sexta-feira, 25 de maio de 2018


Recado para o craque de bola

Cesar Vanucci

“O jogo brasileiro de futebol é como se fosse uma dança.”
(Gilberto Freire)

Copa do Mundo à vista. As tevês esmeram-se na programação esportiva. Sabem muito bem que várias centenas de milhões estarão fixados na telinha antes e durante as competições, vivendo as eletrizantes emoções proporcionadas pelo esporte da preferência das multidões. Reunindo experimentados comentaristas, atletas e outros entendidos, os debates proliferam em torno do tema futebol. Indoutrodia, acompanhei animada tertúlia sobre o chamado “futebol arte”. No bate-papo marcado por controvérsias, alguém afirmou que o “futebol-arte” pode desembocar, vez por outra, em resultados desfavoráveis. A afirmação inspirou o neto predileto de vó Carlota a mandar recado para os craques de bola. Aqui está.

Entra nessa não, irmão. Não esmoreça. Não ceda. Resista até o derradeiro alento. Que nem fez, noutro contexto, o lendário Zumbi dos Palmares. Cada ser humano é ele mesmo mais suas circunstâncias, lembra Ortega y Gasset. Você, craque de bola, trate de trabalhar bem as suas. Seus dons naturais. Não abra mão de nada. Não se deixe intimidar pela intolerância e preconceito alheios. Nem se contaminar pelas reações turbulentas de companheiros de profissão, atletas e treinadores, de apoucado engenho. A mediocridade não aguenta fitar a luminosidade ofuscante do talento.

Fique na sua, craque de bola! Rechace, sobretudo dentro das quatro linhas do gramado, toda manifestação conspiratória contra a ideia de que o futebol não é uma modalidade de arte. É arte, sim senhor. Arte de raiz. Generosa, exuberante e boa. Às vezes, simples como uma ermida. Às vezes, imponente como uma catedral. Mas, arte autêntica, com vínculos indestrutíveis em termos de paixão e arrebatamento – como nenhuma outra forma de expressão criativa consegue estabelecer – com a genuína alma das ruas.

Fique atento, craque de bola. Diga não às pressões descabidas dos que acham que futebol é chutão pra frente. É jogada ríspida, intervenção viril, tranco por vezes até sem deslealdade. Compenetre-se de uma coisa. O que um atleta em estado de graça realiza com a bola no pé não fica nada a dever, em termos de magia coreográfica, ao que Fred Astaire, Gene Kelly e suas parceiras Leslie Caron e Cid Charisse aprontavam, também com os pés, nos inesquecíveis espetáculos musicais de Hollywood.  E, ao que consta, nunca se soube de alguém que os houvesse procurado pra dizer que parassem de vez com aquelas extasiantes proezas, todas nascidas de puro talento, porque elas representassem, aos olhares dos que não sabiam fazê-las, deboche ou provocação.

Imagine só se um cidadão qualquer resolvesse, de repente, interromper o dueto magistral de Ellis Regina e Tom Jobim em “Águas de março”, alegando que a interpretação estava sendo vista como um escárnio por outros cantores e compositores. Ou se, em plena função, no “Scala” de Milão, a peruana Yma Summac fosse intimada, por alguém incomodado com sua performance, a reduzir a simples murmúrio o agudo canoro inigualável que lhe conferiu a condição de maior cantora lírica da história! Ou, ainda, se ao brasileiríssimo Ary Barroso, o mais criativo compositor popular de todos os tempos, fosse ditada ordem para parar de fazer música maravilhosa pela mera razão de que isso estaria sendo recebido como achincalhe aos colegas.

O exercício da arte não comporta peias. Não se engaiola o talento. A criatividade não suporta mordaças. Isso vale para todas as formas de manifestação do espírito. Faz parte da essência do futebol.

Sem essa, pois, craque de bola, de se sentir tolhido na livre expressão de sua arte diante das imprecações raiventas dos que se confessem molestados com esse jeito, todo seu, de conduzir a pelota com requinte e garbo nas pelejas. O “drible da foca” é parente consanguíneo da “pedalada”. Do gol de letra. Do “rabo de vaca”. Do passe de calcanhar. Do pique incontrolável em direção do gol. Da “embaixadinha”. Do “folha seca”, de mestre Didi. Da “bicicleta” com que Leônidas, pés descalços, maravilhou a Europa. Daqueles chutes de efeito do Nelinho, cheios de picardia e com estrondo certeiro de míssil.

