quinta-feira, 1 de julho de 2021

 


Romanceiro de Federico Garcia Lorca,
de Mercês Maria Moreira

 

Jair Barbosa da Costa
Vice-Presidente da Amulmig
 (pequeno ensaio)
 
Ofereço este ensaio a minha filha Gisele, futura ocupante da cadeira de Mercês na AFEMIL. Sempre notei nos romanceiros certas características comuns: o épico como gênero prevalente, todavia, veiculado pelo lírico; formas (fôrmas) poemáticas variadas, em geral obedientes à métrica e rima. O romanceiro de Mercês Maria Moreira difere dos demais por eleger o decassílabo a predominar em longas estruturas desta alentada obra sobre os alopoemas, em redondilhas dos dois tipos, em menor número. Ainda, relativamente às fontes para a construção deste Romanceiro de Federico Garcia Lorca, a Autora não recorre ao fabulário popular para sequer um dos temas desenvolvidos. É que lhe bastam a fecunda vida de seu ídolo, — considerado herói e vítima da ditadura franquista, responsável por seu assassínio —, sua terra, seus amigos, seus algozes, sua Espanha e a brilhante trajetória de palco e das letras cujas produções perpassam todo o livro, em especial a Poética, que a Autora resenha, em versos, para trazer-nos a lírica lorquiana, como a do Romancero Gitano. Além disso, estabelece uma confluência de sua personagem-central com os maiores intelectuais do mundo hispânico a sua volta. Três pórticos: a) o que se pretende cantar — Lorca, a Espanha, Andaluzia e Fuente Vaqueros, aldeia do gênio, e a dor por sua perda; b) despertar da origem cigana da Autora; c) o indelével amor platônico amalgamado ao badalar do sino “imperecível” no coração de quem canta. Após invocar a Deus, com humildade, pede-Lhe luz para realizar a obra cujos primeiros poemas, como um andante, trazem Federico ao mundo e retratam seu sangue — a mãe, o pai, os irmãos, assim também o povo, a aldeia Fuente Vaqueros. Os ingredientes para nutrir todo o incomparável manancial épico-lírico de Mercês Maria Moreira são fartos e não se esgotam. Eis a impressão à medida que se vai palmilhando o singular percurso do artista multifário: dramaturgo, poeta, pintor, escritor, também autor de um romanceiro de sua raça gitana, cujo tema e personagens sua cantora exalta e revive.
Também no bojo de boa parte dos poemas é a figura de Garcia Lorca que se quer evocar e enaltecer para se expor e reafirmar, até o ilimitado, o imensurável amor da Autora — cúmplice desse onírico idílio.
Em Perdido amor, por exemplo, tem-se uma comunhão perfeita dessa personagem com a natureza, em plenitude, e com antigas civilizações e “remotas línguas de fanados seres”, na busca incansável, obstinada, do poeta-mito, móvel solar do romanceiro. A explosão do eu-lírico, em ascese, exerce tal pressividade, à procura obcecada dessa metade, assim desplatonizada, que, em um desses colóquios, fruto da imagética, deixa escapar os apelos da matéria e (os) anseios da alma. Perdido amor encerra-se como se fosse o epílogo do romanceiro, como se findasse a mais sentida declaração de amor: parece recolher e escoar todas as essências do canto lírico, do esplendor da própria poesia, adornada de metáforas e alegorias a envolver o amado Garcia Lorca, tão platônico e tão palpável neste belo, majestoso canto-acalanto. Mas uma alma, assim machucada e ofendida pela morte covarde de seu maior mito, acabaria encontrando uma fórmula poética de vingança. É o que faz Mercês Maria Moreira com todos os algozes do dramaturgo: condena, pós-morte, a torpeza e arrogância de Luiz Alonso. Dialoga com o carrasco, atirando-lhe toda sorte de praga e o desprezo. Assim também procede com o sádico Governador José Valléz Gusmán e, finalmente, com o generalíssimo Franco. Em duas extensas composições, critica a mão pesada e agressiva do ditador, a sede de poder, a prepotência, o extermínio de inocentes, inclusive de seu amor maior, Lorca, cuja arma – o talento – e cuja munição – o verbo perturbavam os senhores mandatários de “su pátria”. O amor sublime e puro, o humanismo, na mais arrojada apologia e reflexão, a historiografia, em verso, de um dos períodos políticos mais sufocantes da Espanha, berço de numerosos artistas e pensadores universais — tudo isso se faz presente no Romanceiro de Federico Garcia Lorca, obra-prima da magistral poetisa Mercês Maria Moreira.

Tudo é grandiloquente e altissonante neste monumento literário a Garcia Lorca, núcleo-significativo, lato sensu, de toda a obra, seja ao se tratar do próprio curso vital e artístico, seja ao se inserir na história de Fuente Vaqueros, Granada, Espanha e seus expoentes artísticos e intelectuais, amigos de Lorca, como Pablo Neruda, Dâmaso Alonso, Picasso e mais duas dezenas deles. Sente-se o pulsar da Espanha por todo o livro, mas este “Renascimento da Espanha”, de quase cento e setenta versos, é, a um tempo, hino e meditação: seu passado, sua história, sua dor; o assassínio de Lorca, as expressões maiores de suas artes.

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