquitetura diverso de outros monumentos, nos Andes, atribuídos ao engenho e arte da decantada civilização inca.

 

                     Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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