Dá pra entender que, no supremo ardor de uma partida, a jogada de arte possa ser bruscamente contida. O que não dá pra entender é que se queira, com intervenção faltosa e alegações ridículas, chutar pra fora de campo a arte e o talento. Aceitar tal despropósito, interpretação dos acontecimentos regida por tão assustador primarismo, equivale a negar a genialidade eterna de Pelé, a legendária trajetória, puro êxtase e virtuosismo, de Garrincha.

Por esses motivos todos, você que é craque, não se apoquente. Não queime a mufa. Com bola ou sem bola, use a cabeça. Continue a desarmar, com lances desconcertantes, de deleite e encantamento, os adversários desleais. Ensine-lhes a proverbial lição de que os incomodados com o “futebol arte” é que devem se retirar. Deles, sim, a prerrogativa de tirar o time de campo.


Cá estão as perguntas. 
E as respostas?

Cesar Vanucci

“Juros de 300 por cento? 
Uma palavra basta pra definir isto: indecência.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

Ocupamo-nos, novamente, nestas maltraçadas, de questões indesejáveis que tornam mais atribulada a vida da gente do povo. Levantamos mais uma lista de perguntas que traduzem a apoquentação que tira do sério o cidadão comum diante de atos comportamentais destituídos de bom senso. Frustrados com a sonegação de respostas, ou com a insuficiência de argumentos dados nas tentativas de respostas, vemo-nos impelidos, volta e meia, a lançar perguntas no ar, visando esclarecer os porquês de tanta coisa perturbadora. Aqui vão as indagações de agora.

Tempos estranhos, sem dúvida. Como explicar que, em Minas, aqui e agora, numa Capital que tão bem simboliza o sentimento democrático brasileiro, uma manifestação reivindicatória pacífica de professores de unidades educacionais voltadas à assistência de garotinhos venha a ser enfrentada, não com o diálogo, mas com sufocantes jatos de água, em cenas que remetem a desditosas lembranças de um passado autoritário que ninguém deseja de volta? Por quê isso aconteceu?

A chamada taxa Selic chegou, recentemente, ao índice mais reduzido (6.5%). Nada obstante, pra estupefação geral, o sistema bancário brasileiro, usufrutuário há décadas da prática de juros mais rendosa vigorante na Via Láctea, não se toca nadica de nada com relação ao assunto. Faz de conta, marotamente, que a taxa básica de juros nada tem a ver com as taxas cobradas em negócios de empréstimos e financiamentos. Dá sequência, assim, inabalável, possuído de embriagadora autossuficiência, ao seu ousado projeto de acumulação de lucros descomedidos, sem paralelo na história dos países de economia emergente, afetando contundentemente a cadeia produtiva responsável pelo crescimento econômico, através do “oferecimento” de crédito à desprotegida clientela na base de indecentes taxas. Em certas operações passam dos 300 por cento ao ano, minha Nossa Senhora da Abadia! Por quê? Por quê? 

A opinião pública toma conhecimento, perplexa, da notícia de que os emolumentos cobrados nos cartórios da praça acabam de ser majorados em mais de 1.000 por cento. Quem permitiu tamanho despropósito?  Como pode ocorrer algo desse gênero sem uma reação enérgica, firme, decidida dos poderes encarregados de zelar pelos sagrados interesses da coletividade?

Os pontos de estacionamento que enxameiam a zona urbana da Capital exploram, a bel prazer, ávidos por ganhos fáceis, os indefesos motoristas que recorrem a essa modalidade de prestação de serviços. Abusam, a mais não poder, das circunstâncias penosas impostas por congestionamentos caóticos. Na administração despoliciada do rendoso negócio não poupam nem mesmo – pasmo dos pasmos! – clientes de hospitais que, desavisadamente, em situações de emergência, conduzem os veículos às garagens dos citados estabelecimentos, arcando, por conta disso, com extorsivos ônus. As autoridades, a seu turno, optam por guardar distância considerável do assunto, como se não lhes competisse o dever de regulamentar e fiscalizar essa atividade. Mas por quê mesmo?

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