sexta-feira, 17 de janeiro de 2020


Semeando livro em louvor ao pai

Cesar Vanucci

“Quando estou lendo um livro tenho a impressão
de que ele está vivo, conversando comigo.”
(Swift)

Bendito seja, relembrando sugestivos dizeres de Castro Alves, aquele que semeia livro e manda o povo pensar! O livro dissemina ideias. Propaga esperança. Festeja a vida.  

De carinhoso intuito filial em louvar a memória do pai poeta nasceu um encantador livro de poemas: “Ciclo do amor e da vida”, de Lauro Fontoura. Está sendo reeditado por iniciativa de Paulo Roberto Alves, conceituado profissional na área médica, assistente da clínica urológica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. No exercício da função profissional na importante instituição, Paulo Roberto sucedeu a Aldemir Brant Drumond e José Bolivar Drumond, este último antecedido no posto por ninguém mais, ninguém menos, do que Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico urologista apontado, na veneração das ruas, como o maior estadista brasileiro, graças à sua incomparável gestão à frente da Presidência da República.

A respeito do saudoso autor do livro citado, afirmo com fervorosa convicção tratar-se de alguém provido de sabedoria incomum e invulgares qualificações como humanista, intelectual e jurista. Lauro Savastano Fontoura foi meu professor nos tempos, que já vão longe, do curso frequentado na Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro, na Universidade de Uberaba. Os editores honraram-me com convite para inserir na obra vinda agora a lume – demonstração pujante do imenso talento de Fontoura – um texto sobre a vida e obra do autor. Concordaram, benevolentemente, com a sugestão que lhes passei de reproduzir uma narrativa radiofônica, por mim levada ao ar nos idos de 60, com foco em feitos e ditos do ilustre personagem. Naqueles tempos, ainda residindo em Uberaba, este escriba mantinha, na Rádio Difusora, um programa semanal, com boa audiência, intitulado “Uma vida, um exemplo!” Os originais de, aproximadamente, duas centenas de radiofonizações são conservados em arquivo pessoal. Retratam perfis e depoimentos de figuras que deixaram rastro cintilante na história de Uberaba e de outras cidades do Triângulo Mineiro. A íntegra do trabalho alusivo a Lauro Fontoura, em sua concepção original, guardando o ritmo peculiar da dicção radiofônica, estampada na publicação poética relançada, foi a maneira singela encontrada de atender à solicitação dos editores do livro. Solicitação – diga-se de passagem - que me proporcionou prazerosa emoção: reencontro com figura icônica da distante mocidade.

Na sequência, entrego ao culto leitorado, para infalível embevecimento, algumas reluzentes amostras da lírica social e romântica do esplêndido poeta Lauro Fontoura, extraídas do “Ciclo do amor e da vida”.

- “Religião. Não existe, a rigor, nem o Bem, nem Mal... / existe apenas, convencionalismo. / Um doutrinário sentimentalismo / veio desigualar o que era igual. / O humano instinto de selecionismo / criou uma apologética social. / É essa estreita noção de moralismo / que separa um mortal de outro mortal. / No jardim claro da meditação, / buscando o fruto puro da razão, / que é a verdade sem dogmas e artifício, / o homem, bem como a própria natureza, / não conhece fronteira de Beleza, / de Bem e Mal, nem de Virtude e Vício.”
- “Homo Sapiens. Mera aglutinação de princípios vitais, / que uns farrapos de ideal, transfigura e ilumina, / minh’alma é uma equação de sangue e albumina / e precipitações orgânicas fatais. / O amor, que ora me exalta, que ora me alucina, / é uma simples reação de elétrons especiais. / A consciência e a razão são funções cerebrais / que a cadeia nervosa impulsiona e origina. / Não vejo explicação para o espiritualismo: / - sou um produto de íons e cátions celulares, / sem força de vontade, sem substância anímica. / Bom e mau, sou capaz de crime e heroísmo, / consoante agitação dos centros medulares / que obedece a leis biológicas da química.”
- “A linda mentira. “– Nunca me hás de beijar!” Que maldosa candura, / que ingênua convicção, e que belo pudor!... / Um dia, hás de sentir a harmoniosa loucura; / um dia, hei de provar o divino licor. / O teu corpo nevado é um jordão de frescura, / tua boca de sangue, uma rosa de amor... / Um dia, hás de ficar mais formosa e mais pura, / constelada de um casto e angélico rubor. / “Nunca te hei de beijar!” que gloriosa surpresa! / a frase é velha; mesmo assim é muito linda... / Mas, para que fingir, para que disfarçar? / Só tenho, meu amor, a serena certeza / de que, mesmo beijando, hás de dizer-me ainda: / “- Nunca te hei de beijar! / nunca de hei de beijar!”

Na contracapa da obra, o jornalista Manoel Hygino dos Santos, da Academia Mineira de Letras, anota o significado da homenagem de Paulo Roberto ao pai, querido e ilustre, “em expressão de reconhecimento por conduzir a família pelas vias do bem servir ao próximo e à sociedade”.

Por tudo quanto posto, louvores a ambos. Pai e filho.


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