Discurso de improviso
Cesar Vanucci
“Um bom discurso de
improviso
exige pelo menos três
semanas.”
(Mark Twain)
Chegou na sede da Associação de Pais e
Mestres no finzinho da reunião e foi logo recebendo da presidente inesperada
incumbência: saudar visitantes ilustres do exterior. Professores e estudantes
da Pensilvânia, campeões de “wakeboarding”. “Enfatize o feito esportivo. Vamos
entregar-lhes um troféu. Temos interesse em fortalecer o intercâmbio com eles.”
Foi o que disse a presidente, sem conceder-lhe tempo para argumentar, antes de
deixar, às carreiras, a sala. Toda festiva, os braços abertos em sinal de
fraterna acolhida, caprichando no timbre de voz para os “rauduidus” de praxe,
ela conduziu a comitiva até o auditório. “Eles apreciam pontualidade e eu
também”, asseverou.
- E essa agora? Questionou-se com os seus
botões, pensamento embaralhado, o nosso indigitado orador. Lamentou haver
comparecido à reunião. “Não estaria agora a pagar esse baita mico. E que diacho
de coisa é esse tal de “wake sei lá o quê?!” Sentiu-se perdido em meio a
solitárias e silenciosas indagações. Lançou um olhar súplice ao redor. Percebeu
logo que ninguém ali estava a fim de compartilhar suas aflições. A mesa da
sessão começava a ser composta. O público numeroso cuidava, em ruidosa
movimentação, de se apoderar dos assentos não ocupados no auditório. Suas
ruminações mentais não calavam. Tentava, embalde, consolar-se com a ideia de
que, diante da inevitabilidade da incômoda situação, o melhor a fazer era
relaxar. Classificava, tardiamente, de supina besteira a concordância dada,
dias antes, para a inclusão de seu nome, como orador, na chapa da Associação. O
hino de abertura da sessão acabara de ser entoado. A hora do pronunciamento se
acercava e ele ainda sem saber como se arranjar na fala para os gringos. Pior,
consciente da condição de analfabeto de pai e mãe com relação ao tal esporte de
nome complicado. Que tal se invocasse ajuda da Medalha Milagrosa? Descartou a
opção por lhe parecer oportunista, consideradas as circunstâncias de nunca lhe
haver passado pela cachola a intenção de integrar o grupo de devotos fervorosos
da santa. Na busca de auxílio providencial, agarrou-se à ideia de invocar São
Judas Tadeu. Adepto do santo não podia, em boa e leal verdade, dizer que era.
Mas, de qualquer maneira, pesava a favor o fato de haver acompanhado a patroa
em celebrações no santuário erigido em louvor de São Judas pela veneração
popular. Mesmo após a invocação sentiu a estrutura óssea balançar, no momento
crucial da chamada à tribuna. O coração saltitante, esmerou-se em pronunciar
pausadamente as palavras. Rodeou toco o quanto pôde, com filigranas retóricas.
Não se atreveu, estrategicamente, uma vez sequer, a citar a modalidade
esportiva em foco. Com algum domínio da situação, deixou-se arrastar pela
empolgação. Proclamou então que os homenageados, educadores de escol e coisa e
loisa, cumpriam exemplarmente histórica missão, aplicando os recursos de um
esporte tão apaixonante e valoroso no burilamento da têmpera e caráter dos
jovens. Lastimou que tão enriquecedora prática não recebesse entre nós o
incentivo devido. Arrancou, para surpresa, uma ovação. Os desportistas campeões
abraçaram-no efusivamente, impressionados com tão incisivo apoio à sua causa
esportiva.
Um grupo de estudantes, seu filho entre eles,
trouxe-lhe, na hora dos cumprimentos, inusitada proposta. Já que se confessara
simpático à prática do “wakeboargding”, a moçada resolvera elegê-lo, ali mesmo,
patrono do nascente time do educandário. Tocava-lhe, à vista disso, a suprema
honra de abrir, com substanciosa doação, o livro de ouro instituído para a
aquisição do material de treinamento. Meteu o chamegão no livro, sem tugir nem
mugir, o sorriso amarelo, com a cara de quem estivesse conquistando o troféu de
“cavalgadura do ano”. Recordou-se de uma cena do passado: vovô Querino, num
ajantarado dominical familiar comemorativo de suas bodas de ouro matrimoniais,
proclamando sentencioso que quem fala demais dá bom dia a cavalo...
Ainda por se refazer das imprevisíveis
emoções do dia, sentiu a língua coçar de tanta vontade de perguntar ao filho,
na volta de carro pra casa, o que vinha a ser mesmo esse tal de “wake... sei lá
bem o quê...”. Faltou coragem...
2 comentários:
Excelente saída, que o levou a uma sinuca de bico.
E agora? Vamos consultar o Mestre Google??
Excelente saída, que o levou a uma sinuca de bico.
E agora? Vamos consultar o Mestre Google??
Postar um comentário