sexta-feira, 28 de junho de 2019


Apesar dos pesares, torcer
Cesar Vanucci

“País na beira do precipício.”
(Titulo de editorial do Diário do Comercio,
 edição de 6 de junho de 2019)

Sinais de tempos diferentes. Diferentes e perturbadores. Onde foi parar aquela ardente, contaminante mesmo, vibração da “torcida uniformizada” à volta da “seleção canarinho”? A empatia, então existente, entre as frenéticas multidões rendidas ao fascínio da coreografia futebolística e o escrete representativo de conquistas memoráveis, deixadas hoje na saudade, vinha envolta em ardor – não é exagero dizer – de feição religiosa. Nem o mais impassível dos indivíduos conseguia manter-se fora das ruidosas manifestações nas vésperas de jogos importantes, ou das comemorações festivas em razão dos cumulativos resultados positivos. E nem, tampouco, alheiar-se às reações de desencanto provocadas por frustradas expectativas.

A situação agora é outra. Aí está a Copa América com começo previsto para já. Não se vislumbra, nas ruas, em que pese o esforço midiático, demonstrações de entusiasmo solto relativas às competições. Em ocasiões passadas, era raro topar com alguém, “torcedor de carteirinha”, ou torcedor esporádico, que não soubesse declinar, de cor e salteado, a composição do time a “adentrar a cancha” (como apreciam dizer nossos esfuziantes cronistas) com a missão de defender as gloriosas cores do (único) país pentacampeão.

Na hora atual, ficou mais fácil ouvir da boca das pessoas a escalação completa dos 11 togados (quase todos de ego exacerbado) que integram o Supremo, do que a dos 11 “malabaristas da bola” designados para os prélios. Quando muito, os adeptos do “esporte das multidões” conseguem mencionar, do elenco convocado, uns dois ou três atletas, o incorrigível Neymar entre eles. Não encontram, de outra parte, facilidade para indicar sequer as posições em que atuam os jogadores “dentro das quatro linhas”, conforme descrição do saboroso vocabulário futebolês. Tem-se por certo que essa ausência de familiaridade do público com os atletas – selecionados, de acordo com suspeitas amiúde levantadas, com “despretensiosa ajuda” de empresários e patrocinadores – se origine da circunstância de os convocados pertencerem, na quase totalidade, à chamada “legião estrangeira”. Noutras palavras, fazem parte de clubes estrangeiros que operacionalizam intensamente o negócio, altamente rendoso, das milionárias transações de passes. Atividade que anda enricando, aqui e acolá, mundão de gente. O recrutamento da “legião” ocorre sempre quase na hora das disputas. Não há tempo suficiente para treinamentos em conjunto. Os jogadores comunicam a desagradável sensação de manterem vínculo emocional reduzidíssimo com a gloriosa escola futebolística que representam nos gramados. Parecem não se deixar empolgar muito com o que se lhes toca fazer. E, em assim sendo, suas performances acabam também não empolgando, nadica de nada, a imensa plateia que torce pela seleção.

Experientes analistas esportivos sustentam que a convocação exclusiva de jogadores dos times em ação nos campeonatos brasileiros seria a opção desejável para formar uma seleção bem treinada, em perfeitas condições de devolver aos brasileiros as alegrias perdidas. Um escrete em tais moldes, garantem ainda, imporia, com facilidade, derrotas ao time dos “legionários”. Resguardaria, com competência e altivez, as glórias e as tradições do genuíno futebol brasileiro. Sabe-se, contudo, que uma reformulação desse porte revela-se impraticável.  Os poderosos interesses por detrás da estrutura dominante no processo não querem saber de mudança alguma.

 Mas, analisada por outro ângulo, a apatia das pessoas advém de outros fatores, bem mais contundentes. A densa e tensa atmosfera dominante na cena brasileira contemporânea contribui decisivamente para o estado de espírito da população. O desalento afivelado nos semblantes das ruas tem como causa o manifesto despreparo de nossas lideranças políticas, que não sabem como fazer o Brasil andar pra frente. Retomar o desenvolvimento, reduzir o desemprego galopante, diminuir as desigualdades sociais, enfim, traçar rota segura que permita a materialização da inequívoca vocação de grandeza do país.

Convidemos a explicarem as razões desse clima de angustiada descrença renomados sociólogos, antropólogos e outros especialistas em ciências humanas. Categoria, como visto, desacreditada por “çábios” (definição tomada emprestada ao Élio Gáspari) detentores de embriagante autossuficiência, responsáveis por aquilo que, ora vigente na praça, vem sendo apelidado de “neo revisionismo histórico”. Eles, os especialistas “rejeitados”, não hesitarão, tiquinho que seja, em apontar que a frustração crescente, em todas as esferas do labor, é fruto daninho da desastrada condução das políticas públicas.

Fique por derradeiro um singelo registro. Diante de tudo quanto exposto, é preciso atentar para algo de suma relevância. Apesar de todos os pesares, levando-se em conta coisas valiosas em jogo, que tocam de perto e fundo nossa vida e nosso destino, uma postura pertinente e razoável é reclamada dos indivíduos de boa-vontade. A cada qual compete entregar-se, nesta hora, em exercício de saudável cidadania, a uma reflexão serena, visão crítica construtiva, sentimento de brasilidade aflorado, aplicando afinco no trabalho empreendido no contexto comunitário.  E torcer, extraindo fervor máximo do coração. Torcer, de passagem, pela seleção. E, sobretudo, torcer muito, demais da conta, de verdade, pelo Brasil.

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